Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP00038796 | ||
| Relator: | EMÍDIO COSTA | ||
| Descritores: | ADIAMENTO FALTA DE ADVOGADO | ||
| Nº do Documento: | RP200602070526897 | ||
| Data do Acordão: | 02/07/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. | ||
| Decisão: | PROVIDO. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | Não tendo o Juiz providenciado pela marcação da audiência mediante acordo prévio com os mandatários, a falta de um destes à mesma conduz necessariamente ao adiamento. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO B..........., Lda, intentou, no Tribunal Judicial de Ovar, a presente acção com processo ordinário contra: - C.........., Lda., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de Euros 9.395,86, acrescida de juros vencidos de Euros 441,69 e vincendos até efectivo e integral pagamento. Alegou, para tanto, em resumo, ter prestado serviços de contabilidade e gestão à Ré, mediante uma avença mensal de Esc. 81.900$00, acordada entre as partes, tendo todavia a Ré deixado de pagar essa avença desde Janeiro de 2000 até Dezembro de 2001, já que a partir de Janeiro de 2002, a Autora deixou de tratar dos elementos contabilísticos da Ré, atenta a referida falta de pagamento da avença. Contestou a Ré, alegando, também em resumo, que os sócios da Ré são pessoas de baixo nível de instrução, desconhecedores da organização administrativa e contabilística e que, por isso, delegaram na Ré a prática de todos esses actos, mas a Ré não procedeu ao pagamento de vários serviços da administração fiscal, designadamente por IVA, razão por que a avença em causa deixou de ser paga para «compensar» os valores não entregues; deduziu ainda reconvenção, por falta de cumprimento do dever de zelo e diligência da Autora, que originou a que a Ré tenha sofrido coimas e penalizações, decorrentes dessa conduta negligente da Autora, quer de natureza patrimonial, quer de natureza não patrimonial; termina, por isso, pedindo a improcedência da acção e a condenação da Autora a pagar-lhe a quantia de Euros 6.916,58, por danos patrimoniais sofridos, uma indemnização a liquidar em execução de sentença, correspondente aos danos que a Ré tiver de suportar e que se deverem a culpa da Autora por serem consequência da não prestação por parte desta dos serviços contratados ou da sua prestação defeituosa, e uma indemnização pelos danos não patrimoniais causados à Ré, em montante a fixar pelo Tribunal, mas em montante não inferior a Euros 25.000,00. Houve réplica e tréplica, nas quais as partes mantiveram as posições anteriormente assumidas. Proferiu-se o despacho saneador, consignaram-se os factos tidos como assentes e organizou-se a base instrutória, sem reclamações. Instruída a causa, foram os autos remetidos ao Circulo Judicial de Santa Maria da Feira, onde foi designado para julgamento o dia 30/11/2004, pelas 10,00 horas (fls. 220). Nesta data, deu entrada em juízo um fax subscrito pela ilustre mandatária da Ré, Dr.ª D.........., em que a mesma afirma: “...vem muito respeitosamente junto V. Ex.ª informar da sua impossibilidade, por motivos profissionais, de comparecer na data designada para audiência de julgamento, pelo que apresenta a V. Ex.ª sinceras desculpas. Informa ainda que deu conhecimento ao ilustre Colega da impossibilidade de comparência. Finalmente requer muito respeitosamente a V. Ex.ª se digne dar sem efeito a data marcada e agendar nova data para realização da mesma diligência” (fls. 295). No início da audiência (acta de fls. 298), foi informado que se encontravam presentes todas as pessoas convocadas, com excepção da mandatária da Ré, após o que foi vertido na acta despacho do seguinte teor: “O requerimento constante do fax antecedente não especifica as circunstâncias impeditivas da presença da mandatária, nem outrossim um nexo de causalidade entre essas circunstâncias e a consequência do adiamento da diligência marcada, sendo tal exigido pelo nº 5 do artº 155º do C.P.C.. Com efeito, a referência a motivos profissionais, além de vaga e abstracta, não permite aferir se, designadamente, os mesmos se referem ao seu impedimento numa continuação de audiência de julgamento, na presença em actos de natureza urgente, expressamente previstos na legislação processual civil ou penal (caso em que seria atendível) ou se em qualquer acto de exercício de advocacia que não se subsuma ao anteriormente referido (caso em que não é atendível). Por conseguinte, e por não se verificar o circunstancialismo previsto na al. D) do nº 1 do artº 651º do C.P.C., o requerimento antecedente não é fundamento de adiamento da audiência, determinando-se o cumprimento do disposto no nº 5 do mesmo preceito, com imediata produção de prova sujeita a gravação. Na media em que se trata de um acto de julgamento, se for apresentado requerimento ao abrigo do nº 5 do artº 651º do C.P.C. deve o mesmo, após o exercício do respectivo contraditório, ser apresentado concluso para por nós ser decidido”. Seguidamente, procedeu-se à audição dos peritos, depoimento de parte do legal representante da Ré e inquirição das testemunhas da Autora, tendo as testemunhas arroladas pela Ré (num total de seis) sido apenas identificadas (fls. 299 a 304). No final da audiência, foi designado o dia 12/01/05, pelas 10 horas, para leitura das respostas aos quesitos da base instrutória. Em 02/12/2004, deu entrada em juízo um requerimento subscrito pela Dr.ª D.......... em que diz que “o motivo que impediu a signatária de comparecer não pode ser revelado sob pena de incorrer em quebra do sigilo profissional e causar graves prejuízos ao cliente envolvido precipitando os acontecimentos” (fls. 312). Após outras considerações, termina por requerer “se digne considerar justificada a falta à audiência e marcar nova data para a sua continuação”. Por requerimento entrado em juízo a 13/12/2004 (fls. 327), a Ré interpôs recurso do despacho que indeferiu a justificação da falta da sua mandatária à audiência de julgamento, ou seja, o despacho de fls. 298. Por despacho de fls. 332, foi julgada injustificada a falta da ilustre mandatária da Ré à audiência de julgamento, requerida a fls. 312. O recurso interposto a fls. 327 veio a ser admitido como de agravo, com subida diferida e efeito meramente devolutivo. Entretanto, no dia 12/12/2005, pelas 10,00 horas, encontrado-se presente apenas o mandatário da Autora, foi lida a decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória (fls. 334 e 335), não tendo sido formulada no acto qualquer reclamação. Por requerimento entrado em juízo a 31/01/2005, a Ré reclamou da decisão sobre as respostas aos quesitos da base instrutória (fls. 343 a 345), reclamação essa que foi considerada extemporânea (despacho de fls. 354 e 355). Finalmente, veio a verter-se nos autos sentença que julgando a reconvenção improcedente, de cujo pedido absolveu a Autora, e a acção procedente, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de Euros 9.395,86, acrescida de juros, à taxa legal (juros comerciais), desde 30.09.2002 e até efectivo pagamento. Inconformada com o assim decidido, interpôs a Ré recurso para este Tribunal, o qual foi admitido como de apelação e efeito meramente devolutivo. Alegou, oportunamente, a recorrente, a qual finalizou a sua alegação com inúmeras e prolixas conclusões, nas quais defende que, em relação ao agravo, deve ser considerada justificada a falta da sua ilustre mandatária à audiência de discussão e julgamento; e, em relação à apelação, defende a tempestividade da apresentada reclamação quanto às respostas à matéria da base instrutória; o erro na apreciação da prova; a nulidade da sentença por contradição entre a fundamentação e a decisão; e se a acção deve improceder e proceder a reconvenção. Contra-alegou a recorrida, mas apenas em relação ao recurso de apelação, pugnando pela manutenção do julgado. O M.º Juiz do Tribunal “a quo” sustentou o despacho recorrido, mantendo-o integralmente. ............... O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, nos termos do disposto nos artºs 684º, n.º3, e 690º, n.º 1, do C. de Proc. Civil. De acordo com as apresentadas conclusões, as questão a decidir por este Tribunal são as de saber, em relação ao agravo, se deve ser considerada justificada a falta da ilustre mandatária da agravante à audiência de discussão e julgamento, de molde a justificar o adiamento da mesma; e, em relação à apelação, se é tempestiva a apresentada reclamação quanto às respostas à matéria da base instrutória; se existe erro na apreciação da prova; se a sentença é nula, por contradição entre a fundamentação e a decisão; e se a acção deve improceder e proceder a reconvenção. Foram colhidos os vistos legais. Cumpre decidir. OS FACTOS Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos: 1º - A Autora é uma sociedade por quotas que presta serviços de contabilidade, fiscalidade e assessoria às empresas (al. A) dos Factos Assentes); 2º - No exercício normal da sua actividade a Autora prestou serviços de contabilidade e gestão de pessoal à Ré, mediante a avença mensal de Esc. 81.900$00/Euros 408.52 (al. B) dos Factos Assentes); 3º - Os representantes legais da Ré são pessoas de baixo nível de instrução e desconhecedores das regras pelas quais se rege a organização administrativa e contabilística de uma empresa, em qualquer uma das formas legalmente admitidas, bem como do tipo de obrigações a que estão vinculados por força a sua actividade (al. C) dos Factos Assentes); 4º - Por referência aos serviços aludidos no item 2º, a Ré não procedeu ao pagamento das facturas em seguida enunciadas (al. D) dos Factos Assentes): - factura n° 17 emitida em 31.1.2000 no valor de Esc. 81.900$00; - factura n° 64 emitida em 31.3 .2000 no valor de Esc. 81.900$00; - factura n° 89 emitida em 30.4.2000 no valor de Esc. 81.900$00; - factura n° 116 emitida em 31.5.2000 no valor de Esc. 81.900$00; - factura n° 146 emitida em 30.6.2000 no valor de Esc. 81.900$00; - factura n° 173 emitida em 31.7.2000 no valor de Esc. 81.900$00; - factura n° 199 emitida em 31.8.2000 no valor de Esc. 81.900$00; - factura n° 225 emitida em 30.9.2000 no valor de Esc. 81.900$00; - factura n° 250 emitida em 31.10.2000 no valor de Esc. 81.900$00; - factura n° 281 emitida em 30.11.2000 no valor de Esc. 81.900$00; - factura n° 309 emitida em 31.12.2000 no valor de Esc. 81.900$00; - factura n° 1014 emitida em 30.1.2001 no valor de Esc. 81.900$00; - factura n° 1041 emitida em 28.2.2001 no valor de Esc. 81.900$00; - factura n° 1066 emitida em 31.3.2001 no valor de Esc. 81.900$00; - factura n° 1091 emitida em 30.4.2001 no valor de Esc. 81.900$00; - factura n° 1119 emitida em 31.5.2001 no valor de Esc. 81.900$00; - factura n° 1149 emitida em 30.6.2001 no valor de Esc. 81.900$00; - factura n° 1176 emitida em 31.7.2001 no valor de Esc. 81.900$00; - factura n° 1203 emitida em 31.8.2001 no valor de Esc. 81.900$00; - factura n° 1229 emitida em 30.9.2001 no valor de Esc. 81.900$00; - factura n° 1255 emitida em 31.10.2001 no valor de Esc. 81.900$00; - factura n° 1281 emitida em 30.11.2001 no valor de Esc. 81.900$00; - factura n° 1313 emitida em 31.12.2001 no valor de Esc. 81.900$00; 5º - A Autora dirigiu à Ré, com data de 30.09.2002, a carta de fls. 19, recebida pela Ré em 02.10.2002, da qual constam nomeadamente os seguintes dizeres: "Vimos pela presente solicitar o pagamento da dívida acumulada desde 2000 a 2001, no montante de 9.395,86 e, no prazo de oito dias, a contar da data da recepção desta carta. Findo este prazo, se não verificar o cumprimento do dever de V. Exªs, a cobrança será remetida para o contencioso” (al. E) dos Factos Assentes); 6º - Na mesma altura a Autora dirigiu à Ré a carta de fls. 37, da qual fazem nomeadamente parte os seguintes dizeres: “Venho pela presente confirmar a rescisão do contrato com V. Exªs, dito verbalmente à sócia-gerente D. E.........., no dia 26 de Setembro do corrente ano. Agradeço o pagamento dos meus honorários, no montante de 2.793,27 Euros, acrescidos da taxa do IVA em vigor, correspondente ao período de Janeiro a Agosto do corrente ano, no prazo de oito dias” (al. F) dos Factos Assentes); 7º - F.......... e a Ré dirigiram à Autora e a G.......... a notificação judicial avulsa de fls. 64 a 67, concretizada em 03 de Fevereiro de 2003, da qual fazem parte nomeadamente os seguintes dizeres: “termos em que se requer a notificação judicial avulsa dos requeridos para efectuarem a entrega aos requerentes de todos os documentos contabilísticos na sua posse e que pertencem aos requerentes, incluindo modelos de irs, irc, contas correntes e todos livros de contabilidade, bem como a identificação do código de acesso ao computador instalado nos escritórios dos requerentes e cuja utilização era feita exclusivamente pêlos requeridos, sob pena de ser pedida a sua condenação a efectuar essa entrega e no pagamento de uma indemnização de todos os danos que resultarem da falta dos documentos referidos” (al. G) dos Factos Assentes); 8º - Por força do referido no item 3º, Autora e Ré acordaram que seria aquela que desempenharia as funções referidas no item 2º. (Resp. ao ques. 1.º Base Instrutória). ............... O DIREITO 1 – O agravo Sendo a apelação e os agravos que com ela tenham subido julgados pela ordem da sua interposição, há que conhecer em primeiro lugar do objecto do recurso de agravo. O que está em causa neste recurso é somente o despacho de 298 e 299 vertido na acta da audiência de julgamento e que supra deixámos transcrito. É, aliás, a agravante a afirmá-lo no início da sua alegação (fls. 359) de recurso. Não está, por isso, posto em crise o despacho de fls. 332, que julgou injustificada a falta da mandatária da Ré, já que de tal despacho não foi interposto recurso. Tudo se resume, pois, a saber se o fax enviado ao Tribunal “a quo”, na data designada para o julgamento, em que a mandatária da Ré refere que, por motivos profissionais (sublinhado nosso), não pode comparecer à designada audiência, é motivo bastante para determinar o adiamento da mesma. Vejamos. Nos termos do disposto no art.º 155.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe de «Marcação e adiamento de diligências», a fim de prevenir o risco de sobreposição de datas de diligências a que devam comparecer os mandatários judiciais, deve o juiz providenciar pela marcação do dia e hora da sua realização mediante prévio acordo com aqueles (nº 1). Quando a marcação não possa ser feita nos termos do número anterior, devem os mandatários impedidos em consequência de outro serviço judicial já marcado comunicar o facto ao tribunal, no prazo de cinco dias, propondo datas alternativas, após contacto com os restantes mandatários interessados (nº 2). O juiz, ponderadas as razões aduzidas, poderá alterar a data inicialmente fixada (nº 3). Logo que se verifique que a diligência, por motivo imprevisto, não pode realizar-se no dia e hora designados, deve o tribunal dar imediato conhecimento do facto aos interessados, providenciando por que as pessoas convocadas sejam prontamente notificadas do adiamento (nº 4). “Os mandatários judiciais devem comunicar prontamente ao Tribunal quaisquer circunstâncias impeditivas da sua presença e que determinem o adiamento de diligência marcada” (nº 5). Como se escreveu no relatório do Dec. Lei nº 329-A/95, de 12/12, que aprovou a reforma processual de 1995, a maior dificuldade na gestão da agenda pelo juiz, decorrente deste novo sistema, será «largamente compensada pela drástica redução do número de adiamentos das audiências finais – ao menos por falta de advogados – que o sistema seguramente implicará». Houve, pois, a nítida intenção do legislador em afunilar, isto é, estreitar as causas de adiamento das audiências, sabido, como é, que aí reside um dos principais entraves e motivo de descrédito na administração da justiça. O referido artº 155º constitui um afloramento do princípio da cooperação que deve nortear a conduta processual de juízes e mandatários. O certo é que, como bem se refere no douto despacho de sustentação, que neste ponto acompanhamos, nos termos do nº 5 daquele preceito legal, o mandatário faltoso deve comunicar “de forma concreta, as circunstâncias (e não meras alegações abstractas) que sejam impeditivas da sua presença e que, cumulativamente, sejam fundamento (na terminologia daquele nº 5, determinem) do adiamento da audiência de julgamento. No caso concreto, sem grande esforço se conclui que a ilustre mandatária da Ré não cumpriu o preceituado no citado artº 155º, nº 5. Mas será que devia tê-lo feito? As causas de adiamento da audiência não podem ir buscar-se àquele normativo, uma vez que o artº 651º do C. de Proc. Civil, sob a epígrafe «Causa de adiamento da audiência», regula de forma expressa tal matéria. Na sua anterior redacção, este preceito permitia pura e simplesmente o adiamento, por uma só vez, da audiência com base na falta de algum advogado. A única “sanção” a que o advogado estava sujeito era a comunicação da falta ao respectivo mandante (nº 1, al. c)). Mas, tendo em conta a já referida intenção legislativa de impedir os sucessivos adiamentos das audiências (era normal faltar algum dos advogados à primeira audiência), aquele estado de coisas veio a ser alterado pelo Dec. Lei nº 183/2000, de 10/8. Como se diz no preâmbulo deste diploma, “uma outra grande causa de morosidade processual consiste na utilização de práticas processuais dilatórias, através da manipulação das previsões dos casos de adiamentos das audiências de julgamento, as quais são agora restringidas para que deixe de ser prática corrente o adiamento da primeira marcação”. E assim é que, de acordo com a redacção introduzida ao artº 651º por aquele diploma, feita a chamada das pessoas que tenham sido convocadas, a audiência é aberta, só sendo adiada, para além do mais que aqui não tem interesse: c) Se o juiz não tiver providenciado pela marcação mediante acordo prévio com os mandatários judiciais, nos termos do artº 155º, e faltar algum dos advogados; d) Se faltar algum dos advogados que tenha comunicado a impossibilidade da sua comparência, nos termos do nº 5 do artigo 155º. Estão aqui previstas duas situações, claramente distintas, em que pode haver lugar ao adiamento da audiência com base na falta de algum advogado. A primeira delas (al. c)) aplica-se aos casos em que o juiz não providenciou pela marcação da audiência mediante acordo prévio com os mandatários judiciais, nos termos do artº 155º, e faltar algum advogado. A segunda delas (al. d)) aplica-se aos casos em que falte algum dos advogados e ele comunique a impossibilidade da sua comparência, nos termos do nº 5 do artº 155º. Bem vistas as coisas, o legislador manifestou a intenção de restringir os adiamentos, mas, quando chegou o momento de colocar em forma de lei a sua intenção, recuou nitidamente, possibilitando os adiamentos praticamente nos moldes em que ocorriam anteriormente. Já vimos que a ilustre mandatária da Ré não deu cumprimento àquele nº 5 do artº 155º, na medida em que se limitou a enviar ao Tribunal “a quo”, no próprio dia da audiência, um fax a dizer que não comparecia “por motivos profissionais”. Fica, por isso, afastada a possibilidade de o julgamento ser adiado com base naquela alínea d), como, aliás, refere o despacho recorrido. Sobeja-nos, porém, a hipótese prevista na aludida alínea c). Esta hipótese de adiamento, que o despacho recorrido deixou cair no olvido, só ocorre, como se deixou dito, nos casos em que o juiz não providenciou pela marcação da audiência mediante acordo prévio com os advogados e venha a faltar algum deles. Por isso, se a audiência foi marcada com o acordo dos advogados, não pode haver adiamento à luz daquela al. c). Só nos casos em que não existiu tal acordo e falte o advogado é que o adiamento pode ter lugar. E, não tendo a designação da audiência sido precedida de acordo prévio com os mandatários, basta a simples falta de algum deles para conduzir ao adiamento, não se aplicando, neste caso, o preceituado no artº 155º, nº 5. É o que linearmente se infere da redacção introduzida pelo legislador a cada uma daquelas alíneas c) e d). Na verdade, na al. d), o legislador fez expressa menção à necessidade de a impossibilidade de comparência ter de ser comunicada nos termos do nº 5 do artº 155º. Já não fez tal exigência em relação à hipótese prevenida na al. c). Nesta, o legislador bastou-se com a falta de “algum dos advogados”. Como determina o artº 9º, n.º 1, do C. Civil, na interpretação da lei não deve o intérprete “cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”. E, de acordo com o nº 3 do mesmo preceito, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Os juízes - escreveu-se de forma douta no Ac. do S.T.J. de 29/10/96, B.M.J. n.º 460º, 663 - “decidem de uma forma ou de outra, assumida a sua responsabilidade na interpretação da lei e na, tanto quanto possível, justa resolução do caso concreto. É a visão do direito judiciário, procurando a consonância da lei com a vida, até porque esta é a razão de ser daquela. Obviamente, os juízes não podem deixar de ser os garantes da observância da lei, ressalvado o respeito pela Constituição (artigos 206º e 207º da Constituição). Mas também não podem limitar-se a conhecer e a dizer as palavras da lei, assim a modos como ensinava Montesquieu - impressionante, positivamente, a propósito da definição e repartição dos poderes de Estado, mas naturalmente desconhecedor do sentido judiciário e da diferença entre ler e dizer ou, por outro lado, interpretar e aplicar a lei aos casos concretos. Como reflectia Cabral de Moncada, a ordem social é dinâmica e não estática; «saber cientificamente o direito não é só isso», ou seja, não é só «saber o que dizem as leis»; todo o direito é «pensamento ao serviço da vida» (Filosofia do Direito e do Estado, 2º, 42, 56 e 76). E é nesta linha de entendimento que surgem normas como as do tão simples como essencial artigo 9º do Código Civil, designadamente com a sua «nota vincadamente actualista», nas palavras autorizadas e impressivas dos Profs. P. de Lima e A. Varela (Anotado, 1º, 4.ª ed., 58), o que vale dizer que a lei é passível de interpretação evolutiva que, quanto possível, a sintonize com a dinâmica social, científica e, especialmente, com a perspectiva concreta do justo(...)”. Ora, o legislador impôs ao juiz o dever de providenciar pela marcação do dia e hora da realização da audiência mediante prévio acordo com os mandatários (artº 155º, nº 1). Havendo tal acordo, o legislador, dentro do espírito do princípio da cooperação, impôs também aos advogados certos comportamentos ou deveres, como aquele a que se refere o nº 5 do mesmo preceito. Mas se os advogados, antes da marcação da audiência, não foram ouvidos nem achados, já não seria razoável impor-lhes a observância de tal dever. Se assim fosse, o princípio da cooperação funcionaria apenas num sentido, ou seja, seria apenas imposto aos advogados, o que se traduziria na negação pura e simples do próprio conceito. A cooperação, para sê-lo, na própria acepção do termo, terá de funcionar nos dois sentidos, isto é, entre advogados e juízes. Nos casos em que a audiência foi designada fazendo-se tábua rasa do princípio da cooperação, pode dizer-se que tudo se passa como antes da entrada em vigor do aludido Dec. Lei nº 183/00, em que bastava a simples falta de algum dos advogados para dar lugar ao adiamento da primeira marcação da audiência. Na verdade, não pode ser outra a conclusão a extrair da letra da citada al. c), que se limita a dizer que será adiada a audiência nos casos em que o juiz não providenciou pela marcação mediante acordo prévio com os mandatários judiciais e “faltar algum dos advogados”. Se o legislador pretendia que a falta dos advogados fosse, aqui, também comunicada nos termos do artº 155º, nº 5, como fez em relação à hipótese da al. d), tê-lo-ia dito de forma categórica, pois, como se referiu, o intérprete tem de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. A solução a dar ao caso dos autos está, pois, em saber se a marcação da audiência obteve o prévio acordo dos mandatários constituídos nos autos. Não teve. Na verdade, a consulta dos autos mostra à evidência que, remetidos os mesmos para o Circulo Judicial de Santa Maria da Feira, logo aí foi proferido despacho a designar julgamento para o dia 30/11/2004 (vide fls. 220). Não houve, pois, qualquer acordo prévio com os mandatários constituídos com vista à designação da data para audiência. Sendo assim, como é, e tratando-se da primeira marcação da audiência, a falta da ilustre mandatária da Ré à mesma audiência era motivo bastante para provocar o respectivo adiamento, nos termos da aludida al. c) do nº 1 do artº 651º, na redacção do citado Dec. Lei nº 183/00, aqui aplicável, já que a acção foi instaurada apenas em 24/2/2003. Não se tendo decidido assim, cometeu-se uma nulidade que influiu no conhecimento da causa, já que, procedendo-se à realização da audiência de julgamento, não foi nela observado o princípio do contraditório. Tem, por isso, de ser revogado o despacho recorrido e bem assim a efectuada audiência de discussão e julgamento e a sentença recorrida, a fim de ser designada, nos termos legais, nova data para a realização da audiência de discussão e julgamento dos autos. Fica, deste modo, prejudicado o conhecimento do recurso de apelação. ............... DECISÃO Nos termos expostos, decide-se conceder provimento ao agravo e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, pelo que se anula a efectuada audiência de discussão e julgamento e bem assim a sentença recorrida, incluindo o despacho que indeferiu a apresentada reclamação (fls. 354 a 356), a fim de se designar nova data para audiência, seguindo-se os demais termos. Custas pela agravada. Porto, 7 de Fevereiro de 2006 Emídio José da Costa Henrique Luís de Brito Araújo Alziro Antunes Cardoso |