Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00040915 | ||
| Relator: | ANABELA LUNA DE CARVALHO | ||
| Descritores: | FALÊNCIA CLASSIFICAÇÃO CULPA | ||
| Nº do Documento: | RP200801070754886 | ||
| Data do Acordão: | 01/07/2008 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | REVOGADA A DECISÃO. | ||
| Indicações Eventuais: | LIVRO 324 - FLS 10. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Para que uma falência seja qualificada como culposa é sempre necessário que seja a actuação (ou omissão) que se classificou como dolosa ou com culpa grave do devedor e não outra a concorrer, intercedendo em termos de causalidade, na criação ou agravamento da situação de insolvência. II - A não apresentação das contas anuais pelos seus administradores no prazo legal presume a existência de culpa grave. III - Mas para se qualificar a insolvência como culposa torna-se necessário que esse facto ou omissão tenha criado ou agravado a situação de insolvência, não bastando a mera constatação objectiva desse comportamento omissivo. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto: No Tribunal Judicial da Comarca de Ovar, a Exma. Sr.ª Administradora da massa insolvente de B………., LDA apresentou o parecer a que se refere o art. 188, nº 2 do C.I.R.E., entendendo que a insolvência da requerida deveria ser qualificada como culposa, devendo ser afectados pela qualificação ambos os sócios, C………. e D………. . O processo foi com vista ao Ministério Público, o qual discordou que os factos imputados aos sócios da insolvente praticados até 29.05.06 possam ser considerados suporte de qualificação da insolvência culposa, conformando-se com o demais do parecer emitido pela Srª Administradora. Cumpridas as formalidades previstas no art. l88°, nº 5 do C.I.R.E., veio o sócio C………. deduzir oposição, pugnando pela sua absolvição da qualificação de responsável pela culpa, pelo afastamento dos indícios de existência de culpa em relação ao mesmo. Respondeu à oposição, a credora e requerente da insolvência, E………. . Respondeu igualmente o Ministério Público pugnando pelo indeferimento da oposição. Instruídos os autos com diversos documentos foi lavrado despacho saneador e despacho com selecção dos factos assentes e base instrutória. Realizada a audiência de julgamento veio a ser proferida sentença que qualificou a insolvência de “B………., Lda”, nos termos do artigo 189º, nº 1 e 3 al. b), do C.I.R.E. como culposa, afectando a qualificação os sócios gerentes de C………. e D………. . Mais decretou a inabilitação de C………. e D………., por um período de dois anos, ficando ambos inibidos do exercício do comércio durante tal período de tempo, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa. Inconformado, veio D………. recorrer, de apelação, concluindo as suas alegações do seguinte modo: 1) Nos autos não se provou que a insolvência seja culposa. 2) Na verdade, ainda que se considere o circunstancialismo previsto no nº 3, alínea b) do artigo 186º do CIRE, não se demonstrou contudo que a actuação com culpa grave presumida criou ou agravou, em algum momento, a situação de insolvência da sociedade. 3) Dado o facto de o circunstancialismo previsto no nº 3 alínea b) do artigo 186º do CIRE, não se ter dado como provado não pode influir na qualificação da insolvência. 4) Ademais, atenta a data da verificação dos pressupostos da insolvência (Março ou Abril de 2003) e a data da entrada em vigor do diploma (artigo 3º do DL 200/2004, de 18/08) – 15.09.2004 – nenhuma responsabilidade poderia ser assacada ao gerente da insolvente, no que respeita à obrigação de elaboração e depósito das contas. 5) A decisão de que se recorre violou o disposto no artigo 186º, nº 1, 2 e 3, do CIRE. Finaliza pedindo que seja dado provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-se por outra que determine que a insolvência é fortuita. Não houve contra alegações. II São os seguintes os factos provados: A) - “Por sentença transitada em julgado, proferida em 13.6.2006, foi decretada a insolvência de “B………., Lda” pessoa colectiva ……… matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Ovar sob o nº 167, e sede na Rua ………., ………., Ovar; B) - “Em 2003 eram sócios gerentes C………. e D………. .”; C) - “Em 24 de Abril de 2005, no Cartório Notarial de Ovar, o sócio C………. declarou ceder a D………. a quota que detinha na sociedade insolvente, bem como declarou renunciar à gerência nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 44 a 48, cujo teor se dá por reproduzido”; D) - “Os factos referidos em C) [no ponto anterior] não foram registados na Conservatória do Registo Comercial competente.”; E) - “Em 3.7.2003 o sócio D………. constituiu uma sociedade unipessoal, denominada “F………., Lda.”, da qual é único sócio, sendo o objecto social desta a fabricação de obras de carpintaria, e a sede na Rua ………., …. – … ……….”; F) - “A sociedade unipessoal referida em E) encontra-se a laborar com o mesmo objecto, com a mão-de-obra da insolvente e no mesmo local.”. G) - “A Insolvente B………., Lda., deve à E………. desde 2003, o montante de diversas facturas que totalizam € 7.110,25, que dizem respeito à compra de madeira para a actividade normal da sociedade.”; H) - “O crédito das facturas referidas em G) sempre foi reconhecido pela insolvente.”; I) - “Que andou até 2006 a prometer que pagava.”; J) - “Nessa altura a insolvente tinha várias máquinas, veículos, e um estabelecimento comercial, e pelo menos as máquinas, em Maio de 2005 tinham um valor superior a 19.977,633.”; K) - “O sócio D………. após a constituição da sociedade referida em E) passou a aí laborar, para além do referido em F) com as mesmas máquinas e equipamentos que pertenciam à insolvente.”; L) - “A sociedade “F………., Lda.” não pagou à “B………., Lda” qualquer quantia pela cedência do estabelecimento.”. III O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer das matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artºs 684º nº 3 e 690º nº 1 e 3 do CPC).São as seguintes as questões a decidir: I - Os factos dados como provados são bastantes para qualificar a insolvência como culposa ? II – Atenta a data da verificação dos pressupostos da insolvência (Março ou Abril de 2003) e a data da entrada em vigor do diploma (artigo 3º do DL 200/2004, de 18/08) – 15.09.2004 – poderia ser assacada ao gerente da insolvente, responsabilidade por desrespeito da obrigação de elaboração e depósito das contas? Nos termos do artigo 185 do C.I.R.E., “a insolvência é qualificada como culposa ou fortuita”. Dispõe o artigo 186 do C.I.R.E. que: 1 — A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência. 2 — Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham: a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor; b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas; c) Comprado mercadorias a crédito, revendendo-as ou entregando-as em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente, antes de satisfeita a obrigação; d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros; e) Exercido, a coberto da personalidade colectiva da empresa, se for o caso, uma actividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da empresa; f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto; g) Prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência; h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor; i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no n.º 2 do artigo 188 º. 3 — Presume-se a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido: a) O dever de requerer a declaração de insolvência; b) A obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial. 4 — O disposto nos n.os 2 e 3 é aplicável, com as necessárias adaptações, à actuação de pessoa singular insolvente e seus administradores, onde a isso não se opuser a diversidade das situações. (…) Assim, nos termos do artigo 186°, nº 1 do CIRE a insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação dolosa ou com culpa grave do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência. O n° 2 do normativo em apreço enumera as situações em que a insolvência se considera sempre culposa, enquanto o n° 3 enumera as situações em que se presume a existência de culpa grave. A previsão dos dois números contempla situações diversas: enquanto a verificação das situações previstas no n° 2 do citado artigo conduz necessariamente à qualificação da insolvência como culposa, a verificação dos factos previstos no nº 3 apenas faz presumir, de forma ilidível, a existência de culpa grave. Mas mesmo verificando-se esta presunção, por não ter sido ilidida, exige-se ainda, para qualificar de culposa a insolvência, a prova de que a situação de insolvência foi criada ou agravada pela dita conduta culposa dos administradores. Sendo este o enquadramento jurídico, vejamos a ponderação que foi feita pela 1ª Instância: “(…) Desde logo, dúvidas não restam que in casu, verifica-se o circunstancialismo previstos na alª b) do nº 3 do artº 186º do CIRE. Constata-se face ao teor da certidão da C. R. C. de Ovar, junta aos autos que, não foram aí publicadas as contas dos anos dos exercícios dos três anos anteriores à apresentação da insolvência. Por outro lado, para além da insolvente e seus gerentes, não terem logrado ilidir esta presunção de culpa grave, o certo é que a restante matéria dada como provada, sempre levaria a concluir que de facto, a situação de insolvência foi, pelo menos, agravada em consequência da actuação, com culpa grave, dos seus administradores. Vejamos, desde 2003, que a insolvente deve à E………., para cima de € 7.000,00 e, a esta data, dispunha ainda no seu património, de pelo menos, várias máquinas, veículos e um estabelecimento comercial, e pelo menos as máquinas, em Maio de 2005 tinham um valor superior a 19.977,63, ou seja, de valor muito superior. (…) O sócio D………. em 3.7.2003, constituiu uma sociedade unipessoal, “F………., Lda” do qual é único sócio, sendo o objecto social desta a fabricação de obras de carpintaria. A sociedade unipessoal, encontra-se assim a laborar com o mesmo objecto, com a mão-de-obra da insolvente e no mesmo local passou a aí laborar, com as mesmas máquinas e equipamentos que pertenciam à insolvente. Ao que se apurou a sociedade “F………., Lda” não pagou à “B………., Lda” qualquer quantia pela cedência do estabelecimento. Por outro lado, por falta de aprovação e depósito de contas, não sabemos se foi efectivamente pago o equipamento cedido, pelo que, assim sendo, em nada ficou ilidida, antes pelo contrário, a presunção estabelecida na alª b) do nº 3 do art. 186º do CIRE. Por fim não podemos deixar de considerar que, e mesmo independentemente da existência de tal presunção de culpa grave (que como vimos, in casu, existe), toda a situação criada pelos gerentes da Insolvente, nos três anos anteriores à sua apresentação à Insolvência, que passou pela cedência de quotas e renúncia à gerência, em 2005 pelo sócio C………., culminando desta forma, o processo de “transferência” de trabalhadores, estabelecimento e equipamento, que, com o mesmo objecto social, passou a funcionar sobre outra denominação e sob a gerência de apenas um dos sócios – D………. -, com o consequente esvaziamento da insolvente, que mercê dessa “transferência” ficou sem pessoal, sem equipamento, sem instalações, e sem meio de poder laborar para solver suas dívidas anteriores, veio agravar, com culpa grave dos seus administradores a situação de insolvência da B………., Lda”. De tal ponderação resulta que a 1ª Instância estabeleceu a presunção de culpa grave da requerida com base na omissão do administrador que não publicou as contas dos exercícios dos três anos anteriores à apresentação da insolvência, remetendo-nos para a alª b) do nº 3 do artigo 186 do CIRE. Facto indesmentível por comprovado e não ilidido. Contudo, como o exige o nº 1 daquele artigo, é necessário para qualificar de culposa a insolvência, a prova de que a situação de insolvência foi criada ou agravada pela dita conduta culposa dos administradores. Aí, a sentença da 1ª Instância deslocaliza a relação de causalidade na criação ou agravamento da insolvência, para uma outra actuação da administração, no caso, a actuação do administrador que cedeu a sua quota e renunciou à gerência (facto de 2005), “culminando desta forma, o processo de “transferência” de trabalhadores, estabelecimento e equipamento, que, com o mesmo objecto social, passou a funcionar sobre outra denominação e sob a gerência de apenas um dos sócios – D………. -, com o consequente esvaziamento da insolvente, que mercê dessa “transferência” ficou sem pessoal, sem equipamento, sem instalações, e sem meio de poder laborar para solver suas dívidas anteriores”. Qual é a actuação (ou omissão) de culpa grave presumida (e no caso, não ilidida) que é imputada à administração? É a omissão de publicação das contas dos anos dos exercícios nos três anos anteriores à apresentação da insolvência (alª b) do nº 3 do artº 186º do CIRE). Qual é a actuação que, na opinião do Julgador “a quo” conduz ao agravamento da situação de insolvência? É a actuação do administrador que cedeu a sua quota e renunciou à gerência (facto de 2005), “culminando desta forma, o processo de “transferência” de trabalhadores, estabelecimento e equipamento, que, com o mesmo objecto social, passou a funcionar sobre outra denominação e sob a gerência de apenas um dos sócios – D………. -, com o consequente esvaziamento da insolvente, que mercê dessa “transferência” ficou sem pessoal, sem equipamento, sem instalações, e sem meio de poder laborar para solver suas dívidas anteriores”. Ora, toda esta actuação se mostra insuficiente para integrar qualquer das situações previstas do nº 2 do artigo 186, nomeadamente, o desaparecimento do património da empresa, pois que, embora, o equipamento da requerida surgisse a integrar o património de outra empresa, não se provou, por falta de elementos, que o mesmo não tenha sido liquidado, ou que aquele valor não tenha sido usado em proveito da insolvente. In casu, não pode ser imputada à insolvente e aos administradores apelantes qualquer conduta integradora das situações previstas no nº 2 do artº 186 do CIRE. Da norma do art. 186º nº 1 resulta claramente que para a insolvência ser qualificada como culposa é necessário que seja a actuação (ou omissão) que se qualificou como dolosa ou com culpa grave do devedor, e não outra, a concorrer, intercedendo em termos de causalidade, na criação ou agravamento da situação de insolvência. A insolvente, através dos seus administradores, não apresentou as contas anuais no prazo legal (al. b) do n.º 3), pelo que presume-se a existência de culpa grave (no caso, não ilidida. Mas será que a insolvência foi criada ou agravada por essa omissão? Para se qualificar a insolvência como culposa torna-se necessário que esse facto ou omissão tenha criado ou agravado a situação de insolvência, não bastando, a mera constatação objectiva desse comportamento omissivo. Ora, a factualidade apurada não permite responder em que é que o não depósito das contas contribuiu para a situação de insolvência. Nenhum facto vem provado, e nem sequer é alegada qualquer situação nesse sentido, de que se possa concluir que a situação de insolvência foi criada ou agravada por essa omissão dos administradores. O que, de resto, a sentença também não afirma. Que há culpa grave no incumprimento da citada obrigação - de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial - presume-se. Mas não se presume – e não vem provado – que o incumprimento dessas obrigações tenha determinado ou agravado a situação de insolvência do devedor. Não vêm, pois, demonstrados os requisitos da insolvência culposa, pelo que a mesma deve ter-se como fortuita, procedendo o recurso. IV Termos em que, acorda-se em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo administrador D………. e, em consequência revoga-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que considere e qualifique a insolvência de B………., LDA, como fortuita.Custas pela massa falida. Porto, 7 de Janeiro de 2008 Anabela Figueiredo Luna de Carvalho Maria de Deus Simão da C. Silva D. Correia António Augusto Pinto dos Santos Carvalho |