Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0556192
Nº Convencional: JTRP00039769
Relator: CURA MARIANO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
RESERVA AGRÍCOLA NACIONAL
CLASSIFICAÇÃO
SOLOS
Nº do Documento: RP200611200556192
Data do Acordão: 11/20/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: IMPROCEDENTES.
Indicações Eventuais: LIVRO 280 - FLS 61.
Área Temática: .
Sumário: I - A inclusão de um terreno em zona de Reserva Agrícola Nacional (RAN) não acarreta necessariamente a sua classificação como solo apto para outros fins, para efeito de cálculo da indemnização por expropriação, devendo esta classificação ser afastada, pelo menos, nas seguintes situações:
- se o proprietário do terreno demonstrar que excepcionalmente foi autorizada a construção de edifício na parcela em causa, nos termos do art. 9º do D.L. 198/89;
- se a expropriação da parcela visa a construção de prédios;
- se a inclusão daquele prédio na RAN visou por parte da Administração uma posterior expropriação menos dispendiosa
II - Tendo-se provado a expropriação visou a construção duma via férrea e que a parcela de terreno expropriada não está dotada de quaisquer infraestruturas urbanísticas e o acesso ao prédio donde foi destacada é feito por caminhos de servidão, também sem quaisquer infra-estruturas, o solo da parcela expropriada só poderia ser classificado como apto para outros fins.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº …./03.9TJVNF, .º Juízo Cível de Vila Nova de Famalicão
Rec. nº 6192/05 – 5 (Apelação)
Relator: João Cura Mariano
Adjuntos: Rafael Arranja
Maria do Rosário Barbosa


Expropriante: F………., E.P..

Expropriados: B……….
C……….
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Por despacho do Secretário de Estado Adjunto dos Transportes foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação de uma parcela de terreno, com a área de 40 m2, a destacar de um prédio rústico pertencente aos expropriados.
Não tendo sido possível a sua aquisição amigável, foi proferida decisão arbitral que fixou em €. 3.463,00 a indemnização a pagar pela expropriação dessa parcela.
Ambas partes, inconformadas com a decisão arbitral que fixou em 3.463,00 euros o valor da indemnização que é devida aos expropriados pela expropriação da parcela de terreno em causa nos autos, vieram interpor recurso da mesma.
Os expropriados alegaram, para tanto e em síntese, que a indemnização que lhes é devida pela expropriação da parcela de terreno em causa não poderá ser inferior a €. 5.808,00, que corresponde ao valor do terreno, das benfeitorias e da desvalorização da parte sobrante.
A expropriante alegou, em síntese, que o valor da indemnização a atribuir aos expropriados não poderia ser superior a €. 300,00 euros.
A expropriante respondeu ao recurso interposto pelos expropriados, pugnando pela sua improcedência.
Os expropriados responderam ao recurso interposto pela expropriante, pugnado pela sua improcedência.
Após indicação e nomeação dos peritos, procedeu-se à avaliação da parcela de terreno objecto desta expropriação, tendo os Senhores Peritos apresentado laudo unânime, que fixou a indemnização a pagar em €. 2.700,00.
O laudo foi objecto de reclamação por parte dos expropriados, reclamação essa que foi indeferida.
Deste despacho de indeferimento foi interposto recurso, o qual foi admitido como de agravo, com subida diferida.
Apenas a expropriante apresentou alegações finais.
Foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela entidade expropriante e fixou o valor da indemnização devida em €. 2.700,00.
Desta sentença recorreram os expropriados, tendo este recurso sido admitido como de apelação, com subida imediata.
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1. Da ordem de apreciação dos recursos
Nos termos do artº 710º, nº 1, do C.P.C., cumpre apreciar em primeiro lugar do mérito do recurso de agravo e, só na hipótese do mesmo não ser provido, é que deve ser apreciado o recurso de apelação.
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2. Do recurso de agravo
Os expropriados recorreram do despacho que desatendeu a sua reclamação do relatório pericial, com os seguintes fundamentos:
“- No aludido despacho agravado entendeu o Exm.o Juiz do processo que senão "vislumbravam razões juridicamente atendíveis para que os Sr.s peritos prestem os esclarecimentos pretendidos pelos expropriados", sendo certo que, no entendimento do mesmo Sr. Juiz, o laudo pericial em referência conteria "todos os elementos relevantes para permitir ao Tribunal ficar ajusta indemnização".
- Ora, sempre salvo o devido respeito por opinião diversa, entende a recorrente que não assiste razão ao douto aresto recorrido porquanto a solicitação de esclarecimentos e a apresentação de reclamações aos laudos periciais produzidos no âmbito do processo comum encontra-se prevista no artº 587° do C.P.C. e foi, in casu foi exercida tempestivamente;
- Trata-se, todavia, de matéria que, naturalmente, apenas será presente aos peritos em causa, para esclarecimentos e apreciação da reclamação apresentada se vier a ser admitida pelo Juiz do processo.
- Sucede que, como bem se alcança, o juízo de necessidade fundamento legal de apreciação das reclamações apresentadas contra um dado laudo pericial encerra, é sabido, uma avaliação, em grande medida, relacionada com a protecção do principio da celeridade processual e da proibição da prática de actos inúteis.
- Esse foi, sem dúvida, o escopo do legislador ao fixar a possibilidade de as partes apresentarem reclamações como a aqui em causa, é dizer: evitar a apresentação - naturalmente e antes de mais, pela parte devedora de um qualquer montante indemnizatório-de reclamação com intuito meramente dilatório e sem substancia ou fundamento materiais.
- Ora verifica-se que, no caso dos autos não só a reclamação foi apresentada pelos expropriados principais interessados, se assim se pode dizer, na celeridade processual uma vez que o terminus dos autos significa o recebimento da indemnização que lhes é devida - como, independentemente da opinião que possa ter-se acerca das questões aí alvitradas, a mesma procura, inter alia, colher elementos necessários a uma das soluções jurídicas que conduzirão à fixação do montante da justa indemnização.
- Na verdade, como pode aferir-se do respectivo teor que aqui se dá como integrado e reproduzido, os expropriados pretendem, por via da sua reclamação, em suma, o seguinte:
- que os senhores peritos cumpram o disposto nos artº 29° do C. das Expropriações - o que, manifestamente não ocorreu;
- a notificação da Câmara Municipal ………. no sentido de informar a classificação da totalidade do prédio de onde foi retirada a parcela expropriada e respectiva envolvência face ao PDM;
- que os sr.s Peritos apresentem, no seguimento de Jurisprudência do Tribunal Constitucional e da Relação de Guimarães - que citam, cuja publicação indicam, e da qual, de resto, juntaram cópia - o seu cálculo do valor da parcela para a hipótese de a mesma vir a ser a avaliada enquanto "solo apto para construção" como, diferentemente, dos Sr.s peritos, defendem os expropriados;
- requerem, por fim, a indicação de fundamento para a não consideração de desvalorização da parte sobrante.
- Ocorre, todavia que, no entender dos expropriados, a douta decisão agravada não só não fez apreciação especifica de tais questões - o que se traduz em dizer que não fundamentou a sua decisão de indeferimento - como, também, traduz uma tomada de posição a todos os títulos precipitada e extemporânea acerca, mormente, da questão fundamental de direito que se prende com a classificação dos solos em processo expropriativo.
- Por qualquer das duas razões vindas de invocar a decisão agravada merece censura pelo que se confia na sua revogação.
- Mais: indeferindo a prestação dos esclarecimentos solicitados a decisão em crise cria, inclusivamente, condições processuais para que, numa das soluções de direito possíveis para a questão dos autos - qual seja a classificação do terreno em causa enquanto "solo apto para construção", conforme defendem legitimamente os expropriados e resulta, como se viu, de uma parte da nossa melhor jurisprudência não venha a ser passível de apreciação, por exemplo, por um Tribunal Superior por manifesta "falta de matéria de facto" - conforme se avança no Ac. da Relação de Guimarães cujo extracto foi junto com a reclamação apresentada.
- Sendo certo ainda que, em tal caso, teriam os autos de baixar de novo á primeira instância – anulando-se a perícia e todo o posterior processado, incluindo a sentença – precisamente para que os Sr.s Peritos juntassem aos autos a informação que se pretendeu com os esclarecimentos entretanto indeferidos (isto é, a valorização do terreno em causa enquanto "solo apto para construção").
- Assim não se evitando, aí sim, toda uma demora inútil na tramitação dos autos que colide com o princípio da celeridade processual e da não prática de actos inúteis.
- Possibilidade que, só por si, ilustra bem o carácter infundado e, a todos os títulos, não razoável do indeferimento aqui recorrido”.
Concluíram pela revogação da decisão agravada e sua substituição por outra que admita a reclamação formulada pelos expropriados, ordenando-se, sequencialmente, a notificação dos Sr.s peritos no sentido de prestarem os esclarecimentos pretendidos.

A expropriante apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.
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2.1. Do objecto do recurso
Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, cumpre verificar se deveria ter sido atendida a reclamação apresentada pelos expropriantes ao relatório pericial, relativamente a quatro questões suscitadas pelos agravantes, solicitando-se esclarecimentos aos peritos autores desse relatório.
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2.2. Da atendibilidade da reclamação apresentada pelos Expropriados
Relativamente à prova pericial, o artº 587º, nº 2, do C.P.C., aplicável às perícias realizadas no âmbito do processo de expropriação (artº 61º, nº 3, do Código das Expropriações), dispõe que se as partes entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, podem formular as suas reclamações.
Deste dispositivo resulta que as partes só podem reclamar do relatório pericial se o mesmo apresentar deficiências, obscuridades, contradições ou falta de fundamentação, e não por discordarem das suas constatações, raciocínios e conclusões.
Os recorrentes, nas suas alegações de recurso, restringiram o âmbito deste ao facto do despacho recorrido não ter atendido a quatro das suas reclamações apresentadas no requerimento indeferido.
1ª - o não cumprimento do artº 29º, do Código das Expropriações;
2ª - o pedido de notificação da Câmara Municipal ………. no sentido de informar a classificação da totalidade do prédio de onde foi retirada a parcela expropriada e respectiva envolvência face ao PDM;
3ª - a falta de apresentação do seu cálculo do valor da parcela para a hipótese de a mesma vir a ser a avaliada enquanto "solo apto para construção";
4ª - a falta de indicação de fundamento para a não consideração da desvalorização da parte sobrante.
Dispõe o artº 29º, do Código das Expropriações:
“1 – Nas expropriações parciais, os árbitros ou os peritos calculam sempre, separadamente, o valor e o rendimento totais do prédio e das partes abrangidas e não abrangidas pela declaração de utilidade pública.
2 – Quando a parte não expropriada ficar depreciada pela divisão do prédio ou desta resultarem outros prejuízos ou encargos, incluindo a diminuição da área total edificável ou a construção de vedações idênticas às demolidas ou às subsistentes, especificam-se também, em separado, os montantes da depreciação e dos prejuízos ou encargos, que acrescem ao valor da parte expropriada.
3 – Não haverá lugar à avaliação da parte não expropriada, nos termos do nº 1, quando os árbitros ou os peritos, justificadamente, concluírem que, nesta, pela sua extensão, não ocorrem as circunstâncias a que se referem as alíneas a) e b) do nº 2 e o nº 3 do artigo 3º”.
Os peritos não deram cumprimento do disposto no nº 1, deste artigo, mas tal omissão tem a sua justificação no disposto no nº 3, do mesmo artigo, uma vez que eles pronunciaram-se no sentido da parte sobrante manter proporcionalmente a capacidade e o valor que possuía antes da expropriação, pelo que não ocorriam as circunstâncias referidas nas alíneas a), e b), do nº 2 e o nº 3, do artº 3º.
Como os peritos entenderam que a parte sobrante não ficava depreciada com a divisão do prédio, também não se justificava o cumprimento do nº 2, do transcrito artigo 29º, do Código das Expropriações.
Quanto ao pedido de notificação da Câmara Municipal para informar sobre a classificação do terreno onde se situava o prédio a que pertencia a parcela em causa e sua envolvência, o mesmo não se justificava, uma vez que o referido PDM se encontra publicado no D.R. de 16-9-04, onde se verifica facilmente que o prédio integrando a parcela expropriada e sua envolvência se situa na Reserva Agrícola Nacional.
Relativamente ao pedido de cálculo do valor da parcela, na hipótese da mesma poder ser classificada como solo apto para construção, o mesmo não tinha razão de ser perante a opinião dos peritos que o mesmo deveria ser classificado como solo apto para outros fins. Classificando estes o solo da parcela expropriada como apto para outros fins que não a construção, apenas deviam calcular o seu valor de acordo com esta classificação.
No que respeita ao pedido de fundamentação para a não consideração da desvalorização da parte sobrante, o mesmo também não têm justificação, uma vez que no relatório se esclarece que esse parecer resulta do facto dos peritos entenderem que a parte sobrante mantém proporcionalmente a capacidade e o valor que possuía antes da expropriação.
Não sofrendo o relatório de peritagem, relativamente a estas quatro questões, de qualquer vício (deficiência, contradição ou falta de fundamentação) que justificasse o seu esclarecimento ou correcção, não merece provimento o agravo interposto, mantendo-se a decisão recorrida.
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3. Do recurso de apelação
Os recorrentes apresentaram as seguintes conclusões, nas suas alegações:
“- Salvo o devido respeito, que é muito, por opinião diversa entendem os expropriados ora recorrentes que não assiste razão à douta decisão em apelo, que terá laborado em erro, além do mais, na aplicação do direito atinente à matéria dos autos assim conduzindo a uma má decisão da causa.
- Atento o Princípio da Economia Processual, dão-se aqui como integrados e reproduzidos todos os elementos factuais constantes do auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam, cuja função estabilizadora da matéria de facto relevante para a boa decisão da causa não deverá nunca perder-se de vista.
- O montante indemnizatório deverá ser fixado com base no valor real e corrente do bem expropriado.
- Consequentemente, a indemnização a fixar deverá corresponder ao valor corrente ou de mercado do bem expropriado, ou seja, àquele valor que por ele estaria disposto a pagar um comprador prudente e avisado, em condições normais, e atendendo à aplicação do bem ao fim a que o mesmo se destina.
- Vale isto por dizer que os critérios constantes do Código das Expropriações são, em si mesmos, fundamentalmente operativos e indicadores, subordinados que se mostram aos imperativos constitucionais que, naturalmente, não podem violar.
- Acresce que, pela sua especial relevância em sede de quantificação do montante indemnizatório, o ius aedificandi sempre terá de ser considerado como um dos factores a ter em conta, designadamente nos casos - como o dos autos - em que os bens em causa possuam efectiva e inquestionável aptidão e potencialidade edificativas.
- A douta decisão recorrida - por remissão "mecânica e acrítica" para o relatório pericial - não ter cuidou de cumprir - ao contrário do que seria exigível- o disposto no artº 29° do C. das Expropriações.
- O relatório pericial junto aos autos - sem embargo de ter sido subscrito pela unanimidade dos peritos (o que em nada, como é sabido, vincula a posição dos expropriados) veio a traduzir-se na fixação de um montante indemnizatório muito aquém do valor devido aos expropriados, aplicados que se mostrem os antes elencados critérios de aferição e cálculo de valores.
- Quer pelas consequências que tal facto terá quer ao nível processual quer, também, do ponto de vista material, a entidade expropriante defende - legitimamente - entendimento diverso do da expropriada a respeito da questão da classificação do solo, aduzindo aquela, todavia, como fundamento jurisprudencial - v.g. do Tribunal Constitucional - decisões que não se reportam a situações idênticas ou sequer semelhantes à dos autos.
- Na verdade, qualquer das decisões citadas no recurso da F………., E.P. e que, ao que pode perceber-se, terão "enformado" erradamente o sentido da decisão recorrida - para além de não impor a classificação do terreno que daí pretende extrair a mesma, nem, naturalmente, por em causa o disposto no nº 12, do art. 26° do C. Expropriações - reporta-se a autos em que o processo expropriacional se destinava a tomar possível a construção de obras rodoviárias (e só essas), existindo, de resto, mesmo em relação a tal tipo de obras, jurisprudência do mesmo Tribunal Constitucional em sentido perfeitamente inverso ao defendido pela F………., E.P..
- De todo o modo, e seja como seja, o que é facto é que a interpretação resultante mesmo da leitura forçada dos acórdão citados que pretende fazer a expropriante em nada tem condicionado os nossos Tribunais de apelo quando chega o momento de decidir a questão concreta da avaliação do terreno (e não a da Constitucionalidade de uma das várias interpretações de uma disposição legal), sendo certo que tal posição tem sido confirmada, em casos como o dos autos, expressamente também pelo Tribunal Constitucional.
- Dúvidas não restam, por isso, de que a parcela em questão deverá ser classificada - na sua totalidade e, aí bem, na própria tese transposta para a decisão arbitral, como "solo apto para construção" (artº 25°, n° 1, al. a) do C.E. aplicável).
- Devendo, portanto, ser valorizada, nos termos do disposto no artº 26°, do aludido diploma legal, por meio do cálculo do "...valor da construção (...) que nele seja possível efectuar".
- Acresce que, de todo o modo, sempre se dirá que a verdade é que, como muito bem refere o douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães de 09.04.2003, citando, por sua vez e por todos, um outro acórdão este do Tribunal da Relação do Porto de 4.4.2000, "a circunstância de um terreno se situar em zona de RAN não obsta, por si só, a que esse terreno fosse considerado e avaliado como apto para construção".
- E isto desde logo porque, como é sabido, mesmo nas zonas integradas em RAN a construção é possível - obtidas as legais autorizações - de acordo com o disposto no artº 9° nº 1 e 2 alíneas b) e c) do DL 196/89, de 14.06.
- Factualidade suficientemente ilustrada no caso dos autos pela circunstância de a parcela expropriada consubstanciar logradouro da casa habitacional dos expropriados (onde estes vivem).
- Reconhecida a insofismável potencialidade edificativa genérica da parcela expropriada e, bem assim, do prédio de onde a mesma foi desanexada, duas alternativas se perfilam, no entender dos expropriados e sempre salvo o devido respeito por opinião diversa, a esse Venerando Tribunal:
- ou se decide pela anulação da decisão apelada ordenando-se a baixa dos autos por forma a ser a mesma parcela avaliada pelos Sr.s peritos de acordo com tal caracterização;
- ou, caso assim se não entenda, deverá ser dado provimento ao recurso dos expropriados, fixando-se a indemnização no montante por estes peticionado (que teve em consideração a real classificação da parcela em questão) .
- A verificar-se a última das hipóteses supra elencadas eis os parâmetros genéricos da avaliação da parcela expropriada:
área total da parcela 40 m2;
lote padrão: 600 m2
área da construção possível (15 x 20) = 300 m2;
x 2 pisos = 600 m2
custo de construção: € 425 m2
percentagem a utilizar nos termos do art. 26° do CE. : 15,5% logo: 600 m2 x € 425 /m2 = € 255000
(€ 255 000) X 15,5%) x = € 39 525.
€ 39 525 - 20% para infra-estruturação = € 31 620;
(€ 31 620 : 600 m2) = € 52,70/ m2;
40 m2 x 52,70 = € 2.108,00 .
Aos quais acrescerá o montante que vier a apurar-se corresponder à indemnização pelas desvalorização da parte sobrante.
- Acresce, por outro lado, e no que respeita à matéria da indemnização referente à perda das benfeitorias existentes na parcela – v.g. os muros e vedações, tanque e esteiros em granito (cfr. autos de vistoria a.p.r.m) - os montante indemnizatórios pelos quais conclui a decisão recorrida não traduzem, salvo o devido respeito por opinião contrária, atentas as suas características e dimensões, o seu real valor, que não deverá fixar-se em montante global inferior a € 3.700.
- Concluindo-se, pois, por um montante global da indemnização a ser pago pela expropriante (reportado à data da d.u.p.) de € 5.808,00 relativo ao valor do terreno propria­mente dito e benfeitorias aos quais acrescerá o montante que vier a apurar-se corresponder à indemnização pelas desvalorização da parte sobrante.
- Sendo certo que, sendo o valor da indemnização reportado à data da d.u.p., sempre o mesmo terá de ser actualizado - de acordo com o índice de evolução de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo I.N.E. - até efectivo e integral pagamento (cfr. art. 23° do C Expropriações aplicável)”.
Concluíram pela anulação ou revogação da decisão recorrida, com fixação da indemnização a suportar pela expropriante em € 5.808,00 relativo ao valor do terreno propriamente dito e benfeitorias, aos quais acrescerá o montante que vier a apurar-se corresponder à indemnização pelas desvalorização da parte sobrante, devidamente actualizados nos termos legais
Subsidiariamente, e caso assim se não entenda, requereram a anulação do relatório pericial elaborado nos autos e, subsequentemente, da decisão recorrida que para ele remete no que à fundamentação diz respeito.

A expropriante apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
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3.1. Do objecto do recurso
Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, cumpre apreciar as seguintes questões:
- o solo da parcela expropriada deveria ter sido qualificado como “apto para construção” e valorizado como tal?
- na sequência desta classificação e da expropriação ocorrida a parte sobrante perdeu a capacidade para receber construções, devendo esta desvaloriza­ção ser indemnizada?
- o valor das benfeitorias existentes na parcela expropriada é de €. 3700?
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3.2. Dos factos
Neste processo mostram-se provados os seguintes factos, resultante do teor do despacho de declaração de utilidade pública, do auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam de fls. 12 e seg., relatório da avaliação de fls. 22 e seg., e relatório de peritagem de fls. 143 e seg.:

I - No âmbito dos presentes autos de expropriação foi adjudicada à entidade expropriante a propriedade de uma parcela de terreno com a área de 40 m2, a destacar de um prédio rústico, sito no ………., ………., V .N. de Famalicão, omisso na competente C.R. Predial e inscrito na matriz rústica sob o art°470, para construção de linha férrea.

II - O prédio rústico donde foi destacada a parcela de terreno supra descrita tem a área de 3.200 m2, confrontando do Norte com caminho, do Sul com D………., do Nascente com E………. e do Poente com terreno urbano dos expropriados.

III - A parcela de terreno expropriada confronta do Norte com parte sobrante, do Sul e Nascente com D………. e do Poente com parte sobrante.

IV - A parcela expropriada faz parte de uma propriedade mais vasta pertencente aos expropriados e que inclui, nomeadamente, casa, logradouro e vários campos agrícolas.

V - A parcela de terreno expropriada é constituída por terreno agrícola, plano e fértil.

VI – O prédio onde se situa a parcela expropriada está classificada no PDM de V.N de Famalicão como integrando a Reserva Agrícola Nacional (RAN).

VII - A parcela de terreno expropriada não está dotada de quaisquer infra-estruturas urbanísticas e o acesso ao prédio donde foi destacada é feito por caminhos de servidão, também sem quaisquer infra-estruturas.

VIII - Existia na parcela expropriada, sobre um muro de suporte, uns esteios que serviam de suporte a uma vinha em bardo, ocupando essa parcela.

IX - Esse muro tinha uma altura média (acima do solo) de 1,20 m e no coroamento uma espessura de 40 cm, sendo construído em alvenaria de pedra com as juntas tomadas.

X - Este muro tinha um valor de €. 2.100, à data da d.u.p..
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3.3. Da aptidão da parcela expropriada
A sentença recorrida classificou o solo da parcela expropriada como apto para outros fins, pretendendo os recorrentes que o mesmo seja qualificado como apto para a construção.
Segundo o nº 1 do art. 25º C.Exp., para efeitos de indemnização por expropriação, os solos classificam-se em solo apto para construção e solo para outros fins, estabelecendo-se nos nºs 2 e 3 os critérios a que obedece a classificação de um e outro.
No caso vertente, a parcela expropriada, que integra uma propriedade mais vasta, é constituída por terreno agrícola e está classificada no PDM como “Reserva Agrícola Nacional”.
Há restrições ou limitações públicas ao poder de gozo dos solos, nomeadamente à sua aptidão construtiva. Uma dessas restrições é a que emerge do ordenamento do território em função da aptidão agrícola dos solos, com a sua inclusão na Reserva Agrícola Nacional (RAN), ainda que estas restrições ou limitações não sejam definitivas e absolutas.
O Decreto-Lei n° 196/89, de 16 de Junho, que estabelece o regime jurídico da RAN, preceitua no n° l, do art. 8º, que os solos da RAN devem ser exclusivamente afectos à agricultura, sendo proibidas todas as acções que diminuam ou destruam as suas potencialidades agrícolas.
Contudo, a inclusão de um terreno em zona de RAN não acarreta necessariamente a sua classificação como solo apto para outros fins, para efeito de cálculo da indemnização por expropriação, devendo esta classificação ser afastada, pelo menos, nas seguintes situações:
- Se o proprietário do terreno demonstrar que excepcionalmente foi autorizada a construção de edifício na parcela em causa, nos termos do artº 9º, do D.L. 198/89;
- Se a expropriação da parcela visa a construção de prédios urbanos [1].
- Se a inclusão daquele prédio na RAN visou por parte da Administração uma posterior expropriação menos dispendiosa [2].
Há ainda quem defenda a aplicação analógica do disposto no nº 12, do artº 26º, do Código das Expropriações, permitindo-se que se calcule a indemnização como solo com aptidão construtiva o localizado em zona RAN desde que se verifiquem as situações referidas naquele artigo [3].
E numa perspectiva ainda menos exigente existem vozes que sustentam que verificando-se os requisitos gerais da classificação de um solo como apto para construção (artº 25º, nº 2) a sua inclusão em zona RAN não afasta essa classificação para efeitos de atribuição de indemnização por expropriação [4].
Independentemente da posição que se adopte perante estas duas últimas teses, neste caso, nunca a parcela expropriada poderia ser classificada como terreno apto para construção.
Na verdade, por um lado não se demonstrou que existisse qualquer autorização excepcional para construção no prédio onde se situa a parcela em causa, nem que este tenha sido adquirido em data anterior à classificação como zona RAN, e nem que tenha existido qualquer dolo na inclusão da referida parcela em zona RAN. Por outro lado, provou-se que a expropriação visou a construção duma via férrea, que a parcela de terreno expropriada não está dotada de quaisquer infra-estruturas urbanísticas e o acesso ao prédio donde foi destacada é feito por caminhos de servidão, também sem quaisquer infra-estruturas.
Perante estes dados, o solo da parcela expropriada só poderia ser classificado como apto para outros fins, como fez a sentença recorrida.
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3.4. Da desvalorização da parte sobrante
Não se tendo concluído pela classificação do solo do prédio onde se situa a parcela expropriada como apto para construção, não é possível dizer-se que a parte sobrante, não expropriada, se desvalorizou por perder a sua aptidão construtiva, uma vez que não se reconheceu essa aptidão.
Assim, não há razão para se considerar a pretendida desvalorização.
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3.5. Do valor das benfeitorias
Os recorrentes defendem que o valor das benfeitorias é superior ao constante da sentença recorrida.
O muro existente na parcela expropriada encontra-se correctamente valorizado, tendo sido seguido o parecer unânime de todos os peritos intervenientes nesses processo.
Não existe mais qualquer outra benfeitoria a indemnizar, uma vez que a existência da vinha em bardo já foi tomada em consideração no cálculo do valor da parcela expropriada.
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3.6. Conclusão
O valor atribuído pela expropriação da parcela em causa pela sentença recorrida é correcto, pelo que deve improceder o recurso de apelação interposto pelos expropriados, mantendo-se a decisão recorrida.
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DECISÃO
Pelo exposto, julgam-se improcedentes os recursos de agravo e apelação interpostos pelos expropriados, mantendo-se as decisões recorridas.
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Custas do recurso pelos expropriados.
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Porto, 20 de Novembro de 2006
João Eduardo Cura Mariano Esteves
José Rafael dos Santos Arranja
Maria do Rosário Marinho Ferreira Barbosa
_________________________
[1] Vide, neste sentido, os seguintes Acórdãos:
- da Relação do Porto, de 23-10-2001, no site www.dgsi.pt, relatado por AFONSO CORREIA.
- da Relação do Porto, de 23-10-2003, no site www.dgsi.pt, relatado por JOÃO BERNARDO.
- da Relação de Coimbra, de 15-6-2004, no site www.dgsi.pt, relatado por JORGE ARCANJO.
- da Relação do Porto, de 3-4-2006, no site www.dgsi.pt, relatado por CAIMOTO JACOME.
[2] Vide, neste sentido, os seguintes Acórdãos:
- da Relação do Porto, de 19-4-2005, no site www.dgsi.pt, relatado por HENRIQUE ARAÚJO.
- da Relação do Porto, de 7-11-2005, no site www.dgsi.pt, relatado por SOUSA LAMEIRA.
[3] Vide, neste sentido, os seguintes Acórdãos:
- da Relação do Porto, de 2-12-2004, no site www.dgsi.pt, relatado por ATAÍDE DAS NEVES.
- da Relação de Coimbra, de 22-6-2004, no site www.dgsi.pt, relatado por TÁVORA VITOR.
- da Relação do Porto, de 13-1-2005, no site www.dgsi.pt, relatado por GONÇALO SILVANO.
- da Relação do Porto, de 11-4-2005, no site www.dgsi.pt, relatado por PINTO FERREIRA.
[4] Vide, neste sentido, Perestrelo de Oliveira, em “Código das expropriações anotado”, pág. 97, da 2ª ed., e os seguintes Acórdãos:
- da Relação do Porto, de 6-11-2003, no site www.dgsi.pt, relatado por FERNANDO BAPTISTA.
- da Relação de Coimbra, de 16-12-2003, na C.J., AnoXXVIII, tomo 5, pág. 36.