Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0140039
Nº Convencional: JTRP00032602
Relator: CONCEIÇÃO GOMES
Descritores: INSTRUÇÃO CRIMINAL
INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA
COMPETÊNCIA
DEPRECADA
Nº do Documento: RP200107040140039
Data do Acordão: 07/04/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T I CRIMINAL PORTO 2J
Processo no Tribunal Recorrido: 165-A/00
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFLITO COMPETÊNCIA.
Decisão: DECLARAÇÃO DE COMPETÊNCIA.
Área Temática: DIR PROC PENAL.
Legislação Nacional: CPP98 ART290 ART317 ART318.
CPC95 ART621 ART623 N5.
Sumário: Não é de expedir deprecada para inquirição de testemunhas residentes em comarca pertencente à área metropolitana do Porto (Maia), cabendo ao Juiz de Instrução a competência para a inquirição, salvo se houver graves inconvenientes ou dificuldades na deslocação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

1 - RELATÓRIO:
1.1. No ....... do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, corre termos o processo de instrução nº .../.. em que é assistente o CRSS de Norte e arguidos “M.........., S. A.”, Fernando ........ e Maria .......
1.2. No âmbito do referido processo, o Mmº Juiz de Instrução do ....., por despacho de 16OUT2000, ordenou a inquirição de testemunhas por deprecada ao Tribunal Judicial da Comarca da .......
1.3. Por despacho de 30OUT2000 o Mmº Juiz do Tribunal Judicial da ......, ordenou a remessa da deprecada ao tribunal deprecante, sem cumprimento, com o fundamento de que no actual CPP, em sede de julgamento, a expedição de deprecadas está sujeita cumulativamente aos requisitos constantes no art. 318º, do CPP, de tal modo que a mesma só deve ser expedida quando a onerosidade da deslocação sobreleva de algum modo o princípio da imediação. Em sede de instrução as testemunhas só são inquiridas se forem essenciais para as finalidades indiciárias da mesma, na exacta medida em que possuam elementos imprescindíveis para a obtenção da verdade material, pelo que a sua inquirição deve ser efectuada perante o juiz da causa, pois, o interesse da verdade material sobrepõe-se ao da onerosidade da deslocação.
Atenta a proximidade das duas comarcas, que se encontram servidas por modernas vias de comunicação e transportes públicos, dificilmente se poderá afirmar que a deslocação das testemunhas é muito onerosa e difícil, sendo que ambas as comarcas deprecante e deprecada estão integradas na área metropolitana do Porto, por isso sujeitas à regra do art. 623º, nº 4, do CPC, aplicável “ex vi”, do art. 4º, do CPP.
1.4. A deprecada foi devolvida ao Tribunal de ....., tendo o Mmº Juiz deste Tribunal, por despacho de 09NOV2000, ordenado a remessa da deprecada ao Tribunal Judicial da ......., com o fundamento de que a deprecada só pode deixar de ser cumprida, nos casos previstos no art. 184º, do CPC, em sede de instrução o que a lei apenas proíbe é o conferir a órgãos de polícia criminal a inquirição de testemunhas, e não a sua inquirição por deprecada (art. 11º, nº3, al.b), do CPP), sem esquecer que a direcção da instrução compete ao juiz de instrução, e esta é formada pelo conjunto dos actos que esse juiz de instrução entenda levar a cabo (arts. 288º, nº1 e 289º, nº 1, ambos do CPP), por isso tão pouco em sede de instrução vigora o princípio da imediação.
1.5. Por despacho de 15NOV2000 o Mmº Juiz do Tribunal Judicial da ......, manteve a posição assumida no seu despacho de 30OUT2000, acrescentando, em síntese, que os princípios da imediação, celeridade processual e verdade material imanentes ao processo penal abarcam por maioria de razão, a proibição de expedição de deprecadas para inquirição de testemunhas nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto ou nas áreas do círculo judicial, sendo aplicável o art. 623º, nº 4, do CPC, ao processo penal.
O acto que se pretende seja satisfeito enquadra-se na previsão do art. 184º, nº 1, al a), do CPC, porque viola flagrante e evidente o disposto no citado art. 623º, nº4, do CPC, invocando, deste modo, o Mmº Juiz do Tribunal judicial da ......, a recusa legítima no cumprimento da carta precatória em causa para inquirição de testemunhas nos termos do art. 184º, nº1, al. a), do CPC, ex vi, do art. 4º, do CPP, e ordenou a devolução da deprecada ao Tribunal deprecante.
1.6. O Mmº Juiz do ....., face ao conflito suscitado, ordenou a extracção de certidão e remessa a este Tribunal ..... .
1.7. As decisões proferidas transitaram em julgado.
1.8. Gerou-se assim um conflito negativo de competência, na medida em que o Tribunal deprecado invocou como fundamento da sua recusa a falta de competência para o acto requisitado – art. 184º, nº 1, al a), do CPC, ex vi, do art. 4º, do CPP - e para cuja resolução este tribunal dispõe de competência (arts. 34º e 36º, do CPP, e 121º, do CPC).
1.9. Fixado prazo para a resposta e notificados do mesmo, apenas o Mmº Juiz do ....., respondeu, reafirmando a sua posição.
1.10. Nesta Relação, o Exmº Procurador- Geral Adjunto teve vista dos autos e emitiu parecer no sentido de que o presente conflito deve ser resolvido atribuindo competência ao Tribunal de ..... .
1.11. Foram colhidos os vistos legais.
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2. FUNDAMENTAÇÃO.
2.1. A questão que se coloca no presente conflito negativo de competência consiste em saber qual o Tribunal competente para proceder à inquirição das testemunhas residentes na área da comarca da ......, cuja inquirição foi ordenada por deprecada pelo Mmº Juiz do ..... .
2.1.2. Na fase de instrução, conforme determina o art. 290º, do CPP, o juiz pratica todos os actos necessários à realização das finalidades referidas no art. 286º, nº1, do CPP, podendo todavia, conferir a órgãos de polícia criminal o encargo de procederem a quaisquer diligências e investigações relativas á instrução, salvo tratando-se de interrogatório do arguido, da inquirição de testemunhas, de actos que por lei sejam cometidos em exclusivo à competência do juiz e, nomeadamente, os referidos no art. 268º, nº 1, e no art. 270º, nº 2.
No CPP o único preceito disciplinador da inquirição por deprecada é o art. 318º, do CPP, inserido na fase de julgamento, no qual se consagra no seu nº 1, que “Excepcionalmente, a tomada de declarações ao assistente, às partes civis, a testemunhas, a peritos ou a consultores técnicos pode oficiosamente ou a requerimento, ser solicitada pelo presidente ao juiz de outra comarca, por meio adequado de comunicação, nos termos do art. 111º, se:
a) Aquelas pessoas residirem fora do círculo judicial;
b) Não houver razões para crer que a sua presença na audiência é essencial à descoberta da verdade; e
c) Forem previsíveis graves dificuldades ou inconvenientes, funcionais ou pessoais na sua deslocação”.
2.1.2. A regra geral da inquirição das testemunha é na sede do tribunal competente para o julgamento (art. 317º, do CPP).
Também no processo civil a regra geral é a inquirição das testemunhas na própria audiência (art. 621º, do CPC), tendo sido reforçada a intenção do legislador em restringir ao máximo a inquirição por deprecada, com as recentes alterações introduzidas ao Código do Processo Civil pelo DL nº 183/2000, de 10AGO, «no qual se consagra que as testemunhas e as partes residentes fora do círculo judicial ou da ilha, no caso das Regiões Autónomas, são ouvidas na própria audiência através de teleconferência, salvo se a parte que as arrolar se dispuser a apresentá-las em tribunal, eliminado-se nestes casos recurso a cartas precatórias e reforçando-se o princípio da oralidade» (vide Preâmbulo do DL nº 183/2000, de 10AGO).
Com efeito, o art. 623º, nº 5, do CPC, na redacção dada pelo referido DL nº 183/2000, (a que correspondia o nº 4, do mesmo preceito), consagra que “Nas causas pendentes em tribunais sediados nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto não se expedirá carta precatória nem existirá inquirição por teleconferência quando a testemunha a inquirir resida na respectiva circunscrição, ressalvando-se os casos previstos no art. 639º-B”.
Das alterações introduzidas ao CPC, quer pelo DL nº 329-A/95, de 12DEZ, quer pelo DL nº 183/2000, de 10AGO, resulta que a intenção do legislador em processo civil, é restringir ao máximo a inquirição por deprecada, introduzindo normas restritivas do uso da carta precatória, não só através da introdução do sistema de inquirição por teleconferência (nº 4, do art. 623º, do CPC), como com a consagração da não expedição de carta precatória, nem a existência de inquirição por teleconferência, nas causas pendentes em tribunais sediados nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, quando a testemunha residir na área da respectiva circunscrição (nº 5 do art. 623º, do CPC).
Com efeito, actualmente as deslocações entre as localidades pertencentes ás áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, estão facilitadas com modernas vias de comunicação, e desde que a deslocação da testemunha não envolva sacrífico razoável para o depoente, o legislador no âmbito do processo civil restringiu a expedição de cartas precatória para a inquirição de testemunhas, reforçando os princípios da imediação e da oralidade. Tal é o que resulta, aliás, do preâmbulo do DL nº 329-A/95, de 12DEZ, reafirmado e reforçado pelo DL nº 183/2000, de 10AGO.
2.1.3. Também no CPP o legislador restringiu o uso da inquirição por carta precatória, estabelecendo para a fase de julgamento, que só excepcionalmente se recorrerá a tal meio de inquirição (nº 1, do art. 318º, do CPP), e sempre que estiverem disponíveis os indispensáveis recursos técnicos, a tomada de declarações realiza-se em simultâneo com a audiência de julgamento, com recurso a meios de telecomunicações em tempo real (nº 5, do art. 318º, do CPP).
É certo que na fase de instrução o CPP nada estipula quanto à expedição de carta precatória para inquirição de testemunhas ou tomada de declarações.
2.1.4 Ora, na falta de norma disposição específica sobre a regra de inquirição de testemunhas por deprecada na fase de instrução, ter-se-á que aplicar as regras do art. 318º, do CPP, no sentido que só nos casos previstos nas alíneas do nº 1, do citado preceito, se deverão expedir cartas precatórias para inquirição de testemunhas.
Assim sendo, tal como salienta o Exmº Procurador Geral-Adjunto no seu douto parecer, delas se procedendo extrair uma regra de actuação coincidente com a norma do art. 623º, nº 5, do CPC, isto é: nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto não se expedirá carta precatória, salvo se houver graves inconvenientes ou dificuldades, funcionais ou pessoais, na deslocação da testemunha.
Ou seja, sendo o CPP omisso quanto a tal situação, será aplicável subsidiariamente o disposto no art. 623º, nº 5, do CPC, ex vi, do art. 4º, do CPP, nos termos do qual nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto não se expedirá carta precatória, salvo se houver graves inconvenientes ou dificuldades, funcionais ou pessoais, na deslocação da testemunha.
Tal entendimento, aliás, mostra-se mais consentâneo com os princípios enformadores do processo penal, quer da celeridade, quer da imediação, quer da oralidade.
No caso dos autos, as testemunhas residem na ..... que pertence à área metropolitana do Porto e não ocorrem, nem foram invocados, inconvenientes na sua deslocação a esta cidade.
Assim sendo, o tribunal competente para proceder à diligência de inquirição deprecada é o Tribunal ..... .
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3. DECISÃO:
Termos em que acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da ....., em dirimir o conflito, julgando competente para proceder à inquirição das testemunhas, cuja diligência foi deprecada, o Tribunal de Instrução Criminal do Porto.
Sem tributação.
Cumpra o disposto no art. 36º, nº 5, do CPP.
Porto, 4 de Julho de 2001
Maria da Conceição Simão Gomes
José Inácio Manso Raínho
Pedro dos Santos Gonçalves Antunes