Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0432886
Nº Convencional: JTRP00037136
Relator: MÁRIO FERNANDES
Descritores: LIQUIDATÁRIO
REMUNERAÇÃO
Nº do Documento: RP200407150432886
Data do Acordão: 07/15/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: ALTERADA A DECISÃO.
Área Temática: .
Sumário: A remuneração de um liquidatário judicial não tem necessariamente que ser fixada aquando da cessação de funções, sendo de admitir a possibilidade, dentro de um critério de previsibilidade e com carácter provisório, de estabelecer adiantamentos por conta dessa remuneração.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

B................, por si e em representação dos seus filhos menores C.............., D................., E................ e F.................,
intentaram processo especial de falência contra

“G..............., S.A.”, com sede no ................, Freguesia de ............., ................,

pretendendo a declaração do estado de falência desta última, o que foi reconhecido por sentença de 20 de Novembro de 2003, na qual, para além do mais, se nomeou como Liquidatária Judicial a Exma. Sr.ª Dr.ª H..............., a qual, nessa qualidade, foi intervindo nos autos em referência, no exercício do cargo em que foi investida.

Já após o início das suas funções e antes mesmo se concluir a liquidação do activo da massa falida, veio a Liquidatária Judicial nomeada requer lhe fosse fixada uma remuneração mensal pelo exercício daquele cargo, por montante não inferior a 600 euros mensais, a produzir efeitos desde a data da sua nomeação.

Sobre tal pretensão recaiu despacho do seguinte teor: “Por ora indefere-se ao requerido pela Sr.ª Liquidatária Judicial”.

Do assim decidido interpôs aquela Liquidatária Judicial recurso de agravo, tendo apresentado alegações em que conclui pela fixação dos honorários pretendidos, aduzindo que, no exercício do cargo para que foi nomeada, vem praticando vários actos inerentes ao cargo em que foi investida, assim praticando actividade que deve ser remunerada, nada justificando a não atribuição desde logo de uma remuneração ajustada ao trabalho inerente àquela função.

Apenas o Presidente da Comissão de Credores nomeada nos autos respondeu, adiantando que a remuneração a arbitrar a favor da Liquidatária não devia ser superior a 3 UC por mês, atento o diminuto património da falida, a prática do Tribunal e o trabalho previsível a desenvolver por aquela.

Corridos os vistos legais, cumpre tomar conhecimento do mérito do agravo, sendo que a instância mantém a sua validade.
O objecto do recurso em apreciação circunscreve-se, em obediência à delimitação que deriva das conclusões formuladas, em saber se deve ou não arbitrar-se remuneração à Liquidatária Judicial, ainda que não tenha cessado as funções em que foi investida.

De referir, antes de mais, que a materialidade a reter para uma tomada de posição quanto à questão suscitada é aquela que vem já enunciada supra em relatório, sendo de anotar que a mesma não poderá considerar-se abundante para a finalidade perseguida pela agravante, mas afigurando-se-nos minimamente suficiente para uma tomada de posição quanto à problemática que iremos apreciar.

Não deixará também de apontar-se ao despacho recorrido a total falta de fundamentação para o decidido, quanto é certo que se impunha tivessem sido minimamente indicadas as razões conducentes à negação da pretensão deduzida, mas sem que tal impeça aqui uma tomada de posição quanto à aludida questão – v. arts. 659 e 715, n.º 1, do CPC.
Analisemos.

O liquidatário judicial é nomeado pelo juiz (art. 132, n.º 1, do CPEREF), pelo mesmo devendo ser fixada a sua remuneração, tendo como referência os critérios estatuídos naquele código para a remuneração do gestor judicial (arts. 5, do DL n.º 254/93, de 15.7 e 133 e 34 do CPEREF).

E, por força do art. 34, n.º 1, daquele código, a remuneração em referência tem como parâmetros da sua quantificação o parecer dos credores, a prática de remuneração seguida na empresa e as dificuldades inerentes às tarefas àquele cometidas.

O liquidatário judicial, uma vez nomeado, assume de imediato as suas funções (art. 135), entre elas se destacando a de preparação do pagamento das dívidas do falido, cobrando, se necessário, os créditos do falido sobre terceiros (arts. 134 e 146); o exercício da administração ordinária em relação à massa falida (art.143); liquidação do activo (art. 180); apresentação de relatórios semestrais sobre o seu estado (art. 219); confirmação dos negócios do falido posteriores à declaração de falência, quando nisso haja interesse para a massa (art. 155, n.º 2), cessando as funções em causa com o trânsito em julgado da decisão que aprova as contas da liquidação da massa falida (art. 138) – v., neste sentido, o Ac. da RG, de 5.2.03, in CJ/03, tomo 1, pág. 282.

Ainda no domínio da fixação da remuneração a favor do liquidatário deverá atender-se que a mesma, como sucede para o gestor judicial, pode ser alterada a todo o tempo, em função das dificuldades e dos resultados alcançados com o exercício desse cargo (art. 34, n.º 3 do citado código), o que parece permitir a constatação de que a remuneração não tem carácter imutável, possibilitando a sua adequação às dificuldades acrescidas ou diminuídas do exercício do respectivo cargo, mediante um juízo feito “a posteriori” – v., a propósito, o Ac. da RL, de 18.4.02, in CJ/02, tomo 2, pág. 108.

Contudo, ainda que o montante da remuneração deva obedecer a um juízo feito “a posteriori” em função dos apontados factores, daí não resultará necessariamente que a mesma apenas seja fixada ou atribuída aquando da cessação das funções do cargo de liquidatário, antes se nos afigurando como ajustado admitir a possibilidade, dentro de um critério de previsibilidade e com carácter provisório, de estabelecer adiantamentos por conta dessa remuneração, que poderão ser periódicos.

A asserção acabada de explanar cremos poder ter algum apoio no disposto nos arts. 133 e 34, n.ºs 4 e 5, do citado código, enquanto nos mesmos se alude a adiantamentos por conta da remuneração eventualmente devida ao liquidatário, embora se reconheça, como decorre do atrás exposto, que, por exemplo, a atribuição de determinada quantia mensal a tal título esteja sujeita a uma correcção final, em função dos parâmetros assinalados relativos ao trabalho efectivamente desenvolvido, à complexidade do mesmo e aos resultados obtidos – desta forma podendo ser ultrapassada a constatação da realidade do prolongamento no tempo dos processos de falência, ainda que a lei os considere urgentes, em confronto com uma retribuição que só “a posteriori” pode, em rigor, ser ajustada aos critérios assinalados, apesar de, a título de exemplo, ser previamente fixada mensalmente um adiantamento por conta dessa remuneração (v. sobre o confronto das realidades acabadas de enunciar o Ac. da RC, de 2.10.01, CJ/01, tomo 4, pág. 24.

Com o raciocínio que se vem desenvolvendo pretende-se demonstrar inexistir qualquer óbice legal que, por princípio, afaste a possibilidade de previamente ser atribuída ao liquidatário judicial uma remuneração, funcionando como adiantamento do que no termo do desempenho daquela função for entendido como ajustado para retribuir aquele órgão auxiliar da justiça, assim não podendo aceitar-se, sem mais, a tomada de posição do tribunal “a quo” – aliás omitindo qualquer fundamento – de indeferir a pretensão da agravante para que lhe fosse atribuída uma remuneração.

Analisada desta forma a problemática em causa, importa, então, determinar se, na presente situação, é de atribuir desde já uma retribuição à agravante, enquanto liquidatária nomeada para ao autos de falência em referência, quanto é certo que está no início das suas funções.

No seguimento do já expendido, cremos inexistir obstáculo a que tal suceda, ainda que os elementos que instruíram o presente recurso não sejam abundantes para quantificar o montante dessa retribuição, ponderando os falados critérios que a devem balizar.

De todo o modo, dando como adquirido a prática pela recorrente dos actos por si referidos nas suas alegações – inseridos numa actividade inicial para que foi nomeada – mas desconhecendo-se de todo qual o património da massa falida e a dificuldade que no futuro representará para aquela o exercício das funções em que foi investida, bem assim a posição tomada pelo representante da comissão de credores de aceitar uma retribuição mensal de 3 UC, cremos justificar-se a atribuição desde já dessa remuneração.
E, nesse âmbito, por se entender como ajustado, será de fixar-se a favor da agravante uma remuneração mensal de 300 euros pelo desempenho das respectivas funções, tudo sem prejuízo de tal remuneração não poder, nem dever considerar-se definitiva, sujeita que está, como supra deixámos explicitado, à competente correcção, alcançado que seja o termo das funções da recorrente.

Reconhece-se, assim, em parte razão à pretensão da impugnante, enquanto pretende ver lhe seja, desde já, atribuída retribuição pelo exercício da actividade que vem desenvolvendo no desempenho do cargo em que foi investida nos autos de falência, mas sem atingir o valor por si indicado (600 euros mensais).

Pelo exposto, decide-se conceder parcial provimento ao agravo interposto pela Liquidatária Judicial e, nessa medida, arbitra-se a favor da mesma, a título de adiantamento pela remuneração devida a final, a remuneração mensal de 300 euros pelo exercício do aludido cargo, dentro do condicionalismo de eventual ajustamento que oportunamente for entendido.

Custas do presente agravo a cargo da recorrente, na proporção de ½, dada o seu decaimento.
Porto, 15 de Julho de 2004
Mário Manuel Baptista Fernandes
Fernando Baptista Oliveira
Manuel Dias Ramos Pereira Ramalho