Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
380/11.2TBCNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: SERVIDÃO APARENTE
SERVIDÃO NÃO APARENTE
CONSTITUIÇÃO POR USUCAPIÃO
Nº do Documento: RP20140128380/11.2TBCNF.P1
Data do Acordão: 01/28/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Servidões aparentes, são aquelas cuja existência ou exercício se manifesta através de sinais exteriores reveladores da própria servidão. Não aparentes são aquelas que não se revelam por sinais visíveis e aparentes, cfr. art.º 1548.º n.º2 do C.Civil.
II - As servidões não aparentes, por não se revelarem por sinais visíveis e permanentes, confundem-se, por isso, muitas vezes com actos de mera tolerância do proprietário do prédio serviente. Por não haver nestas servidões sinais visíveis e permanentes, elas podem estar a ser exercidas na ignorância do dono do prédio serviente e tal ignorância obsta à usucapião.
III - A visibilidade dos sinais, que deve ser objectiva, evidenciada “erga omnis”, constitui condição indispensável à apreciação de determinados actos, como constituindo um exercício “jure servitutus”, e não um exercício “jure familiaritatis”, um acto de favor, de mera tolerância, característico das relações de boa vizinhança, ou ainda, de um acto clandestino e intencionalmente usurpador.
IV – Mas não é necessário que toda a obra ou todos os sinais estejam à vista: pode bastar perfeitamente que esteja visível apenas uma parte da obra ou do sinal, desde que suficiente para revelar aos olhos do observador o exercício da servidão,
V – Não obstante parte do tubo que conduz as águas residuais e dejectos do prédio dos autores até à fossa existente no prédio do réu estar enterrado no solo, numa extensão de cerca de 20 metros, certo é que a respectiva servidão se manifesta por sinais exteriores que necessariamente a constituem, como sejam o restante tubo existente á superfície, desde a saída do prédio dos autores até entrar no prédio do réu, e decerto a tampa que cobre a fossa existente no prédio do réu, directamente visíveis à superfície, podendo entre um ponto e o outro, perceber-se que ali existe uma servidão de escoamento daquelas águas residuais e dejectos.
VI - A existência desses sinais visíveis e perceptíveis, de que o réu poderia ou deveria tomar conhecimento, reveladores da existência da servidão de escoamento de águas residuais e dejectos, em apreço, para a fossa existente no seu prédio, indicam que estamos perante uma servidão aparente, que pode ser constituída por usucapião.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação
Processo n.º 380/11.2 TBCNF.P1
Tribunal Judicial de Cinfães – secção única
Recorrentes – B… e mulher
Recorrido – C…
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntas – Desemb. Maria do Carmo Domingues
Desemb. José Bernardino de Carvalho

Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ªsecção cível)

I – B… e mulher, D…, intentaram no Tribunal Judicial de Cinfães a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário contra C…, pedindo que o réu seja condenado a:
- reconhecer que os autores são donos e legítimos proprietários do prédio urbano descrito no artigo 1.º da petição inicial;
- ver declarado que o seu prédio se encontra onerado por uma servidão de escoamento de águas residuais e dejectos a favor do prédio dos autores;
- repor a fossa nas condições em que se encontrava anteriormente à destruição;
- abster-se de praticar qualquer acto impeditivo ou restritivo do exercício dos direitos de propriedade e servidão atrás referidos;
- pagar aos autores todos os prejuízos que lhes advieram e advierem da sua actuação, à razão de €100,00, desde Outubro de 2010 até ao restabelecimento da fossa e servidão.
Alegaram os autores, para tanto e, em síntese, que há mais de 20 anos procederam à captação das águas residuais e dejectos provenientes do prédio do qual são proprietários, canalização e deposição numa fossa que existe no prédio do réu. Essa captação evidencia-se pela circunstância de ser feita através de um tubo que sai de casa dos autores percorre uma distância de cerca de 40 metros e entra no prédio do réu onde existe uma fossa coberta com tampa de visita. Tanto o tubo como a fossa, sempre estiveram visíveis, há mais de 20 e 30 anos, ininterruptamente. Os autores sempre despejaram as águas residuais provenientes do seu prédio à vista e com conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém, de boa-fé, na convicção de exercerem um direito próprio. Em Outubro de 2010 o réu destruiu a fossa em causa o que acarretou inúmeros prejuízos para os autores, os quais não têm forma de despejar as águas residuais da sua habitação, estando impedidos de utilizar as cozinhas e casa de banho, não tendo quaisquer possibilidades de escoar para outro local.
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O réu, regular e pessoalmente, citado veio contestar, pedindo a improcedência da acção.
Para tanto, alegou que desconhecia, por completo, a existência da fossa em questão; que o despejo dessas águas residuais e dejectos não ocorre há vinte anos, e que essa derivação foi feita sem qualquer tipo de autorização e à revelia do anterior proprietário.
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Foi proferido despacho saneador, foi dispensada a selecção da matéria de facto e elaboração da base instrutória.
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Realizou-se o julgamento da matéria de facto, com gravação em sistema audio dos depoimentos aí proferidos, após o que foi proferida a respectiva decisão sem censura das partes.
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Por fim, foi proferida sentença, onde se decidiu: - “julgar a presente acção totalmente improcedente e, em consequência absolver o réu, C…, dos pedidos contra ele formulados pelos autores, B… e D…”.
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Inconformada com tal decisão dela recorreram, de apelação, os autores, pedindo que seja revogada e substituída por outra que julgue a acção totalmente procedente.
Os autores/apelantes juntaram aos autos as suas alegações onde formulam as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que absolveu o réu dos pedidos, por entender que estava em causa uma servidão não aparente e, como tal, não pode ser adquirida por usucapião.
2. Os ora recorrentes não podem conformar-se com a decisão da douta sentença, mais a mais tendo em consideração a matéria de facto dada como provada, pugnando pela sua modificação e a condenação do réu nos pedidos formulados.
3. A questão a decidir é se face aos factos dados como provados a situação de facto/servidão existente se deve classificar como aparente ou não aparente.
4. A servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente
5. A constituição das servidões pode ser derivada ou originária (por usucapião).
6. A posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real, sendo integrada por dois elementos: o corpus possessório e o animus possidendi.
7. A posse de direitos reais de gozo, maxime o direito de servidão, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, a aquisição por usucapião do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação.
8. Inexistindo registo do título ou da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo do prazo de 20 anos, se for de má-fé.
9. O n.º 1, do artigo 1548.º do C. Civil, estatui que as servidões não aparentes não podem ser constituídas por usucapião.
10. As servidões aparentes e não aparentes distinguem-se pelo facto daquelas se revelarem por obras ou sinais exteriores que, além de visíveis devem ser permanentes.
11. O conceito de visibilidade deve ser interpretado no sentido de que o importa é que a obra seja reveladora da posse e actuação, pois o objectivo pretendido é afastar a usucapião de situações de posse equívoca.
12. Está apurado nos autos, alem do mais,
5. O prédio referido em 1. está dotado de duas cozinhas e uma casa de banho, sendo que as águas residuais e dejectos são evacuados para o prédio referido em 4;
6. Os antecessores dos autores, há mais de 20 anos procederam à captação das águas residuais e dejectos, à sua canalização e deposição no prédio referido em 4.;
7. As águas residuais e os dejectos são captados e conduzidos por tubo de plástico de 90 mm a partir do prédio referido em 1;
8. Esse tubo encontra-se em parte enterrado e em parte à superfície, sendo visível à saída do prédio referido em 1. e depois percorrendo subterraneamente uma distância de cerca de 20 metros, até entrar no prédio referido em 4.;
9. No prédio referido em 4. existe uma fossa em bloco de cimento, coberta com tampa de visita, no qual são depositadas as águas residuais e os dejectos provenientes do prédio referido em 1.;
10. A parte do tubo que está à superfície esteve sempre de forma visível e permanente perante todos, inclusive o réu, há mais de 20 e 30 anos, ininterruptamente;
11. Em consequência do referido em 6., os autores sempre despejaram na fossa existente no prédio identificado em 4., as águas residuais provenientes do seu prédio;
12. De forma contínua e com conhecimento de toda a gente, inclusive o réu.
19. O prédio dos autores não têm qualquer terreno ou logradouro, não tem possibilidade de escoar para outro local.”
13. Não ha melhor indicador de aparência, de visibilidade e carácter duradouro que o facto de estar provado que “os autores sempre despejaram na fossa existente no prédio identificado em 4., as águas residuais provenientes do seu prédio…de forma contínua e com conhecimento de toda a gente, inclusive o réu.”. A situação era tão aparente que toda a gente e o réu a conheciam!!!
14. Tendo em conta a matéria factual apurada entende-se que se verificam os pressupostos da prescrição aquisitiva do direito de servidão de escoamento de águas residuais.
15. Verifica-se o lapso temporal da posse, os actos praticados reconduzem-se ao núcleo das faculdades conferidas ao prédios dominantes no escoamento de águas residuais, os quais, ademais, foram observados na convicção da titularidade do direito correspondente, por outro o facto de o tubo se encontrar em parte e à superfície, a fossa estar construída em blocos de cimento, a parte do tubo que está à superfície, esteve sempre de forma visível e permanente perante todos, inclusive o réu, há mais de 20 e 30 anos, ininterruptamente, com conhecimento de toda a gente, inclusive o réu, a que acresce que os autores não têm qualquer terreno ou logradouro para onde escoar as águas do seu prédio, constituem sinais reveladores e inequívocos do escoamento das águas residuais.
16. Haverá melhor indicador de aparência, de visibilidade e carácter público, duradouro que o facto de estar provado que “os autores sempre despejaram na fossa existente no prédio identificado em 4., as águas residuais provenientes do seu prédio … de forma contínua e com conhecimento de toda a gente, inclusive o réu”.
17. No caso vertente dúvidas não subsistem sobre a existência das obras que o tribunal constatou existir e deu como assentes, associadas aos restantes actos de utilização que se lograram provar, são conducentes à conclusão da aparência/visibilidade exigida pelos incisivos legais aplicáveis.
18. A própria Jurisprudência tem manifestado a mesma posição defendida pelo recorrente, cfr. acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 30.01.1996, processo JTRP00016760, de 10.04.2008, processo n.º 0831598, de 14.05.1992, processo n.º 082018 acórdão do STJ de 08.05.2013,
19. Pelo que a sentença recorrida não poderá manter-se por essa via.
20. A sentença recorrida violou os artigos 9.º, 1251.º, 1287.º, 1543.º, 1544.º, 1547.º e 1548.º, todos do C. Civil.
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O réu/apelado juntou aos autos as suas contra-alegações onde pugna pela confirmação da sentença recorrida.

II – Da 1.ª instância chegam-nos assentes os seguintes factos:
1. Na Conservatória do Registo Predial de Cinfães encontra-se inscrito na favor dos Autores o prédio urbano composto de casa de habitação de dois pavimentos, sito no …, freguesia …, concelho de Cinfães, inscrito na matriz sob o artigo 301 e descrito na Conservatória sob o n.º 1403/180202.
2. Há mais de 25 anos que os Autores por si e pelos seus antecessores habitam o prédio referido em 1. e dele colhem e retiram todos os seus frutos e utilidades.
3. De forma ininterrupta, à vista e com conhecimento de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, convictos de que exercem um direito próprio.
4. Na Conservatória do Registo Predial de Cinfães encontra-se inscrito a favor do réu o prédio urbano denominado “…” sito em …, freguesia …, Concelho de Cinfães, a confrontar do norte com E…, do sul com F… do nascente com estrada e do poente com caminho, inscrito na matriz predial sob o artigo 1731-P.
5. O prédio referido em A. está dotado de duas cozinhas e uma casa de banho, sendo que as águas residuais e os dejectos são evacuados para o prédio referido em 4.
6. Os antecessores dos Autores, há mais de 20 anos, procederam à captação das águas residuais e dejectos, à sua canalização e deposição no prédio referido em 4.
7. As águas residuais e os dejectos são captados e conduzidos por tubo de plástico de 90 mm a partir do prédio referido em 1.
8. Esse tubo encontra-se em parte enterrado e em parte à superfície, sendo visível à saída do prédio referido em A. e depois percorrendo subterraneamente uma distância de cerca de 20 metros, até entrar no prédio referido em 4.
9. No prédio referido em 4. existe uma fossa em blocos de cimento, coberta por tampa com visita, no qual são depositadas as águas residuais e os dejectos provenientes do prédio referido em 1.
10. A parte do tubo que está à superfície, esteve sempre de forma visível e permanente perante todos, inclusive o réu, há mais de 20 e 30 anos, ininterruptamente.
11. Em consequência do referido em 6., os Autores sempre despejaram na fossa existente no prédio identificado em 4. as águas residuais provenientes do seu prédio.
12. De forma contínua, ininterrupta e com conhecimento de toda a gente, inclusive o réu.
13. Agindo sempre perante e à frente de todos, sem oposição de ninguém.
14. Na ignorância de lesar direitos de terceiros.
15. E na convicção de exercer um direito próprio.
16. Em Outubro de 2010, o réu destruiu a fosse referida em 9.
17. Deixando desde essa data os autores de ter forma de despejar os excrementos e águas impuras de sua casa.
18. E ficando impedidos de utilizar as cozinhas e casa de banho do prédio referido em 1.
19. O prédio dos autores não tem qualquer terreno ou logradouro, não tem possibilidade de escoar para outro local.

III – Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 684.º n.º3, 684.º-B, n.º 2 e 685.º-A, todos do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida. Sendo que ao presente recurso já é aplicável o regime processual estabelecido pelo DL 303/2007, de 24.08, por respeitar a acção instaurada antes de 1 de Janeiro de 2008, cfr. n.º 1 do artº 11.º e art.º 12.º do citado DL., não sendo ainda aplicável o NCPC por a decisão em crise ter sido proferida antes de 1 de Setembro de 2013.
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Ora, visto o teor das alegações dos apelantes é questão a apreciar no presente recurso:
- Saber se, em face dos factos apurados e provados nos autos, está constituída a favor do prédio dos autores e onerando o prédio do réu, uma servidão de escoamento de águas residuais e dejectos, por usucapião.
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Por via da presente acção pediram os autores/apelantes o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio urbano descrito no art.º 1.º da sua p. inicial.
Atento que está provado que há mais de 25 anos que os Autores por si e pelos seus antecessores habitam o prédio referido em 1. e dele colhem e retiram todos os seus frutos e utilidades, e que fazem tal de forma ininterrupta, à vista e com conhecimento de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, convictos de que exercem um direito próprio e ainda que o dito imóvel está inscrito na Conservatória do Registo Predial de Cinfães a favor dos autores, e ainda que, como se sabe, para a procedência deste pedido, por regra, é insuficiente a invocação, pelo autor, de uma forma de aquisição derivada (por exemplo o contrato de compra e venda, a doação, a partilha, etc), por ela não ser constitutiva do direito de propriedade, mas somente translativa desse direito, a menos que o autor consiga comprovar que o direito já existia no transmitente, provando, além do mais, a regularidade, substancial e formal, da cadeia, mais ou menos extensa, das sucessivas transmissões anteriores que, a partir de uma qualquer aquisição originária, sirva de suporte ao direito por ele actualmente invocado, constituindo o que é vulgarmente designado por “probatio diabolica”, e que na maioria das situações se revela de muito difícil concretização.
Daí que impende sobre o autor que pretenda ter êxito neste pedido a necessária prova do “dominium auctoris”, ou seja, a usucapião, como forma de aquisição originária do seu direito.
Tal não será, contudo, necessário quando o autor beneficie da presunção legal de propriedade, resultante do registo – art.º 7.º do C.Registo Predial. Na verdade, estatui-se em tal normativo que o: “registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”. E assim resultando do registo a presunção do direito de propriedade do registante (adquirente derivado), implícito está nessa presunção que o registo também faz presumir que o alienante do imóvel era efectivamente o proprietário da coisa, tornando-se desnecessário que, na petição inicial, sejam alegados factos destinados a convencer da qualidade de proprietário do alienante, bastando que, com a petição, seja oferecida respectiva certidão registral.
No que concerne à referida presunção legal decorrente do art.º 7.º do C.Registo Predial, convém referir, que vem constituindo, entendimento Jurisprudencial e Doutrinal praticamente pacífico, que quem tem a seu favor o registo beneficia da presunção de que o direito existe e que o mesmo lhe pertence, cabendo ao interessado em elidir a presunção derivada do registo (demandado) alegar e provar factos demonstrativos do contrário, nos termos do art.º 350.º C.Civil. Tal presunção de propriedade é meramente “juris tantum”, cedendo necessariamente perante a prova da usucapião do direito.
Este entendimento resulta, além do mais, explicitamente do disposto no art.º 5.º n.º2, al. a), do mesmo C.Registo Predial, onde se preceitua que a usucapião produz efeitos contra terceiros independentemente de registo e também decorre do art.º 1288.º do C.Civil, segundo o qual os efeitos da usucapião se retrotraem à data do início da posse.
O registo predial como está concebido na nossa lei, é meramente declarativo e destina-se essencialmente a publicitar a situação jurídica dos prédios, nele descritos, o que é feito através de inscrições autónomas e averbamentos a estas, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário, cfr. art.º 1.º do C.Registo Predial,
Consequentemente resulta do acima exposto que a usucapião é uma das formas de aquisição originária dos direitos (reais de gozo, e nomeadamente do direito propriedade), cuja verificação depende de dois elementos: a posse (“corpus/animus)” e o decurso de certo período de tempo, variável consoante a natureza móvel ou imóvel da coisa, e as características da posse, nomeadamente nos termos dos art.ºs 1251.º e segs, 1256.º e segs, 1287.º e 1294.º e segs, todos do C.Civil, sendo que, nos termos do art.º 1297.º do mesmo Código, se a posse tiver sido constituída com violência ou tomada ocultamente, os prazos da usucapião só começam a contar-se desde cessação da violência ou desde que a posse se torne pública.
Daí que, como está consignado na decisão recorrida, em face dos factos provados nos autos, o pedido de reconhecimento do direito de propriedade dos autores/apelantes tinha se ser julgado procedente.
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Mas, por via da presente acção, e como seu cerne, peticionaram os autores/apelantes que fosse declarado que o prédio do réu se encontra onerado por uma servidão de escoamento de águas residuais e dejectos, a favor do prédio dos autores, constituída por usucapião, e consequentemente que o réu fosse condenado a repôr a fossa nas condições em que se encontrava anteriormente à destruição e a abster-se de praticar qualquer facto impeditivo ou restritivo do exercício dos direito de propriedade e servidão dos autores.
Finalmente, peticionaram os autores/apelantes ainda que o réu fosse condenado a pagar-lhes/indemnizá-los de todos os prejuízos que lhes advieram e advierem da actuação do réu.
Como se sabe a definição de servidão predial resulta do art.º 1543.º do C.Civil, segundo o qual: “Servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia”.
Doutrinariamente decorre desta definição que o encargo que caracteriza a servidão constitui uma restrição ou limitação ao direito de propriedade sobre o gozo do prédio serviente, inibindo o seu proprietário de praticar os actos que possam prejudicar o exercício da servidão e que esta beneficia outro prédio que deve pertencer a dono diferente.
Segundo o que preceitua o art.º 1544.º do C.Civil: “Podem ser objecto de servidão quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais, susceptíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante, mesmo que não aumentem o seu valor”.
Sendo que a utilidade proporcionada pela servidão, que também pode ser futura ou eventual, normalmente, aumenta o valor económico do prédio dominante. No entanto, não é indispensável que esta mais-valia se verifique, bastando que daquela decorram comodidades para o prédio dominante e que a mesma incida sobre um prédio em benefício de outro.
Da lei não decorrem tipificadas as faculdades atribuíveis através do direito de servidão no uso de utilidades do prédio serviente, pelo que é possível falar-se numa atipicidade do conteúdo da servidão.
As servidões constituem-se por diversas formas, como resulta do disposto nos art.ºs 1547.º a 1549.º, do C.Civil. E uma das formas de constituição de uma servidão é por usucapião, cfr. art.º 1547.º, n.º 1, do C.Civil, sendo, para tanto, necessário que exista e se reconheça uma situação possessória correspondente ao exercício de um direito de servidão por um determinado período de tempo, art.º 1287.º do C.Civil.
Na verdade, a usucapião ou prescrição aquisitiva é um modo de adquirir direitos reais de gozo pela posse prolongada e meritória. A respectiva definição é-nos dada pelo art.º 1251.º do C.Civil, segundo o qual: “A posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”.
A posse traduz-se na prática, além do mais, reiterada, de actos materiais correspondentes ao direito que se reclama ou se reivindica, ou no dizer de Manuel Rodrigues, in “A Posse”, pág.10 “A posse é a exterioridade de um direito real que se define por dois elementos: - o corpus, elemento material; e o animus, intenção de exercer um determinado direito real, como se fora o seu titular”.
Está reconhecido e aceite pela maioria da Doutrina que no domínio da posse, o nosso ordenamento jurídico, aderiu à concepção ou corrente subjectivista da posse, defendida por Savigny, ao distinguir do poder de facto a intenção de agir como beneficiário do direito cfr. art.ºs 1251.º e 1253.º do C.Civil. Assim para a nossa lei, como elementos da posse fazem parte o corpus, que, como elemento externo, se identifica com a prática de actos materiais sobre a coisa, ou seja, com o exercício de certos poderes de facto sobre o objecto, de modo contínuo e estável, e o animus que, como elemento interno, se traduz na vontade ou intenção do autor da prática de tais actos se comportar como titular ou beneficiário do direito correspondente aos actos realizados. Para que possa haver, na sequência da prática reiterada e contínua de actos materiais de posse, a aquisição, por via da usucapião, do correspondente direito ao exercício de tais actos, exige-se a presença simultânea e permanente desses elementos. Pois se só se verificar a presença daquele primeiro elemento (o corpus) a situação configura apenas uma mera detenção (precária), insusceptível de conduzir à dominialidade, ou seja, ao direito real de gozo que se reclama, como preceitua o art.º 1253.º do C.Civil.
Porém, considerando a dificuldade de demonstrar a posse em nome próprio, ou seja, do referido animus, a lei estabeleceu uma verdadeira presunção juris tantum da existência do mesmo a favor de quem detém ou exerce os poderes de facto sobre a coisa, isto é, presume-se que quem tem o corpus tem também o animus, como resulta do disposto no art.º 1252.º n.º 2 do C.Civil e Assento, hoje com valor de Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, do STJ de 14.05.96, in DR, II série de 24.06.96. Pelo que, podem ainda assim adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa.
Em suma, a posse adquire-se através de actos materiais, ou seja através de actos que incidem directamente sobre a coisa, actos estes que têm de corresponder ao exercício do respectivo direito, mantendo-se a posse enquanto durar a actuação correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de a continuar, art.º 1257.º, n.º1, do C.Civil. E a posse exercida por um determinado tempo, variável segundo a sua qualidade ou mérito, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação.
Mas, “in casu” há que ter em especial atenção as excepções previstas nos art.ºs 1293.º, al. a) e 1548.º n.º1, ambos do C.Civil, pois segundo tais normas: “não podem adquirir-se por usucapião as servidões prediais não aparentes” e, “as servidões não aparentes não podem ser constituídas por usucapião”.
Servidões aparentes, são aquelas cuja existência ou exercício se manifesta através de sinais exteriores reveladores da própria servidão. Não aparentes são aquelas que não se revelam por sinais visíveis e aparentes, cfr. art.º 1548.º n.º2 do C.Civil.
Ora, as servidões não aparentes, por não se revelarem por sinais visíveis e permanentes, confundem-se, por isso, muitas vezes com actos de mera tolerância do proprietário do prédio serviente. Por não haver nestas servidões sinais visíveis e permanentes, elas podem estar a ser exercidas na ignorância do dono do prédio serviente e tal ignorância obsta à usucapião, cfr. José Luís Santos, in “Servidões prediais”, pág.29.
A visibilidade dos sinais, que deve ser objectiva, evidenciada “erga omnis”, constitui condição indispensável à apreciação de determinados actos, como constituindo um exercício “jure servitutus”, e não um exercício “jure familiaritatis”, um acto de favor, de mera tolerância, característico das relações de boa vizinhança, ou ainda, de um acto clandestino e intencionalmente usurpador.
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No caso dos autos, e como decorre da sentença recorrida, pretendem os autores/apelantes o reconhecimento da existência de uma servidão de águas residuais e dejectos, ou também identificada por servidão de águas impuras ou águas de cloaca ou de latrina a favor do seu prédio através do prédio do réu, constituída por usucapião.
Em princípio, e face aos factos provados nos autos, ou seja, que o prédio dos autores/apelantes está dotado de duas cozinhas e uma casa de banho, sendo que as águas residuais e os dejectos são evacuados para o prédio do réu; que os antecessores dos autores/apelantes, há mais de 20 anos, procederam à captação das águas residuais e dejectos, à sua canalização e deposição no prédio do réu; que as águas residuais e os dejectos são captados e conduzidos por tubo de plástico de 90 mm a partir do prédio dos autores/apelantes; que no prédio do réu existe uma fossa em blocos de cimento, coberta por tampa com visita, no qual são depositadas as águas residuais e os dejectos provenientes do prédio dos autores/apelantes; os autores/apelantes sempre despejaram na fossa existente no prédio do réu as águas residuais provenientes do seu prédio, de forma contínua, ininterrupta e com conhecimento de toda a gente, inclusive do réu, agindo sempre perante e à frente de todos, sem oposição de ninguém, na ignorância de lesar direitos de terceiros e na convicção de exercer um direito próprio, e atento o disposto no art.º 1287.º do C.Civil, ter-se-ia produzido a aquisição, por usucapião, do direito real de gozo sobre coisa alheia, ou seja, da servidão de escoamento de águas residuais e dejectos ou águas impuras ou de cloaca, em benefício do prédios dos autores/apelantes sobre o prédio do réu.
No entanto, e face ao que acima se deixou consignado, há que apurar se a servidão em causa é ou não aparente.
Resulta da decisão recorrida que a 1.ª instância entendeu que a referida servidão que “tem como conteúdo, a passagem e depósito no prédio do R., de dejectos e águas residuais provenientes da casa dos autores/apelantes”, “não se encontra constituída com sinais visíveis e permanentes”. Mais se considerou que “para que a servidão em causa fosse considerada aparente era essencial a existência de um sinal inequívoco do exercício do direito de servidão, aos olhos do observador que no caso se poderia consubstanciar no facto de o tubo ser visível até entrar no prédio do réu, o que não sucede”, pois “não foi feita prova desses sinais visíveis e permanentes, pelo que não restam pois quaisquer dúvidas que estamos perante uma servidão não aparente, a qual em face da lei não pode ser adquirida por usucapião”. Consequentemente, julgou-se a acção improcedente. Pois que está assente que “as águas residuais e os dejectos são captados e conduzidos por tubo de plástico de 90 mm a partir do prédio dos autores, esse tubo encontra-se, em parte, enterrado e em parte à superfície, sendo visível à saída do prédio dos autores e depois percorrendo subterraneamente uma distância de cerca de 20 metros, até entrar no prédio do réu, a parte do tubo que está à superfície, esteve sempre de forma visível e permanente perante todos, inclusive o réu, há mais de 20 e 30 anos, ininterruptamente”.
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Todavia, defendem os apelantes que “a visibilidade não pode ser interpretada em termos absolutos, mas antes habilmente, no sentido de que o importa é que a obra seja reveladora da posse e actuação. E de acordo com a douta decisão da matéria de facto as obras existem e a actuação decorre à vista e com conhecimento de todos, inclusive do réu”.
E estando provado que “os Autores sempre despejaram na fossa existente no prédio identificado em 4, as águas residuais provenientes do seu prédio … de forma contínua e com conhecimento de toda a gente, inclusive o réu”, tal situação não pode deixar de se reputar de pública, conhecida, inequívoca e ostensiva, ou seja, era tão aparente que toda a gente e o réu a conheciam.
Vejamos.
Dúvidas não há que: - as águas residuais e os dejectos do prédio dos autores são evacuados para o prédio do réu;
- que já os antecessores dos autores, há mais de 20 anos, procederam à captação dessas águas residuais e dejectos, à sua canalização e deposição no prédio do réu;
- essas águas residuais e os dejectos são captados e conduzidos por tubo de plástico de 90 mm a partir do prédio dos autores, tubo, esse, que se encontra, em parte, enterrado e, em parte, à superfície, sendo visível à saída do prédio dos autores e, depois percorrendo subterraneamente numa distância de cerca de 20 metros, até entrar no prédio do réu; onde existe uma fossa em blocos de cimento, coberta por tampa com visita, no qual são depositadas as águas residuais e os dejectos provenientes do prédio dos autores;
- a parte do referido tubo que está à superfície, esteve sempre de forma visível e permanente perante todos, inclusive o réu, há mais de 20 e 30 anos, ininterruptamente;
- por via da referida captação e condução, os autores sempre despejaram na fossa existente no prédio do réu as águas residuais provenientes do seu prédio, o que fizeram de forma contínua, ininterrupta e com conhecimento de toda a gente, inclusive do réu. Agindo sempre perante e à frente de todos, sem oposição de ninguém, na ignorância de lesar direitos de terceiros e na convicção de exercer um direito próprio.
É pois certo que parte do tubo, numa extensão de cerca de 20 metros, que conduz as referidas águas residuais e dejectos desde o prédio dos autores até à fossa existente no prédio do réu, não é visível, por se encontrar enterrado no solo e, que tal sucede na parte em que esse tudo entra e percorre o prédio do réu até á dita fossa.
Mas desta realidade, não pode concluir-se, como fez a 1.ª instância, que sendo subterrânea, parte da passagem da tubagem, ela não é revelada por qualquer outra forma. Na verdade, essencial é que haja um sinal que revele o exercício do direito de servidão. Ou seja, tão-pouco se torna necessário que toda a obra ou todos os sinais estejam à vista: pode bastar perfeitamente que esteja visível apenas uma parte da obra ou do sinal, desde que suficiente para revelar aos olhos do observador o exercício da servidão, cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in “C.Civil, Anotado”, vol.III, pág. 630.
Ou seja, exige-se que os sinais demonstrem uma modificação artificial, um “opus manu factum”, revelador da intenção de exercer a servidão. Sendo que, além de visíveis e permanentes, os sinais devem inequivocamente revelar o destino das obras ao exercício da servidão.
Como refere José Cândido de Pinho, in “As águas no Código Civil”, pág.195, “Já se sabe que um cano subterrâneo não é visível à superfície. Mas, não há dúvida, também, de que a boca e saída do tubo podem ser bem reveladores daquela condução. E o reforço destes sinais pode ocorrer se, ao longo do percurso, houver janelas ou portas de visita par desobstrução dos detritos acumulados”; sinais esses que, esclarece expressamente, relevam quer se encontrem no prédio serviente, quer se situem no prédio dominante (neste mesmo sentido, esclarecendo que o que é necessário é “patentearem claramente a respectiva relação de servidão)”.
Perante a factualidade acima enunciada, é nossa convicção que estamos perante uma verdadeira servidão predial aparente, constituída por usucapião.
Na verdade, está assente que há mais de 20 anos, os antecessores dos autores procederam à captação das águas residuais e dejectos do prédio hoje dos apelantes, à sua canalização e deposição numa fossa existente no prédio do réu. Os autores sempre despejaram na dita fossa as águas residuais provenientes do seu prédio, o que fizeram de forma contínua, ininterrupta e com conhecimento de toda a gente, inclusive do réu, agindo sempre perante e à frente de todos, sem oposição de ninguém, na ignorância de lesar direitos de terceiros e na convicção de exercer um direito próprio. Tais águas residuais e os dejectos são captados e conduzidos por tubo de plástico de 90 mm a partir do prédio dos autores, tubo, esse, que se encontra, em parte, enterrado e, em parte, à superfície, sendo visível à saída do prédio dos autores e, depois percorrendo subterraneamente uma distância de cerca de 20 metros, até entrar no prédio do réu; onde existe a referida fossa em blocos de cimento, coberta por tampa com visita. A parte do dito tubo que está à superfície, há mais de 20 e 30 anos e ininterruptamente, que está visível e permanente perante todos, inclusive perante o réu.
Ora, é manifesto que está provada a existência de sinais visíveis e perceptíveis, de que o réu poderia ou deveria tomar conhecimento, reveladores da existência da servidão de escoamento de águas residuais e dejectos em apreço para a fossa existente no seu prédio, não obstante parte do tubo que conduz tais materiais estar enterrado no solo, no entanto, a restante parte desse tubo é perfeitamente visível, ou seja, é visível desde a saída do prédio dos autores até que se enterra no solo, sendo também visível a referida fossa e respectiva tampa com visita, pelo que não obstante cerca de 20 metros do referido tubo se encontrarem enterrados no solo, certo é que é perceptível que o mesmo desde a parte em que deixa de ser visível à superfície conduz necessariamente à referida fossa, ou segue em direcção à mesma. Aliás, não se pode ignorar que está provado que é do conhecimento do réu a captação, condução e depósito/despejo das referidas águas residuais e dejectos, provenientes do prédio dos autores, na fossa existente no seu prédio.
Em suma, não obstante parte do tubo que conduz as águas residuais e dejectos do prédio dos autores até à fossa existente no prédio do réu estar enterrado no solo, numa extensão de cerca de 20 metros, certo é que a respectiva servidão se manifesta por sinais exteriores que necessariamente a constituem, como sejam o restante tubo existente á superfície, desde a saída do prédio dos autores até entrar no prédio do réu, e decerto a tampa que cobre a fossa existente no prédio do réu, directamente visíveis à superfície, podendo entre um ponto e o outro, perceber-se que ali existe uma servidão de escoamento daquelas águas residuais e dejectos.
Pelo que nos encontramos perante uma servidão aparente, que pode ser constituída por usucapião e, foi-o, como acima já deixámos consignado, atentos os demais factos provados nos autos. Ou seja, tem de se reconhecer a existência de uma servidão de escoamento de águas residuais e dejectos provenientes do imóvel dos autores/apelantes e, em benefício do imóvel destes, onerando o prédio do réu, constituída por usucapião e, consequentemente tem de se condenar o réu a ver reconhecida essa servidão, e ainda a abster-se de praticar qualquer acto impeditivo ou restritivo do exercício do direito de servidão referido.
Procedem as respectivas conclusões dos apelantes.
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Consequentemente há que apurar quais as consequências da conclusão a que chegámos acima, no que respeita aos demais pedidos formulados pelos autores/ /apelantes, atentos os factos provados nos autos.
Peticionaram os autores/apelantes ainda que o réu fosse condenado a repor a fossa nas condições em que se encontrava anteriormente à destruição que fez da mesma.
Está provado nos autos que em Outubro de 2010, o réu destruiu a fosse existente no seu prédio e para onde eram escoadas as águas residuais e dejectos provenientes do imóvel dos autores, no exercício do seu direito de servidão acima referido. Consequentemente, desde essa data, os autores deixaram de ter forma de despejar os excrementos e águas impuras de sua casa, ficando, por isso, impedidos de utilizar as cozinhas e casa de banho do seu prédio. Sendo certo que o prédio dos autores não tem qualquer terreno ou logradouro, pelo que estes não têm possibilidade de escoar aquelas águas e dejectos para outro local.
Ora, estando provado que se acha constituída por usucapião, em benefício do prédio dos autores, uma servidão de escoamento de águas residuais e dejectos onerando o prédio do réu, pois que tais materiais vinham sendo captados no prédio dos autores e depois conduzidos e despejados numa fossa existente no prédio deste último, e que entretanto o réu, destruiu essa fossa, impedindo o normal e regular exercício do direito de servidão, é evidente que o mesmo está constituído na obrigação de reconstituir a situação anterior ao facto ilícito e culposo que praticou, cfr. art.º 483.º do C.Civil.
Daí que tenha de proceder o pedido dos autores/apelantes de condenação do réu a repor a fossa nas condições em que se encontrava anteriormente à destruição que fez da mesma.
Procedem as respectivas conclusões dos apelantes.
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Finalmente peticionaram os autores a condenação do réu no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos que alegadamente o réu lhes causou com a referida destruição da fossa e impedimento do normal e regular exercício do seu direito de servidão de escoamento.
Todavia, vendo os factos assentes nos autos, é manifesto que os autores não lograram fazer prova de que, em consequência da actuação ilícita e culposa do réu, sofreram os prejuízos, cuja indemnização peticionaram. Pelo que, de harmonia com o disposto no art.º 342.º n.º1 do C.Civil, esse seu pedido indemnizatório terá de improceder.
Improcedem as respectivas conclusões dos apelantes.

Sumário - I – Servidões aparentes, são aquelas cuja existência ou exercício se manifesta através de sinais exteriores reveladores da própria servidão. Não aparentes são aquelas que não se revelam por sinais visíveis e aparentes, cfr. art.º 1548.º n.º2 do C.Civil.
II - As servidões não aparentes, por não se revelarem por sinais visíveis e permanentes, confundem-se, por isso, muitas vezes com actos de mera tolerância do proprietário do prédio serviente. Por não haver nestas servidões sinais visíveis e permanentes, elas podem estar a ser exercidas na ignorância do dono do prédio serviente e tal ignorância obsta à usucapião.
III - A visibilidade dos sinais, que deve ser objectiva, evidenciada “erga omnis”, constitui condição indispensável à apreciação de determinados actos, como constituindo um exercício “jure servitutus”, e não um exercício “jure familiaritatis”, um acto de favor, de mera tolerância, característico das relações de boa vizinhança, ou ainda, de um acto clandestino e intencionalmente usurpador.
IV – Mas não é necessário que toda a obra ou todos os sinais estejam à vista: pode bastar perfeitamente que esteja visível apenas uma parte da obra ou do sinal, desde que suficiente para revelar aos olhos do observador o exercício da servidão,
V – Não obstante parte do tubo que conduz as águas residuais e dejectos do prédio dos autores até à fossa existente no prédio do réu estar enterrado no solo, numa extensão de cerca de 20 metros, certo é que a respectiva servidão se manifesta por sinais exteriores que necessariamente a constituem, como sejam o restante tubo existente á superfície, desde a saída do prédio dos autores até entrar no prédio do réu, e decerto a tampa que cobre a fossa existente no prédio do réu, directamente visíveis à superfície, podendo entre um ponto e o outro, perceber-se que ali existe uma servidão de escoamento daquelas águas residuais e dejectos.
VI - A existência desses sinais visíveis e perceptíveis, de que o réu poderia ou deveria tomar conhecimento, reveladores da existência da servidão de escoamento de águas residuais e dejectos, em apreço, para a fossa existente no seu prédio, indicam que estamos perante uma servidão aparente, que pode ser constituída por usucapião.

IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação, parcialmente, procedente, revogando-se a decisão recorrida. Em consequência, condena-se o réu/apelado a ver reconhecido o direito de propriedade dos autores/apelantes relativamente ao imóvel descrito em 1.º da p. inicial.
Mais se condena o réu/apelado a ver declarado que o seu prédio, identificado em 9.º da p. inicial se encontra onerado com uma servidão de escoamento de águas residuais e dejectos em benefício do referido imóvel dos autores/apelantes, constituída por usucapião.
Finalmente, condena-se o réu/apelado a repor a fossa existente no seu prédio nas condições em que se encontrava anteriormente à sua destruição, e a abster-se de praticar qualquer facto impeditivo ou restritivo do exercício dos direitos de propriedade e de servidão dos autores/apelantes.
No mais, confirma-se a decisão recorrida, ou seja, absolve-se o réu/apelado do demais peticionado.
Custas por apelantes e apelado, na proporção de 1/5 e 4/5, respectivamente.

Porto, 2014.01.28
Anabela Dias da Silva
Maria do Carmo Domingues
José Carvalho