Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP00037709 | ||
| Relator: | SOUSA LAMEIRA | ||
| Descritores: | CONTRATO DE EMPREITADA DEFEITOS REPARAÇÃO DO PREJUÍZO EXECUÇÃO ESPECÍFICA | ||
| Nº do Documento: | RP200502140550132 | ||
| Data do Acordão: | 02/14/2005 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | REVOGADA A DECISÃO. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Num contrato de empreitada o dono da obra, face à existência de defeitos verificados, deve adoptar, para defesa dos seus direitos perante o empreiteiro, a ordem sequencial, estabelecida nos artºs 1221 e 1222 do Código Civil. II - Não o tendo feito e não tendo igualmente invocado manifesta urgência na reparação (nem concedido ao empreiteiro um prazo razoável para a reparação dos defeitos, não o constituindo em mora), não pode exigir dele o pagamento das despesas, com a reparação do defeito que, por sua iniciativa, resolveu cometer a terceiro visando a respectiva eliminação. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO 1- No Tribunal Judicial da Comarca de .........., a Autora “B.........., Lda” com sede na .........., n.º ..., .......... propôs a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário contra, “C.........., Lda” com sede na .........., n.º ..., .........., .......... alegando resumidamente: Contratou os serviços da ré para esta proceder à colocação de tacos de madeira de lamparquet, em carvalho, num prédio que a autora construiu, tendo a ré iniciado os seus trabalhos de colocação em Junho de 2000, que concluiu em Setembro do mesmo ano e, logo neste mesmo mês, os tacos colocados no rés-do-chão do prédio começaram a descolar e, posteriormente, também nas restantes fracções e pisos do prédio o que, de imediato, foi dado conhecimento à ré. Apesar de ter aceitado as deficiências, a ré nunca procedeu à eliminação dos defeitos, pelo que a autora teve de recorrer a nova empresa para proceder à reparação e/ou colocação de lamparquet, tendo a autora as despesas que refere na petição inicial e que peticiona da ré. Conclui pedindo a condenação da Ré a condenação desta a pagar-lhe a quantia de Esc. 7.299.493$00, acrescida dos juros legais desde a citação. 2 - Devidamente citada a Ré contestou impugnando alguns dos factos alegados na petição inicial, mais alegando, que efectuou a colocação do revestimento de lamparquet e que o mesmo, em alguns pontos, veio a levantar, tendo-se verificado que uma das razões para essa situação foi a existência de um elevado grau de humidade, pelo que a ré entendeu solicitar ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil - Núcleo de Madeiras, a realização de testes com vista a ser encontrada a razão desse comportamento do revestimento e permitir a sua reparação, tendo a ré comunicado à autora as datas marcadas por aquele Laboratório, sucedendo que a autora nunca indicou a data que entendia como conveniente, razão pela qual a realização do exame ficou prejudicada, bem como a reparação do revestimento, o que foi comunicado à autora. A ré comunicou à autora que, até se apurar a causa de tais problemas, não seria efectuada qualquer reparação, até porque, sendo a existência de humidade, a causa do problema, a responsabilidade não seria da ré, facto do qual esta deu prévio conhecimento à autora aquando da sua contratação. Por outro lado, a autora não cumpriu as condições de pagamento estipuladas com a ré, para a realização da obra em causa, encontrando-se ainda por liquidar parte do preço da obra. Conclui pugnando pela improcedência da acção. 3- O processo prosseguiu os seus termos, tendo sido proferido despacho saneador e sido seleccionada a matéria de facto controvertida. Posteriormente, teve lugar a audiência de discussão e julgamento, sendo proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora a quantia de Esc. 5.881.884$00, isto é, € 29.338,71, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação e parcialmente improcedente, por não provada, na parte restante, dele absolvendo a ré. 4 - Apelou a Ré, nos termos de fls. 162 a 171, formulando as seguintes conclusões (impõe-se mais uma vez referir que não estamos perante verdadeiras conclusões mas sim face à repetição das alegações ainda que numeradas): 1ª- Através da mui douta sentença recorrida foi julgada parcialmente procedente a acção proposta pela recorrida, condenando-se “a ré a pagar à autora a quantia de Esc. 5.881.884$00, isto é, € 29.338,71, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação”. 2ª- Salvo o devido respeito e melhor opinião, afigura-se-nos que a decisão proferida através da mui douta sentença do Tribunal a quo merecerá reparo pela parte do aqui recorrente, na parte em que decaiu, pelas razões de direito e de facto que ao diante se enunciarão. 3ª- Conforme se alcança do relatório constante da sentença recorrida foi pela ora recorrida proposta acção de condenação em que pedia a condenação da ora recorrente no pagamento da quantia de Esc. 7.299.493$00, acrescida de juros legais desde a citação, alegando os seguintes factos: A recorrida contratou os serviços da recorrente para a colocação de tacos de madeira de lamparquet, em carvalho, num prédio que construiu, tendo a recorrente iniciado os seus trabalhos em Junho de 2000, os quais veio a concluir em Setembro desse mesmo ano. No mês de Setembro de 2000 esses tacos começaram a levantar, em determinados pontos do rés do chão e, posteriormente, também nas restantes fracções e pisos desse prédio. De tal facto foi dado imediato conhecimento à recorrente; Esta aceitou a verificação de tais danos, nunca tendo procedido à eliminação dos defeitos em causa. Consequentemente a recorrida teve de contratar outra empresa para efectuar tal reparação. 4ª- A recorrente contestou tal petição, alegando em súmula que: O problema verificado com o soalho em causa tinha origem nas humidades da obra, que provocaram tal levantamento. Para verificar a origem dessa humidade e seu nível, bem como a solução a dar a recorrente solicitou ao LNEC – Núcleo de Madeiras a realização de testes, tendo comunicado à Recorrida as datas para a realização dos mesmos, nunca tendo esta dado qualquer resposta à recorrente, o que prejudicou a realização de tais exames. Consequentemente a recorrente comunicou à recorrida que não efectuaria qualquer reparação até que se determinasse a origem de tais humidades, declinando a responsabilidade pelo sucedido. 5ª- Foram dados como provados, na sequência da audiência de discussão e julgamento os factos constantes de fls. dos autos recorridos. 6ª- Entendemos, contudo, que atenta a matéria probatória carreada para os autos, designadamente a prova testemunhal oferecida pelo ora recorrente, a decisão haveria de, logicamente, ser proferida em sentido diverso na parte ora recorrida, alicerçando-se tal convicção nos depoimentos prestados pelas testemunhas: a) Prestados pela parte ora recorrida – D.......... cujo depoimento ficou registado “nas cassetes n.º 68 da unidade 46 a 670”; b) Prestados pelas testemunhas: E.........., cujo depoimento ficou registado “nas cassetes n.º 68 da unidade 1872 a 2298”; F.........., cujo depoimento ficou registado “nas cassetes n.º 68 da unidade 235 a 1225”; G.........., cujo depoimento ficou registado “nas cassetes n.º 68 da unidade 1225 a 1645”; H.........., cujo depoimento ficou registado “nas cassetes n.º 68 da unidade 1645 a 1988”. Tudo conforme se alcança da respectiva acta de julgamento, constante de fls. dos autos recorridos. 7ª- Todas as testemunhas (mesmo as indicadas pela recorrida) foram unânimes em apontar como causa para o levantamento de tais tacos a humidade existente na obra, designadamente na betonilha, conforme se alcança dos depoimentos transcritos supra que para aqui se dão como devidamente reproduzidos. 8ª- O quesito 13º da base instrutória refere que “atenta a existência de um elevado grau de humidade de origem desconhecida, a ré solicitou a realização de testes ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil, núcleo de madeiras”, tendo Tribunal a quo dado tal quesito como não provado. 9ª- A formulação deste quesito, na sua parte inicial, tem inculcado o pressuposto da existência de um elevado grau de humidade na obra em causa, de origem desconhecida, o qual teria provocado o levantamento de tal piso. 10ª- Não obstante tal facto, esses depoimentos (testemunhais e de parte) nem sequer foram valorados pelo Tribunal a quo na sua douta decisão, que os deveria ter aceite ou afastado por qualquer razão de convicção do julgador (só assim pode ser considerada e compreendida a decisão proferida em sentido totalmente inverso dos sobreditos depoimentos). 11ª- Entendemos, assim, que através da análise destes depoimentos resultarão suficientemente demonstrados factos que, se apreciados criticamente pelo Tribunal, teriam consubstanciado a prova integral dos factos constantes dos quesitos 13º e 14º da base instrutória. 12ª- Entendemos que foi efectuada prova da existência de humidade nas betonilhas e da imputação do levantamento do revestimento aplicado, do lamparquet, a essa mesma humidade. 13ª- Consideramos, assim, salvo o devido respeito, que relevando tais depoimentos (uma vez que dos autos nada se encontra que justifique a não tomada em consideração dos mesmos) a decisão dos autos em causa haveria de ser de total improcedência dos mesmos e não de improcedência parcial, como sucedeu. 14ª- Consideramos, assim, que o Tribunal a quo efectuou uma errada apreciação da matéria de facto com conduta, por vezes, até omissiva de tal apreciação. 15ª- Da mesma forma, e sem prescindir, (em face dos depoimentos prestados e designadamente dos atrás referidos) entende-se que existem factos que foram carreados para o processo através de tais depoimentos, e que, mesmo sendo considerados factos meramente instrumentais, deveriam haver sido levados em linha de conta pelo Tribunal a quo na sua douta sentença proferida. 16ª- Inclusivamente poderia e, dizemos nós, deveria o Tribunal a quo, ao abrigo do disposto nos arts. 650º n.º2 alínea f) e 264º e 265º do Código de Processo Civil, haver ampliado a base instrutória, com vista a incluir tais factos, corrigindo, dessa forma, o quesito 13º que previa o desconhecimento da origem da humidade. 17ª- Toda esta matéria era inteligível da contestação apresentada, bem como da prova produzida, estando por conseguinte assegurado o princípio do contraditório sobre a mesma, devendo por tal facto ser considerada. 18ª- Entende-se enfermar a douta sentença recorrida de algumas contradições entre si, bem como quando analisada à luz da prova produzida, conforme supra se alegou. 19ª- Desde logo entende-se ser contraditória a prova dos factos quesitados sob o número 7º quando confrontados com a prova dos factos constantes dos números 14º e 16º constantes de fls. 3 da douta sentença recorrida. 20ª- Da mesma forma, verificando-se os depoimentos prestados e supra transcritos, designadamente o depoimento de F.......... e confrontando-os com o teor do quinto parágrafo da folha cinco da douta sentença recorrida, encontramos uma flagrante contradição. 21ª- Salvo o devido respeito parece-nos, no mínimo, existir aqui uma contradição entre a prova produzida e as considerações e decisões tomadas. 22ª- A mesma consideração merece a afirmação, constante da mesma página de tal sentença, de que “no entanto não resulta da matéria provada que os defeitos apontados fossem originados pela humidade”, quando atendemos a todos os depoimentos acima transcritos (inclusivamente dos das testemunhas oferecida pela autora, ora recorrida – uma das testemunhas técnica da obra) em que existe tal afirmação inequívoca. 23ª- Igualmente sem prescindir do atrás exposto, verifica-se que a douta sentença recorrida, considerando a existência de defeitos e a imputabilidade dos mesmos à recorrente (o que como já atrás se referiu é inaceitável), lança mão do disposto no art. 1221º do Código Civil. 24ª- Ora, conforme se verificou da prova produzida não foi concedido à recorrente qualquer prazo para a eliminação dos defeitos, o que impede que possa existir lugar á resolução do contrato de empreitada (neste sentido vide Acórdão da Relação de Évora de 23/04/1998 in B.M.J., 476, p. 507). 25ª- Da mesma forma, e aceitando a procedência da argumentação aduzida na douta sentença recorrida a este respeito, sempre se dirá que nunca a recorrida referiu em todo o processo que resolveu o contrato de empreitada com a recorrente, antes se limitando a dizer que foi obrigada a contratar um novo empreiteiro para a execução de determinadas tarefas, as quais não são descriminadas quanto à sua extensão e natureza, mas apenas quanto ao seu alegado quantitativo. 26ª- Ora, da prova produzida (e o ónus da prova deste facto incumbia à recorrida) nada se alcança que demonstre ter sido efectuada tal resolução. 27ª- Por todo o exposto neste ponto entende-se que não seria lícito à recorrida peticionar o constante dos autos nem, por maioria de razão, o Tribunal determinar a condenação nos moldes efectuados. 28ª- Da mesma forma não se compreende como foram dados como provados os factos constantes dos quesitos 1º, 11º e 12º. 29ª- O ónus da prova de tais factos incumbia à recorrida. 30ª- Os documentos apresentados por esta nos autos em causa foram impugnados pela recorrente, uma vez que se limitam a recibos de quantias pagas, não se alcançando a que trabalhos se reportam, sendo que nenhuma das testemunhas logrou produzir qualquer prova nesse sentido. 31ª- Desconhece o Tribunal, porque não foi alegado e minimamente referido e provado por qualquer das testemunhas qual a natureza e extensão das reparações (quantos metros quadrados de lamparquet foram objecto de reparação?) e, logicamente, qual o seu custo de reparação. 32ª- Com a decisão recorrida foram violados os arts. 264º, 265º, 650º, 661º e 668º n.º 1º alínea c) e d) do Código de Processo Civil e 436º e 1221º e seguintes do Código Civil.. 33ª- Por tudo quanto até aqui se expôs entende-se, salvo melhor opinião, que deverá o presente recurso obter merecimento, sem desprimor pela douta sentença proferida pelo Tribunal a quo. Conclui pedindo a procedência do recurso. 5 - Contra-alegou a recorrida, batendo-se pela confirmação do julgado. II - FACTUALIDADE PROVADA Encontram-se provados os seguintes factos: 1- A autora contactou a ré para que esta apresentasse uma proposta com vista ao fornecimento e aplicação de lamparquet, em carvalho, numa obra sua, sita na Rua .........., n.° ...-..., em .......... (Alínea A) dos Factos Assentes); 2- Após a colocação de tal revestimento, este veio a levantar nalguns pontos (Alínea B) dos Factos Assentes); 3- Logo em Setembro de 2000, os tacos colados no rés-do-chão do prédio começaram a descolar (Resposta ao Quesito 1.º); 4- E posteriormente também em todas as divisões das restantes fracções do prédio (Resposta ao Quesito 2.º); 5- De imediato foi dado conhecimento à ré, a qual, aceitando as deficiências, as imputou ao alto teor de humidade (Resposta ao Quesito 3.º); 6- Em dia indeterminado de Dezembro de 2000 procedeu-se a uma vistoria para avaliação das reparações a efectuar (Resposta ao Quesito 5.º); 7- Em 20 de Dezembro de 2000 a autora voltou a insistir com a ré para proceder às reparações e colocar novamente os tacos, nada tendo esta feito (Resposta ao Quesito 6.º); 8- A autora tinha já contratos promessa de venda outorgados, facto conhecido da ré (Resposta ao Quesito 7.º); 9- Cujas escrituras definitivas estavam aprazadas para Janeiro e Fevereiro de 2001 e bem assim a entrega das fracções aos proprietários (Resposta ao Quesito 8.º); 10- Por força dos compromissos assumidos, a autora recorreu a outra empresa que procedeu à reparação e colocação do parquet (Resposta ao Quesito 9.º); 11- Com o levantamento do pavimento, preparação para aplicação de novo lamparquet, raspar e dar acabamento, com três mãos de verniz, a autora gastou Esc. 4.721.111$00 (Resposta ao Quesito 10.º); 12- Com a aquisição de novo lamparquet gastou Esc. 1.160.773$00 (Resposta ao Quesito 11.º); 13- Com a repintura nas diversas fracções do prédio gastou Esc. 1.417.609$00 (Resposta ao Quesito 12.º); 14- A ré remeteu por fax à autora a indicação de duas datas ficando a aguardar que a autora lhe indicasse, de entre as datas apontadas, qual a que entendia conveniente (Resposta ao Quesito 14.º); 15- A autora nunca indicou qualquer data (Resposta ao Quesito 15.º); 16- A ré comunicou à autora que até se apurar a razão da existência de humidade não seria efectuada qualquer reparação (Resposta ao Quesito 16.º); 17- Não foi convencionado entre as partes prazo para a realização da obra (Resposta ao Quesito 18.º). III – DA SUBSUNÇÃO - APRECIAÇÃO Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir. O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente, artigo 684 n.º 3 do Código de Processo Civil. A) As questões a decidir são as seguintes: 1- Deve a matéria de facto ser alterada no sentido proposto pela Recorrente devendo os quesitos 13º e 14º da Base Instrutória ter resposta diversa? 2- Deve igualmente ser alterada a resposta dada aos quesitos 1º, 11º e 12º? 3- Deve a matéria de facto ser ampliada (artigos 650 al. f) e 264 e 265 todos do CPC), face aos depoimentos prestados e indicados no recurso, uma vez que existem factos que foram carreados para o processo através de tais depoimentos e que, mesmo sendo considerados factos meramente instrumentais, deveriam haver sido levados em linha de conta pelo tribunal na sua sentença? 4- A sentença recorrida enferma de contradições, nomeadamente existe contradição entre os factos do quesito 7º e dos quesitos 14º e 1 6º? 5- E existe contradição entre a prova produzida e as considerações e a decisões tomadas? 6- Dado que não foi concedido à recorrente qualquer prazo para a eliminação dos defeitos não pode ocorrer a resolução do contrato de empreitada, que nunca a recorrida referiu? B) Mas vejamos a primeira e segunda questão. Como é sabido, a decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto só pode ser alterada pela Relação nos casos previstos no artigo 712 do Código de Processo Civil. Nos presentes autos a prova produzida encontra-se gravada, e transcrita nas alegações, tendo a Recorrente procedido à indicação dos depoimentos em que fundamenta a sua divergência com a decisão recorrida. Encontram-se verificados os pressupostos processuais legais para a reapreciação da prova, artigos 712 n.º 1 al. a) e b) e 690-A ambos do Código de Processo Civil. Todavia, antes de avançar na análise do caso concreto, impõe-se afirmar, citando, o preâmbulo do DL n.º 39/95 de 15 de Fevereiro que “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”. È que o “objecto do 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a relação, mas, mais singelamente, a detecção e correcção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento, o que atenuará sensivelmente os riscos emergentes da quebra da imediação na produção da prova”. Na opinião da Recorrente a apreciação da prova feita em primeira instância enfermou de graves erros devendo ser alteradas as respostas a vários artigos da Base Instrutória. Será que lhe assiste razão, face aos elementos de prova que pretende ver reapreciados. Afigura-se-nos que não. A apreciação da prova produzida está necessariamente ligada ao valor que o Julgador atribui não só a cada depoimento mas também aos diversos documentos que lhe são submetidos. Estamos em face de um problema de valoração da prova produzida em audiência. Nos termos do artigo 655 n.º 1 do Código de Processo Civil o Tribunal aprecia livremente as provas produzidas, decidindo o Juiz segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Tal preceito consagra o principio da prova livre, o que significa que a prova produzida em audiência (seja a prova testemunhal ou outra) é apreciada pelo julgador segundo a sua experiência, tendo em consideração a sua vivência da vida e do mundo que o rodeia. Prova Livre que nas palavras do Prof. Alberto dos Reis “quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”, CPC, Anotado, vol. IV, p. 570. E, não podemos esquecer que o julgador deve “tomar em consideração todas as provas produzidas”, artigo 515 do Código de Processo Civil, ou seja a prova deve ser apreciada globalmente. A prova testemunhal, atenta a sua falibilidade, impõe cuidados acrescidos na sua avaliação afim de poder ser devidamente valorada. Ponderando este principio da prova livre deve o julgador motivar os fundamentos da sua convicção, por forma a permitir o controlo externo das suas decisões. Tendo em consideração estes princípios vejamos a situação concreta. Ouvidos os depoimentos das testemunhas referidas na motivação do recurso bem como de todas as outras e ponderando os documentos juntos aos autos entendemos que não é possível alterar a matéria de facto dada como provada em 1ª instância. Não se vislumbram razões para que o depoimento das testemunhas indicadas pudesse conduzir a que se dessem como provados outros factos que não os que constam da decisão recorrida. Nem tais depoimentos, por si só, podem permitir que sejam dados como não provados os factos que foram dados como provados em primeira instância. Por exemplo a resposta ao artigo 13º, no qual se perguntava “atenta a existência de um elevado grau de humidade de origem desconhecida, a ré solicitou a realização de testes ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil, núcleo de madeiras” mereceu a reposta Não Provado. Nesse quesito o que se pergunta e esse é que é o facto em causa (não cuidamos neste momento de saber se tal quesito se encontra correctamente formulado e se traduz toda a matéria alegada pela Recorrente) é se a ré solicitou a realização de testes ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil, núcleo de madeiras. Ora as testemunhas indicadas quando ouvidas a este propósito são manifestamente imprecisas para se poder efectivamente dar uma resposta positiva. E no artigo 14º perguntava-se “Logo que o citado laboratório comunicou a marcação do exame a ré remeteu por fax à autora a indicação de duas datas ficando a aguardar que a autora lhe indicasse, de entre as datas apontadas, qual a que entendia conveniente”. Tal quesito mereceu a seguinte resposta: Provado apenas que a ré remeteu por fax à autora a indicação de duas datas ficando a aguardar que a autora lhe indicasse, de entre as datas apontadas, qual a que entendia conveniente. Também das respostas dadas pelas testemunhas não se vislumbra que alguma delas tenha referido que a remessa do fax se tenha ficado a dever ao facto de o citado laboratório ter comunicado a marcação do exame. Não se nos afigura que outra pudesse ser a resposta, senão a que foi dada. Acresce que há todo um conjunto de provas que foram produzidas sobre esta matéria e que o Juiz a quo apreciou segundo o seu prudente arbítrio, não podendo a Relação com base nos invocados depoimentos alterar a resposta. A Recorrente nas suas alegações (que transcreve nas conclusões) fala que o tribunal não deu relevo a certos depoimentos. Mas isso é o sucede em todos os processos. Há depoimentos que convencem e outros que não. O tribunal entendeu que os depoimentos das testemunhas que refere na motivação das respostas aos quesitos seriam mais credíveis e nesse ponto a sua opção não pode ser censurada pela Relação. A Recorrente não conseguiu demonstrar que os depoimentos das testemunhas que indica devam prevalecer sobre os que foram considerados em 1ª instância. Pelo menos dos depoimentos singelos das testemunhas o mesmo não resulta com clareza. Quem mente e quem fala verdade? O Juiz a quo não se convenceu da tese da Recorrente e não vemos razões para alterar a sua posição e, consequentemente alterar a matéria de facto. Os depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência e transcritos pela Recorrente, não permitem responder à matéria de facto nos termos por ela pretendidos. Desta forma, não vemos razões para nos afastarmos do decidido em 1ª instância. Importa recordar que a gravação sonora (e posterior transcrição escrita) não permite captar todos os elementos que influenciaram a decisão do julgador. Na verdade, as testemunhas por vezes têm reacções e comportamentos que apenas podem ser percepcionados e valorados por quem os presencia, não sendo possível à Relação através da gravação (ou transcrição) reapreciar o processo como o julgador formulou a sua convicção. “Há, na verdade, uma profunda diferença entre a posição do Juiz que, dirigindo a audiência, assiste à prestação dos depoimentos, ouvindo o que as testemunhas dizem e vendo como se comportam enquanto ouvem as perguntas que lhes são feitas e a elas respondem, e a outra, bem diversa, daquele que apenas tem perante si a transcrição, nas alegações, do teor dos depoimentos e a possibilidade de ouvir as respectivas gravações sonoras (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos dobre o Novo Código de Processo Civil”, LEX, 1997, pp. 399-400, António Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, 2ª ed. Pp. 270-271 e Acórdão do STJ de 19.04.2001, Proc. n.º 435/01)”, Ac. do STJ de 12/03/2002, Proc. n.º 697/01. O Juiz da 1ª instância é quem se encontra em melhor posição para avaliar e decidir quanto ao valor a atribuir a determinado depoimento. Essencial é o modo e a forma como os factos provados se encontram fundamentados. Ora, não vemos, em como é que o depoimento das referidas testemunhas pode abalar ou contraditar a fundamentação expressa na decisão recorrida, (importa recordar que não ocorreram, em tempo oportuno, reclamações contra as respostas à matéria de facto por falta da sua motivação). Como se referiu não se vislumbram razões para alterar a matéria de facto relativamente às respostas dadas aos quesitos em questão tendo em consideração os depoimentos das testemunhas em causa. De igual forma não se vislumbra que a resposta dada aos quesitos 1º, 11º e 12º possa ser alterada. Tais quesitos mereceram resposta positiva e a Recorrente entende que não foi feita prova suficiente. Ora o Tribunal recorrido entendeu que a prova produzida era suficiente para o seu convencimento tendo claramente referido as testemunhas que levaram a esse convencimento. Não pode a Relação censurar este facto, (sendo certo que não se vislumbra prova que possa anular aquela que fundamentou as respostas). Não se vislumbram, pois, razões para alterar a matéria de facto provada. Em resumo, a decisão recorrida está devidamente fundamentada e a factualidade provada e não provada não pode ser colocada em crise pelos depoimentos das invocadas testemunhas, pelo que se impõe a improcedência da primeira questão arguida pela Recorrente. C) Resolvida a primeira e segunda questão impõe-se abordar a terceira: Deve a matéria de facto ser ampliada (artigos 650 al. f) e 264 e 265 todos do CPC), face aos depoimentos prestados e indicados no recurso, uma vez que existem factos que foram carreados para o processo através de tais depoimentos e que, mesmo sendo considerados factos meramente instrumentais, deveriam haver sido levados em linha de conta pelo tribunal na sua sentença? Dispõe o artigo 650 al. f) do CPC que ao juiz que preside ao julgamento compete “providenciar até ao encerramento da discussão pela ampliação da base instrutória da causa, nos termos do disposto no artigo 264”. “Às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções”, n.º 1 do artigo 264 do CPC E, “o Juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 514 e 665 e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa”, n.º 2 do mesmo preceito. Refira-se desde já que apesar da Recorrente não concretizar qual o facto, dito instrumental (devendo ter-se em atenção que só devem ser quesitados os factos instrumentais quando os mesmos sejam considerados essenciais ao apuramento da verdade [“Em resumo dir-se-á que o Juiz só pode incluir no questionário os factos articulados pelas partes, mas que a eles pode acrescentar os factos instrumentais que considere necessários ao apuramento da verdade” Antunes Varela, J.M. Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, p. 402]), ou outro, que pretende ver levados à base instrutória, pensamos que estará certamente a Recorrente a referir-se à conclusão 12ª. Se assim é o facto seria o seguinte “O levantamento do lamparquet ficou a dever-se à existência da humidade existente nas betonilhas”. Este seria efectivamente um facto fundamental à decisão da causa, desde que articulado com outra matéria (tal humidade era do conhecimento das partes? A autora foi avisada pela Recorrente de que a colocação daquele tipo de material seria afectada pela humidade? A Autora aceitou os riscos?). Mas isto não decorre do depoimento das testemunhas, mas sim dos próprios articulados. Da contestação apresentada há factos que terão interesse para a decisão e que não foram devidamente quesitados (por isso supra se referiu que o quesito 13 não traduziria com clareza a matéria alegada na contestação). Tais factos constam dos artigos 9, por um lado, e 24 e 25, por outro (ainda que a matéria destes seja confusa, eventualmente a Recorrente não disse aquilo que pretendia dizer). É certo que se poderá afirmar que tal matéria pode ser considerada conclusiva (logo não susceptível de ser quesitada). Todavia afigura-se-nos que a mesma poderia e deveria ter sido quesitada. Afigura-se-nos que a matéria de facto apurada pelo tribunal de 1ª instância enferma de uma irregularidade – insuficiência – que afecta a validade da decisão recorrida, irregularidade esta que é do conhecimento oficioso, nos termos do artigo 712 n.º 4 do CPC. Nos termos deste preceito “se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do n. 1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode a Relação anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na 1ª instância, quando repute deficiente.....a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta...”. Deste modo, se outra razão não houvesse para se conhecer do fundo da questão, impunha-se ampliar a matéria de facto, levando à base instrutória a matéria acima enunciada (que seria susceptível de afastar a responsabilidade da Recorrente) dado o seu inegável interesse para a decisão da causa. Mas se assim é, os autos deveriam baixar para ser ampliada a matéria de facto. Apesar da procedência da questão deduzida pela Recorrente (ainda que por motivos não inteiramente coincidentes com a sua alegação), entendemos que não se impõe ordenar a baixa dos autos para ampliação da matéria de facto, uma vez que a Recorrente invoca outras questões cujo conhecimento se nos afigura poder prescindir da ampliação da matéria de facto. Apesar do conhecimento desta questão e do decidido sobre ela, passamos a conhecer as restantes questões. D) Importa analisar as questões 4º e 5ª: A sentença recorrida enferma de contradições, nomeadamente existe contradição entre os factos do quesito 7º e dos quesitos 14º e 16º? E existe contradição entre a prova produzida e as considerações e a decisões tomadas? Impõe-se referir que neste ponto nenhuma razão assiste à Recorrente. As causas de nulidade de sentença estão previstas no artigo 668 do CPC. No seu número 1 alínea c) está prevista a nulidade de sentença “quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão”. Para que ocorra tal nulidade é necessária uma real contradição entre a fundamentação e a própria decisão final. O julgador apresenta um raciocínio na fundamentação que aponta num determinado sentido e a decisão conclui num sentido diverso. Ao contrário do que afirma a Recorrente a sentença é coerente e não é contraditória, não existindo qualquer desconformidade entre a parte dispositiva da sentença e a sua conclusão. Não vislumbramos nem incoerência ou contradição nem qualquer desconformidade entre os fundamentos e a decisão. Para que se verifique a invocada nulidade é necessário que ocorra “um vício real no raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente”. [Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, p.671 Veja-se também o Ac. STJ de 26.4.1995 CJ, S, T.II, p.57 “A nulidade da al. c) do n.º 1 do art.668 do CPC pressupõe um erro lógico na parte final da argumentação jurídica: os fundamentos apontam num sentido e, na parte final, vem a optar-se por fundamentação adversa”] Ora na sentença em apreço não se verifica o apontado vício. Na verdade, após enunciar os factos provados, a sentença em causa expõe os motivos e as razões que entende justificativas para a responsabilização da Ré para, finalmente concluir que a Ré é responsável (nos termos que refere) e como tal está obrigada a indemnizar a A. nos termos da condenação. A decisão surge na sequência lógica de toda a fundamentação e do raciocínio seguido ao longo da exposição de motivos. Após aquela fundamentação outra não podia ser (na tese do julgador) a decisão a proferir. Aqueles fundamentos só podiam conduzir àquele resultado. A contradição tem que resultar da própria decisão. O que a Apelante pretende colocar em causa é coisa bem diversa, ou seja a eventual contradição existente entre a prova produzida em julgamento e a decisão ora recorrida, o que não gera qualquer nulidade da sentença. O que a Apelante pretende, e se apresenta neste momento inadmissível, como se viu é a reapreciação da prova. Não é possível confrontar os depoimentos das testemunhas com o teor de um determinado parágrafo da sentença (conclusão 20ª) nem uma afirmação de determinada página da sentença pode ser confrontada ou estar em contradição com a prova produzida (conclusão 22ª). Nunca há oposição entre a prova produzida e a decisão. Pode haver erro na apreciação da prova ou erro na interpretação jurídica dos factos provados. Porém, isso não configura nulidade de sentença por contradição entre a prova produzida e as considerações e a decisões tomadas. Acresce que não se verifica qualquer contradição entre o facto provado no artigo 7º e os factos provados nos artigos 14 e 16. Tais factos não se negam nem conflituam entre si. Apenas traduzem realidades diversas. Afigura-se-nos ser inequívoco que se impõe também a improcedência destas questões. E) Importa decidir a última questão: Dado que não foi concedido à recorrente qualquer prazo para a eliminação dos defeitos não pode ocorrer a resolução do contrato de empreitada, que nunca a recorrida referiu? Esta questão encontra-se directamente ligada ao destino da acção, ou seja à solução da questão de direito que vem colocada, face à factualidade provada (e mesmo face aos termos em que a acção foi intentada). Vejamos. As partes não colocam em causa que entre elas foi celebrado um contrato de empreitada. Ora, nos termos do artigo 1207º do Código Civil, o contrato de empreitada é definido como aquele pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra mediante um preço. “O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato” – art. 1208º do Código Civil. O art. 1221º do Código Civil estatui: “1. Se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono pode exigir nova construção. 2. Cessam os direitos conferidos no número anterior, se as despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito”. Da definição legal resulta que tal contrato é bilateral, oneroso e sinalagmático. Relembremos, sumariamente, a matéria fáctica com relevo para a decisão. A Recorrente obrigou-se perante a Recorrida a fornecer e aplicar lamparquet, em carvalho, numa obra da Recorrida. Após a colocação de tal revestimento, este, logo em Setembro de 2000, veio a levantar nalguns pontos do que foi dado conhecimento à Recorrente, a qual, aceitando as deficiências, as imputou ao alto teor de humidade. Em 20 de Dezembro de 2000 a autora voltou a insistir com a ré para proceder às reparações e colocar novamente os tacos, nada tendo esta feito. A Recorrida tinha já contratos promessa de venda outorgados, facto conhecido da Recorrente e cujas escrituras definitivas estavam aprazadas para Janeiro e Fevereiro de 2001 e bem assim a entrega das fracções aos proprietários. A Recorrida recorreu a outra empresa que procedeu à reparação e colocação do parquet. A Recorrente comunicou à Recorrida que até se apurar da existência da humidade não seria efectuada qualquer reparação. Perante esta factualidade afigura-se-nos que a Recorrida não agiu com as cautelas devidas. Na verdade nos termos dos supra citados preceitos legais, em caso de defeitos da obra, ao dono da obra assiste o direito de: 1- Exigir a eliminação dos defeitos, se estes puderem ser suprimidos; 2- Exigir uma nova construção, se os defeitos não puderem ser eliminados; 3- Exigir a redução do preço ou, em alternativa, a resolução do contrato. O dono da obra pode socorrer-se destas prerrogativas legais. Todavia não poderá exigir uma nova construção se os defeitos puderem ser corrigidos, nem podendo os defeitos ser eliminados peticionar – desde logo – a resolução do contrato. O dono da obra deve obedecer à ordem estabelecida legalmente. Deste modo, só no caso de os defeitos não serem eliminados (ou a obra construída de novo) é que o dono da obra pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, o que será nesta hipótese, cumulável com o direito a ser indemnizado nos termos gerais. [“Perante a existência de defeitos, a lei concede ao dono da obra vários direitos, o primeiro dos quais é o de exigir a sua eliminação. A exigência de eliminação dos defeitos é uma forma de execução específica característica do contrato de empreitada; pretende-se exigir o cumprimento do acordado. O dono da obra deve começar por exigir que o defeito seja eliminado pelo próprio empreiteiro (art. 1221º, nº1). Mas se os defeitos não puderem ser eliminados, cabe ao comitente o direito de exigir do empreiteiro a realização de uma nova obra (art. 1221º, nº1, 2ª parte). Justifica-se esta solução porque, se o dono da obra não obteve o resultado pretendido, o empreiteiro continua adstrito a uma prestação de facto positivo. Ao empreiteiro não pode ser imposta a eliminação dos defeitos, ou a realização de nova obra, porque nemo ad factum praecise cogi potest. Perante a recusa do empreiteiro, pode o dono da obra requerer a execução específica da prestação de facto, nos termos do art.828.°, se ela for fungível. Nesse caso, os defeitos são eliminados, ou a obra realizada de novo por outrem à custa do empreiteiro. Não é, porém, admissível que o dono da obra proceda, em administração directa, à eliminação dos defeitos ou à realização de nova obra, pois isso seria uma forma de auto-tutela não admitida na lei...”. Pedro Romano Martinez, in “Direito das Obrigações”, III Volume - 1991, págs. 537/538] O dono da obra não pode, assim, por si ou por intermédio de terceiro, eliminar os defeitos ou reconstruir a obra à custa do empreiteiro. O dono da obra deve sujeitar-se às regras de prioridade estabelecidas no artigo 1221 supra citado, não podendo escolher qualquer um dos direitos que a lei lhe confere. Da mesma forma que não pode escolher o direito que melhor entenda, também o dono da obra não pode auto tutelar os seus interesses, isto é não pode reparar ou mandar reparar os defeitos e posteriormente pedir o seu pagamento ao empreiteiro sem previamente possibilitar que este repare tais defeitos. A Doutrina e a jurisprudência são unânimes neste ponto. [A título meramente exemplificativo: “No contrato de empreitada, se a obra apresentar vícios que reduzam o seu valor ou aptidão, o dono da obra pode, por ordem de prioridade: exigir a eliminação dos defeitos, se puderem ser suprimidos; exigir nova construção, se os defeitos não puderem ser eliminados; e exigir a redução do preço ou, em alternativa, a resolução do contrato” Ac. R. Porto, 10 de Março de 2003, Relator Desembargador Fonseca Ramos; I - Nos termos do artigo 213 do Código Civil são aplicáveis à subempreitada as disposições legais da empreitada. II - Os direitos do empreiteiro são exercidos pela ordem seguinte; a) eliminação dos defeitos; b) nova construção sendo impossível a eliminação dos defeitos; c) redução do preço ou resolução do contrato, não ocorrendo nenhuma das duas outras situações (e neste último caso, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina). III - O artigo 1221 não confere ao dono da obra o direito de, por si ou por intermédio de terceiro, eliminar os defeitos ou reconstruir a obra à custa do empreiteiro. Ac. R. Porto, 14 de Janeiro de 2003, Relator Desembargador Rapazote Fernandes; “É ponto assente na doutrina e na jurisprudência que, na defesa dos seus interesses por via litigiosa, o dono da obra prejudicado pelo cumprimento defeituoso de empreitada tem de cingir-se à ordem de prioridade estabelecida nos arts.1221º, 1222º, e 1223º C.Civ., devendo, em acção que para tanto intente, observar a precedência que esses preceitos impõem. III - Não é, pois, em princípio, admissível que o dono da obra proceda, em administração directa, à eliminação dos defeitos ou à realização de nova obra, visto tal constituir uma forma de auto-tutela que a lei não admite.” Ac. STJ de 25 de Novembro de 2004, Relator Conselheiro Oliveira Barros; “De facto, o lesado com a defeituosa execução da obra, para se ressarcir dos seus prejuízos, terá de subordinar-se à ordem sequencial estabelecida nos arts. 1221º e 1222º, acima transcritos: exigir, em primeiro lugar, a eliminação dos defeitos, ou, caso não seja possível, exigir nova obra; se tal não se concretizar, exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina – v. Ac. do STJ de 16.04.96, no processo 087859, em www.stj.pt. Só em situações de comprovada e manifesta urgência na reparação, é lícito ao dono da obra proceder, de motu proprio, à eliminação do defeito, seja invocando o art. 335º, n.º 2, do CC (colisão de direitos), seja apelando ao disposto no art. 339º do CC (estado de necessidade), exigindo, mais tarde, do empreiteiro o pagamento do que tiver gasto – v., respectivamente, o Ac. do STJ de 01.10.2002, no processo n.º 02S1734, e de 01.07.2003, no processo n.º 03A909, em www.stj.pt e Romano Martinez, “Cumprimento Defeituoso”, pág. 389.” Ac. R. Porto de 11 de Novembro de 2003, Relator Desembargador Henrique Araújo] Apenas se admite que o dono da obra possa substituir-se ao empreiteiro e reparar os defeitos, por si ou por intermédio de terceiro, nos casos de manifesta urgência na reparação dos defeitos. Torna-se evidente que o conceito de manifesta urgência não pode ser demasiado rígido nem restritivo (sob pena de não ter utilidade prática) mas por outro lado também não pode revestir-se de uma tal elasticidade que permita defraudar o texto legal. Deste modo afigura-se-nos que devem ser entendidos desde logo, como caso de manifesta urgência todos aqueles que possam traduzir-se (no caso de os defeitos não serem reparados) em prejuízos irreparáveis ou mesmo de elevado montante para o dono da obra. Igualmente se devem considerar como casos de manifesta urgência todos aqueles em que a manutenção dos defeitos impliquem para o dono da obra uma violação dos seus direitos de personalidade. Só nestas hipóteses de manifesta urgência é que é de admitir que o dono da obra possa reparar, por ele ou por terceiro, os defeitos da obra. [Sobre este ponto vejam-se os seguintes Acórdãos: “I - Em casos de manifesta urgência, não corrigindo o empreiteiro os defeitos, ou, se for caso disso, não construir obra nova, o dono da obra pode, por si ou por terceiro, ir, sem mais, para a eliminação dos defeitos ou construção de nova obra, com o consequente crédito sobre o empreiteiro do que despender. II - Obras manifestamente urgentes não serão só aquelas que visam evitar prejuízos de monta, mas também as que, de acordo com o normal evoluir da vida e com as circunstâncias que determinaram a elaboração do contrato, correspondem a necessidade razoavelmente premente do dono da obra”, Ac. R. Porto de 18 de Novembro de 2004, Relator Desembargador João Bernardo. “Em caso, porém, de manifesta e urgente necessidade da reparação e de recusa ilegítima do empreiteiro a proceder à supressão ou correcção dos defeitos da obra, é lícito ao dono da obra substituir-se ao empreiteiro na execução das obras destinadas a eliminá-los, de harmonia com os princípios gerais de direito, designadamente o constante do art.339º C. Civ”, Ac. STJ, 25 de Novembro de 2004, Relator Conselheiro Oliveira Barros “I- Tendo o dono da obra encarregado um terceiro de proceder à eliminação dos defeitos, sem ter previamente recorrido às vias judiciais, não pode depois pedir a condenação do empreiteiro inadimplente no valor das despesas efectuadas. II- Só em execução de prestação de facto fungível se pode pedir que o facto seja prestado por outrem à custa do empreiteiro. III- Tal sucede mesmo que o empreiteiro e o dono da obra tenham clausulado a possibilidade de este último prescindir da via judicial e entrar directamente numa execução específica, pois a lei, no caso especial do contrato de empreitada não admite a auto-tutela, antes supondo uma condenação prévia do empreiteiro. IV- Só não será assim se o dono da obra alegar e demonstrar uma situação de manifesta urgência, de estado de necessidade que preencha o condicionalismo do artº 339º do Código Civil.”, Ac. STJ, 30 de Setembro de 2004, Relator Conselheiro Faria Antunes] Porém, mesmo nestes casos – nos quais a manifesta urgência deve resultar do quadro fáctico provado – é necessário que o empreiteiro esteja em mora, ou seja que não tenha eliminados os defeitos em tempo razoável. Efectuadas estas considerações importa descer ao caso concreto. Perante a matéria de facto provada (e mesmo face à factualidade descrita na petição inicial) afigura-se-nos que assiste razão à Recorrente. Na verdade, apenas resulta dos factos provados que em dia indeterminado de Dezembro de 2000 foi efectuada uma vistoria para que se determinassem quais as reparações a efectuar e logo no dia 20 desse mês a recorrida insistiu com a Recorrente para que efectuasse as reparações necessárias. Não foi fixado qualquer prazo razoável para a Recorrente reparar os defeitos. [Importa ter em atenção que entre as partes não foi fixado qualquer prazo para a realização da obra por parte da Recorrente (cfr. ponto II-17)] Acresce que a Recorrente, que havia aceitado a existência dos defeitos, mas os havia imputado à humidade existente, comunicou à Recorrida que até se apurar da razão da existência da humidade não seria efectuada qualquer reparação. Tratava-se de uma posição avisada e razoável, uma vez que sendo os defeitos motivados pela humidade se esta se mantivesse ou se houvesse a hipótese de ela voltar a aparecer não seria prudente recolocar o lamparquet em carvalho, que como é sabido é susceptível de ser afectado pela humidade existente no solo. A Recorrida sem dar à Recorrente a possibilidade de reparar os defeitos e sem lhe ter fixado um prazo razoável para que os reparasse, isto é sem que a Recorrente tivesse entrado em mora, avançou por sua livre iniciativa para a reparação desses defeitos. E nem se diga que apenas o fez porque estava face a uma situação de manifesta urgência. Sobre este ponto apenas se provou que a Recorrida tinha aprazadas para Janeiro e Fevereiro de 2001 a entrega das fracções e a outorga das escrituras. Nada mais se provou. Ora tal factualidade não representa, em nossa opinião nem uma situação de urgência e muito menos manifesta. Nada se provou (e aliás também não estava alegado) sobre os eventuais prejuízos para a Autora da não entrega atempada dos andares. Nada se provou, nem se alegou, quanto a uma eventual carência premente dos promitentes compradores dessas fracções que pudesse colocar a Ré num eventual estado de necessidade que a obrigasse a cumprir impreterivelmente com o prazo de entrega. Os promitentes compradores pressionaram a Autora para a entrega das fracções? A autora teria danos (económicos ou de outra natureza) se não entregasse impreterivelmente na data acordada as fracções). Nada disto (ou outros factos com interesse) se encontra alegado. Em suma afigura-se-nos que a factualidade provada (bem como a alegada pela Recorrida/Autora) não consubstancia uma manifesta urgência na reparação dos defeitos. Mas se assim é, se não existia uma urgência premente na reparação dos defeitos (urgência essa que não pudesse esperar pelo apuramento das razões da existência de humidade), se não existia uma manifesta urgência, se não foi dado à Recorrente um prazo razoável para a reparação dos defeitos, se não foi dada a possibilidade de a Recorrente reparar tais defeitos, torna-se manifesto que a Recorrida/Autora não pode exigir da Recorrente/Ré o pagamento das despesas que suportou com a reparação. Em suma e em conclusão, a Autora/Recorrida face à existência dos defeitos verificados deveria ter seguido as possibilidades legais que, por ordem sequencial, vem estabelecida nos arts. 1221º e 1222º do CC. Não o tendo feito e não tendo igualmente invocado manifesta urgência na reparação dos defeitos (nem concedido à Recorrente um prazo razoável para a reparação dos defeitos, ou seja constituindo-a em mora), não pode exigir da Recorrente o pagamento das despesas com a reparação do lamparquet. Impõe-se deste modo não só a procedência desta questão bem como a procedência do recurso (considerando-se prejudicada a questão do ponto C). IV - Decisão Por tudo o que se deixou exposto e nos termos dos preceitos citados, acorda-se em dar provimento ao recurso e, em consequência revoga-se a decisão recorrida, julgando-se a acção improcedente e, em consequência absolvendo-se a Recorrente do pedido. Custas, em ambas as instâncias, pela Autora/Recorrida. Porto, 14 de Fevereiro de 2005 José António Sousa Lameira José Rafael dos Santos Arranja Jorge Manuel Vilaça Nunes |