Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0525540
Nº Convencional: JTRP00038489
Relator: ALBERTO SOBRINHO
Descritores: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
JULGADOS DE PAZ
Nº do Documento: RP200511080525540
Data do Acordão: 11/08/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFLITO DE COMPETÊNCIA.
Decisão: DECLARADA A COMPETÊNCIA.
Área Temática: .
Sumário: A competência material fixada no artº 9 do D.L. nº 78/2001 de 13 de Julho é exclusiva aquando da instauração da acção, sendo obrigatório a interposição nos julgados de paz uma vez que a parte não tem a faculdade de escolher entre estes e o tribunal judicial.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

B........., residente na Rua ......, nº .... - ----º, Porto, intentou, pelos Juízos de Pequena Instância Cível, a presente acção declarativa, com processo sumaríssimo,

contra

C..........., residente na Rua ........, nº .., ...., Porto,
pedindo que seja condenado a pagar-lhe a quantia de 2.493,99 €, acrescida de juros vencidos, no montante de 873,85 €, e vincendos, até efectivo e integral pagamento, valor este correspondente ao preço da venda de peças de joalharia e que o réu nunca pagou.

Após tentativa frustrada para citação do réu e com prévia audição da autora sob a incompetência dos Juízos de Pequena Instância Cível para esta acção, que nada disse, o Mmº juiz declarou este juízo incompetente em razão da hierarquia e absolveu o réu da instância.

Inconformada com o assim decidido, agravou a autora, defendendo que se está perante um caso de incompetência relativa e que, consequentemente, deve ser ordenada a remessa dos autos ao tribunal competente.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Mmº juiz manteve tabelarmente o despacho recorrido.

***

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Âmbito do recurso

A- De acordo com as conclusões, a rematar as suas alegações, verifica-se que o inconformismo da agravante radica no seguinte:

1- A presente acção destina-se ao cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato de valor não superior à alçada da 1a instância;

2- Ao ter sido intentada no Tribunal de Pequena Instância Cível do Porto e não no Julgado de Paz verificou-se um situação de incompetência relativa em razão do valor do processo;

3- Atento o princípio do máximo aproveitamento dos actos e da celeridade processual, deverá ser considerado que estamos perante uma situação de incompetência relativa, em razão do valor da causa, nos termos do artigo 108º CPC, pelo que deveria ter sido ordenada a sua remessa ao tribunal competente de acordo com o nº 3 do artigo 111º CPC;

4- Ao decidir como fez o tribunal a quo interpretou de forma incorrecta as normas dos artigos 8º e 9º LJP e artigo 108º e 111º/3 CPC.

B- Face ao teor das conclusões formuladas, a verdadeira e única questão controvertida a dilucidar consiste em saber qual a incompetência que se verifica quando uma acção, que devia ter sido intentada perante os Julgados de Paz, o foi nos Juízos de Pequena Instância Cível.

III. Fundamentação

A- Os factos

Com interesse para decisão da questão controvertida a factualidade a considerar é que se deixou consignada no relatório.

B- O direito

Com a presente acção tem-se em vista obter o pagamento do preço correspondente à venda feita pela autora ao réu de determinadas coisas móveis, valor esse que ascende a 2.493,99 €, acrescido do montante de 873,85 €, correspondente aos juros já vencidos.
Está-se a exigir o cumprimento de uma obrigação pecuniária emergente de um contrato, ou seja, esta acção destina-se a efectivar o cumprimento de uma obrigação.
A competência em razão da matéria dos julgados de paz é fixada pelo art. 9º do dec-lei 78/2001, de 13 de Julho.
E na al. a) do nº 1 desse art. 9º preconiza-se que Os julgados de paz são competentes para apreciar e decidir acções destinadas a efectivar o cumprimento de obrigações, com excepção das que tenham por objecto prestação pecuniária e de que seja ou tenha sido credor originário uma pessoa colectiva.
Quanto à competência em razão do valor, determina o art. 8º do mesmo diploma que os julgados de paz têm competência para questões cujo valor não exceda a alçada do tribunal de 1ª instância.
Os julgados de paz foram criados para resolução célere e simplificada de questões de menor valor e sem grandes implicações jurídicas e vocacionados para, nos próprios termos legais, permitir a participação cívica dos interessados e para estimular a justa composição dos litígios por acordo das partes –cfr. nº 1 do art. 2º.
Segundo Cardona Ferreira [in Julgados de Paz, Organização, Competência e Funcionamento, pág. 29], a competência material que o art. 9º estabelece é fundamental, dado que tipifica, em exclusividade, a competência material destes Julgados de Paz.
Também Joel Timóteo Ramos Pereira [in Julgados de Paz – Organização, Trâmites e Formulários”, 2a ed., pág. 57] advoga que a competência material fixada no art. 9º é exclusiva aquando da instauração da acção, sendo obrigatória a interposição nos julgados de paz, uma vez que a parte não tem a faculdade de escolher entre a instauração de Julgado de Paz ou Tribunal Judicial.

Nas acções que se destinem a efectivar o cumprimento de obrigações pecuniárias integráveis na al. a) do art. 9º e cujo valor não exceda a alçada do tribunal de 1ª instância, a jurisdição é exclusiva dos julgados de paz e, como tal, têm obrigatoriamente que ser intentadas perante estes tribunais.
Se instauradas perante outros tribunais ocorrerá a violação dos arts. 211º da Constituição e 66º C.Pr.Civil.

A presente acção, como acção declarativa destinada a efectivar o cumprimento de uma obrigação pecuniária emergente de um contrato de compra e venda e porque se contém dentro do valor da alçada do tribunal de 1ª instância, é da competência material e exclusiva do Julgado de Paz do concelho do Porto, criado pelo dec-lei 9/2004, de 9 de Janeiro e instalado a 15 de Abril de 2004, pela Portaria 375/2004, de 13 de Abril.
Ao ter sido intentada perante os Juízos de Pequena Instância Cível foram violadas as regras de competência em razão da matéria, o que determina a incompetência absoluta deste tribunal, em conformidade com o estatuído no art. 101º C.Pr.Civil.
A incompetência absoluta do tribunal tem como consequência a absolvição do réu da instância – cfr. art. 105º, nº 1 C.Pr.Civil.
Se a incompetência for decretada depois dos articulados, estes podem ser aproveitados, mas desde que as partes estejam de acordo e o autor requeira a sua remessa ao tribunal em que acção deveria ter sido proposta – nº 2 do mesmo art. 105º.
Apesar da autora ter sido notificada para este efeito antes da prolação do despacho que decretou a absolvição do réu da instância, o certo é que não tomou a posição que a situação reclamava.
Como tal, não havia fundamento para remeter a acção ao Julgado de Paz do Porto, como agora o pretende a autora.

A decisão agravada não merece reparo.

IV. Decisão

Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo.

Custas pela agravante

Porto, 8 de Novembro de 2005
Alberto de Jesus Sobrinho
Mário de Sousa Cruz
Augusto José Baptista Marques de Castilho