Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0316316
Nº Convencional: JTRP00035513
Relator: MACHADO DA SILVA
Descritores: TRABALHO TEMPORÁRIO
GRUPO DE SOCIEDADES
Nº do Documento: RP200403080316316
Data do Acordão: 03/08/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA.
Área Temática: .
Sumário: O grupo societário constitui uma nova forma de organização da empresa moderna.
II - Mantendo cada uma das empresas a sua individualidade própria, a empresa-mãe não pode ser considerada como entidade patronal do trabalhador contratado por uma empresa de trabalho temporário para prestar a sua actividade a outra, uma e outra pertencente ao mesmo grupo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:


1. A..........,
B..........,
C..........,
D.........., e,
E..........,
intentaram a presente acção com processo comum, contra X.........., S.A., pedindo se julgue nula a estipulação do termo nos contratos de trabalho “sub judice”, por falta de justificação legal, e, declarada a ilicitude do seu despedimento, consequentemente se condene a Ré a reintegrá-los ou indemnizá-los, de acordo com a sua opção a exercer até à sentença e a pagar-lhes as prestações vencidas e vincendas até decisão final.
Para tanto, alegaram, em síntese, factos tendentes a demonstrar que os contratos que celebraram com as empresas "T.........." e "Y..........", mediante os quais, com excepção da 2ª e 5º Autores estiveram ao serviço da Ré cerca de 19 meses, foram celebrados em violação da legislação que regula a contratação a termo e o recurso ao trabalho temporário, pelo que devem considerar-se tais contratos sem termo desde o início das suas vigências e, consequentemente, que os AA. foram despedidos sem justa causa e sem precedência de processo disciplinar.
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A Ré contestou, alegando, em resumo, que os contratos de formação das 1ª, 3ª e 4ª AA cessaram, por caducidade “ope legis”, em 30 de Junho de 1999, pelo que o eventual direito que dos mesmos pudesse resultar estaria prescrito nos termos do artigo 38º da LCT.
Alega seguidamente a Ré a sua ilegitimidade quanto aos pedidos das 1ª, 3ª e 4ª AA., assentes na factualidade posterior a 30 de Junho de 1999 e aos pedidos da 2ª e 5º AA, por os mesmos AA. nunca terem trabalhado para ela Ré e não terem por ela sido despedidos.
Em sede de impugnação, alega a Ré que nunca tomou qualquer iniciativa relativamente à celebração dos aludidos contratos entre os AA e a Y.........., Lda. e que o seu relacionamento com a "T.........." traduziu-se na celebração de contratos de prestação de serviços através dos quais adjudicou a esta empresa a prestação de alguns serviços de atendimento telefónico, em regime de outsourcing, serviços em áreas que não correspondem ao seu core business que é a exploração de redes de telecomunicações e prestação de serviços de telecomunicações e que são serviços prestados pela "T.........." com total autonomia técnica e jurídica, sendo esta empresa que selecciona, contrata e remunera os meios humanos que considere necessários para a prestação do serviço.
Finalmente, impugna a Ré o valor da causa, oferecendo, em alternativa ao que lhe foi dado pelos Autores, o de esc. 5.163.750$00 ou € 25.756, 68 .
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Realizada a audiência de julgamento, foi posteriormente proferida sentença, julgando a acção procedente e condenando a R. a reintegrar os AA. ao seu serviço, nos seus postos de trabalho e sem perdas de quaisquer direitos, bem como a pagar-lhes as quantias que vierem a ser liquidadas em execução de sentença, relativas às retribuições que deixaram de auferir desde 28.12.2001, deduzidas do que tenham recebido por actividades remuneradas iniciadas após os despedimentos.
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Inconformada com esta decisão, dela recorreu a R., formulando as seguintes conclusões:
1. Da análise da decisão, seja na parte da matéria de facto, seja na fundamentação, infere-se que a T.........., SA, e a Z.......... e Serviços de Informação, SA, são a mesma entidade jurídica, o que não corresponde à realidade.
2. Impugna-se assim a matéria de facto constante dos pontos L),Q), R) e S) , ao parecer dar a entender que T..........,SA, e Z..........,SA, são duas empresas distintas, devendo ser substituída por referência que clarifique que se trata da mesma empresa.
3. No entender da R, toda a actividade do julgador padeceu de um fortíssimo "pré-conceito" que terá condicionado, inelutavelmente, o alcance da decisão final.
4. O Tribunal olhou para os factos condicionado por decisões por si proferidas no passado relacionadas com a actividade dos call center/OAT e os procedimentos pela R então utilizados. Na verdade,
5. Entendeu que a entrega em regime de outsourcing dos serviços de atendimento telefónico seriam sempre mais um esquema de contratação de pessoal com um intuito precarizante: "Vencida, ao que sabemos, sistematicamente na primeira e na segunda instâncias, quanto a política(...), enveredou a Ré por outra política de contratação do pessoal dos serviços de atendimento telefónico (OATs) ".
6. Esta visão estigmatizante "fizeste mal no passado e continuarás a fazer mal no futuro" é inadmissível e não corresponderá, certamente, a boa justiça.
7. O que se impunha ao Tribunal era analisar objectiva e imparcialmente as vicissitudes e factos alegados e carreados para os autos, independentemente da circunstância de a R ser a X..........; porém, o "pré--conceito" acabou por se impor levando a que não tenham sido sequer analisados muitos dos aspectos e questões abordados pela R na contestação.
8. O Tribunal mencionou "decisões" por si proferidas no passado sobre a problemática dos postos de trabalho dos OAT, pelo que entende a R que tem legitimidade e que é relevante, neste sede, juntar ao presente recurso, uma cópia de sentença, proferida também por este Tribunal em 23.04.2003, já depois, portanto, de ter sido proferida a decisão em crise, e com a qual, aliás, se concorda em toda sua extensão.
9. As "decisões" mencionadas na sentença em crise - que terão contribuído, nos moldes indicados, para a decisão final -, tinham como “thema decidendi” a validade dos termos de contratos a prazo que a R celebrou com trabalhadores seus,
10. Já a sentença modelo tem por base, rigorosamente, a mesma factualidade da decisão em crise:
- A actividade da A nessa acção é idêntica à actividade dos AA; o local de trabalho é o mesmo (Praça..........);
- Os contratos de formação têm os mesmos termos e são celebrados com as mesmas entidades.
- Os contratos de trabalho temporário têm os mesmos termos e são celebrados com as mesmas entidades;
- Os contratos de prestação de serviço celebrados entre a R e a T........../Z.......... são os mesmos.
11. A única diferença é que, na sentença em crise, os AA demandaram a R e na sentença "modelo" a A demandou a T........../Z.......... e a Y............
12. Ora a R não pode aceitar que a mesma factualidade substantiva permita, no caso da sentença modelo, concluir pela existência de um válido contrato de trabalho temporário entre a aí A. e a Y.........., e, no caso dos autos, concluir pela existência de contratos de trabalho entre os AA e R e pelo despedimento ilícito daqueles!
13. Pode-se não concordar com determinadas decisões e respectiva fundamentação, já mais difícil será aceitar a duplicidade de critérios que, normalmente, evocam a arbitrariedade e discricionariedade.
14. Face ao quadro fáctico provado - esclarecido pelo Despacho de fls... no sentido de que os trabalhadores que mantêm vínculo laboral com a R. e que supervisionam a actividade dos AA se encontram cedidos pela R à T........../Z.......... -, entende a R. que jamais se poderia concluir que entre si e os AA se estabeleceram contratos de trabalho.
15. Não se provou que (1) os AA tivessem sido recrutados pela R; (2) não se provou que os AA tivessem celebrado com a R contratos de trabalho; (3) não se provou que quem pagava o salário aos AA era a R; (4) não se provou, sobretudo, que os AA receberam ordens e instruções da R ou de trabalhadores seus e ao seu serviço.
16. E nem se diga que afasta esta última conclusão a circunstância de alguns dos supervisores dos AA serem "empregados da R", pois, na economia dos factos provados, a referência a "empregados da Ré" para descrever alguns dos supervisores e chefias dos AA, significa apenas que aqueles mantêm vínculo laboral à R mas que, estando cedidos à T........../Z.........., através de contratos de cedência ocasional, estão, afinal, inseridos na organização empresarial desta empresa que é quem sobre eles (supervisores e chefias) exerce o poder de autoridade e direcção.
17. Face à evidente pobreza de elementos indiciários da relação laboral, a questão de quem supervisiona e dirige a actividade dos AA passou a assumir fulcral relevância pois por ela se chegará a uma organização empresarial - a favor de quem estas chefias desenvolvem, juntamente com os AA, a sua actividade, - e essa sim poderá ser entendia com sendo a entidade patronal, ou, no caso, a empresa utilizadora.
18. Com a adjudicação dos serviços de atendimento telefónico da Ré em Julho de 1999, os trabalhadores da R que aos mesmos estavam afectos foram cedidos à empresa que os passou a prestar - T........../Z...........
19. Se se entender, o que apenas se aceita por mera cautela de patrocínio, que não são válidos os motivos que justificaram os contratos de trabalho temporário entre os AA e a Y.........., a consequência dessa ilicitude, nos termos do regime previsto do Decreto Lei 358/89, de 17 de Outubro, conferiria a possibilidade de os AA requererem a sua integração na T........../Z.........., na qualidade de empresa utilizadora, e nunca na R.
20. A douta sentença em crise, como resulta do que se tem vindo a expor, violou as regras dos arts. 9°,17°,18°,20°, 26° e 27° do Decreto-Lei 358/89, de 17/10; art. 1° da LCT e arts. 12° e 13° da LCCT.
21. Nestes termos deverá ser revogada a sentença em recurso, sendo substituída por decisão que declare improcedente a presente acção por inexistência de vínculos laborais entre os AA e a R.
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Contra-alegaram os AA., pedindo a confirmação do decidido.
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Nesta Relação, o Ex.mo Sr. Procurador da República, no seu douto parecer, sustentou o não provimento do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. Factos provados ( na 1ª instância ):
A)- A 1ª, 3ª e 4ª AA. celebraram um contrato de formação com a empresa Ré, respectivamente, a 1ª em 24 de Maio e a 2ª e a 3ª em 15 de Junho de 99; a 2ª com a empresa T.........., em 02 de Agosto de 1999 e o 5°, com a mesma empresa, em 25 de Outubro de 1999.
B)- Entretanto, em 01 de Julho de 1999, a 1ª, 3ª e 4ª AA. celebraram, com a empresa Y.........., um contrato de trabalho temporário, pelo prazo de 3 meses, renovável: a 2ª e 5º AA., celebraram idêntico contrato, respectivamente, em 23 de Agosto de 1999 e 22 de Novembro de 1999.
C)- A “Y..........” cedeu os AA. à empresa “T.........., S.A.” .
D)- Os contratos de trabalho temporário dos AA. foram sucessivamente renovados até 31 de Janeiro de 2001- com indicação de ser ao abrigo da alínea c) do nº l do Artº 9° do D.L 358/89, de 17 de Outubro -, data em que caducaram, por comunicação feita aos AA pela “Y..........”.
E)- Mediante os referidos contratos os AA. prestaram para a Ré, ininterruptamente, durante cerca de 19 meses, com, excepção da 2ª e 5º AA. as funções típicas de Operador(a) de Atendimento Telefónico (OAT).
F)- Ultimamente os AA. auferiam a remuneração mensal base de Esc. 68.850$00 (€ 343,42), por 30 horas de trabalho semanal, a prestar nas instalações da Ré, sitas na Praça.........., Porto, remuneração que lhe era paga pela “Y..........”.
G)- Nessas instalações funciona um centro de atendimento telefónico da Ré, cuja chefe (Engª Lurdes) é empregada da Ré e aí trabalham também como supervisores o Sr. Pereira, a D. Susana... e a D. B.......... que também são empregados da Ré.
H)- Quando o equipamento de atendimento automático ou qualquer dos AA ou outros Operadores de Atendimento Telefónico, atende um cliente da Ré que pretende obter por essa via qualquer informação, quer a gravação, quer o operador apresenta a “X..........” como interlocutor.
I)- A Ré elaborou e fez distribuir pelos OATs o “Manual de Procedimentos” junto aos autos a fls. 276 a 297 a fim de os procedimentos aí referidos serem seguidos por todos os OATs, quer sejam empregados da “Z..........”, que recentemente aí substituiu a “T..........”, quer sejam empregados da Ré e com aquela tenham celebrado contratos de cedência.
J)- Os AA. - assim como outros trabalhadores -, foram contratados indicando-se, como motivo justificativo da contratação temporária “...tarefa devidamente identificada com carácter não duradouro” e, “acréscimo temporário da actividade...”.
K)- A actividade de atendimento telefónico dos clientes da Ré que procuram os serviços de informações e de despertar é uma actividade de carácter permanente e duradouro e não tem significativas oscilações na sua procura, para além dos picos diários.
L)- Mais de 50% dos operadores que exercem funções de OATs. no Centro de Atendimento referido em G) são contratados a termo certo pela empresa “Z..........”.
M)- A empresa “T..........” pertence ao grupo PT e alguns dos seus Gerentes, nomeadamente os Drs. Jorge... e Filipe..., sendo gerentes da “Y.........., Ldª” fazem parte do Conselho de Administração da “T..........”.
N)- Quando foram admitidos através dos contratos referidos nas alíneas B) a E), para exercerem as funções de OATs. no Centro de Atendimento referido na alínea G), os AA. foram substituir outros trabalhadores contratados a termo, cujos contratos tinham sido feitos caducar.
O)- Após a cessação dos contratos dos AA., a “Y.........., Ldª, celebrou, pelo menos, os contratos juntos a fls. 234 a 241 para os trabalhadores contratados exercerem as funções de OATs. nas instalações referidas em G).
P)- Entre 1.7.1999 e 31.12.2001 a Ré não celebrou nenhum contrato de utilização de trabalho.
Q)- A partir de Julho de 1999 a Ré celebrou com a empresa “T..........” contratos de prestação de serviços através dos quais adjudicou a esta a prestação de serviços de atendimento telefónico em regime de “outsourcing”.
R)- Alguns dos trabalhadores que supervisionam a actividade dos OATs no Centro de Atendimento referido em G), são trabalhadores da Ré cedidos à empresa prestadora de serviços em regime de “outsourcing”.
S)- Actualmente o serviço de atendimento telefónico da Ré é assegurado pela empresa “Z..........” e a ela estão cedidos 80 a 100 trabalhadores da Ré.
T)- Segundo informação prestada pelo Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social do Porto, após a cessação dos respectivos contratos em 31.01.2001:
- A 1ª Autora trabalhou entre Março e Outubro de 2001 para a empresa “M..........”, sendo o mês de Outubro de 2001 o último mês de remunerações registado;
- A 2ª Autora consta com desemprego de Março de 2001 a Março de 2002;
- A 3ª Autora consta com desemprego de Março de 2001 a Março de 2002;
- A 4ª Autora consta com desemprego de Março de 2001 a Outubro de 2002 e com desemprego de Janeiro a Fevereiro de 2001; e,
- o 5º Autor consta das folhas de remunerações da empresa “N.........., LDª” de Janeiro a Maio de 2001 e com desemprego de Junho de 200 a Agosto de 2001.
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Fixação da matéria de facto:
Nesta sede, a recorrente apenas reclama uma correcção da matéria de facto, constante dos pontos L), Q), R) e S), no sentido de deles ficar a constar que a T.........., S.A., e Z.........., S.A., são afinal a mesma empresa, apenas tendo havido uma alteração na denominação, como se comprova pelo documento registral de fls. 217.
Tem razão a recorrente.
O documento de fls. 217, junto pela recorrente em sede de alegações, comprova que a T.........., S.A., e a Z.........., S.A., são a mesma entidade jurídica, sendo que a segunda denominação referida sucedeu àquela primeira.
Assim, e nos termos do art. 712º, nº 1, alínea c), do CPC, são alteradas as alíneas I), L),M), Q), R), nos seguintes termos:
Na alínea I), é eliminada a expressão “que recentemente aí substituiu a ‘T..........’ e, em todas as alíneas atrás citadas, onde é mencionada a denominação “T..........” ou “Z..........”, é substituída pela denominação “T........../Z..........”.
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Estando provado documentalmente, nos termos do art. 712º, nº 1, alínea a), do CPC, aditam-se ainda os seguintes factos:
U) Na cláusula 3ª dos contratos referidos em B) consta: “1. O presente contrato tem por fundamento satisfazer uma tarefa devidamente identificada e com carácter não duradouro, da empresa utilizadora ‘T.........., S.A.’, a qual resulta de lhe ter sido recentemente adjudicado pela X.......... a prestação de serviços em regime de outsourcing de Informativo e Despertar”.
V) Na clª 4ª dos mesmos contratos consta:” A empresa de trabalho temporário contrata o trabalhador para que este, sob a direcção e orientação da empresa utilizadora, desempenhe as funções inerentes ao trabalho de operador de terminais de informação, podendo, ainda, realizar quaisquer tarefas que lhe sejam solicitadas pela empresa utilizadora ou por quem esta indicar, desde que directamente relacionadas com o objecto do presente contrato”.
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No restante, e por não impugnada pelas partes, aceita-se e mantém-se a matéria de facto supra transcrita, tal qual foi decidida na 1ª instância.
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3. Do mérito.
A questão fundamental posta no recurso é a de saber se, como se reconheceu na sentença recorrida, os trabalhadores recorridos devem considerar-se vinculados à recorrente por contrato de trabalho sem termo, por esta, com intuito fraudatório, utilizar o recurso à celebração de contratos de trabalho temporário com o objectivo de iludir as disposições legais que regulam a contratação a termo certo.
Vejamos.
Nos termos do art. 2º, alínea d), do Dec.-Lei nº 358/89, de 17.10 (diploma de que serão todos os artigos citandos quando se não fizer menção a outro), contrato de trabalho temporário (a partir de agora identificado pelas siglas CTT) é o “contrato de trabalho celebrado entre uma empresa de trabalho temporário e um trabalhador, pelo qual este se obriga, mediante retribuição daquela, a prestar temporariamente a sua actividade a utilizadores”.
E, nos termos da alínea e) do mesmo artigo, considera-se contrato de utilização de trabalho temporário, (ou seja, o CUTT),” o contrato de prestação de serviços celebrado entre um utilizador e uma empresa de trabalho temporário, pelo qual esta se obriga, mediante retribuição, a colocar à disposição daquele um ou mais trabalhadores temporários”.
O CUTT deve ser reduzido a escrito, sob pena de se considerar celebrado, entre o utilizador e o trabalhador, um contrato de trabalho sem termo (cfr. art. 11º, nºs 1 e 2); ele deve ainda conter, entre outras especificações, a indicação dos motivos de recurso ao trabalho temporário pela empresa utilizadora, sob pena de a sua omissão implicar que se considere celebrado sem termo um contrato de trabalho entre aquela e o trabalhador (cfr. art. 11º, nºs 1, alínea b), e 2).
O CUTT só é permitido nas situações definidas no art. 9º, tendo interesse para o caso em apreço a situação constante da alínea c) do seu nº 1: “Acréscimo temporário ou excepcional de actividade, incluindo o devido a recuperação de tarefas ou da produção”.
Em causa nos autos apenas estão os contratos de trabalho temporário celebrados entre os recorridos e a ETT-Y...........
Este contrato tem de ser reduzido a escrito, estando sujeito ao regime legal aplicável aos contratos a termo, com as especificidades constantes da Secção III do Capítulo II do supra citado diploma legal (cfr. arts. 17º, nº 2, e 18º, nº2). A sua celebração só é permitida nas situações previstas para a celebração do contrato de utilização (art. 18º, nº1).
Deve ainda o CTT conter obrigatoriamente as menções referidas nas alíneas do nº 1 do art. 19º, designadamente a “indicação dos motivos que justificam a celebração do contrato” – alínea b) – e o “,termo do contrato, de acordo com o disposto no art. 9º” – alínea g).
A falta da menção, referida na alínea b), quando não possa ser suprida por menção da mesma natureza constante do contrato de utilização, tem a consequência prevista no nº 3 do art. 42º da LCCT – nº 2 do art. 19º - convertendo-se o CTT em contrato sem termo entre a empresa de trabalho temporário e o trabalhador.
Cada um dos CTT em apreço não só contém a indicação concreta do trabalho ou funções para que o trabalhador era contratado como concretiza as razões objectivas de natureza temporária da necessidade do trabalho a prestar: “O presente contrato tem por fundamento satisfazer uma tarefa devidamente identificada e um carácter não duradouro, da empresa utilizadora “T.........., S.A.”, a qual resulta de lhe ter sido recentemente adjudicado pela X.......... a prestação de serviços em regime de outsourcing de Informativo e Despertar” – nº 1 da cl. 3ª.
No nº 2 da mesma cláusula consta que “as partes aceitam, expressa e formalmente, que a tipificação do trabalho a prestar no âmbito do aludido contrato, bem como a sua caracterização jurídica, enquadra-se na previsão da alínea d) do artigo 9º do Decreto-Lei nº 358/89...”.
O motivo indicado integra-se na citada alínea d) e mostra-se suficientemente concretizado
Em consequência, consideram-se válidos aqueles CTTs, o que significa que os recorridos não eram trabalhadores da recorrente, ou seja, não existia entre eles qualquer vínculo jurídico-laboral.
Sustenta-se na sentença, como já o afirmavam os AA na petição, que estes CTTs mais não eram do que um capítulo de uma “engenharia jurídica”, visando unicamente a precarização do trabalho no serviço de atendimento telefónico da recorrente.
Essa argumentação passa pela afirmação de existência de uma relação de grupo entre as empresas envolvidas na contratação em causa, a Y.........., a T........../Z.......... e a recorrente e de uma posição de domínio da recorrente sobre as demais.
Esta posição de domínio revela-se, no entendimento sufragado na sentença, por a recorrente contratar os AA., indirectamente, através daquelas duas outras empresas e por os AA, desde o início dos contratos, sempre terem estado a prestar trabalho para a recorrente.
Como é sabido, a regulamentação das sociedades em relação de domínio ou de grupo consta dos arts. 486º a 508º do CSC.
Da matéria assente nada permite concluir que a Recorrente se encontre em relação de grupo constituído por domínio total com as demais sociedades, admitindo-se, apenas, que a recorrente e aquelas duas outras empresas integrem um grupo económico, em que a recorrente é a empresa-mãe.
O grupo societário constitui uma nova forma de organização da empresa moderna, que do ponto de vista económico se traduz na existência de uma política económico-empresarial e financeira comum e geral para o conjunto das sociedades agrupadas. Tal corresponde a uma tendência para a formação de unidades sempre maiores, essencial para a criação de unidades económicas mais competitivas e aptas a enfrentar os complexos desafios da economia global.
Assim, no caso dos autos, aceitando-se que a recorrente possa dirigir os interesses económicos do grupo PT, também temos de aceitar que está obrigada a respeitar a independência jurídica das demais entidades envolvidas.
Ora, da matéria assente é possível concluir que, contrariamente à posição adiantada pelos recorridos, e defendida na sentença, existe no grupo PT respeito pela individualidade própria de cada uma das empresas integrantes.
Na verdade, ficou provado que “ a partir de Julho de 1999 a Ré celebrou com a empresa ‘T........../Z..........’ contratos de prestação de serviços através dos quais adjudicou a esta a prestação de serviços de atendimento telefónico em regime de outsourcing” – cfr. alínea Q).
Igualmente ficou provado que “alguns dos trabalhadores, que supervisionam a actividade dos AOTs no Centro de Atendimento referido em G), são trabalhadores da R. cedidos àquela T.........../Z.........., sendo esta empresa que assegura actualmente o serviço de atendimento telefónico da R,” – cfr. alíneas R) e S).
Estando assim provado que estas empresas associadas no grupo PT exercem actividades económicas distintas, embora certamente visando uma estratégia económica comum, também não é estranho a este objectivo a possibilidade de cedência ocasional de trabalhadores do quadro de pessoal próprio da recorrente para utilização pelas empresas associadas, solução esta admitida, ainda que excepcionalmente, nos termos dos arts. 26º a 30º.
Tais factos não permitem demonstrar, no caso do grupo PT em apreço, a existência de uma “situação de natureza fraudatória”, como apontava o parecer do ilustre magistrado do MºPº nesta Relação, para daí, “desconsiderando” a personalidade jurídica de cada uma das sociedades associadas, se afirmar a exclusiva responsabilização da recorrente, como “empresa-mãe”.
Nem é legítimo sustentar, como foi na sentença recorrida, tal responsabilização da recorrente com os seus antecedentes processuais em matéria de contratação a termo, alegando o M.mo Juiz “a quo” ter proferido algumas dezenas de decisões sobre tais matérias desfavoráveis à recorrente.
Na verdade, e como decorre do art. 514º, nº 2, do CPC, tal fundamentação da sentença não pode ser considerada, uma vez que não foram juntos aos autos documentos comprovativos da existência de uma política anterior da recorrente de precarização dos postos de trabalho dos OATs.
Invocou, ainda, o M.mo Juiz, como elementos indiciários de existência de um contrato de trabalho sem termo entre os recorridos e a recorrente, o ter sido dado como provado que “os AA prestaram para a R., ininterruptamente, durante cerca de 19 meses, com excepção dos 2ºs e 5ºs AA, as funções típicas de OAT nas instalações da R., onde funciona um Centro de Atendimento Telefónico da R, cuja chefia é exercida por empregados da Ré” – alíneas E), F), e G).
Discorda-se em absoluto.
Desde logo, e como resulta do art. 20º, nº 3, e foi contemplado nos CTTs celebrados entre os recorridos e a ETT- Y.......... – cláusula 4ª aposta nesses contratos -, nada obstava a que aqueles fossem cedidos, como foram, a mais do que um utilizador, no caso, à “T........../Z...........”, e/ou à recorrente, tal como veio a suceder, no caso.
No entanto, estando provado que os recorridos foram contratados pela citada ETT e que era esta quem lhes pagava a retribuição mensal, e não estando provado que aqueles recebiam ordens ou estavam sujeitos ao poder disciplinar da recorrente, só é legítimo concluir que tais trabalhadores, apesar da cedência às referidas utilizadoras, mantinham o vínculo jurídico-laboral com aquela ETT.
E nem se diga que afasta esta última conclusão a circunstância de alguns dos supervisores dos AA. serem empregados da recorrente.
Na verdade, estando também provado que tais supervisores, embora vinculados à recorrente, estavam cedidos à EU “T........../Z..........”, não se questionando nos autos a ilicitude de tal cedência ocasional, deve concluir-se que tais supervisores estavam, afinal, inseridos na organização empresarial daquela EU, que sobre eles exercia o seu poder de autoridade e direcção – cfr. arts. 2º, alínea c), e 26º.
Entendemos, assim, que dos factos provados não é possível afirmar a existência de quaisquer contratos de trabalho, nomeadamente sem termo, entre a recorrente e cada um dos recorridos, nenhuma consequência para a recorrente podendo advir das declarações de caducidade dos contratos de trabalho promovida pela ETT Y...........
Procedem, pois, as conclusões do presente recurso.
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4. Atento o exposto, e decidindo:
Acorda-se em conceder provimento ao recurso e, revogando a sentença recorrida, julga-se a presente acção improcedente, absolvendo a recorrente dos pedidos.
Custas pelos AA, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
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Porto, 8 de Março de 2004
José Carlos Dinis Machado da Silva
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa