Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
251/06.4JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDA LOBO
Descritores: ADIAMENTO DA AUDIÊNCIA
PERDA DE EFICÁCIA DA PROVA
AGENTE PROVOCADOR
PROVA PROIBIDA
EFEITO À DISTÂNCIA
Nº do Documento: RP20120704251/06.4JAPRT.P1
Data do Acordão: 07/04/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O limite temporal de 30 dias previsto no n.º 6 do art.º 328.º do CPP para os adiamentos da audiência sem perda de eficácia da prova anteriormente realizada reporta-se apenas à audiência em sentido estrito, compreendendo os atos de produção de prova e discussão da causa e já não o momento da decisão e de elaboração e leitura da sentença ou acórdão.
II - É nula a prova direta e indiretamente obtida por via do agente provocador.
III – Se foi devido à confiança gerada pelo agente provocador e à indução por este para a prática dos factos que os arguidos agiram, todos os atos que se lhe seguiram e que foram objeto de vigilâncias, escutas telefónicas, recolha de som e imagem, apreensões, etc., estão indissociavelmente conexionados lógica e cronologicamente com a prévia atuação do agente provocador, sem a qual todos os meios de obtenção de prova seriam absolutamente inúteis na medida em que sem ela não haveria sequer condutas criminalmente puníveis.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 251/06.4JAPRT.P1
1ª secção

Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Colectivo que corre termos no 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Gondomar com o nº 251/06.4JAPRT, foram submetidos a julgamento os arguidos B…, C…, D…, E…, F…, G… e H…, tendo a final sido proferido acórdão datado de 31.05.2010 que, julgando parcialmente procedente a acusação, condenou os arguidos:
1. C…:
i. como autor material de um crime de corrupção passiva para ato ilícito p. e p. no artº 372º nº 1 do Cód. Penal, na pena de três anos e seis meses de prisão;
ii. como autor material de um crime de peculato p. e p. no artº 375º nº 1 do Cód. Penal, na pena de dois anos de prisão;
iii. como autor de um crime de falsificação p. e p. no artº 256º nºs 1 al. a), 3 e 4 do Cód. Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão;
iv. em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, foi o arguido condenado na pena única de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
2. D…:
i. como cúmplice do crime de corrupção passiva para ato ilícito p. e p. no artº 372º nº 1 do Cód. Penal, na pena especialmente atenuada de dois anos e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
3. B…:
i. como co-autor de um crime de corrupção ativa p. e p. no artº 374º nº 1 do Cód. Penal na pena de três anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução por igual período.
4. E…:
i. como co-autor de um crime de corrupção ativa p. e p. no artº 374º nº 1 do Cód. Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução por igual período.
5. G…:
i. como co-autor de um crime de corrupção ativa p. e p. no artº 374º nº 1 do Cód. Penal, na pena de dois anos de prisão suspensa na sua execução por igual período.
6. F…:
i. como co-autor de um crime de corrupção ativa p. e p. no artº 374º nº 1 do Cód. Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução por igual período.
7. H…:
i. como cúmplice de um crime de corrupção ativa p. e p. no artº 374º nº 1 do Cód. Penal, na pena especialmente atenuada de dois anos e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
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Inconformados com o acórdão condenatório, dele vieram os arguidos C…, D… e H… interpor recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões:
Recurso do arguido C…:
a) Sofre o acórdão em crise dos vícios de direito e de facto explicitados na motivação oferecida e para a qual se remete – expressamente – em cada ponto destas conclusões, a saber:
b) É nulo o julgamento e ineficaz a prova produzida porque, lido o acórdão 66 dias após a penúltima sessão do julgamento foi assim ultrapassado o máximo legal de 30 dias permitido para o adiamento da continuação da audiência e, como tal, incumprido preceito legal obrigatório;
c) Tanto mais que essa decisão não foi precedida de qualquer acordo prévio e expresso em ata de todos os intervenientes processuais, Ministério Público incluso;
d) A prova produzida deve por esse motivo ser considerada ineficaz e o julgamento repetido circunscrito à repetição da prova testemunhal e documental contraditada em audiência do primeiro julgamento;
e) É ainda nulo o acórdão porque do seu texto ressalta contradição entre a fundamentação e a decisão condenatória;
f) Pois na verdade o acórdão repete à exaustão na fundamentação que a ação encoberta é nula e ilegal e o agente I… um agente que provocou os crimes;
g) Chegando a afirmar por várias vezes que o arguido C… e os outros não teriam praticado os crimes não fora a acção impulsionadora e indutora do referido agente provocador;
h) Mais confirmando que o recorrente C… havia sido colocado recentemente na corporação da Capitania J… e havia sido considerado como um excelente elemento até aí e pelos locais onde serviu o Estado;
i) Sem propensão para o crime, não passando este conjunto de ocorrências por ser mais do que um incidente de percurso que não teria ocorrido sem as condições de confiança e de deslealdade do agente provocador que era também colega e amigo;
j) Todo um conjunto de afirmações e de elementos factuais de ordem objetiva e subjetiva que apontam para a absolvição e contradizem assim de forma insanável a decisão final que acabou por ser condenatória, embora de forma algo atenuada;
k) Tanto é certo que o arguido agiu sob ascendente de pessoa a quem devia respeito e obediência;
l) Motivado por forte solicitação e provocação injusta;
m) Tendo demonstrado arrependimento sincero ao longo do inquérito e sobretudo durante a audiência de julgamento;
n) E mantendo excelente conduta desde a prática dos factos, seja em meio prisional e também, após a sua libertação;
o) Produzindo desse modo uma decisão que, além de contraditória impediu de dar um sinal a quem dirigiu a investigação, a saber o Estado não pode utilizar meios enganosos e antidemocráticos que ferem os mais elementares direitos de cidadania para alcançar os seus fins, salvo situações excepcionais de interesse vital global que não estiveram nunca em causa nestes autos;
p) Não sendo justo, nem equitativo que, por via desta decisão o arguido C… venha a ser obrigado a abandonar a PM, enquanto que o agente provocador I… ali continua a servir o Estado ainda que arrastando para toda a vida a marca indelével da artimanha e da ilegalidade de procedimentos que objetiva e conscientemente contribuiu para manchar a dignidade de toda uma corporação da marinha;
q) E é ainda nulo o acórdão porque, na medida da pena não ponderou sequer a possibilidade de ser aplicada ao arguido a atenuação especial da pena pelo longo tempo decorrido e também pelas condições excepcionais que o levaram a cometer os atos que confessou e que muito contribuíram para o descobrir e desmascarar da ação ilegal que o tribunal declarou como tal;
r) Feriu assim os arts. 97º nº 5, 124º nº 1, 125º a contrario sensu, 126º, 328º nº 6, 379º nº 1 al. c), 410º nºs 2 al. b) e 3 e 412º do CPP; 35º nº 2, 37º, 40º nº 2 e 72º nºs 1, 2 als. a), b), c) e d) do Código Penal; arts. 8º, 13º, 20º nº 4 in fine e 25º nº 1 da Constituição da República Portuguesa; e art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
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Recurso do arguido H…:
1. Foi condenado o arguido H… como cúmplice do crime de corrupção ativa, previsto e punido pelo artº 374º nº 1 do CP, na pena já especialmente atenuada, de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo;
2. A livre apreciação da prova e a livre convicção do julgador terá de ser vista de harmonia com o disposto nos arts. 410º, nº 2 e 412º, nº 3 do CPP;
3. O tribunal a quo não fundamentou a sua decisão quanto aos factos que considerou provados e integradores na cumplicidade do crime de corrupção ativa;
4. Existe erro na apreciação da matéria de facto, porquanto os Arguidos, bem como as Testemunhas que depuseram em audiência de julgamento, não confirmaram que o Arguido H… tenha praticado qualquer ato doloso ou tenha prestado auxílio material ou moral que levasse à prática de um facto doloso por outrem, ou seja não houve cumplicidade do crime de corrupção ativa;
5. Os meios de prova produzidos contrariam as conclusões retiradas pelo Tribunal a quo porque não têm qualquer fundamento probatório, o que traduz erro de julgamento;
6. Fomentar reuniões, e no caso em apreço, instigadas por terceiro (agente encoberto) com segundas intenções, desconhecidas do arguido, só por si não consubstancia a prática de qualquer tipo de crime e, por isso, não resulta provado que o arguido dolosamente ou por qualquer outra forma tenha prestado auxílio material ou até moral, à prática por outrem de um facto doloso;
7. Até porque, o arguido H…, em princípios de Agosto de 2007 ausentou-se do país e, os factos que o tribunal a quo considerou provados e que levaram à condenação dos outros arguidos pelo crime de corrupção ativa, aconteceram a partir de Dezembro de 2007, data em que o arguido se encontrava ausente e sem qualquer contacto com os restantes arguidos;
8. Deve ser o arguido H… absolvido, atendendo à matéria de facto erradamente julgada, à insuficiência de prova e a erro notório na apreciação da mesma;
9. Sem prescindir, os critérios de escolha e determinação da medida da pena, imposta pelos arts. 71º a 73º do CPP não foram devidamente ponderados pelo Tribunal a quo, sendo portanto a pena excessiva.
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Recurso do arguido D…:
1. Serão essencialmente três as questões fulcrais a rebater no presente recurso e que, data vénia, julgamos merecer decisão diversa da imputada pelo tribunal a quo, nomeadamente:
a) como poderia o arguido praticar qualquer crime per si, se o mesmo se encontrava numa completa obscuridade em relação a qualquer plano criminoso engendrado pelos restantes arguidos? (Relembre-se que esse desconhece completamente os demais e que o Agente I… apenas, maqueavelicamente, deu a conhecer ao arguido o cogitado já quando este governava a lancha em pleno rio);
b) como poderia o arguido ter participado ativamente num plano criminoso em que desconhecia os restantes arguidos e o modus operandi; que vantagem teria e qual o modo de repartição dos proventos (se é que estes iam existir);
c) como poderia o arguido ter recebido uma qualquer quantia a título de compensacão sem que tivesse sequer questionado qual a sua proveniência ou o seu montante?
2. Sucede que, salvo melhor entendimento, nada nos autos permite ao tribunal a quo concluir pela resposta afirmativa a estes itens. Se não vejamos:
3. O arguido tinha a nítida intenção de apenas cumprir o seu trabalho, seguindo as ordens (fossem elas quais fossem), para que não fosse discriminado, nem sequer apontado pelos colegas como sendo um elemento que não cumpria o apregoado “Espírito de Grupo” – reinante em qualquer ramo das forças armadas;
4. Ademais, o arguido não pretendeu em momento algum envolver-se em quaisquer atos ou esquemas com o objetivo de obter mais-valias patrimoniais, profissionais ou quaisquer outras, pois sempre teve uma conduta irrepreensível e exemplar na sua vida pessoal e profissional, quer pela personalidade, quer pela rígida educação que sempre teve – tal como comprova o relatório social do arguido;
5. Isto posto, na esteira do entendimento do Tribunal a quo, em todos os depoimentos prestados, bem como em toda a prova produzida perante o Coletivo de Juízes, em momento algum se afirmou que o arguido D… se tivesse encontrado com qualquer dos restantes arguidos em almoços, jantares ou simples encontros;
6. Muito pelo contrário, todos os depoimentos – inclusivamente os de acusação - afirmaram peremptoriamente que o arguido D… nunca teve conhecimento de qualquer atividade ilícita praticada no Rio K…, para além daquela que servia de base para as ações de fiscalização e que era prática comum entre os pescadores (entenda-se aqui a referência à pesca do meixão);
7. A corroborar a veracidade de todos os depoimentos prestados, foi o testemunho prestado pelo próprio agente infiltrado I…, tal como excerto transcrito supra. Nesse ele afirmou peremptoriamente que o arguido D… nunca participou em nenhuma reunião, jantar, almoço ou simples encontro para falar sobre a pretensa atividade ilícita ou qualquer outro tipo de contacto com os demais arguidos;
8. Resultou claro à evidência que o depoimento prestado pelo mesmo agente infiltrado, o arguido D… não tinha qualquer conhecimento do “modus operandi”, nem de atos relacionados com o meixão para além do que era prática habitual nas operações de fiscalização, que era o facto de cortarem os sacos do meixão e devolverem-no ao seu habitat natural no Rio K…;
9. O antedito plano, arquitetado pelo agente infiltrado, nunca foi sequer dado a conhecer ao arguido D…. Apenas do decorrer de uma das operações – que no seu início terá começado com a intransigência por parte deste agente infiltrado, agente da policia marítima, em permitir que o arguido D…, troço de mar, governasse a lancha, como é sua função (sem se apurar concretamente o porquê de tal atitude);
10. Foi, então, que o superior hierárquico deste deu instruções para que o troço de mar governasse a lancha e participasse naquela operação de fiscalização, tal como comprovam o excerto das declarações de I… transcritas supra;
11. Ora, convém também frisar que o arguido, tal como afirmado por todos os depoimentos prestados perante o Coletivo de Juízes, até essa altura nunca soube de plano algum, nem tão pouco tinha contactado com quaisquer pescadores e/ou agentes da polícia marítima com vista a participar em qualquer plano;
12. Somente no interior da embarcação e no decorrer da ação de fiscalização da noite de 8 de Dezembro para 9 de Dezembro de 2007, é que o Agente I…, explicou ao arguido o seu plano, perguntando-lhe se havia algum problema;
13. Foi afirmado no depoimento deste mesmo agente I… que o arguido disse: “Façam o vosso trabalho que eu não vou roer a corda”;
14. Ora, de tal afirmação jamais em tempo algum se poderá extrair a conclusão de que o arguido teria dado a sua anuência ao antedito plano, antes, tal afirmação deve ser interpretada como uma demonstração de total desinteresse por parte do arguido naquilo que os agentes I… e C… pretendiam fazer, porquanto o arguido encontrava-se simplesmente no governo da embarcação a desempenhar as suas funções decorrentes da sua categoria profissional de troço de mar, tal como lhe competia, bem como cumpria instruções e orientações dos Agentes da Polícia Marítima, aos quais estava subordinado;
15. Estamos, pois, ante uma situação subsumível a um temor reverencial, que deverá ser tido em consideração como forte atenuante na determinação da concreta medida da pena, uma vez que, tal como ficou antedito, eram os Agentes da Polícia Marítima que davam instruções ao troço de mar sobre quais os locais em que pretendiam incidir nas ações de fiscalização;
16. Acresce que, é necessário, ainda enquadrar a afirmação do arguido ínsita no ponto 13 da presente, devidamente no contexto e no espírito cooperativo das forças militares ou militarizadas da marinha. Estas regem-se por elevados padrões de corporativismo em que todos os agentes se devem ajudar mutuamente e não serem delatores uns dos outros;
17. Assim, foi imbuído deste espírito corporativista que o arguido se recusou a participar em qualquer plano maquiavélico que o agente I… lhe confidenciou, ainda durante a primeira alegada ação de fiscalização, apenas referindo que não iria roer a corda e não os iria denunciar;
18. Estava a governar aquela embarcação por ordens superiores e a cumprir a sua missão enquanto troço de mar, na escala de piquet que previamente lhe tinha sido distribuída. Assim, o arguido pretendeu, pois e ainda que erradamente, manter o espírito corporativo e de sã convivência com os colegas. Este foi o único erro que o arguido D… cometeu;
19. Para uma reflexão mais aprofundada, mas sem querer justificar a conduta imprópria do arguido – pois este deveria ter prontamente relatado o acontecido aos seus superiores – temos que atentar ao modo como seria tratado o arguido D… por todos os colegas se este tivesse acusado os restantes agentes. Como seria o arguido tratado pelos seus colegas e pelos seus superiores? Teria o arguido condições para continuar a prestar os seus serviços no Comando J…? Teria o arguido condições para prestar os seus serviços em qualquer outro comando?
20. Estas e muitas outras questões terão passado pela cabeça do arguido quando confrontado pelo Agente I…, já no meio de uma ação de fiscalização, como o próprio referiu. Esse naquele preciso momento, pressionado pelo agente I… sem hipótese de recusa e imbuído do espírito corporativo (repito, ao qual acresce ainda o dito temor reverencial), disse unicamente, não vou roer a corda;
21. Ademais, o arguido sempre cumpriu ordens de quem dirigia as operações de fiscalização, que ao contrário do que costuma suceder, não era o agente mais antigo que comandava (C…), mas antes o agente I…, que instigou o arguido a participar no esquema engendrado e a não relatar a situação a ninguém;
22. Convém, ainda, salientar que o arguido nunca em momento algum se ofereceu para participar em qualquer plano ilícito, antes, este foi instigado durante uma ação de fiscalização pelo próprio agente infiltrado que pretendeu desta forma incriminar o arguido D… e levá-lo a participar num ato ilícito;
23. Pois, o que interessava ao agente I… era envolver o máximo de pessoas possível para daí retirar os seus proveitos pessoais e profissionais de ascenção de categoria profissional, tal como veio a acontecer;
24. O que, obviamente, constitui uma nulidade de prova, uma vez que o arguido D…, nunca participou em quaisquer reuniões nem tão pouco sabia de plano algum – tendo apenas tido conhecimento durante uma ação de fiscalização, em que se encontrava de piquet e como tal estava incumbido de governar a lancha – pelo próprio agente I… que deste modo aliciou o arguido a participar no esquema por ele engendrado;
25. Posto isto, apesar de numa breve referência à figura assumida pelo agente I… neste contexto, importa evidenciar que a própria utilização de agentes infiltrados nunca deverá assumir a forma de um comportamento normal de investigação criminal, se quisermos facultar aos arguidos o direito a um processo equitativo, como resulta do artº 6º da Convenção e nos termos da jurisprudência do TEDH;
26. A utilização de agentes infiltrados só deverá admitir-se em situações de criminalidade organizada, de terrorismo ou de situações semelhantes, sendo inadmissível a sua generalização como mero processo de facilitar as ações de investigação e/ou de prevenção criminais;
27. Isto porque a utilização de agentes infiltrados traduz-se sempre na violação de princípios de relevância constitucional, tanto no que se refere à organização e funções das entidades da investigação criminal, como na violação dos direitos, liberdades e garantias de cidadão;
28. No que concerne à entrega do dinheiro ao arguido, este nunca, em momento algum, pediu ou perguntou por quaisquer quantitativos pecuniários, nem tão pouco tinha conhecimento do lucro obtido ou de como seria repartido, bem como quem eram os participantes, para além dos que se encontravam na embarcação (I… e C…);
29. Pelo contrário, apenas no decorrer os depoimentos prestados perante este Tribunal é que o arguido ficou a saber qual a origem do dinheiro recebido, como foi determinado o quantitativo e quem determinou esse quantitativo;
30. Ora em referência, à proveniência essa parece alegadamente ter sido decorrente não por uma qualquer acção – uma vez que o arguido nunca quis participar em nenhum ato ilícito, falta de consciência da ilicitude – mas por uma omissão do dever de comunicar aos superiores hierárquicos os atos ilícitos dos agentes da polícia marítima;
31. Quanto ao apuramento de quem e como foi determinado esse quantitativo, esse foi fixado pelo agente que pretendeu incriminar ab initio o arguido – o agente I…;
32. Pois, segundo depoimentos prestados perante este Coletivo pelo próprio Agente I…, o arguido D… apenas iria receber um montante maior quando acedesse a participar na atividade ilícita;
33. Assim e como o arguido nunca acedeu a tal pretensão – porque se rege por princípios morais éticos e religiosos elevados, com exemplar sentido de responsabilidade, tal como comprova o seu relatório social, bem como, os diversos Louvores atribuídos e juntos aos autos – o Agente I…, numa clara forma de pressionar e instigar o arguido, chegou mesmo a, numa das saídas para o Rio, assumir o comando da lancha e a solicitar ao arguido que fosse ele próprio ajudar a retirar os sacos, para deste modo participar ativamente na atividade ilícita;
34. Ao contrário do que o Tribunal a quo entendeu quanto à entrega do dinheiro, para surpresa e espanto do arguido, este foi-lhe colocado no bolso sem que soubesse qual a proveniência do mesmo. Não questionou o agente que lhe entregou a dita quantia (porque até era usual pela altura do natal oferecerem gratificações) bem como, também, não o fez quanto ao montante apurado, a posteriori, quando este colocou a mão ao bolso, era tão insignificante que muito bem poderia ser derivado de alguma gorjeta natalícia;
35. Refere a sentença ora recorrida (e bem) que não se provou, contra o alegado no item 43 da acusação, que tenha sido dado ao arguido conhecimento prévio do plano criminoso;
36. No entanto, salvo melhor entendimento, o Tribunal a quo não sufragou o melhor entendimento no enquadramento jurídico dos factos, pois a sentença ora em crise considerou que o arguido: “Observou atos contrários às funções dos agentes da PM (em vez de deitarem o meixão ao Rio, recolheram-no e largaram-no noutra embarcação), dirigiu a lancha para sítios e em manobras que, manifestamente, não era suposto serem feitas numa fiscalização normal e legal”;
37. O que, atentos os depoimentos prestados (inclusive o do próprio Agente infiltrado) perante o Tribunal Coletivo em Audiência de julgamento foram peremptórios em afirmar que o ora arguido nada sabia do plano criminoso e que apenas estava na governação da lancha para cumprir as suas funções de troço de mar, no seu piquet, cumprindo as ordens dos Agentes da Polícia Marítima aos quais tem o dever de subordinação;
38. Mais, relativamente às duas vezes em que recebeu quantias de dinheiro (total de EUR. 300,00), tal como ficou demonstrado perante o Coletivo de Juízes, foram lhe entregues os montantes pecuniários dentro de um envelope ao qual o arguido nem sequer abriu para ver quanto é que tinha;
39. O que pressupõe que desconhecia a proveniência do dito dinheiro, pois nunca demonstrou interesse pelo que os Agentes da Polícia Marítima faziam nas ações de fiscalização, até porque estas não eram sempre com os mesmos intervenientes;
40. O que bem poderia suceder que os agentes, eventualmente, praticassem o mesmo tipo de atos noutras ações de fiscalização em que o troço de mar fosse outro que não o arguido D…, pois este, tal como ficou sobejamente demonstrado em audiência de julgamento, bem como, dado como assente pelo Tribunal a quo, não conhecia os restantes arguidos nem quem poderia estar envolvido, o que, desde logo, pesou na decisão do arguido manter o silêncio, uma vez que poderia ir denunciar a um qualquer superior hierárquico que estivesse, também, envolvido neste esquema criminoso;
41. Acresce que, o arguido quando confrontado com o plano criminoso pelo Agente I… – em pleno rio e sabendo que o dito Agente era um Agente e que apesar de não ser o mais antigo era quem comandava as operações, tal como ficou demonstrado no episódio da Ponte, em que o Tribunal a quo considerou e bem que: “O episódio do suicídio (verdadeiro ou inventado, não interessa para o caso) na Ponte (também relatado pela testemunha L…), ocorrido na segunda ação de fiscalização, de que resulta a teimosia do Agente I… em abandoná-la e ir em socorro da suposta vítima mostra a sua intenção de persistir na prática do crime e de nesta arrastar os arguidos C… e D…”;
42. O arguido não teve outra alternativa senão governar a lancha para onde os Agentes mandavam, pois caso os tentasse denunciar sabia que ia criar inimigos. Estava, pois, claramente impelido pelo dito temos reverencial de quem apenas cumpre ordens e se encontra num estado de subordinação;
43. Isto enquadrado com o facto do arguido ser relativamente novo na Capitania J…, visto que tinha sido transferido a seu pedido em virtude do facto de pretender ficar perto da sua companheira;
44. Do exposto, resulta claro à evidência que o Agente I…, ao contrário do que afirmara, estudou previamente o perfil daqueles que pretendeu incriminar, e, que o arguido jamais aceitou qualquer convite para participar em reuniões, almoços ou jantares. Pretendeu, outrossim, única e simplesmente, prestar os seus serviços de troço de mar na Capitania J…, deixando os agentes que com este seguiam na lancha para as ditas ações de fiscalização praricar os atos que melhor lhes conviessem, sem nunca se intrometer na retidão ou não dos atos que estes estavam a praticar;
45. Pois também, nas demais ações de fiscalização que sempre operou com os outros Agentes da Polícia Marítima, nunca o arguido opinou sobre o modus operandi das operações (nem o poderia fazer!), limitando-se às suas incumbências profissionais de governação a lancha, pelo que não resulta qualquer intenção em praticar por qualquer forma, nem tão pouco, prestar auxílio material ou moral à prática de crimes;
46. Assim, salvo melhor opinião, deverão ser enquadrados os atos do arguido no âmbito de todo este processo como um simples encobridor – pela não participação aos seus superiores hierárquicos dos atos ilícitos que os Agentes da Polícia Marítima praticavam no âmbito das ações de fiscalização;
47. Atitude que se compreende e deverá ser tomada em consideração atendendo à subalternização a que o arguido se encontrava sujeito derivado ao cumprimento das orientações das ações de fiscalização serem unicamente consideradas pelos Agentes responsáveis pelas ditas ações;
48. Não obstante todo o supra exposto, e a título de mera cautela, permite-se ainda recorrer da escolha e determinação da pena;
49. É certo que o crime pelo qual o recorrente foi condenado é punível com pena de prisão de um a oito anos e conforme já alegado supra, em sede de audiência de julgamento, não foi produzida prova indubitável de que o aqui recorrente praticou em regime de cumplicidade o crime de corrupção passiva de que vinha acusado;
50. Com efeito, quando muito, poder-se-á considerar apenas que o aqui recorrente não atuou com a diligência que podia e devia, contudo, e ainda que assim se não venha a considerar, não pode o aqui recorrente nunca conformar-se com a aplicação da pena de prisão ainda que suspensa;
51. E isto porque, dispõe o artº 40º nº 1 do CP o seguinte: “a aplicação de penas e medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”;
52. Trata-se de um dispositivo, para o intérprete e aplicador do direito criminal, de critérios de escolha e de medida das penas e das medidas de segurança, em vista a serem atingidos os fins últimos que sujazem às diferentes formas de reação criminal e que se consubstanciam na proteção dos bens jurídicos (prevenção geral) e na reintegração do delinquente na sociedade (prevenção especial);
53. Por outro lado, dispõe o artº 70º do CP o seguinte: “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficientes as finalidades da punição”;
54. E ainda o artigo 71º nº 1 do CP: ”A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, sendo que o nº 2 do citado normativo legal continua dizendo “na determinação concreta d apena, o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele …”;
55. Acresce que, a verificação da cumplicidade, que se admite apenas por bondade de raciocínio, determina, ipso facto, que a moldura penal seja a correspondente à do Autor, especialmente atenuada;
56. Esta atenuação especial acumula-se com outras atenuantes modificativas, que porventura se verifiquem, até aos mínimos legais e paralelamente ao que sucede com a atenuação especial no caso de tentativa;
57. É hoje entendimento unânime que a pena privativa da liberdade deve ser reservada para situações de maior gravidade e que mais alarme social provocam, designadamente a criminalidade violenta e ou organizada, bem como a acentuada inclinação para a prática de crimes revelada por certos agentes;
58. […]
59. […]
60. […]
61. Não obstante, o Meritíssimo Juiz a quo escolheu a pena de prisão, alegando apenas que “Assim como, quanto ao D…, o tempo, local, modo e forma de intervenção, benefícios auferidos e concretos auxílios prestados”;
62. Todavia, e salvo o devido respeito que é muito, dizer isto e não dizer nada é quase o mesmo, pois, o direito criminal afirma claramente que o recurso às penas privativas da liberdade só será legítimo quando, face às circunstâncias de cada caso, se não mostrarem adequadas as reações penais não detentivas;
63. Ora, a sentença é nula na medida em que pelo tribunal a quo não foi apresentado qualquer fundamento válido no sentido de que uma reação penal não detentiva, por exemplo a pena de multa, não se mostrava adequada ao caso concreto do aqui recorrente;
64. […]
65. Como se não bastasse, na determinação concreta da pena, o tribunal a quo não tomou em consideração todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente. De facto não tomou em consideração nenhuma circunstância atenuante, mas apenas circunstâncias agravantes;
66. […]
67. […]
68. Assim, o tribunal recorrido, quando muito, e a considerar-se que existe prova cabal de algum ilícito criminal praticado pelo aqui recorrente, o que só por mera hipótese académica se admite, deveria ter aplicado ao aqui recorrente apenas uma pena de multa, nunca superior ao limite mínimo;
69. […]
70. […]
71. Atento o exposto, o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 40º, 70º, 71º e 50º do CPP, bem como os princípios de justiça, necessidade, proporcionalidade e subsidiariedade.
*
Na 1ª instância, o Ministério Público respondeu às motivações dos recursos, concluindo nos seguintes termos:
a) não existiu a nulidade prevista no nº 6 do artigo 328º do CPP, pelo facto de o acórdão ter sido lido depois do prazo de 30 dias referido no citado artigo do CPP, pois tal prazo refere-se às sessões da audiência relativas à produção de prova e não à sessão relativa à leitura da decisão;
b) ao considerar que a atuação dos arguidos ocorreu viciada ou determinada pela atuação de um provocador que determinou os arguidos à pratica do crime, deveria a decisão ter declarado nula toda a prova produzida e decretado a absolvição dos arguidos dos crimes de corrupção ativa e passiva e peculato, de que vinham acusados, nos precisos termos dos artigos 122º nº 1 e 126º do CPP, que assim não foram respeitados;
c) deverá pois ser revogado o acórdão e decretar-se que toda a prova foi nula por ter sido a prática do crime determinada pela atuação do agente provocador, absolvendo-se os arguidos e considerando-se insuficiente a matéria de facto e contradição evidente na fundamentação e erro notório na apreciação da prova (artº 410º nº 2 do CPP).
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Neste Tribunal da Relação do Porto o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto e circunstanciado parecer, concluindo pela improcedência da nulidade suscitada pelo recorrente C… decorrente da violação do disposto no artº 328º nº 6 do CPP desde a última sessão da audiência até à data da leitura do acórdão recorrido, bem como pela improcedência de todos os recursos interpostos.
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Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.P., veio o arguido (não recorrente) E… responder, pugnando pela absolvição de todos os arguidos por terem sido “mobilizados pelo agente provocador para construir habilidosamente um processo crime viável”.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos (transcrição):
«1) A pesca e comercialização de meixão, ou seja, enguia em estado larvar, constituem uma actividade económica lucrativa, sobretudo na venda para Espanha, cujos comerciantes e consumidores se dispõem a pagar preços elevados.
2) O preço de venda, por quilograma, chega a atingir os €400 por quilograma, quando o meixão lhes é fornecido em estado vivo.
3) A sua captura é feita com redes de tela, cuja utilização é legalmente proibida no Rio K…, em virtude do diminuto tamanho da malha de que são confeccionadas. Tais redes são constituídas por uma parede de tela e terminam num “saco”.
4) Estas telas encontram-se, normalmente, guardadas e escondidas em depósitos situados próximo das águas do Rio, em locais utilizados pelos pescadores para a amarração dos seus barcos de pesca e perto das comunidades ribeirinhas que se dedicam a tal arte.
5) Tal sucede, no Rio K…, nas zonas de …, …, …, …, …, … e …, entre outras.
6) Estas telas são deitadas à água por pescadores, utilizando e deslocando-se pelo Rio em barcos de pesca, cuja tripulação é constituída por dois a quatro elementos, sendo colocadas na maré baixa e levantadas no período vulgarmente designado por “encontro de marés”.
7) A safra do meixão atinge o seu auge nas fases de Lua Cheia e de Lua Nova, principalmente nos dois dias anteriores e posteriores, em regra durante os meses de Outubro a Abril, por razões que se prendem com a migração e reprodução dessa espécie piscícola.
8) Os arguidos E…, F…, B… e G… eram dos principais compradores desta espécie – meixão – trabalhando os quatro em grupo, normalmente conhecido e tratado, no meio piscatório, por sociedade”.
9) Com efeito, eles haviam sido sócios da Sociedade “M…, Lda.”, conforme resulta das fotocópias do Diário da República juntas a fls. 1054 e 1059 dos autos, aqui dadas por reproduzidas, Sociedade essa que teve sede na Rua …, …, em …, Gondomar, e que, entretanto, se dissolveu.
10) Os arguidos E…, F… e B… compravam meixão aos pescadores que praticavam tal faina nas águas do Rio K…, enquanto que o arguido G… a exercia tal actividade em …, mas todos cooperando reciprocamente.
11) Para tal efeito, os ditos arguidos forneciam as artes de pesca, proibidas, aos pescadores, os quais as utilizavam na captura de tal espécie – meixão – e, posteriormente à mesma, estes vendiam-lhes o pescado conseguido, por preço incerto, variável em função da oferta e da procura, mas sempre em valor propício a obterem uma margem de lucro elevada – cfr. 1) e 2), supra.
12) Depois de capturado e adquirido, o meixão era armazenado e guardado, com vida, num viveiro utilizado pela referida “sociedade”, sito em …, Gondomar, até à sua revenda, predominantemente a comerciantes espanhóis.
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13) Uma vez que tal actividade era legalmente proibida nas águas do Rio K… e sujeita a fiscalização da Polícia Marítima (PM), os arguidos B…, E…, G… e F… comprometeram-se num plano congeminado, proposto, aceite e executado nos termos adiante melhor descritos, para protegerem os seus interesses ligados à pesca e comercialização do meixão e aos lucros dela resultantes.
14) Tal plano consistia em estabelecer contactos e, posteriormente, conhecimentos, com “elementos” da Autoridade Marítima Nacional, designadamente da Polícia Marítima e da Capitania J…, de molde a que tais “elementos” pudessem colaborar nos objectivos, adiante descritos, da “sociedade” (ou seja, daqueles quatro referidos arguidos), mediante o pagamento àqueles de contrapartidas económicas.
15) O arguido H…, que desempenhava as funções de cabo da Armada, era amigo e vizinho de um ex-sócio da “M…”, de nome N….
16) A testemunha D…, que desempenhava as funções de agente da Polícia Marítima no Comando Local …, conhecia e acompanhava com o referido H… e também conhecia aquele N….
17) A pretexto de um desacordo entre aquele N… e os demais ex-sócios e arguidos C…, E…, G… e F…, foram marcados dois encontros.
18) O primeiro deles, a pedido de H…, ocorreu em 05 de Janeiro de 2007, na rua em frente à Biblioteca ou Auditório …, com E…, estando aquele aí acompanhado de D…, que já conhecia da Capitania O….
19) O segundo, combinado na sequência daquele, ocorreu em 09 de Janeiro de 2007, no …, em Gondomar, nele tendo estado presentes o H…, acompanhado de D…, e os “sócios” C…, E… e F….
20) Pelo menos, neste segundo encontro, na sequência de terem sido questionados pelo I… sobre como ia o negócio da pesca, os “sócios” C…, E… e F…, conhecedores da sua condição de Polícia, resolveram introduzir na conversa a questão da colaboração que lhes interessava.
21) Foi, então, colocada e discutida, entre todos os presentes, a hipótese de colaboração referida em 14) supra, tendo ali sido abordadas o modo de a implementar, a necessidade de obter a adesão para ela dos elementos da Polícia Marítima e da Capitania e a forma de pagamento aos mesmos.
22) O pretendido pelos arguidos C…, E… e F… era:
a) terem conhecimento prévio, e com a devida antecedência, das missões de fiscalização, rotineiras ou inopinadas, levadas a cabo pelas autoridades marítimas, ou seja, os chamados “AVISOS”;
b) obterem o meixão encontrado e recolhido em actividades de fiscalização, devendo os agentes que na mesma participassem separar das redes que encontrassem os sacos com meixão e conduzir este produto para um local previamente combinado a fim de aí ser recolhido por um dos “sócios”;
c) não apreenderam nem recolherem as artes de pesca dos “sócios” que se encontrassem nas águas do Rio K…;
d) terem conhecimento dos locais onde as artes de outros pescadores ou comerciantes concorrentes se encontravam, com a finalidade de as poderem fazer desaparecer, a fim de evitar a concorrência nesta actividade.
23) Como contrapartida destes serviços, os elementos da Autoridade Marítima e da Capitania J…, seriam recompensados, através do pagamento de certas e determinadas quantias em dinheiro, que variavam de acordo com os serviços que viessem a ser prestados, nomeadamente da quantidade de meixão entregue, e em proporção correspondente aos lucros obtidos com a venda desta espécie.
24) O arguido H… apoiou tal plano e propôs-se cooperar com C… nos contactos subsequentes e, designadamente, pensando poder contar com a adesão do referido I….
25) Para acerto e concretização do plano, realizaram-se, ainda, outros encontros durante o primeiro trimestre de 2007, nos quais estiveram presentes os arguidos C… e H… e a testemunha I….
26) Neles tendo sido o mesmo reafirmado e discutido.
27) Designadamente, um ocorrido na zona ….
28) No qual o arguido C… reiterou, ao H… e ao I…, o seu propósito e o dos arguidos E… e F… quanto ao que pretendiam e se dispunham dar em contrapartida.
29) Bem como a concordância do arguido G…, já que, antes, todos os quatro “sócios” falaram entre si e se manifestaram de acordo com o plano e em levá-lo por diante.
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30) Entretanto, no dia 04 de Abril de 2007, nas instalações da Polícia Marítima, sitas na Rua …, nº…, Porto, o arguido H… fez chegar ao I… um envelope, azul, com o timbre do Ministério da Defesa nacional – Marinha.
31) Tal envelope continha um papel manuscrito com os dizeres “Conforme o combinado 150 Euros do Computador” e, ainda, a quantia de €150, em três notas de €50 do Banco Central Europeu, tal como consta do auto de apreensão e do auto de exame directo de fls. 2139 a 2144, que aqui se dão por reproduzidos.
32) Com a finalidade de estabelecer a ligação entre o arguido C… (este agindo sempre em consonância e de acordo com os interesses dele e dos “sócios” E…, G… e F…), e os elementos da Polícia Marítima, sobretudo, o agente C…, o arguido H…, pelo menos com conhecimento do I…, organizou um encontro, entre todos, no Restaurante P…, sito na …, no Porto.
33) Este encontro ocorreu no dia 17 de Julho de 2007, entre as 12 horas e 30 minutos e as 13 horas, e nele estiveram presentes C…, H…, C… e I….
34) Nele, os arguidos H… e C…, depois de se terem encontrado nas imediações do Restaurante, surgiram e entraram cerca das 12,31 h, e fazendo-se transportar no veículo automóvel da marca Toyota, modelo …, de matrícula ..-..-GH, pertencente e conduzido pelo arguido H….
35) Por sua vez, o I… apareceu, cerca das 12 horas e 33 minutos, na entrada do Restaurante, a pé, dirigiu-se para o seu interior e sentou-se na mesa juntamente com os arguidos H… e C….
36) Cerca das 12 horas e 48 minutos, chegou ao local, o arguido C…, que se fazia transportar no veículo automóvel da marca Opel, modelo …, de matrícula ..-..-CN, que, após estacionar este veículo automóvel, se dirigiu para o interior do Restaurante, tomando também lugar na mesa onde já se encontravam o H…, o C… e o I….
37) Cerca das 14 horas e 08 minutos, os quatro (C…, H…, C… e I…) abandonaram o local, reproduzindo esse momento as fotos de fls. 275 a 279.
38) Neste almoço, o arguido C…, foi posto ao corrente, pelo menos pelos arguidos H… e B…, do plano que antes havia sido por este (e “sócios”) traçado e proposto, com o qual I… se manifestara de acordo e, o H…, disposto a ajudar, conforme atrás descrito, esclarecendo-o (ao C…) em que consistia a colaboração que era pretendida das autoridades marítimas.
39) Ou seja: dar conhecimento atempado ao arguido B… dos movimentos da Polícia Marítima, designadamente dos horários de saída das equipas de fiscalização e dos locais para onde estas se dirigiriam a efectuá-la, por forma a poder prevenir os pescadores, que com a “sociedade” trabalhavam, dessas fiscalizações.
40) Que, durante as operações de fiscalização, fossem cortados os sacos das redes encontradas, retirado o meixão neles contido e entregue à “sociedade” nos locais previamente combinados.
41) Que as redes detectadas como pertencentes aos seus concorrentes fossem destruídas, depois de delas retirado o meixão.
42) Não apreenderem as redes pertencentes aos “sócios”.
43) Como contrapartida desta colaboração, os elementos da Polícia Marítima receberiam pagamentos em dinheiro, pagamentos estes que seriam feitas com o produto da retirada de uma parte do lucro líquido de cada “sócio”, resultante da venda do meixão.
44) Nessa contrapartida, seria contemplado também o lucro obtido com a venda do meixão que era retirado das redes dos concorrentes.
45) Nesta conversa, o arguido B… voltou a esclarecer que os restantes elementos da “sociedade”, ou seja, os arguidos E…, F… e G… estavam ao corrente de tudo o que se estava a passar e concordavam com tal plano.
46) Perante isto, o arguido C… aderiu então (ou seja, naquele almoço) a tal plano, só vindo tal acordo a terminar em 16 de Abril de 2008, quando ocorreram as detenções dos arguidos C…, B… e H….
47) O arguido D… viria a aceitar, durante a acção de fiscalização no Rio, levada a cabo na noite de 8 para 9 de Dezembro de 2007, colaborar com o arguido C… e com o I…, nos termos adiante descritos.
48) Os arguidos B…, E…, G… e F…, bem como o arguido H…, sabiam que obstruíam as acções das autoridades marítimas que tinham por missão fiscalizar as actividades no Rio, designadamente a da pesca do meixão – proibida por lei – e, assim, a da Justiça.
49) Pelo menos os arguidos B… e C…, àcerca da realização do plano e das estratégias adequadas aos seus fins, foram mantendo contactos até se aproximar a época do meixão.
50) Em circunstâncias, por motivos e com objectivos concretos não exactamente apurados, o arguido H… recebeu do arguido B… a quantia de 500€.
51) Em princípios de Agosto de 2007, o arguido H…, por motivos e em circunstâncias não determinadas, deixou de ser visto e, desde aí, não se lhe conhece qualquer outro acto ou contacto com os arguidos.
52) Em Dezembro de 2007, o arguido C… inicia a sua colaboração com os arguidos que integravam a “sociedade”, de acordo com o previamente combinado, contactando com o arguido B…, a quem foi informando sobre as datas, horas e tipo das intervenções de fiscalização que iriam ser levadas a cabo pelas autoridades marítimas.
53) Entre 09 de Dezembro de 2007 e 11 de Março de 2008, o arguido C… efectuou os “Avisos”constantes do quadro abaixo transposto, que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos:

54) Tais avisos foram úteis na medida em que as informações por meio deles obtidas foram, posteriormente, transmitidas pelo arguido B… aos pescadores que com ele trabalhavam na faina e com quem mantinha relacionamento, conforme resulta das chamadas telefónicas constantes do quadro abaixo transposto, que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos:

55) Este acesso privilegiado à informação beneficiava a “sociedade” na medida em que lhe permitia pôr a salvo da fiscalização das autoridades marítimas os artefactos de pesca, evitando, desta forma, que os instrumentos e o pescado pudessem ser apreendidos, o que causaria um prejuízo patrimonial para os arguidos “sócios”.
56) Disso é exemplo a chamada telefónica (gravada) efectuada pelo arguido C… para o arguido B…, na qual este é avisado de que naquele dia, 7 de Fevereiro de 2008, pelas 22 horas, vai ser desencadeada uma das maiores operações de fiscalização, por parte da Polícia Marítima, razão pela qual há que ter muito cuidado nas margens, arrumando tudo para que não haja surpresas, conforme consta da transcrição junta a fls. 58 do Apenso T8.
57) Na sequência deste aviso, o arguido B… entra em contacto com um pescador, de nome Q…, informando-o da necessidade de arrumar todos os ferros e que até será melhor não ir pescar, conforme consta da transcrição junta, a fls. 62 do Apenso T8.
58) Para além dos “Avisos”, uma outra forma de colaboração solicitada pelos arguidos que integravam a “sociedade” aos elementos das autoridades marítimas, consistia na realização de operações de fiscalização aparentemente verdadeiras e em conformidade com as suas funções legais mas realmente falsas e obedecendo aos objectivos ilícitos combinados.
59) Na verdade, perante as redes fixadas no leito do Rio K…, deveriam, de acordo com o plano, separar o saco onde se encontrava acumulado o pescado – meixão –, e transportar o mesmo, através das águas do rio, para um local previamente combinado e determinado, onde seria recolhido pelos elementos da “sociedade”.
60) Contrariando, desta forma, o desempenho das funções policiais que competiam às autoridades marítimas, as quais tinham o dever de devolver o pescado – meixão – ao seu habitat natural, ou seja, às águas do rio.
61) Esta colaboração foi, por vezes, referida entre os arguidos como o “Jogo”.
62) De acordo com os procedimentos existentes na Polícia Marítima, qualquer seu agente pode, por sua livre iniciativa, sair para o rio, em missão de fiscalização, fazendo-se transportar nas lanchas afectas à corporação, não carecendo de autorização superior para este efeito.
63) Unicamente terá de elaborar o competente expediente relacionado com tal acção, no qual deverá constar, nomeadamente, a acção realizada, os meios utilizados e os resultados da mesma.
64) O responsável pelo governo da embarcação terá de ser um elemento da Capitania J…, que é a entidade responsável pela manutenção das embarcações e respectivos registos, de acordo com uma determinação existente no Regulamento Interno da Capitania J….
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65) Assim e na sequência do plano criminoso atrás descrito, na noite de 8 de Dezembro para 9 de Dezembro de 2007, entre as 20 horas e 30 minutos e as 02 horas e 30 minutos, foi efectuada uma fiscalização no Rio e em terra, no espaço compreendido entre a … e ….
66) Para este efeito, cerca das 22 horas saiu do “S…”, no Porto, a lancha “T…”, que tinha por missão proceder à recolha de redes de meixão, conforme consta da ficha de saída junta a fls. 142 do Apenso B-2.
67) Na lancha seguiram três tripulantes, a saber: os agentes da Polícia Marítima C… e I…, e, ainda, o Troço de Mar da Capitania D…, ao qual cabia o seu governo.
68) Deslocaram-se para um local do Rio situado entre a … e o …, onde o arguido C… e o agente I…, após terem levantado uma bóia, correspondente a artes de pesca do meixão, recolheram um saco, cujo conteúdo, o meixão, deitaram no interior de um balde.
69) Seguidamente, o arguido D…, seguindo instruções de ambos os agentes da PM (Polícia Marítima), reiniciou a sua marcha, dirigindo-se para as imediações, onde o C… e o I…, que se encontravam munidos de lanternas, começaram a pesquisar a superfície das águas, dando indicações para que locais deveria aquele dirigir a lancha.
70) Nestes locais, o C… e o I… procederam ao levantamento das artes de pesca do meixão, que se encontravam sinalizadas com as bóias respectivas, e retiravam os sacos que encontravam, cortavam os mesmos e despejavam o seu conteúdo, o meixão, no balde acima referido.
71) Nesta noite e nos locais acima referidos foram cortados seis ou sete sacos cujo conteúdo – o meixão – foi despejado integralmente para o balde existente na lancha.
72) Após esta recolha, o arguido D… recebeu instruções de ambos os agentes da PM, para se dirigir para as imediações do …, em frente da Marina ali existente, onde, após terem chegado, procederam à recolha de mais dois sacos das artes de pesca do meixão que ali se encontravam.
73) Entretanto, e quando se encontravam na zona …, o C… e o I… procederam à transferência do meixão que se encontrava no balde para um saco de uma rede, pelo facto do balde se encontrar cheio. 74) O conteúdo destes sacos — o meixão — foi despejado integralmente no saco de uma rede, para onde havia sido transferido o meixão atrás mencionado.
75) Depois de terem procedido à recolha do meixão, da forma acima descrita, o arguido D… repôs em marcha a embarcação, dirigindo-se para …, seguindo as indicações que lhe foram dadas por ambos os agentes da PM.
76) Chegados a …, o arguido D…, após ter recebido instruções dos referidos agentes da PM, procedeu à acostagem da lancha que tripulava a uma embarcação que já ali se encontrava, de cor verde, com a matrícula …..-PT, com motor fora de borda.
77) Neste local, os arguidos D… e C… e o agente I… retiraram o saco de rede da lancha em que se faziam transportar e colocaram o mesmo na embarcação acima referida, empreendendo seguidamente a viagem de regresso à Capitania J…, ao S…, onde o arguido D… procedeu à amaragem da lancha.
78) Entretanto, cerca da 01 hora do dia 9 de Dezembro de 2007, os arguidos B… e F… haviam chegado ao local previamente acordado, em …, fazendo-se transportar no veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca Toyota, modelo …, de cor vermelha, com a matrícula PQ-..-.., conduzido pelo segundo arguido.
79) Após terem estacionado o referido veículo automóvel num parque existente junto ao Rio K…, o arguido B… abandonou o mesmo e deslocou-se em direcção ao rio, para um pequeno cais de passeios flutuantes, onde se encontrava amarrada a embarcação acima descrita, permanecendo escondido junto de uma construção ali existente.
80) Durante este período o arguido B… ia falando ao telefone da rede móvel alternadamente com o agente I… e com o arguido C…, com a finalidade de lhes dar as instruções precisas para a colocação do saco onde se encontrava o meixão.
81) Após o saco ter sido depositado na embarcação lá acostada e a lancha da autoridade marítima ter abandonado o local, o arguido B… dirigiu-se para aquela embarcação, onde recolheu o saco que ali havia sido deixado nas circunstâncias atrás referidas.
82) Entretanto, o arguido F… conduziu o veículo automóvel referido até junto ao rio, parou o mesmo e após ter saído do mesmo, abriu a mala traseira do veículo automóvel, onde o arguido B… acabou por colocar o saco que já tinha em seu poder, abandonando seguidamente o local.
83) O valor do meixão entregue nesta data aos arguidos B… e F… foi no montante global de €1050, uma vez que o quilograma de meixão rondaria os €300, de acordo com o preço do mercado.
84) Esta actividade era do perfeito conhecimento dos restantes arguidos “sócios” componentes da referida “sociedade” (E…, F… e G…), tendo designadamente o G… disso sido informado através de uma chamada telefónica feita pelo B…, ocorrida em 09 de Dezembro de 2007, entre as 14 horas e 16 minutos e as 14 horas e 24 minutos, na qual o arguido B… informa que “os amigos trabalharam bem naquela noite e trouxeram cerca de três quilogramas e meio de meixão”, conforme conta da transcrição de intercepção e gravação de chamada telefónica junta a fls. 19 do Apenso T-8.
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85) Na continuidade do plano criminoso referido, na noite de 8 de Janeiro para 9 de Janeiro de 2008, entre as 24 horas e as 05 horas e 30 minutos, foi efectuada uma fiscalização no Rio e em terra, junto da ….
86) Para este efeito, cerca das 00 horas saiu do “S…”, no Porto, a lancha “T…”, que tinha por missão proceder à recolha de redes de meixão, conforme consta da ficha de saída junta a fls. 146 do Apenso B-2.
87) Nela seguiam três tripulantes, a saber: os agentes da PM C… e I… e o Troço de Mar da Capitania D…, a este incumbindo o seu governo.
88) Deslocaram-se para um local do rio situado junto da …, onde o arguido C… e o I…, após terem levantado umas bóias, correspondentes a artes de pesca do meixão, recolheram uns sacos, cujo conteúdo, o meixão, deitaram no interior de um balde, dirigindo-se seguidamente para junto do ….
89) Neste local, o C… e o I… procederam ao levantamento das artes de pesca do meixão, que se encontravam sinalizadas com a bóias respectivas, e retiraram os sacos que encontravam, cortaram os mesmos e despejavam o seu conteúdo, o meixão, no balde acima referido.
90) Nesta noite e nos locais acima referidos foram cortados vários sacos, em número não apurado concretamente, cujo conteúdo – o meixão – foi despejado integralmente para o balde existente na lancha.
91) Após esta recolha, o arguido D… recebeu instruções de ambos os agentes da PM, para se dirigir para as imediações das Pontes de …, de … e do …, em frente da Marina ali existente, locais onde, após terem chegado, procederam à recolha de mais sacos das artes de pesca do meixão que ali se encontravam.
92) Entretanto, o arguido C… e o agente I… procederam à transferência do meixão que se encontrava no balde para um saco de uma rede, pelo facto do balde se encontrar cheio.
93) O conteúdo destes sacos – o meixão – foi despejado integralmente no saco de uma rede, para onde havia sido transferido o meixão atrás mencionado.
94) Depois de terem procedido à recolha do meixão, da forma acima descrita, o arguido D… repôs em marcha a lancha, dirigindo-se para …, mediante as indicações que lhe foram dadas pelos agentes da PM (C… e I…).
95) Chegados a …, o arguido D…, após ter recebido instruções dos referidos agentes da PM, procedeu à acostagem da lancha que tripulava a uma embarcação que já ali se encontrava.
96) Neste local, os arguidos D… e C… e o agente I…, retiraram o saco de rede da lancha em que se faziam transportar e colocaram o mesmo na embarcação acima referida, empreendendo seguidamente a viagem de regresso à Capitania J…, ao S…, onde o arguido D… procedeu à amaragem da lancha.
97) Em …, e no local previamente combinada, já se encontrava o arguido B… que, após a lancha ter abandonado esse local, dirigiu-se para o interior da embarcação, onde previamente havia sido colocado o saco pelos arguidos D… e C… e pelo I….
98) Utilizando os remos existentes nesta embarcação, o arguido B… procedeu à travessia do Rio K… para a margem oposta, onde era esperado pelo arguido F….
99) Ali chegado, os arguidos B… e F… retiraram o saco da embarcação, aquele que continha o meixão, e dirigiram-se para a armazém da “sociedade”, sito em …, Gondomar, para ali armazenarem o meixão, até à sua posterior comercialização.
100) O valor do meixão entregue nesta data aos arguidos B… e F… foi no montante global de €375, uma vez que o quilograma de meixão rondaria os €250, de acordo com o preço do mercado, tendo sido entregue entre um quilograma e meio e um quilograma e setecentos gramas.
101) Esta actividade era do perfeito conhecimento dos arguidos F…, G… e E…, que compunham a “sociedade”, tendo este último dela sido informado através de uma chamada telefónica feita pelo arguido B…, ocorrida em 8 de Janeiro de 2008, entre as 17 horas e 27 minutos e as 17 horas e 28 minutos conforme conta da transcrição de intercepção e gravação de chamada telefónica junta a fls. 41 do Apenso T8.
102) E, o G…, através de outra chamada telefónica ocorrida em 8 de Janeiro de 2008, entre as 18 horas e 28 minutos e as 18 horas e 32 minutos conforme conta da transcrição de intercepção e gravação de chamada telefónica junta a fls. 45 e 46 do Apenso T-8.
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103) Cerca de três semanas após a data acima referida, 09 de Janeiro de 2008, o arguido C… abordou o arguido D.., na rua, em local não apurado, nas imediações das instalações da Capitania J…, e, entregou-lhe algo semelhante a um papel todo dobrado, ao mesmo tempo que dizia ”Toma”.
104) O arguido D… meteu-o num dos bolsos e, posteriormente, quando o observou e desdobrou, constatou que se tratava de duas notas de €50, da Banco Central Europeu.
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105) Na noite de 05 de Março para 06 de Março de 2008, dando continuidade ao plano criminosa estabelecido, os arguidos D… e C…, cerca das 23 horas e 30 minutos, fazendo-se transportar na lancha “U…”, abandonaram o S… e dirigiram-se para junto da …, a fim de recolherem os sacos das artes da pesca do meixão que ali encontrassem.
106) Chegados junto da …, onde permaneceram cerca de uma hora, os arguidos procederam à recolha dos sacos que continham o meixão, cerca de cinco ou sete, cujo conteúdo colocaram em sacos existentes na lancha.
107) Quando se dirigiam para o local previamente combinado, ao passarem junto da Marina …, efectuaram uma breve paragem para procederem a uma recolha de mais dois sacos de meixão.
108) Após terem procedido à recolha do meixão, os arguidos, de acordo com o previamente combinado com o arguido B…, dirigiram-se para a … ou …, onde este arguido os esperava.
109) Aí chegados, o arguido D… atracou a lancha, por bombordo, no topo do cais existente, tendo o arguido C… retirado três sacos, de cor branca, que colocou no meio das escadas ali existentes e que davam acesso às águas do rio, abandonando seguidamente o local.
110) Quase de imediato o arguido B… deslocou-se para o local onde se encontravam os sacos, pegou nos mesmos e transportou-os até ao local onde se encontrava estacionado um veículo automóvel da marca Fiat, de cor escura, no qual se havia feito transportar.
111) Após abrir a porta traseira de tal veículo automóvel, o arguido B… colocou os três sacos num tabuleiro, em inox, que se encontrava no inferior do veículo automóvel, ocupando quase a totalidade da mala.
112) Seguidamente, abandonou o local, dirigindo-se para …, em Gondomar, onde se encontrava situado o armazém da “sociedade”, a fim de proceder ao armazenamento do meixão, até posterior venda.
113) Porém e no Posto de Abastecimento de Combustíveis existente no …, o arguido B… encontrou-se com o arguido E…, que ali se encontrava à sua espera, tendo procedido à entrega dos sacos acima referidos a este arguido, que os acondicionou no seu veículo automóvel, a fim de os transportar até ao armazém acima referido.
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114) No dia 10 de Dezembro de 2007, cerca das 16 horas, os arguidos B… e C…, juntamente com o agente I…, tiveram um encontro na Confeitaria denominada “V…”, sita na Rua …, em Vila Nova de Gaia.
115) Para este encontro o arguido B… fez-se transportar no veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca Toyota, modelo …, de cor vermelha, com a matrícula PQ-..-.., enquanto o arguido C… se fez transportar no veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca Mazda, modelo …, de cor preta, com a matrícula ..-CZ-...
116) Neste encontro, que teve a duração de cerca de uma hora e dez minutos, o arguido B… entregou ao arguido C… a quantia de € 1050, em notas do Banco Central Europeu, para que este procedesse à sua distribuição pelo arguido D… e pelo agente I….
117) Desta quantia, o arguido C… acabou por entregar a quantia de €720, em notas do Banco Central Europeu ao agente I…, que veio a ser apreendida, conforme consta do auto de apreensão junto a fls. 1643 dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos.
118) Imediatamente após este encontro, em conversa telefónica entre os arguidos B… e G, este foi informado daquele encontro e do que ali se passou, conforme resulta da intercepção e gravação de chamada, telefónica junta a fls. 23 do Apenso T-8.
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119) No dia 19 de Dezembro de 2007, cerca das 17 horas e 30 minutos, os arguidos B… e C…, juntamente com o agente I…, tiveram um encontro na Confeitaria denominada ‘de “V…i”, sita na Rua …, em Vila Nova de Gala.
120) Para este encontro o arguido B… fez-se transportar no veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca Toyota, modelo …, de cor vermelha, com a matrícula PQ-..-.., enquanto o arguido C… se fez transportar no veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca Seat, de cor preta, cuja matrícula não se apurou.
121) Neste encontro, que teve a duração de cerca de uma hora e trinta minutos, o arguido B… entregou ao arguido C… uma quantia, de montante não totalmente apurado, em notas do Banco Central Europeu, para que este procedesse à sua distribuição pelo arguido D… e agente I….
122) Desta quantia, o arguido C… acabou por entregar a quantia de €1.115, em notas do Banco Central Europeu ao agente I…, que veio a ser apreendido conforme consta do auto de apreensão junto a fls. 1644 dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos.
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123) No dia 4 de Janeiro de 2008, cerca das 18 horas, os arguidos B… e C…, juntamente com o agente I…, tiveram um encontro na Confeitaria denominada de “V…”, sita na Rua …, em Vila Nova de Gaia.
124) Neste encontro, o arguido B… entregou ao arguido C… uma quantia, de montante não totalmente apurado, em notas do Banco Central Europeu, sendo que, desta quantia, o arguido C… acabou por entregar o montante de €350 ao agente I…, conforme consta do auto de apreensão junto a fls. 1645 dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos.
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125) No dia 17 de Janeiro de 2008, cerca das 20 horas, os arguidos B… e C…, juntamente com o agente I…, tiveram um encontro no Restaurante P…, sito na …, no Porto.
126) Para se deslocar para o local acima referido, o arguido B… utilizou o veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca Toyota, modelo …, de cor vermelha, com a matrícula PQ-..-.. e o arguido C… utilizou o veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca Seat, modelo …, de cor preta, com a matrícula ..-..-HX, enquanto o I… se deslocou pelo seu próprio pé para o local.
127) Após se terem reunido na porta de entrada do referido restaurante, os arguidos e acompanhante penetraram no interior do mesmo, subindo para o piso superior, onde permaneceram até cerca das 22 horas.
128) No decurso deste encontro, o arguido B… entregou ao arguido C… a quantia de €1370, em notas do Banco Central Europeu, para que este procedesse à sua distribuição, de forma equitativa, entre ele, o arguido D… e o agente I….
129) Desta quantia, o arguido C… entregou ao agente I… o montante €635, em notas do Banco Central Europeu, conforme consta do auto de apreensão junto a fls. 1646 dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos, nesse mesmo dia, quando ambos se encontravam no interior do veículo pertencente ao arguido C… e se preparavam para abandonar o local do encontro.
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130) No dia 15 de Fevereiro de 2008, cerca das 20 horas, os arguidos B… e C…, tiveram um encontro no Restaurante P…, sito na …, no Porto.
131) Para se deslocar para o local acima referido, o arguido B… utilizou o veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca Toyota, modelo …, de cor vermelha, com a matrícula PQ-..-.., enquanto o arguido C… se deslocou pelo seu próprio pé.
132) Após se terem reunido junto da porta de entrada, os dois arguidos penetraram no interior do mesmo.
133) Neste encontro, o arguido B… entregou ao arguido C… uma quantia em notas do Banco Central Europeu, cujo montante não foi possível de determinar, sendo que desta quantia o arguido C… entregou ao agente I… a quantia de € 700, em notas do Banco Central Europeu, conforme consta do auto de apreensão junto a fls. 1647 dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos.
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134) No dia 13 de Março de 2008, em local não apurado, os arguidos B… e C… voltaram a encontrar-se, tendo o arguido B… entregue a quantia de €1700, em notas do Banco Central Europeu, ao arguido C…, para este, mais uma vez, efectuar a divisão e distribuição entre ele, o arguido D… e o I….
135) Desta quantia, o arguido C… entregou a quantia de €200, em notas do Banco Central Europeu ao arguido D…, e, a quantia de €750, em notas do Banco Central Europeu, ao agente I…, conforme consta do auto de apreensão junto a fls. 1648 dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos.
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136) Num encontro ocorrido em 14 de Abril de 2008, entre o arguido B… e o I…, aquele arguido acabou por lhe entregar a quantia de €440, em notas do Banco Central Europeu, conforme consta do auto de apreensão junto a fls. 1649 dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos.
137) No decurso deste encontro, o arguido B… solicitou ao I… que procedesse à entrega de igual montante ao arguido C…, o que não foi aceite, razão pela qual o arguido B… teve de entrar em contacto telefónico com o arguido C…, marcando um encontro, para o dia seguinte, na …, no Porto, para lhe entregar tal quantia, conforme consta da intercepção e gravação de chamada telefónica cujo relatório se encontra junto a fls. 1390 dos autos.
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138) Ao elaborar o auto de notícia relativo ao serviço de fiscalização ocorrido no dia 8 de Dezembro de 2007, o arguido C…, responsável pela sua elaboração, escreveu que “Durante a acção de fiscalização, no local e hora acima indicados, foram detectados várias bóias de sinalização de artes de pesca … utilizadas para a captura ilegal do meixão, caladas em pleno canal de navegação.”
139) E, referiu que “Face à impossibilidade … procedeu-se à inutilização das mesmas tendo sido cortados e recolhidos seis sacos de rede mosquiteira.”
140) Bem como “Mais dou notícia que todo o pescado existente nas artes de pesca, se encontrava ainda vivo, o qual foi devolvido ao seu habitat natural.”, conforme consta do auto de notícia junto a fls. 821 dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos.
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141) Ao elaborar o auto de notícia relativo ao serviço de fiscalização ocorrido no dia 09 de Janeiro de 2008, o arguido C…, responsável pela sua elaboração, escreveu que “Durante a acção de fiscalização, no local e hora acima indicados, foram detectadas várias bóias de sinalização de artes de pesca … utilizadas para a captura ilegal do meixão, caladas em pleno canal de navegação.”
142) E, referiu que “Face á impossibilidade … procedeu-se à inutilização das mesmas tendo sido cortados e recolhidos nove sacos de rede mosquiteira.”
143) Bem como “Mais dou notícia que todo o pescado existente nas artes de pesca, se encontrava ainda vivo, o qual foi devolvido ao seu habitat natural.”, conforme consta do auto de notícia junto a fls. 1073 dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos.
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144) Ao elaborar o auto de notícia relativo ao serviço de fiscalização ocorrido no dia 05 de Março de 2008, o arguido C…, responsável pela sua elaboração, escreveu nele que “Durante a acção de fiscalização, no local e hora acima indicados, foram detectadas várias bóias de sinalização de artes de pesca … utilizadas para a captura ilegal do meixão, caladas em pleno canal de navegação.”
145) E escreveu, ainda, que Face à impossibilidade … procedeu-se à inutilização das mesmas tendo sido cortados e recolhidos cinco sacos de rede mosquiteira.”
146) Bem como “Mais dou notícia que todo o pescado existentes nas artes de pesca, se encontrava ainda vivo, o qual foi devolvido ao seu habitat natural.”, conforme consta do auto de notícia junto a fls. 1074 e seguintes dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos.
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147) Assim, o arguido B… entregou ao I… uma quantia, em notas do Banco Central Europeu, no montante global de € 4.710 (quatro mil setecentos e dez euros).
148) Ao arguido C…, uma quantia idêntica mas não exactamente apurada – a ambos como forma de pagamento pelos serviços prestados.
149) E, ao arguido D…, o C… entregou a quantia de €300 (trezentos euros), como forma de pagamento pelo auxílio por ele prestado, conforme descrito, quantia aquela retirada da que o B… havia entregue ao I….
150) Era o arguido B… quem, em representação dos demais arguidos componentes da “sociedade”, estabelecia os contactos com os agentes da PM e com o H… (enquanto este não desapareceu).
151) Foi igualmente ele quem sempre procedeu aos pagamentos devidos.
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152) Os arguidos B…, E…, G… e F… ao agirem da forma atrás descrita, fizeram-no em comunhão de vontades e congregando tarefas, livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as contrapartidas patrimoniais e não patrimoniais que prometeram e ofereceram aos arguidos C… e ao agente I… e que também eram e foram, em parte, destinadas ao arguido D…, com o intuito de eles praticarem em seu benefício comum actos contrários aos deveres do seu cargo, lhes não eram devidas e que tal conduta, para além de ser reprovável, era proibida e punível pela lei penal.
153) O arguido C…, ao agir da forma atrás descrita, fê-lo livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as contrapartidas não patrimoniais e patrimoniais que aceitou receber e recebeu, dos arguidos referidos em 152), não lhe eram devidas e que, com os actos que, em contrapartida, se dispôs a praticar e praticou, violava os deveres inerentes às funções policiais que desempenhava – de criar no público confiança na acção da Polícia Marítima, em especial no que à sua imparcialidade, isenção e lealdade diz respeito, e que a mesma, para além de proibida por lei penal, era reprovável e punível.
154) O arguido C… sabia também que, ao apropriar-se do meixão apreendido e na sua posse, tinha o dever, como polícia, de o restituir ao seu habitat de modo a preservar o património natural e comunitário mas, apesar disso, resolveu fazer dele coisa sua, guardá-lo na embarcação, transportá-lo até ao sítio combinado e aí abandoná-lo, de modo a lá ser recolhido e, depois, vendido pelo arguido B… com isso obtendo um proveito que de outro modo não conseguiria, conduta que sabia ser ilícita e penalmente punível.
155) Igualmente bem sabia o arguido C… que, ao escrever nos autos de notícia facto juridicamente relevante mas falso, com essa conduta causava prejuízo ao Estado frustrando a sua função e acção subsequentes, mas, apesar disso, agiu com intenção de tal conseguir e de preservar encoberta a sua acção ilícita, assim colhendo os respectivos benefícios, sabendo também ilícita e penalmente punível esta conduta.
156) O arguido H…, ao agir da forma atrás descrita, fê-lo de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que, com a sua conduta, auxiliava os arguidos referidos em 152) a realizar o seu desígnio aí descrito e que sem ela eles não o teriam conseguido e, ainda, que tal era proibido e penalmente punível.
157) O arguido D…, ao agir da forma atrás descrita, fê-lo de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que, com a sua conduta auxiliava o arguido C… e o agente I… a praticar actos contrários à sua função em contrapartida de uma vantagem económica e que sem tal auxílio não conseguiriam, sabendo também que tal era ilícito e penalmente punível.
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Provou-se ainda:
Excluindo os factos que são mera negação, por contradição ou desconhecimento, dos descritos na acusação, da prática dos crimes, ou simples crítica desta, bem como os que já foram considerados, como provados ou não, em sede de apreciação da acusação, mais se provou, de entre a factualidade com relevo para decisão:
Da contestação do arguido B…:
158) O arguido dedica-se, desde há mais de 20 anos, à pesca e comercialização de pescado, designadamente, sável, lampreia, meixão e enguia.
159) A sua família, tal como ele de condição social e cultural humilde, sempre se dedicou e sobreviveu dessa actividade, exercida sobretudo no Rio K…, crescendo o arguido nesse ambiente e tendo começado a trabalhar cerca dos 12 anos de idade.
160) Na sequência da dissolução da Sociedade “M.., Ldª.”, o arguido B… e os co-arguidos F…, G… e E… e, ainda, o falecido N…, continuaram no exercício de tal actividade conjuntamente e cooperando entre eles.
161) O arguido B… e os referidos “sócios” pescavam, compravam e vendiam as diversas espécies de peixe, entre elas o meixão.
162) É, na sua actividade, considerado trabalhador e, pelos familiares, amigos e pessoas que com ele se relacionam mais de perto, bem conceituado.

Da contestação do arguido C…
163) O arguido C… tem família que o apoia e o tem em bom conceito, tal como os amigos.
164) Teve, ao longo de anos e até à data dos factos, bom comportamento, nada até aí desabonando a forma como exerceu as suas funções na PM, por elas tendo recebido louvores.

Da contestação do arguido E…
165) O arguido E… tem 70 anos de idade (nasceu a 29/05/1940).
166) É originário de família de pescadores.
167) Após a instrução primária, seguiu a profissão de mecânico de automóveis.
168) Ainda novo, sobreveio-lhe doença que o obrigou a reformar-se, do que recebe pensão de reforma actualmente no valor de cerca de 250€/mês.
169) Há cerca de 30 anos, dada a ligação da família ao meio e devido à sua reforma, passou a dedicar-se ao comércio de peixe do Rio K…, comprando peixe aos pescadores e vendendo-o posteriormente, nomeadamente o meixão a espanhóis.
170) Foi sócio, juntamente com os co-arguidos B…, G… e F…, e com N… (falecido) da Sociedade “M…, Ldª.”, entretanto dissolvida.
171) O N… separou-se, mas o arguido E… e os ex-sócios B…, G… e F… mantiveram-se na pesca e comércio, designadamente do meixão, cooperando entre todos.
172) Havia um prédio urbano na …, em …, compropriedade de todos, que foi objecto da acção judicial de Divisão de Coisa Comum 1807/06.0TBBNV.
173) Esse processo terminou por transacção em que o N… e esposa venderam a sua quinta parte no prédio pelo preço de 15.000€.
174) O arguido H… era vizinho e amigo de N… e soube daquele diferendo.
175) Então, a pretexto de mediar a negociação de tal prédio, o arguido H…, em data não exactamente apurada, contactou o arguido E… e propôs-lhe uma reunião em Gondomar.
176) Tal reunião realizou-se, conforme supra referido, nela tendo participado E…, H… e o agente da PM D….
177) Nela, além do mais, foi falada a pretensão do N…, designadamente o valor pretendido pela sua “quota” (25.000 ou 30.000€) em contrapartida de os outros ficarem com o prédio.
178) Ficou combinado realizar-se, depois de o E… falar com B…, F… e G…, um novo encontro.
179) Esse encontro realizou-se, conforme atrás referido (…), nele tendo estado presentes o H…, acompanhado de D…, e os “sócios” B…, E… e F….
180) Dele, sobre a casa, não resultou acordo, vindo a questão a resolver-se por transacção na acção judicial supra referida.

Da contestação do arguido G…
181) O arguido G… dedica-se, desde há cerca de 20 anos, à actividade de pesca e comercialização de pescado, designadamente, e entre outras, sável, lampreia, meixão e enguia.
182) Na sequência da dissolução da Sociedade “M…, Ldª.,” o arguido G… e os co-arguidos F…, B… e E… e, ainda, o falecido N…, continuaram no exercício de tal actividade, cooperando todos entre eles para tal.
183) O arguido G… desenvolvia tal actividade no Sul de Portugal.
184) No seu meio e por aqueles que com ele se relacionam mais de perto, é considerado trabalhador, respeitador e bem conceituado.

Da contestação do arguido F…
185) O arguido F… dedica-se, desde há cerca de 20 anos, à actividade de pesca e comercialização de pescado, designadamente, e entre outras, sável, lampreia, meixão e enguia.
186) Na sequência da dissolução da Sociedade “M…, Ldª.”, o arguido F… e os co-arguidos B…, E… e G…, e o falecido N…, continuaram no exercício de tal actividade, em conjunto e cooperando entre si.
187) É proprietário de uma casa de habitação onde reside conjuntamente com o seu agregado familiar e que se encontra hipotecada.
188) No seu meio e por aqueles que com ele se relacionam mais de perto, é considerado trabalhador, respeitador e bem conceituado.

Ainda da audiência
189) Nada consta no CRC de cada um dos arguidos.
190) Os arguidos B…, C…, H… e F… confessaram parcialmente os factos e mostraram-se arrependidos.
191) O arguido D… admitiu também o seu envolvimento neles e recebimento de dinheiro, mostrando-se igualmente arrependido.
192) Os arguidos B… e C… estiveram detidos e presos preventivamente, à ordem destes autos, ambos desde 16/04/2008, aquele até 09/07/2008, e este até 29/04/2009.
193) Consta de fls. 2820 a 2823 o Relatório Social do arguido B…, para o qual se remete, dele se destacando:
a) O arguido cresceu no seio de agregado familiar constituído pelos progenitores e cinco descendentes, com dinâmica equilibrada e estruturada em torno da valorização do trabalho, advindo-lhe os proventos económicos do trabalho assalariado e da actividade piscatória a que a família sempre esteve ligada.
b) Abandonou a escola aos 12 anos, tendo registado desmotivação e insucesso.
c) Desde aí trabalhou na construção civil durante oito anos; depois, durante catorze, desempenhou tarefas laborais na Câmara …; dedicou-se, a seguir, à captura e comércio de pescado.
d) Casou aos 24 anos, tendo duas filhas com 19 e 9 anos de idade, tendo-se separado há cerca de oito anos e decorrendo o divórcio, tendo, entretanto, estabelecido novo relacionamento do qual nasceu um filho com cinco anos de idade, vivendo no apartamento pertença da companheira mas mantendo contactos com filhos do casamento, contribuindo economicamente e participando na sua educação.
e) Ele e a companheira referem ter receitas de 1000€ e despesas fixas de 460€, por mês.
f) Participa em actividades de cariz político e social.
g) Reconhece a legitimidade da intervenção judicial e a ilicitude dos actos descritos na acusação.
194) Consta de fls. 3131 a 3135 o Relatório Social do arguido C…, para o qual se remete, dele se destacando:
a) Nasceu e cresceu no seio de família normal, ligada por vínculos afectivos, organizada e orientada por normas e valores, sendo o pai pescador.
b) Atingiu o 6º.ano de escolaridade e, numa escola profissional, fez o curso de marinheiro/pescador, concluindo o 9º.ano de escolaridade.
c) Aos 17 anos começou a trabalhar, passando depois a cumprir serviço militar na marinha até 1998, altura em que ingressou na Polícia Marítima, concluindo em regime nocturno o 12º.ano de escolaridade.
d) Casou em 2001 e dessa relação tem duas filhas. A esposa trabalha como técnica administrativa numa empresa, vivendo o agregado num apartamento T3 adquirido com recurso a empréstimo bancário.
e) Bem referenciado pela família e no meio social e laboral, colabora nas tarefas quotidianas e nos cuidados das filhas.
f) Tem sentido crítico e percepciona eventuais consequências sancionatórias derivadas deste processo.
195) Consta de fls. 3323 a 3329, o Relatório Social do arguido D…, para o qual se remete, dele se destacando:
a) É originário de família estruturada, sendo o pai médico (falecido em acidente de viação, quando ele tinha 4 anos de idade) e a mãe dona-de-casa, tendo mais três irmãos, tendo a irmã mais nova deficiência mental.
b) Viveu com os avós, segundo regras rígidas impostas pelo avô, militar do exército, embora educado pela mãe, com dificuldades económicas.
c) Fez o 6º. Ano de escolaridade, iniciou actividade laboral aos 12 anos numa oficina automóvel, frequento simultaneamente a escola até ao 8º. Ano de escolaridade. Trabalhou ainda na construção civil e cumpriu o serviço militar obrigatório na Marinha.
d) Após o falecimento da mãe em 1989, ficou com dois irmãos a viver na casa de família, ajudando-os e responsabilizando-se pela satisfação das suas necessidades.
e) Iniciou funções de … na Capitania W… e em 2007 foi destacado para a Capitania J…, a seu pedido, sendo aqui bem positivamente referenciado.
f) Vivia num quarto, sozinho, uma vez que se rompeu o relacionamento com uma senhora que o motivara a vir para o Porto.
g) Denotou fragilidades ao nível da pensamento consequencial, não avaliando os seus comportamentos e os dos outros, manifestando desconforto perante os factos do processo, mas revelando-se motivado para adoptar no futuro conduta socialmente ajustada.
h) Está suspenso de funções, auferindo 1100€/mês.
196) Consta de fls. 2862 a 2866, o Relatório Social do arguido H…, para o qual se remete, dele se destacando:
a) É originário de casal com quatro descendentes, emigrante em França, tendo com a família vivido em Paris e aí feito formação escolar e profissional na área de torneiro mecânico.
b) Regressado a Portugal, fez o 9º. Ano de escolaridade e, depois, ingressou na Marinha, onde foi promovido a Cabo, estando até 2000 embarcado, tendo desempenhado funções de formação e de fiscalização. Em 2003 passou à reserva.
c) Esteve ligado a uma empresa de prevenção de incêndios e em 2004 constituiu empresa própria nessa área, com três sócios, mas de que se desvinculou cerca de ano e meio depois.
d) Casou em 1993, não tem descendentes e vive com a esposa (assistente de consultório) numa casa herdada dos sogros.
e) Divorciou-se há três anos, mas o casal continua a coabitar e a manter economia e organização domésticas comuns a pretexto de aguardarem a venda da moradia comum.
f) Reformado entretanto, aufere 1090€ de pensão mensal.
g) Tem o 12º. Ano, frequentou estágio de formação na área da protecção civil na C.M. de … e colabora no Centro de Prevenção …. É condutor socorrista de corporação de bombeiros.
197) Consta de fls. 2872 a 2875 o Relatório Social do arguido E…, para o qual se remete, dele se destacando:
a) Provém de agregado familiar composto pelos pais e seis descendentes, subsistentes da actividade piscatória no Rio K….
b) Fez a 4ª. classe, trabalhou com o pai e depois como aprendiz de mecânico no Porto. Por problemas de saúde abandonou esta actividade aos 34 anos, retomando a actividade pesca e comercialização de peixe com o genro (co-arguido F…), até que foi constituída a M…, dissolvida em 2006.
c) Casou aos 23 anos, sendo a esposa modista, tendo três filhos, vivendo a família em condições de conforto e comodidade.
d) Tem problemas de saúde graves, sofreu intervenção cirúrgica e a esposa teve acidente vascular cerebral em 2000.
e) É bem referenciado na sua área de residência, abandonou a actividade piscatória, aufere, tal como a esposa, pensão de reforma.
198) Consta de fls. 2814 a 2819 o Relatório Social do arguido G…, para o qual se remete, dele se destacando:
a) Nasceu em família de Gondomar ligada ao Rio K…, tendo dois irmãos, e cresceu em ambiente familiar afectivo, normal e coeso, vivendo à beira-rio, o que lhe propiciou cedo o contacto com a actividade piscatória. O pai trabalhava numa empresa de vinhos e a mãe vendia hortaliças no mercado.
b) Frequentou a escola até aos 14 anos, começando então a trabalhar mas tendo concluído o 12º.ano em regime nocturno. Foi técnico de máquinas numa empresa e depois pescador profissional, tendo feito parte da M…. Ultimamente trabalha como auxiliar de carpintaria e mantém-se ligado à pesca, aos fins-de-semana, sendo dono de um barco de recreio.
c) Do seu primeiro casamento tem duas filhas com 20 e 16 anos e, do segundo, uma filha. Vive num apartamento em …, adquirido com empréstimo bancário. A actual esposa, de origem estrangeira, é licenciada em engenharia têxtil, mas em Portugal tem trabalhado na área da restauração e como empregada administrativa, estando desempregada, embora pontualmente faça traduções.
d) Revela sentido crítico e nada lhe é negativamente apontado no seu meio.
199) Consta de fls. 2867 a 2871 o Relatório Social do arguido F…, para o qual se remete, dele se destacando:
a) Regressou de Angola, com os pais e dois irmãos, em 1975, quando tinha 17 anos.
b) Frequentou a escola até aos 19 anos, tendo feito o 10º.ano de escolaridade. Trabalhou na extracção de areia no Rio K… até iniciar o serviço militar. Voltou a trabalhar. Foi sócio de uma empresa em Vila Real.
c) Em 1990 casou, tendo uma filha, passando a laborar junto do sogro (co-arguido E…), na actividade piscatória, tendo feito parte da M…. Depois de esta se ter desfeito, voltou à actividade piscatória.
d) Viveu num apartamento e actualmente numa moradia, construída com recurso a empréstimo bancário.
e) Actualmente não exerce actividade laboral, subsistindo da remuneração da esposa, auxiliar em clínica de fisioterapia, no valor de 1104€/mês.
f) Tem sido acompanhado em consulta de psiquiatria».
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O acórdão recorrido considerou não provados os seguintes factos: (transcrição)
«Da acusação, das contestações e da audiência nada mais se provou, com relevo para a decisão, designadamente:
-Que a venda do meixão é feita para outros “mercados externos”;
-Que o grupo dos arguidos E…, F…, B… e G… era “o principal” ou cada um deles eram “os principais”;
-Que o “plano” foi “urdido” (isto é, concebido e originariamente delineado) pelos (ou só pelos) arguidos B…, E…, G… e F…;
-Que a sua acção e colaboração se processou em moldes diversos dos provados;
-Que as reuniões, contactos, alegados nos itens 14 a 23 da acusação, ocorreram com motivação, em moldes, na sequência ou com intervenientes diversos daqueles que se deram como provados, nomeadamente que H… só tenha sido contactado depois das duas reuniões em Gondomar, que o seu acordo tenha sido no sentido de, ele próprio ou em co-autoria, “corromper” os polícias e posterior às mesmas e que só na sequência disso é que ele contactou o D…, bem assim, que da proposta apresentada pelos arguidos B…, E… e F… fizesse parte o “esquema” de apreensão, apenas, de uma parte do meixão e de elaboração dos correspondentes autos de notícia com essa parte, só outra parte lhes devendo ser entregue;
-Que, nos referidos encontros, o arguido B… acabou por confessar e descrever um esquema [anteriormente existente], segundo o qual elementos da autoridade marítima se encontravam envolvidos por ocasião das acções de fiscalização, porquanto apanhavam o meixão acumulado nos sacos das redes e seguidamente depositavam o meixão em barcos rabelos, previamente combinados, onde iria ser recolhido por um indivíduo, que lho entregava;
-Que a entrega dos 150€ foi feita directamente pelo H… ao I…;
-Que, ao mesmo tempo que lhe teria feito a entrega, o H… disse para o I… que era da parte do arguido B…, e que se devia “à maré”.
-Que, como contrapartida de tal entrega, o H… pretendia que, a pedido do arguido B…, fossem aprendidas uma redes que pertenciam ao X… e que deveriam ser entregues ao arguido B…, o que acabou por não se concretizar, o que não veio a acontecer por circunstâncias a que foram alheios os arguidos, nomeadamente porque o I… não manifestou qualquer disponibilidade para o efeito;
-Que os arguidos C… e H… foram juntos e no mesmo veículo para o encontro, salvo a partir do momento em que se encontraram nas imediações do Restaurante;
-Que o I… foi para o local a pé, salvo na entrada do Restaurante;
-Que, quando o I… entrou, já estavam sentados, antes, os arguidos H… e C…;
-Que um dos objectivos específicos do plano era retirar o conteúdo dos sacos dos pescadores que trabalhavam para a “sociedade”, sendo estes pretos e para como tal serem distinguidos, obstando, dessa forma, a que os “sócios” tivessem de comprar e pagar-lhes o meixão neles contido;
-Que os pagamentos prometidos poderiam ser no montante de 5.000€, por época;
-Que a actividade de retirar meixão das redes dos concorrentes era já antes conhecida como “Y…”;
-Que o mesmo (adesão ao plano nos mesmos termos e circunstâncias que o C…) se passou com o arguido D… e que este, por circunstâncias não totalmente apuradas, passou a integrar o grupo acima referido, após lhe ter sido dado conhecimento do plano criminoso previamente elaborado e de ter concordado com o mesmo;
-Que os arguidos formaram “um grupo organizado”;
-Que, além da prática dos actos dados como provados, os arguidos “operaram no Rio K…” noutras circunstâncias e obtiveram outros lucros para além dos dados por assentes;
-Que consumaram “várias apropriações ilícitas de quantidades indeterminadas de meixão”, para além das provadas;
-Que o B… e o H… iniciaram (outros) preparativos da pesca do meixão para a época 2007/2008, retardada devido às condições atmosféricas existentes;
-Que, em data não apurada de Outubro de 2007, o arguido B… manifestou interesse em adquirir os materiais que se encontram apreendidos e depositados na Capitania J…, nomeadamente o “chumbo”, visando, desta forma, obter uma nova colaboração por parte das autoridades marítimas;
-Que tal pretensão não terá sido atendida, daí que, em 19 de Fevereiro de 2008, o arguido B… entra em contacto telefónico com o arguido C…, a quem pergunta da existência de alguma hipótese em desviar tal material, redes e ferros, que foram aprendidos no rio, a fim de lhe serem entregues;
-Que o arguido H… se afastou (voluntariamente) ou foi afastado (por alguém);
-Que a época da pesca do meixão se iniciou em Dezembro de 2007;
-Que a colaboração consistente na recolha do meixão e, em vez de ser devolvido às águas, ser colocado e recolhido num certo lugar combinado, era referida como “Y…”;
-Que as diversas instruções ao arguido D…, durante operação de 8/9-12-2007, foram dadas (somente) pelo arguido C…;
-Que o I… se limitou a ajudar (secundária ou acessoriamente) a retirar o saco da embarcação e a colocá-lo na outra;
-Que os arguidos F… e E… foram informados da operação de 8/9 de Dezembro pela chamada telefónica feita pelo B… ao G…;
-Que as diversas instruções dadas ao arguido D… durante a operação de 8/9-01-2008 foram dadas (somente) pelo arguido C…;
-Que, nessa operação, o agente I… se limitou a ajudar (secundária e acessoriamente) a retirar o saco da embarcação e a colocá-lo na outra;
-Que a informação da segunda operação de recolha de meixão aos arguidos F… e G… foi dada através do telefonema ao E…;
-Que os arguidos B…, B…, D…, H…, E…, G… e F… bem sabiam que lhes não era permitido, por lei, fundar, chefiar ou pertencer a um grupo, cujo único objectivo era a prática de ilícitos penais legalmente previstos e punidos por lei;
-Que era o arguido B… que assumia a liderança de tal grupo, dirigindo-o e determinando todas as operações, escolhendo (sozinho) a datas e locais para a sua realização;
-Que ao arguido D… foi paga a “quantia de €400, pelo menos”;
-Que, relativamente aos arguidos H… e D…, a participação deles, objectiva e subjectiva, fosse diversa da provada;
-Que a dissolução da “M…” ocorreu por volta de 2004;
-Que a actividade de pesca e comércio pelo arguido B… e pelos “sócios” também era exercida individualmente;
-Que o B… e demais “sócios” são compradores e comerciantes modestos dessa e doutras espécies de pescado, e em dimensão muito inferior a muitos outros que operam, na zona do Rio K…, como é do perfeito conhecimento dos pescadores da zona e das pessoas que frequentam o meio;
-Que o seu único objectivo e modo de vida, e dos “sócios”, era a pesca e comércio de peixe;
-Que o arguido B… ajudava nas despesas domésticas da casa paterna e no sustento e educação dos irmãos;
-Que não tem nem nunca teve património;
-Que o arguido C… tem trabalho certo;
-Que o início e o exercício da actividade do E… ocorreu de modo diverso do provado;
-Que o comércio do meixão é actividade de subsistência;
-Que, após a dissolução da “M…” cada ex-sócio ficou a trabalhar individualmente e para si próprio;
-Que a cooperação entre eles era só “nalguns aspectos e nalguns negócios”;
-Que há cerca de 7 a 8 anos, o N… foi contactado, numa reunião em sua casa, por elementos da Polícia Marítima que se lhe ofereceram para favorecer a “M…” em termos de facilidades na pesca do meixão, mediante o pagamento de comissões e que todos os restantes sócios recusaram peremptoriamente aquela proposta;
-Que a intervenção do arguido H… foi a pedido de N…;
-Que o real e único motivo que levou H… a solicitar as reuniões com E… e “sócios” foi o negócio da casa de … e que esse foi o único assunto falado;
-Que é do conhecimento e do domínio público que, em Portugal, a generalidade dos membros das forças policiais se aproveita da sua posição de autoridade para obter das empresas alguns donativos em dinheiro ou outros nas épocas festivas e quando são desenvolvidas actividades num certo local, a título de “hábitos sociais, gorjetas ou prendas”;
-Que arguido B… foi, várias vezes, “assediado” ou “pressionado” – em termos diversos ou com intensidade diferente da que veio a provar-se – por elementos da PM para que a “M…, Ldª.” e, depois, os ex-sócios, lhes dessem algum contributo económico para criar uma relação de cooperação;
-Que tal “abordagem” se frustrou porque nem a Sociedade nem os ex-sócios tinham necessidade de quaisquer favores quer porque não pescavam, limitando-se a comprar e a revender o pescado, quer porque a captura do sável e da lampreia foi sempre permitida e a do meixão foi-o até há poucos anos;
-Que foi em consequência do “assédio” ou da “pressão” que o B… fez entregas de dinheiro;
-Que foi nesse contexto de “assédio” e “pressão” que os agentes da PM resolveram vender-lhe algum meixão: cerca de três quilos;
-Que o agente I… também sacou dinheiro a outras pessoas;
-Que os arguidos G… e F… vivem modesta e exclusivamente, e se sustentam, da pesca e comércio de peixe;
-Que os arguidos G… e F… não têm nem nunca tiveram património nem nunca lhes conheceram quaisquer sinais de riqueza;
-Que a casa do G… se encontra à venda, devido às dificuldades económicas sentidas pelo arguido acentuadas nos últimos quatro anos, mercê da grave crise que atravessa o sector e que motivaram que o arguido se visse obrigado a contrair mais dois empréstimos bancários.»
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III – O DIREITO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
De acordo com as conclusões das motivações apresentadas, são as seguintes as questões que importa apreciar:
1. Do recurso do arguido C…:
● perda de eficácia da prova por ter sido ultrapassado o prazo de 30 dias para o adiamento da audiência, com violação do disposto no artº 328º nº 6 do C.P.P.;
● vício de contradição entre a fundamentação e a decisão – artº 410º nº 2 al. b) do C.P.P.;
● nulidade do acórdão por omissão, na determinação da medida da pena, da possibilidade de atenuação especial.
2. Do recurso do arguido H…:
● a livre apreciação da prova e a livre convicção do julgador;
● nulidade do acórdão por falta de fundamentação da decisão quanto aos factos que considerou provados integradores de cumplicidade do crime de corrupção passiva;
● erro notório na apreciação da matéria de facto;
● medida da pena.
3. Do recurso do arguido D…:
● nulidade da prova obtida por meio de agente infiltrado;
● integração da sua conduta como simples encobridor;
● medida da pena.

Vejamos:
1. Da perda de eficácia da prova:
Alega o recorrente C… que na última sessão da audiência que teve lugar em 26.03.2010, após as alegações finais e últimas declarações dos arguidos, foi designado o dia 22.04.2010 para a leitura do acórdão. Contudo, essa data foi dada sem efeito, tendo sido designada nova data para 31.05.2010, em que foi lido o acórdão recorrido. Tendo mediado um período superior a 30 dias entre a última sessão da audiência e a leitura do acórdão, pretende o recorrente que se declare a nulidade da prova produzida e se determine a repetição do julgamento.
Sob a epígrafe “continuidade da audiência”, dispõe o artº 328º nº 6 do C.P.P. que “O adiamento não pode exceder 30 dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo, perde eficácia a produção de prova já realizada”.
Dos autos resulta que nenhuma das sessões de julgamento para produção efetiva de prova foi intervalada por mais de trinta dias. Este prazo somente foi ultrapassado no período que medeia entre o fim da produção de prova, com alegações orais e últimas declarações dos arguidos, ocorrida em 26.03.2010 (v. fls. 3331) e a data em que se procedeu à leitura do acórdão – 31.05.2010 (v. fls. 3569).
Como salienta o Cons. Maia Gonçalves no seu C. P. Penal anotado[3]: “Ressalta das disposições deste artigo o intuito de obstar, até onde é possível, às interrupções e aos adiamentos das audiências, sempre como afloramento do intuito mais geral de aceleração processual. […] Esta disposição radica na oralidade e na imediação da prova, que se não pode esvanecer na mente dos julgadores. Assim, toda a prova que não se possa “esvaecer” ou “dissipar” é aquela, para além dos documentos disponíveis para consulta nos autos, a que tenha ficado fisicamente suportada em material de gravação, ficando assim, do mesmo passo, materialmente acessível aos julgadores (complementada certamente pelos eventuais apontamentos que farão das suas impressões pessoais recolhidas ao longo das várias sessões), não perdendo pois o seu valor nem eficácia intrínsecas por força daquele dispositivo. O que perde valor é a prova oral realizada em audiência.”
Já sobre esta matéria se pronunciou entre outros arestos, o Ac. STJ de 30.10.2001[4] no sentido de que “a regra de que a audiência não pode ser adiada por mais de 30 dias, sob pena de perda de eficácia da prova, entretanto, produzida, já não se aplica quando, após o adiamento, a audiência reabre para a produção dos meios de prova necessários, unicamente, à questão da determinação da sanção nem, muito menos, ao adiamento posterior à deliberação de facto, para publicação da sentença.”
O disposto no artº 328º do CPP “obedece ao que, sobre o “princípio da concentração”, havia doutrinado o Prof. Figueiredo Dias[5] quando, individualizando a função do principio, lhe cometia uma função de exigência endoprocessual colimada para “uma prossecução tanto quanto possível unitária e continuada de todos os termos e atos processuais, devendo o complexo destes, em todas as fases do processo, desenvolver-se na medida do possível concentradamente, seja no espaço seja no tempo. Tomado neste contexto amplo, o princípio enforma, com efeito, todo o decurso ou prossecução do processo penal e é, em geral, fundado na necessidade de que se não suscitem obstáculos ou impedimentos ao exercício do processo”.
Este principio, ainda na lição do Ilustre Professor, “ganha o seu maior e autónomo relevo no que toca à audiência de discussão e julgamento, ligando-se aos princípios da forma, enquanto corolário dos princípios da oralidade e da imediação; e pois que este principio da imediação pode ser visto como máxima instrumental do principio da investigação ou da «verdade material», a concentração ganha ainda significado dentro dos próprios princípios da prova”.
Congraçado, para a eficácia da procura da «verdade processual», com os princípios da imediação e da oralidade, o principio da concentração impõe ao tribunal uma parcimónia nas pulsões dilatórias na prática dos actos processuais que hajam de ser realizados no processo. Exige-se que o tribunal não estenda temporalmente os momentos em que se hão-de realizar os actos de produção de prova tendentes à consecução do veredicto final. O processo deve desenrolar-se sem hiatos que induzam um distanciamento e uma ruptura espácio-temporal dos sujeitos processuais relativamente ao objecto e fim para que tende. O distanciamento e a ocupação dos sujeitos processuais durante demasiado tempo e em outras e variadas tarefas e atividades podem conduzir a uma perda dos elementos essenciais de prova que hajam sido produzidos dando origem a uma distorcida e desfocada percepção e representação significativa do caso em julgamento.
Pretende-se, como escreve o Prof. Germano Marques da Silva[6], “que não haja possibilidade de manipulação da prova, ajustando-a à que entretanto foi produzida, e que os juízes possam manter fresco na memória tudo quanto se passou em audiência de julgamento, pois que o seu juízo há-de basear-se apenas nas provas produzidas ou examinadas na audiência. Numa audiência que se arraste com frequentes interrupções e adiamentos é maior o risco de esquecimento do que se passou nas sessões anteriores do que se todas se concentrarem no tempo”.
Por isso se tem entendido que os princípios da concentração e da continuidade da audiência, plasmados no art. 328º do Código de Processo Penal, bem como o limite temporal de 30 dias previsto no nº 6 do mesmo artigo para os adiamentos sem perda de eficácia da prova anteriormente realizada, se reporta apenas à audiência em sentido restrito, compreendendo os atos de produção de prova e discussão da causa (arts. 340º a 361º), e já não ao momento da decisão e à elaboração e leitura da sentença ou acórdão (arts. 365º a 378º): por razões de sistematização, já que tal norma figura no Titulo II, com a epígrafe “Da Audiência”, do Livro VII, “Do Julgamento”, que termina com o “encerramento da discussão da causa” (art. 361º), enquanto que a sentença figura, bem demarcada, no Título III, com a epígrafe “Da Sentença”, do mesmo Livro;
É neste sentido que o preceito legal referido vem sendo interpretado, tanto ao nível da doutrina como da jurisprudência: cfr. autores citados e os acs. do STJ de 15.10.97 (CJ/STJ/1997/III/197) e de 11.01.2006 em www.dgsi.pt, do TRL de 13.11.2001 (CJ/2001/V/131), de 05.12.2002 (CJ/2002/V/141) e de 24.10.2007, em www.dgsi.pt, do TRC de 29.05.2002 (CJ/2002/III/47) e de 08.10.2008, em www.dgsi.pt e do TRP de 20.10.2004 em www.dgsi.pt.
Acresce que, sobre o limite temporal para a leitura da sentença, o Código de Processo Penal contém uma norma que se refere especificamente a essa matéria e, por isso, se sobrepõe à norma do nº 6 do art. 328º.
É a norma do nº 1 do art. 373º, que dispõe: “Quando, atenta a especial complexidade da causa, não for possível proceder imediatamente à elaboração da sentença, o presidente fixa publicamente a data dentro do prazo dos 10 dias seguintes para a leitura da sentença”. Norma que contempla para a leitura da sentença “um tempo ideal”, imediatamente a seguir ao encerramento da discussão da causa (art. 361º do CPP), e “um tempo real”, quando não for possível cumprir o “tempo ideal”, por motivos relacionados com a complexidade da causa, como acontece com o caso em apreço, a que acrescem os motivos relacionados com a disponibilidade do demais serviço do tribunal a cargo dos juízes[7].
Acresce que a designação de data para leitura da decisão final (sentença ou acórdão) não constitui adiamento ou interrupção da audiência. Isto porque a deliberação do tribunal pode ocorrer de imediato após o encerramento da audiência, enquanto a leitura da decisão pode ocorrer muito tempo depois (após mais de 30 dias), devido, nomeadamente a dificuldades do relator na respectiva redacção, por o caso ser muito complexo. Aliás, no caso em apreço, basta um simples exame dos autos para se concluir que a elaboração do acórdão constituído por 196 páginas, de grande complexidade e com análise exaustiva e minuciosa de elevado número de questões, jamais poderia ser concluída no prazo ideal de 10 dias a que alude o artº 373º do C.P.P.
Ora, esta norma não comina qualquer sanção para a inobservância do prazo de 10 dias aí previsto para a leitura da sentença. A qual também não está abrangida por alguma das alíneas do art. 119º do Código de Processo Penal sobre nulidades insanáveis, nem por alguma das alíneas do nº 2 do art. 120º sobre nulidades dependentes de arguição.
Como escreve o Prof. Germano Marques da Silva[8] a lei não comina qualquer sanção para a inobservância da disciplina legal sobre o tempo e o modo da deliberação, por se tratar de problemática interna do funcionamento do tribunal. No mesmo sentido, o acórdão desta Relação do Porto de 14.06.2006[9].
Deste modo, improcede este fundamento do recurso.
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2. Dos vícios do acórdão recorrido:
Os recorrentes C… e H… invocam, respetivamente, os vícios de contradição entre a fundamentação e a decisão e de erro notório na apreciação da prova, pretendendo acima de tudo impugnar a valoração atribuída pelo tribunal recorrido às provas obtidas na sequência da intervenção do agente encoberto que a decisão qualificou como agente provocador.
Dispõe o art. 410 nº 2 do CPP:
Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
Assim, os vícios do art. 410º nº 2 do CPP, têm forçosamente de resultar do texto da decisão recorrida na sua globalidade, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo possível, para a sua demonstração, o recurso a quaisquer elementos que sejam externos à decisão, “designadamente, a declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo no julgamento”.
“A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410º, nº 2, alínea a) do CPP) supõe que os factos provados não constituem suporte bastante para a decisão que foi tomada, quer porque não permite integrar todos os elementos materiais de um tipo de crime, quer porque deixem espaços não preenchidos relativamente a elementos essenciais à determinação da ilicitude, da culpa ou outros necessários para a fixação da medida da pena. A insuficiência significa, por outro lado, que não seja também possível uma decisão diversa da que foi tomada; se não for o caso, os factos podem não ser bastantes para constituir a base da decisão que foi tomada, mas permitir suficientemente uma decisão alternativa, mesmo de non liquet em matéria de facto. Por fim, a insuficiência da matéria de facto tem de ser objetivamente avaliada perante as várias soluções possíveis e plausíveis dentro do objeto do processo, e não na perspetiva subjetiva decorrente da interpretação pessoal do interessado perante os factos provados e as provas produzidas que permitiram a decisão sobre a matéria de facto.”[10]
A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insuscetível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão. Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada[11].
O "erro notório na apreciação da prova" (art. 410 nº 2 al. c) do CPP) “constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorreta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio. A incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projeções de probabilidade, mas segundo as regras da "experiência comum". Na dimensão valorativa das "regras da experiência comum" situam-se, por seu lado, as descontinuidades imediatamente apreensíveis nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da direta e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidades ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta”[12]. Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.
Embora socorrendo-se de qualificação diversa em sede de vícios da decisão, o que os recorrentes pretendem, efetivamente, é questionar a validade da prova obtida por meio de agente encoberto.
A decisão recorrida considerou nula a ação encoberta levada a cabo pela testemunha I…, não só por ter desrespeitado o despacho de autorização, praticando atos de execução do crime de corrupção quando só estava autorizado a fazer contactos, mas também por terem sido violados os princípios da necessidade e da proporcionalidade e, essencialmente, porque o agente I… atuou como um verdadeiro agente provocador da ação delituosa já que a sua intervenção “consistiu fundamentalmente em enganar, atrair para a prática dos crimes, propiciar a execução destes”.
Contudo, não obstante tal entendimento, e após ter dissertado com uma profundidade que cumpre salientar sobre as figuras do agente encoberto, agente infiltrado e agente provocador e sobre as consequências da invalidade de tal meio de obtenção de prova, considerou o tribunal coletivo que a nulidade da ação encoberta e consequentemente do depoimento testemunhal do agente I…, não contaminava os restantes meios de prova produzidos em sede de inquérito e de julgamento, os quais continuam a poder ser utilizados.
Concluiu assim o tribunal a quo que a restante prova produzida, designadamente a confissão dos arguidos em audiência, as interceções telefónicas, a recolha de som e imagens, as vigilâncias efetuadas por agentes da PJ, as apreensões, os autos de notícia, as buscas e a reconstituição, bem como a prova testemunhal, não se encontrava contaminada com a nulidade da ação encoberta, sendo manifestamente suficientes para alicerçarem a matéria de facto que o tribunal considerou provada.
Ora, a questão está precisamente em saber, perante uma prova que não é válida, tudo se passando como se não existisse, em que medida essa proibição se projeta prospetivamente ou não nos factos ou provas ulteriores, de que modo a anomalia destrói, comunicando-se, a outros meios de prova, à distância, tendo sempre presente que se a afirmação da culpabilidade penal do arguido é importante para a segurança coletiva e a afirmação do primado da lei sob o instinto primário e o restabelecimento da paz e da segurança, não menos importante é a materialização do julgamento à luz das regras pré-estabelecidas sem atropelo às garantias de defesa em favor do acusado.
O efeito à distância das provas inválidas sobre outras pressupõe e não abdica da indagação dicotómica sobre a verificação ou não de um “nexo de antijuridicidade” que aquele fundamente ou de um grau de independência, de autonomia, da prova relativamente à primeira, desta se destacando e se subtraindo.
Em nome de uma “exigência de superioridade ética” do Estado, das suas “mãos limpas” na veste de promotor da justiça penal, a violação das proibição de provas, que significaria o “encurtamento da diferença ética que deve existir entre a perseguição do crime e o próprio crime“, é hoje uma questão de atual e premente abordagem, uma vez que sob a égide de uma justiça penal eficaz, se vem mobilizando a doutrina e a jurisprudência para um “clima de moral panic”, um “estado de necessidade de investigação”, de que fala Hassemer, assistindo-se segundo este autor, a uma “dramatização da violência” que “encosta a sociedade à parede” e induz a “colonização da política criminal por lastros de irracionalidade” - escreve o Prof. Costa Andrade, in Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, págs. 68 e 73.
As provas obtidas, além do mais, mediante perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através da utilização de meios enganosos, são nulas, nos termos do art.º 32 .º nº 8 da CRP, com a consequência da invalidade do ato em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afetar – art.º 122.º n.º 1 do CPP .
A declaração de nulidade declara quais os atos que passam a considerar-se inválidos ou ordena sempre que possível e necessário a sua repetição (n.º 2) e ao declará-la o juiz aproveita todos os atos que ainda podem ser salvos, de acordo com o princípio “utile per inutile non vitiatur” – n.º 3 daquele preceito.
O preceito em causa é um afloramento do problema “desesperadamente controverso”, no dizer de Rogall, citado pelo Prof. Costa Andrade[13], denominado de “efeito à distância (Fernwirkung), ou seja quando se trata de indagar da comunicabilidade ou não da valoração aos meios secundários da prova tornados possíveis à custa de meios ou métodos proibidos de prova.
Historicamente o “efeito à distância”, já reconhecido como vigente entre nós por Figueiredo Dias, antes do CPP actual[14], aparece pela primeira vez proclamado na sentença do Juiz Oliver Wendell Holmes, em 1920, a propósito do caso Silverthorne Lumber Co .v. United States (251 U. S., 385) dela se extraindo que foi pensamento cristalino o de que se o conhecimento de factos obtidos ilegalmente o Governo não os pode aproveitar, já e, diversamente, se “o conhecimento deles é adquirido por uma fonte independente (independent source) podem ser provados, como quaisquer outros … ”.
Em torno desta ideação construiu, em 1939, o Juiz Félix Frankfurter, do Supremo Tribunal Federal dos Estados Unidos, no caso Nardone v. United States (308, U. S., 338) a metáfora, não mais abandonada, irradiando desde logo para os direitos continentais, do “fruto da árvore venenosa” (Fruit of the poisonous tree), podendo dizer-se constituir o meio de prova inválido a árvore venenosa, importando saber se flui dela a prova ulterior, como “fruto envenenado” ou não.
Uma longa evolução jurisprudencial, de que dá nota o Ac. do TC n.º 198/04, de 24/3/2004, in DR. II Série de 02.06.2004, exemplificou os casos em que aquele efeito à distância se não projeta, os casos em que a indissolubilidade entre as provas é de repudiar, por não verificação da árvore venenosa, reconduzindo-os a três hipóteses que o limitam: a chamada limitação da fonte independente, a limitação da descoberta inevitável e a limitação da mácula (nódoa) dissipada.
A fonte independente respeita a um recurso probatório destacado do inválido, usualmente com recurso a meio de prova anterior que permite induzir, probatoriamente, aquele a que originário tendia, mas foi impedido; ou seja quando a ilegalidade não foi “conditio sine qua” da descoberta de novos factos.
O segundo obstáculo ao funcionamento da doutrina da “árvore envenenada” tem lugar quando se demonstre que uma outra atividade investigatória, não levada a cabo, seguramente iria ocorrer na concreta situação, não fora a descoberta através da prova proibida, conducente inevitavelmente ao mesmo resultado, ou seja quando inevitavelmente, apesar da proibição, o resultado seria inexoravelmente alcançado.
A terceira limitação da “mácula dissipada” (purged taint limitation) leva a que uma prova, não obstante derivada de outra prova ilegal, seja aceite sempre que os meios de alcançar aquela representem uma forte autonomia relativamente a esta, em termos tais que produzam uma decisiva atenuação da ilegalidade precedente.
Estes critérios provindos do direito anglo-saxónico nem por isso deixam de servir de caminhos de orientação no direito europeu, que apontam para um esforço cuidado de interpretação dos factos com vista à fixação do “efeito à distância”, com consagração entre nós no art.º 122.º n.º 2 do CPP., cuja não aceitação equivaleria a neutralizar “a expressividade cultural e jurídica da proscrição dos meios proibidos de prova” e a “compelir o arguido a cooperar na sua própria condenação”[15].
Pode acontecer que a obtenção de determinada prova, com utilização de meios cruéis ou enganosos, torne possível a realização de novas diligências probatórias contra o arguido ou contra terceiro, casos em que se põe a questão de saber qual a influência do vício que afeta a prova inicial ou direta na prova secundária ou indireta, designadamente se este vício provoca uma reação em cadeia, impedindo a utilização das provas consequenciais.
No sentido da sua relevância apontam critérios como o interesse protegido pela norma jurídica violada, a gravidade da lesão, a inexistência de um nexo causal entre a prova inicial e a prova final e a probabilidade de obtenção da prova secundária, independentemente da violação. Mas, em sentido inverso invoca-se, sobretudo, que a utilização das provas subsequentes permitiria ultrapassar as proibições de prova, pelas instâncias formais de controlo ou por particulares, comprometendo os seus objetivos.
A este respeito, já antes do atual CPP, mas já na vigência de um preceito constitucional (o artº. 32º nº 6) em tudo idêntico ao atual 32º nº 8, se destacavam – dos demais - os interesses individuais que contendessem diretamente com a garantia da dignidade humana, donde que «em qualquer ponto do sistema ou da regulamentação processual penal em que estivessem em causa a garantia da dignidade da pessoa [como no caso da «utilização da tortura para obter uma confissão»], nenhuma transação fosse possível, conferindo-se a um tal garantia predominância absoluta em qualquer conflito com o interesse – também ele legítimo e relevante do ponto de vista do Estado de Direito – no eficaz funcionamento do sistema de justiça penal.
E, aí sim, não se poderia invocar a «necessidade de ponderação dos interesses em conflito e da validade das provas consequenciais» nem recusar-se «a doutrina do Fernwirkung des Beweisverbots [fruits of the poisonous tree] com o (mau) argumento de que tal se impunha à luz do interesse, de outra forma não realizável, da verdade material e da punição de um real culpado», pois que assim se acabaria por «jogar o valor absoluto da dignidade do homem contra interesses relativos que àquele não deviam nunca sobrepor-se».
Mas, «perante interesses individuais que não contendessem diretamente com a garantia da dignidade da pessoa», já «deveria aceitar-se - diversamente do que sucedia com o primeiro vetor - que tais interesses – ainda quando surjam como emanações de direitos fundamentais – pudessem ser limitados em função de interesses conflituantes».
Repensar os numerosos e difíceis problemas que se situam em zonas conflituais» era tarefa que – ao tempo (1983) - haveria de cometer «ao reformador da legislação processual penal». E este, no CPP de 1987, distinguiu as «provas obtidas mediante tortura, coação ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas» (art. 126º nº 1 do CPP) das «provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações» (n.º 2): aquelas – em que os meios de obtenção da prova ofendiam «interesses individuais que contendem diretamente com a garantia da dignidade humana» - considerou-as absolutamente nulas; mas já «admitiu» (art. 125.º) as demais – por não contenderem diretamente com a garantia da dignidade da pessoa – quando obtidas «com o consentimento do titular» ou, mesmo sem este, nos «casos previstos na lei» (art. 126º nº2).
É certo que estas «são igualmente nulas» (também, por isso, «não podendo ser utilizadas») quando, «ressalvados os casos previstos na lei», forem «obtidas sem o consentimento do respectivo titular». Mas se assim é quanto às provas diretamente obtidas por «métodos proibidos» (que «são nulas, não podendo ser utilizadas»), já - «perante interesses individuais que não contendam diretamente com a garantia da dignidade da pessoa» - «poderá eventualmente vir a reconhecer-se a admissibilidade de provas consequenciais à violação da proibição de métodos de prova».
E, em tal hipótese, a circunscrita invalidação (ou inutilização) da prova (diretamente) obtida poderá satisfazer os interesses (de proteção constitucional da privacidade das conversações ou comunicações telefónicas, sem afetação do conteúdo essencial do correspondente preceito constitucional) decorrentes da proibição do art. 126º nº 3 do CPP.
Pois que a otimização dos interesses em conflito (aqueles, por um lado, e os de «um eficaz funcionamento do sistema de justiça penal», por outro) poderá demandar – ante a (estrita) «necessidade» de proteção «proporcionada» dos últimos (também eles «juridicamente protegidos por essenciais à vida comunitária») - a conjugação (ou «concordância prática») de ambos em termos de «criação e conservação de uma ordem na qual uns e outros ganhem realidade e consistência».
Ora, será justamente no âmbito dos efeitos à distância dos «métodos proibidos de prova» que se poderá dar consistência prática a essa distinção entre os métodos previstos no n.º 1 do art. 126.º e os previstos no n.º 3, pois que, enquanto os meios radicalmente proibidos de obtenção de provas inutilizará – expansivamente – as provas por eles direta e indiretamente obtidas, já deverá ser mais limitado - em função dos interesses conflituantes – o efeito à distância da «inutilização» das provas imediatamente obtidas através dos demais meios proibidos de obtenção de provas (ofensivos não do «valor absoluto da dignidade do homem», mas de «interesses individuais não diretamente contendentes com a garantia da dignidade da pessoa», como a «intromissão sem consentimento do respetivo titular» na «vida privada», «no domicílio», na «correspondência» ou nas «telecomunicações»).
De acordo com tal princípio, no caso em apreço, estando em causa um meio radicalmente proibido de obtenção de prova, porque através de utilização de um meio enganoso – por via do agente provocador [artº 126º nºs 1 e 2 al. a)] – inutilizadas ficam as provas por ele direta e indiretamente obtidas.
Com efeito, tem sido entendido pela jurisprudência e pela doutrina que reputamos maioritária que constitui meio enganoso o uso de agente provocador, isto é, do agente que suscita o dolo criminoso em alguém que o não tinha previamente à sua intervenção[16].
A ilegitimidade e inadmissibilidade da prova obtida por via do agente provocador – o agente policial ou o particular por ele comandado que induz outrem à prática do crime para facilitar a recolha de provas da ocorrência do ato criminoso – «é inquestionável... pois seria imoral que, num Estado de Direito, se fosse punir aquele que um agente estadual induziu ou instigou a delinquir». Uma «tal desonestidade seria de todo incompatível com o que, num Estado de Direito, se espera que seja o comportamento das autoridades e agentes da justiça penal, que deve pautar-se pelas regras gerais da ética»[17].
Como refere o Des. Francisco Marcolino[18], citando o Prof. Germano Marques da Silva, “A eficácia da Justiça é também um valor que deve ser perseguido, mas, porque numa sociedade livre e democrática os fins nunca justificam os meios, só será louvável quando alcançada pelo engenho e arte, nunca pela força bruta, pelo artifício ou pela mentira, que degradam quem as sofre, mas não menos quem as usa”.
Para evitar que os resultados ilegitimamente obtidos não só fossem «privados de valor em si» mas «nem sequer pudessem ser a base para futuras investigações (efeito probatório indireto)» impor-se-ia que se houvessem como «inexistentes» “todas as provas assim obtidas», incluindo «as provas direta e indiretamente obtidas através da ação ilícita, desde que fosse possível estabelecer o nexo de causalidade e de imputação objetiva». Donde que houvesse «que averiguar, caso a caso, se a prova derivada só foi possível em virtude da prova viciada, não se verificando o efeito à distância quando ao mesmo resultado probatório se chegasse sem a prova viciada».
Como salienta Paulo Pinto de Albuquerque[19] «a prova proibida contamina a restante prova se houver um nexo de dependência cronológica, lógica e valorativa entre a prova proibida e a restante prova (artº 122º nº 1 do CPP lido à luz da jurisprudência do Ac. do TC nº 198/2004). O apuramento do “efeito à distância” da produção de prova ou, dito de outro modo, dos “frutos da árvore envenenada” há-de pois resultar de uma necessária ponderação do nexo que liga a prova proibida e a prova mediata dela resultante, de acordo com o princípio de que o efeito à distância da produção de prova é tanto maior quanto mais grave for a proibição de prova violada, sendo de excluir esse efeito à distância quando o fim de proteção da norma processual penal que prescreve a proibição de prova se possa conciliar com a utilização processual das provas mediatamente conseguidas por intermédio da prova proibida».
Importa, por isso, efetuar uma correta ponderação do nexo de dependência cronológica e lógica entre a prova resultante diretamente da intervenção do agente provocador e que a decisão recorrida considerou, e bem, nula e de proibida valoração e a restante prova produzida quer em sede de inquérito, quer em audiência de julgamento.
Resultou da prova produzida e foi corretamente salientado no acórdão recorrido que “a ação do agente I… foi determinante, indutora, da do B… e do C…. […] Não fosse o incentivo, ânimo e confiança falsamente incutidos no B… e nenhuma proposta dele teria surgido. Não fosse o encorajamento e confiança falsamente induzidos no C…, ou tivesse-lhe ele dado sequer uma dica que fosse sobre o que se estava a passar e inevitáveis consequências e, com certeza, este não teria aceite e participado. Há indução, convencimento. O agente I… criou, com as abordagens, sugestões, insinuações, paulatinamente, a intenção criminosa nos arguidos B… e C…, levando a reboque o H…, os “sócios” e, mais tarde, o próprio D…. Por parte do B… nada indica que houvesse anteriormente qualquer desígnio criminoso, sequer propensão para tal. Ele cai, solicitado à reunião pelo H…, esta pedida pelo I… e com a conversa da iniciativa deste. O seu papel no âmbito da acção encoberta consistiu, pois, fundamentalmente, em enganar, atrair para a prática dos crimes, propiciar a execução destes. Sem a sua acção motivadora e participativa, estes factos não teriam acontecido e estes protagonistas não os teriam praticado, pelo menos nas circunstâncias em que o foram. Relativamente ao C…, é de todo impensável que, recém-chegado, desconhecedor do meio, sem o estímulo determinante do I…, ele algo tivesse feito. Certo que o H… – consta das transcrições de escutas telefónicas – insistiu, ele próprio, com o C… e este mostrou-se hesitante. Mas quem melhor para o esclarecer, tranquilizar, animar, que o colega e amigo I…? Não é concebível que ele se decidisse e avançasse sem o impulso determinante do I…. […] A intervenção do agente I… exibindo, perante eles, a sua condição (ainda que aparente) de polícia corrupto foi, cremos, mais do que apelativa, irresistível. E para tal não podia ele ter-se limitado a uma posição passiva, apenas de se pôr a par. Ele teve que transmitir de forma clara e firme a sua concordância – de contrário provocaria desconfiança e frustraria tudo. Com isso e com o facto de ser Polícia, estavam reunidos todos os ingredientes para o embuste atrair os outros.
[…] Não cremos que o seu papel se limite, apenas, ao de infiltrado. Ele provocou os crimes. E, sendo assim, como é, há iniquidade na utilização da confiança gerada e do meio enganoso. Há desequilíbrio e desproporção entre a sua utilização e os fins visados e que a Polícia podia ter alcançado por outros meios. Há deslealdade (não no sentido da referida na audiência, ou seja, entre colegas de corporação) por parte do Estado ante cidadãos que foram induzidos, enganados, gozados (passe a expressão). Isto é eticamente censurável, pois que os fins não justificavam tais meios.
Aliás, repare-se, as denúncias iniciais e que despoletaram a investigação e, nesta, o recurso, sobretudo, à acção encoberta, apontam para nomes de suspeitos em relação aos quais o resultado foi o arquivamento.
Acusadas aparecem outras pessoas, diversas, cujos crimes ocorrem no decurso do Inquérito, alguma razão de ser tendo a crítica feita na audiência de que em vez de haver processo porque houve crimes, há crimes porque houve processo, o que, no mínimo, e na linha do que se vem dizendo quanto à acção encoberta, corrobora a ideia de que esta determinou a sua produção”.
Ora, se foi devido à confiança gerada pelo agente provocador e à indução por este para a prática dos crimes pelos arguidos, todos os atos que se lhe seguiram e que foram objeto de vigilâncias, escutas telefónicas, recolha de som e imagem, apreensões, etc., estão indissociavelmente conexionados lógica e cronologicamente com a prévia atuação do agente provocador, sem o qual todos os meios de obtenção de prova seriam absolutamente inúteis, na medida em que sem ele não haveria sequer condutas criminalmente puníveis. Todos aqueles meios de prova foram diretamente desencadeados pela prova proibida, sendo esta causa necessária e determinante daqueles.
Não fora a ilegalidade da atuação “instigadora” do agente I…, e nem sequer haveria objeto para a investigação ou, pelo menos, com os concretos sujeitos investigados. Sem aquela prova proibida, é razoável supor que a investigação jamais iria incidir sobre estes concretos arguidos.
Ou seja, se a árvore envenenada (atuação do agente provocador) não tivesse sido plantada, não teria havido frutos (escutas telefónicas, recolha de som e imagem, vigilâncias, apreensões, buscas, confissão dos agentes provocados, etc.), razão porque tais frutos têm de ser atingidos necessariamente pelo veneno daquela, não podendo por isso ser valorados como meio de prova.
Os meios de prova em que o tribunal recorrido alicerçou a sua convicção mostram-se, por isso, contaminados já que afetados pela declaração de nulidade da ação encoberta.
O tribunal recorrido refere que dispôs da confissão livre, espontânea, embora não total, dos factos, mormente por parte dos arguidos B…, C…, H… e F…. Porém, tais confissões não passam de admissão da prática dos factos na qualidade de agentes provocados e, como tal, devem ser valoradas.
Conclui-se assim que não se verificam, no caso sub judice, as exceções à invalidade dos efeitos à distância da prova proibida: a) a fonte independente – a ilegalidade da prova foi “conditio sine qua” dos restantes meios de prova produzidos; b) a descoberta inevitável – as restantes provas não seriam descobertas através de outro tipo de investigação; c) a nódoa dissipada – os restantes meios de prova usados não apresentam autonomia relativamente ao meio ilegal, não se tornando este suficientemente longínquo para que a mácula se atenue.
Subsistindo um evidente nexo de antijuridicidade entre a prova principal e a prova secundária, mercê de um nexo causal informativo entre elas, não podia o tribunal recorrido usar contra os arguidos os meios de prova em que baseou a sua convicção.
Sendo nulas todas as provas obtidas neste processo, deixa de haver qualquer prova dos factos dados como provados e que integrariam os elementos objetivos e subjetivos dos ilícitos criminais imputados aos arguidos, o que acarreta a impossibilidade de se concluir pela prática de qualquer crime por parte daqueles, impondo-se a sua absolvição, com a consequente revogação da decisão recorrida.
De salientar que a declaração de nulidade das provas produzidas aproveita aos restantes arguidos não recorrentes nos termos do artº 402º nº 2 al. a) do C.P.P.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento aos recursos interpostos, declarar nulas todas as provas obtidas, nos termos dos artºs. 126º nº 2 al. a) do C.P.P. e 32º nº 8 da CRP e, em consequência, revogando o acórdão recorrido, absolvem todos os arguidos, recorrentes e não recorrentes, dos crimes por que vinham acusados.
Sem tributação.
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Porto, 04 de Julho de 2012
(Elaborado e revisto pela 1ª signatária)
Eduarda Maria de Pinto e Lobo
António José Alves Duarte
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[1] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 3ª ed., pág. 347 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] 9ª edição de 1998, Livraria Almedina, 2ª anotação ao artº 328º, pág. 589.
[4] Proferido no Proc. nº 01P2630, de que foi relator o Cons. Armando Leandro, cujo sumário está disponível em www.dgsi.pt
[5] In Direito Processual Penal, 1ª edª., (Reimpressão), Coimbra Editora, 2004, pág. 183 e segs.
[6] In Curso de Processo Penal, Vol. III, 3ª edª., pág. 221.
[7] Cfr., neste sentido, o Ac. desta Relação do Porto de 11.10.2006, proferido pelo Des. Guerra Banha e disponível em www.dgsi.pt
[8] Ob. cit., pág. 282.
[9] Proferido no Proc. nº 0547075, pelo Des. Jorge Jacob, disponível em www.dgsi.pt
[10] Neste sentido, cfr., entre outros, o Ac. do STJ de 13.07.2005, proferido pelo Cons. Henriques Gaspar, disponível em www.dgsi.pt.
[11] Cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 7ª edª., 2008, pág. 75.
[12] Ibidem.
[13] Ob. cit., pág. 61.
[14] Cfr “Para uma Reforma Global do Processo Penal”, in Para uma Nova Justiça Penal, Coimbra, 1983, pág. 208.
[15] Cfr. Costa Andrade, ob. cit., pág. 315.
[16] V., neste sentido, Ac. do STJ de 29.11.2006, in CJAcsSTJ, XIV, 3, 240; Ac. do STJ de 06.05.2004, in CJAcsSTJ, XII, 2, 188; Ac. do STJ de 20.02.2003, in www.dgsi.pt., Ac. do STJ de 13.12.2000, in CJAcsSTJ, VIII, 3, 248; Acórdão do TEDH Teixeira de Castro v. Portugal de 09.06.98 e na doutrina Costa Andrade in ob. cit, pág. 231 e 232 e Susana Aires de Sousa in “Agent provocateur e meios enganosos de prova, Algumas reflexões in Liber Discipulorumpara Jorge Figueiredo Dias, 2003, pág. 1234.
[17] Cfr. Vital Moreira e Gomes Canotilho, “Constituição...”, 3ª edição, 207 e Costa Andrade, ob. cit., pág. 216 e Ac. do TC nº 76/01, de 14.02,2001.
[18] Em estudo gentilmente cedido pelo seu autor.
[19] In Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edª. 2009, 11ª anotação ao artº 126º, pág. 321.