Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
654/12.5TJPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: MANDATO JUDICIAL
FALTA DE PROCURAÇÃO
PROCURAÇÃO
PROCEDIMENTO CAUTELAR
EXTENSÃO
SOCIEDADE DE ADVOGADOS
RATIFICAÇÃO DO PROCESSADO
PRINCÍPIO DA AQUISIÇÃO PROCESSUAL
Nº do Documento: RP20131202654/12.5TJPRT.P1
Data do Acordão: 12/02/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 36º, 40º, Nº 2, 515º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
ARTº 5º DO DL 229/04 DE 10/12
Sumário: I- Se o advogado praticou acto em juízo em nome da parte sem juntar procuração, protestando juntá-la, sem referir, contudo, que a mesma já estava outorgada, deve ser logo desencadeado o mecanismo previsto no artigo 40.º nº 2 do C.P.Civil.
II- O facto de no âmbito do procedimento cautelar, apenso a acção principal, estar junta procuração passada a favor de uma sociedade de advogados, não se pode considerar que existe mandato para a acção principal, se a advogada signatária da contestação não é sócia dessa sociedade nem consta dos advogados identificados naquela procuração.
III- O mandato conferido a apenas algum ou alguns dos sócios de uma sociedade de advogados não se considera automaticamente extensivo aos restantes sócios, havendo, pois que usar, para esse feito, o substabelecimento.
IV- O silêncio da parte não vale como ratificação do processado.
V- Os documentos juntos na providência cautelar podem ser usados pelo tribunal na acção principal, de acordo com o princípio da aquisição processual contido no artigo 515.º do C.P.Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 654/12.5TJPRT. P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, 2ª Vara Cível
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Caimoto Jácome
2º Adjunto Des. Macedo Domingues
5ª Secção

Sumário:

I- Se o advogado praticou acto em juízo em nome da parte sem juntar procuração, protestando juntá-la, sem referir, contudo, que a mesma já estava outorgada, deve ser logo desencadeado o mecanismo previsto no artigo 40.º nº 2 do C.P.Civil.
II- O facto de no âmbito do procedimento cautelar, apenso a acção principal, estar junta procuração passada a favor de uma sociedade de advogados, não se pode considerar que existe mandato para a acção principal, se a advogada signatária da contestação não é sócia dessa sociedade nem consta dos advogados identificados naquela procuração.
III- O mandato conferido a apenas algum ou alguns dos sócios de uma sociedade de advogados não se considera automaticamente extensivo aos restantes sócios, havendo, pois que usar, para esse feito, o substabelecimento.
IV- O silêncio da parte não vale como ratificação do processado.
V- Os documentos juntos na providência cautelar podem ser usados pelo tribunal na acção principal, de acordo com o princípio da aquisição processual contido no artigo 515.º do C.P.Civil.
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I-RELATÓRIO

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B…, C…, D… e E…, Lda intentaram nos juízos cíveis do Porto a presente acção declarativa de condenação sob o regime de processo civil experimental, nos termos do DL nº 108/2006 de 8/6, contra F… e G…, pedindo que sejam condenados os Réus a pagar ao 1º Autor a quantia de € 5.338,33, acrescida dos juros de mora, contados à taxa legal sobre o capital de €4680,00 desde a presente data até efectivo e integral pagamento, a pagar a cada uma das 2ª e 3ª Autoras a quantia de € 1779,51, acrescida dos juros de mora, contados à taxa legal sobre o capital de € 1560,00 desde a presente data até efectivo e integral pagamento, a pagar à sociedade 4ª Autora a quantia de € 4612,37 correspondente ao IVA ilegitimamente apropriado, bem como a pagar à 4ª Autora o valor de todos os bens retirados do estabelecimento comercial “H…”, acrescido da desvalorização que a desorganização dos meios do mesmo lhe provoca, a liquidar em momento oportuno, e que por ora estimam em quantia não inferior a €75.000,00.
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Alegam, em resumo que celebraram com os Réus uma cessão parcial de quotas, com cedência da exploração de um estabelecimento comercial explorado pela 4ª Autora, contrato que aqueles não cumpriram, estando em dívida determinadas prestações do preço da cessão das quotas, bem como se apropriaram indevidamente do IVA numa altura em que já haviam restituído aquele estabelecimento, do qual também retiraram e se apropriaram de bens dele integrantes, assim como o desvalorizaram em valor ainda não passível de liquidação.
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No final do respectivo articulado solicitaram para apensação o procedimento cautelar de arresto que sob o n.º 1056/11.6TJPRT corre termos na 1.ª secção do 1.º Juízo.
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Pedido esse que foi deferido por despacho datado de 23/04/2012, tendo sido apenso aquele procedimento cautelar aos presentes autos em 07/05/2012.
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Os Réus contestaram por impugnação e excepcionaram a incompetência relativa do tribunal em razão do valor bem como a caducidade da acção por não ter sido intentada, dentro do prazo assinalado no artigo 389.º nº 2 do C.P.Civil.
Para além disso deduziram pedido reconvencional requerendo que seja declarada a anulabilidade do negócio por erro no objecto do negócio e condenados os Autores nos termos impetrados na alínea C) do petitório.
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No final desse articulado protestaram os Réus juntar procuração.
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Os Autores em resposta pugnaram pela improcedência das excepções deduzidas.
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Admitida a reconvenção foi fixado à acção o valor de € 157.531,72 com base no que se julgou o tribunal Cível (3º Juízo) incompetente em razão do valor, atribuindo tal competência às Varas Cíveis do Porto.
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Transitado em julgado o citado despacho foram os autos remetidos àquelas Varas Cíveis.
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Recebidos os respectivos autos a Srª juiz do processo a quem foram distribuídos lavrou despacho do seguinte teor:
“Constata-se que a Il. Advogada que subscreveu a contestação apresentada nestes autos pelos RR não tem procuração outorgada por estes, os quais foram representados no procedimento cautelar apenso pelos Il. Advogados identificados na procuração de fls. 187.
Pelo exposto, notifique os RR para suprirem essa falta e ratificarem todo o processado, em 10 dias, sob a cominação prevista no art. 40º nº 2 do CPC.
Not.
Porto, ds”.
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Devidamente notificados, os Réus e a subscritora da contestação recovenção-Drª I…-nada vieram dizer aos autos.
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Face a tal silêncio a Srª juiz lavrou o seguinte despacho:
“Os RR F… e G… apresentaram contestação a fls. 37 a 64, subscrita pela Il. Advogada Dra I…, contudo, tal como se deu conta no despacho proferido a fls. 85 não foi junta qualquer procuração à supra Il. Advogada, nem sequer depois de devidamente notificados para efeitos do disposto no art. 40º nº 2 do CPC.
Assim sendo, nos termos previstos no art. 40º nº 2 do CPC, decorrido o prazo concedido no despacho proferido a fls. 85 sem que esteja regularizada a situação, considera-se sem efeito tudo o que foi praticado pela Il. Mandatária, inclusivamente a contestação apresentada, sendo esta condenada nas custas respectivas.
Notifique.
Porto”.
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De seguida foi proferida sentença que, considerando confessados os factos o articulados, julgou a acção procedente por provada e, consequentemente, condenou os Réus a pagar ao 1º Autor a quantia de € 5.338,33, acrescida dos juros de mora, contados à taxa legal sobre o capital de €4680,00 desde a presente data até efectivo e integral pagamento, a pagar a cada uma das 2ª e 3ª Autoras a quantia de € 1779,51, acrescida dos juros de mora, contados à taxa legal sobre o capital de € 1560,00 desde a presente data até efectivo e integral pagamento, a pagar à sociedade 4ª Autora a quantia de € 4612,37 correspondente ao IVA ilegitimamente apropriado, bem como a pagar à 4ª Autora o valor de todos os bens retirados do estabelecimento comercial “H…”, acrescido da desvalorização que a desorganização dos meios do mesmo lhe provoca, a liquidar em incidente prévio à execução, e que estão estimados em quantia não inferior a € 75.000,00.
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Não se conformando com o assim decidido vieram os Réus interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
1) A douta sentença deve ser revogada, na parte recorrida, por violar lei adjectiva e substantiva;
2) Os Réus contestaram a acção;
3) A contestação veio a ser declarada sem efeito por não ter sido junta ao processo procuração comprovativa dos poderes atribuídos à Advogada signatária da contestação.
4) No entanto, os Autores na sua douta Petição Inicial requereram a apensação a estes autos principais do procedimento cautelar n.º 1056/11.6TJPRT que correu termos pelo 1.ªSecção do 1.º Juízo do Tribunal Cível do Porto.
5) Em tal procedimento cautelar os ali Requeridos e aqui Apelantes por requerimento junto aos autos, via fax, com data de 26/01/2012, pelas 12h.10m, estavam devidamente representados por Mandatário, com poderes forenses GERAIS e ESPECIAIS.
6) Pelo exposto, in casu, jamais se colocou a questão de falta de mandato.
7) Porque, nestes autos, os RR. sempre tiveram e têm Mandatária, mormente, a Sociedade de Advogados “J…, R.L., pessoa colectiva n.º ………, actualmente com sede na Rua …, Entrada …, ..º Andar, sala ., ….-… Porto.
8) Tanto que, quer a sociedade Mandatária, quer os Mandantes, jamais renunciaram ou revogaram a procuração.
9) A procuração a favor da Mandatária “J…, R.L., confere poderes para substabelecer.
10) Logo, se o tribunal a quo tinha dúvidas quanto à existência de mandato a favor da signatária da contestação, devia notificar a Mandatária constituída no procedimento cautelar e perguntar se esta tinha substabelecido.
11) Efectivamente, estando os Recorrentes devidamente representados por Mandatária forense, com poderes forenses gerais e especiais, inclusivamente, com faculdade de substabelecer, o silêncio daqueles e da Advogada que subscreveu a procuração devia ser entendido como ratificação do processado.
12) Isto porque, esta interpretação do silêncio dos Recorrentes não prejudica nenhuma das partes.
13) Sendo certo que, existe analogia entre esta questão e a nulidade ou anulabilidade da sentença por confissão, desistência ou transacção prevista no art.º 301.º, n.º 3 do CPC, por falta de poderes do mandatário judicial ou da irregularidade do mandato.
14) Pelo que, seja insofismável que deve a contestação ser admitida, seguindo o processo os ulteriores termos legais, uma vez que, os RR. sempre estiveram devidamente representados em juízo.
15) Sem prejuízo o supra alegado, impunha-se que o Tribunal conhecesse oficiosamente de outras matérias, maximé, as excepções dilatórias.
16) O art.º 495º do CPC estipula que “O tribunal deve conhecer oficiosamente de todas as excepções dilatórias (…)”.
17) Razão pela qual o art.º 668.º, n.º 1, alínea d) do CPC cristaliza que “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”.
18) Ora, essas questões, “são os pontos de facto e/ou de direito concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções”.
19) Com efeito, a presente acção foi proposta sob a forma do Regime Processual Experimental previsto no DL n.º 108/2006, de 08 de Junho. Regularmente citados para a acção, os Réus contestaram, tendo essa contestação vindo a ser declarada sem efeito. Concluso o processo, a Exma. Srª. Juiz proferiu decisão, limitando-se a considerar confessados os factos alegados e a aderir aos fundamentos invocados na petição inicial, condenando os Réus no pedido.
20) Não curou de conhecer na sentença dos pressupostos processuais ou outras questões que fossem de conhecimento oficioso e que pudessem levar à absolvição da instância, máxime, a legitimidade das partes.
21) A lei impõe ao Juiz que tome posição expressa-sob pena de omissão de pronúncia -, não só sobre todas as questões que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do Tribunal, mas também sobre as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o Tribunal deva conhecer, independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.
22) O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 09/07/2009, consagra que em acção declarativa, não contestada (ou em que a contestação venha a ser declarada sem efeito), intentada sob a forma do regime processual experimental previsto no DL nº 108/2006, de 08.06, é nula, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto na 1ª parte da al. d), do nº 1, do art.º 668º, do CPC, a sentença que não conhece oficiosamente das excepções dilatórias nos termos do disposto no art. 495º do CPC”.
23) Assim, não tendo a Exma. Srª. Juiz conhecido, em momento algum do processo, “máxime” na sentença, de quaisquer excepções dilatórias, “maxime” da legitimidade das partes, verifica-se a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto na 1ª parte da al. d), do n.º 1, do art.º 668º, do CPC.
24) Ainda sem conceder, plasma a al. d), do art.º 485º, do CPC, que não se aplica o disposto no art.º 484º do mesmo diploma, isto é, não se consideram confessados os factos articulados pelo autor, “quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito”.
25) O Acórdão do STJ, de 17-06-1997, fixa jurisprudência no sentido de que: “[a] confissão, por falta de contestação, não supre a prova documental exigida por lei (…)”.
26) Ora, no caso em voga, tratando-se de uma dívida resultante de um contrato de cessão de quotas, contrato prometido de anterior contrato-promessa, torna-se imperioso a prova documental da existência efectiva desse contrato e das sua condições acessórias e complementares, sob pena de não se poder afirmar a existência de qualquer dívida.
27) Valendo a pena esclarecer que na petição Inicial–art.ºs 45.º a 47.º–os próprios Autores trazem ao processo grande parte da versão dos Recorrentes sob o thema decidendum;
28) Com evidentes implicações, quer nos trâmites processuais, incompatíveis, desde logo com a supressão de fases do processo, mormente a instrução e o julgamento, quer no desfecho do litígio;
29) Pelo exposto, a adesão aos factos articulados pelos Autores, por suposta confissão dos factos pelos Réus, carece de justificação e fundamentação legal.
30) Desta forma, outra consequência não é de esperar senão a de que este Tribunal ordene o regresso de todo o processo à fase dos articulados, assegurando, portanto, os seus trâmites normais, podendo assim proceder-se à produção de prova, inclusive, ao depoimento de testemunhas de importância crucial para a descoberta da verdade material controvertida, princípio que afinal deve reger o Direito em geral, e o Processo Civil em particular;
31) Assim, apodíctico é que sentença recorrida violou, entre outros, os seguintes preceitos legais: art.ºs 32.º, n.º 1, alínea a); 40.º, n.º 2; 301.º, n.º3; 484.º, 485.º, alínea d); 495.º, 660.º, n.º 1; 668.º, n.º 1,alínea d) todos do CPC todos do Código Civil.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Após os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. arts. 684.º, nº 3, e 685.º-A, nº 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são as seguintes as questões a decidir:

a)- saber se os Réus estavam ou não devidamente patrocinados em juízo;
b)- saber se verifica a nulidade da decisão por omissão de pronúncia;
c)- saber se o tribunal recorrido podia ou não dar como confessados factos que só por documento podiam ser provados.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos a ter em consideração para a decisão do recurso são os constantes do relatório supra.
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III. O DIREITO
A primeira questão que vem posta nos recurso prende-se como atrás se referiu:
a)- em saber se os Réus estavam ou não devidamente patrocinados em juízo

O patrocínio judiciário constitui, nos casos em que a lei o exige, um pressuposto processual, implicando a representação das partes por advogado e tem na sua base o contrato de mandato e como justificação a necessidade, só dispensada nos casos de menor valor, da actuação no processo de profissionais, munidos de preparação técnico-jurídica indispensável à defesa dos seus interesses.
O mandato é uma modalidade do contrato de prestação de serviços, através do qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta de outrem (art. 1157.º do CPC).
O mandato judicial, diz-nos o art. 35.º nº 1 do CPCivil, pode ser conferido:
a) Por instrumento público ou por documento particular, nos termos do Código do Notariado e da legislação especial;
b) Por declaração verbal da parte no auto de qualquer diligência que se pratique no processo.
No caso em apreço os Réus, no final da sua contestação, protestaram juntar procuração, portanto, com aquele articulado não foi junto o instrumento público (procuração) a conferir o mandato judicial.
Ora, dispõe o artigo 40.º do C.P.Civil a este respeito:
1. A falta de procuração e a sua insuficiência ou irregularidade podem em qualquer altura, ser arguidas pela parte contrária e suscitadas oficiosamente pelo tribunal.
2. O juiz fixa o prazo dentro do qual deve ser suprida a falta ou corrigido o vício e ratificado o processado. Findo este prazo sem que esteja regularizada a situação, fica sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário, devendo este ser condenado nas custas respectivas e, se tiver agido culposamente, na indemnização dos prejuízos a que tenha dado causa.
3. (...)”
Resulta claramente do preceituado nº 2, que a supressão da falta da procuração no processo é alcançada com duas actuações a considerar:
1ª Junção de procuração.
2ª Ratificação do processado entretanto feito.
Cumpre sublinhar que a Srª Advogada signatária da contestação, no final protestou juntar procuração, todavia, jamais afirmou, ou sequer deu a entender, que a mesma já estava outorgada.
Como assim, bem andou a Srª juiz do processo em desencadear logo o mecanismo previsto no artigo 40.º nº 2 do diploma citado.[1]
Acontece que, tendo quer os Réus quer a Srª advogada signatária da contestação sido notificados nos termos do nº 2 daquele normativo, não foi junta aos autos e, no prazo aí assinalado, a respectiva procuração, em razão de que, a Srª juiz, deu sem efeito a contestação.
Alegam agora os recorrentes que junto aos autos da providência cautelar de arresto, apensos a estes, os Réus (ali requeridos) sempre tiveram e têm Mandatária, mormente, a J…, R.L., pessoa colectiva n.º ………, actualmente com sede na Rua …, Entrada …, ..º Andar, sala ., ….-… Porto, tanto que, quer a sociedade Mandatária, quer os Mandantes, jamais renunciaram ou revogaram a procuração, além de que, a procuração a favor da Mandatária “J…, R.L.”, confere poderes para substabelecer.
Tudo isso se afigura certo, como certo é também que nos termos do nº 1 do artigo 36.º do C.P.Civil o mandato atribui poderes ao mandatário para representar a parte em todos os actos e termos do processo principal e respectivos incidentes bem como nos poderes que lei presume conferidos ao mandatário está incluído o de substabelecer o mandato-nº 2 da mesma disposição.
A verdade, porém, é que a advogada signatária da contestação, não consta dos advogados identificados na procuração de fls. 187 da providência cautelar.
Acresce que, dos autos também não consta que a referida advogada faça parte da citada sociedade de advogados, além de que, como decorre dos nº 6 e 7º do artigo 5.º do D.Lei n.º 229/2004, de 10 de Dezembro-Regime Jurídico das Sociedades de Advogados-:
6- “As procurações forenses devem indicar obrigatoriamente a sociedade de que o advogado ou advogados constituídos façam parte”
7- “Sem prejuízo da faculdade de substabelecer nos termos gerais, o mandato conferido a apenas algum ou alguns dos sócios de uma sociedade de advogados não se considera automaticamente extensivo aos restantes sócios”.
Portanto, não se verificando qualquer das situações referidas, o tribunal não tinha, ao contrário do que afirmam os recorrentes, que pedir qualquer informação, designadamente, à referida sociedade para saber se tinha substabelecido na advogada signatária da contestação.
O tribunal, não se verificando qualquer das situações atrás aludidas, fez aquilo que as regras processuais ditam para estes casos, ou seja, notificou quer os réus quer a advogada signatária da contestação para juntar procuração e ratificar o processado.
Eram os réus ou a advogada signatária da contestação que tinham o dever e o ónus de providenciar pelo suprimento da falta de procuração juntado, para o efeito aos autos, ou procuração ou substabelecimento (daquela sociedade e de qualquer dos advogados constantes da respectiva procuração) a favor da respectiva advogada, havendo também que ratificar o processado se disso fosse caso.
Ao longo das suas alegações os recorrentes insistem em dizer que os réus estão devidamente representados com poderes forenses gerais e especiais, inclusivamente, com faculdade de substabelecer.
Todavia, essa asserção é apenas certa para os autos de providência cautelar, já não para os termos da acção principal. Em relação a esta só seria assim se, a contestação, tivesse sido subscrita por qualquer dos advogados que figurava na procuração constante daquele procedimento, o que, como se disse, não é o caso.
E, por assim ser não vale a pena esgrimir com a similitude da situação decorrente do disposto no artigo 301.º nº 3 do C.P.Civil.
As situações são completamente distintas.
No caso em apreço verifica-se falta de mandato, enquanto que na situação descrita no artigo 301.º nº 3 do diploma citado o que acontece é que, a nulidade, referente à confissão, desistência ou transacção, advém unicamente da falta de poderes do mandatário ou da irregularidade do mandato, todavia, tal mandato existe.
Por outro lado, não se entende a referência à ratificação do processado.
Na verdade, se se entendesse, como pretendem os recorrentes, que estavam devidamente patrocinados nesta acção por referência à constituição de mandatário no âmbito da providência cautelar, então não era necessário proceder à ratificação do processado, porque já existia mandato validamente constituído também para a acção principal.
Mas para além disso, nunca este silêncio poderia valer como declaração negocial e, portanto, ratificação do processado.
Efectivamente, nos termos do artigo 218.º do C.Civil o silêncio só vale como declaração negocial, quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção, sendo que, a expressão introdutória do preceito “o silêncio vale” tem claramente o sentido de “o silencia só vale”.[2]
O silêncio é, em si mesmo, insignificativo e, quem cala, pode comportar-se desse modo pelas mais diversas causas, pelo que deve considerar-se irrelevante-sem querer dizer sim, nem não-um comportamento omissivo.[3]
Como diz Mota Pinto[4] o silêncio não tem qualquer valor como declaração negocial, em principio, não é eloquente. Só deixara de ser assim quando a lei, uma convenção ou o uso lho atribuam. Não basta ter-se estabelecido um dever de responder. É necessário que resulte da lei, de convenção ou de uso que a ausência de resposta tem um certo sentido.
Ora, não existe disposição legal que estabeleça que o silêncio, no caso, vale como ratificação do processado. A disposição legal aqui aplicável é o artigo 268.º do C.Civil e, o nº 2 do citado preceito, estatui que a ratificação está sujeita à forma exigida para a procuração, daí que não possa resultar de um comportamento omissivo aquela ratificação.
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Destarte, não tendo sido regularizada a situação decorrente da falta de mandato, impunham-se as consequências previstas no citado artigo 40.º nº 2 do C.P.Civil, nada havendo, pois, a censurar no despacho que deu sem efeito a contestação apresentada pelos Réus.
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b)- a nulidade da decisão por omissão de pronúncia

Algam agora os recorrentes que a sentença prolatada padece da nulidade consignada no artigo 668.º nº 1 al. d) do C.P.Civil por o tribunal não ter conhecido das excepções dilatórias, designadamente da legitimidade das partes.
As causas de nulidade da Sentença vêm taxativamente enunciadas no artigo 668.º nº 1 do Código de Processo Civil.
A nulidade invocada pelos apelantes encontra-se referida no nº 1, al. d) do citado preceito que estatui que a sentença é nula quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Como refere Alberto dos Reis[5] a nulidade estabelecida na alínea d) do nº 1 do artigo 668.º do C.P.Civil, já atrás citada, está em correspondência directa com o artigo 660.º nº 2 do mesmo diploma, imponde-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação.[6]
Evidentemente que, nos termos do nº 1 do artigo 660.º, a sentença deve conhecer, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância e, portanto, das respectivas excepções dilatórias.
A lei impõe, assim, ao juiz que tome posição expressa-sob pena de omissão de pronúncia-, não só sobre todas as questões que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do tribunal (nº 2 do artigo 660.º), mas também sobre as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer, independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.
Ora, as excepções dilatórias devem ser, em princípio, apreciadas e julgadas no despacho saneador [artigo 510.º nº 1 al. a) do C.P.Civil], todavia, pode acontecer que, ou por falta de elementos ou por o processo não comportar tal despacho, como acontece no caso em apreço, que esse conhecimento seja feito em momento posterior, designadamente, na sentença.
Mas, isso é assim, quando, de facto, os autos evidenciarem que se verificam tais excepções, pois que, se tal não acontecer o tribunal não tem que se pronunciar sobre elas.
Todavia, respigando as alegações recursivas, confessamos, salvo o devido respeito, que, neste segmento, não se alcança o seu sentido.
Com efeito, o que delas parece resultar é que em acção declarativa, não contestada (ou em que a contestação venha a ser declarada sem efeito), intentada sob a forma do regime processual experimental previsto no DL nº 108/2006, de 08.06, é nula, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto na 1ª parte da al. d), do nº 1, do art.º 668º, do CPC, a sentença que não conhece oficiosamente das excepções dilatórias (…) maxime da legitimidade das partes.
Cremos, salvo outro e melhor entendimento, que se não pode acompanhar esta asserção.
Como já supra se referiu, tendo a Srª juiz do processo dado sem efeito a contestação apresentada, passou de imediato para a fase seguinte do processo, ou seja, considerou confessados os factos articulados nos termos do 15º nº 4 do DL nº 108/2006 e, aderindo aos fundamentos constantes da petição inicial que se lhe afiguravam suficientes para a procedência do pedido formulado, julgou a acção procedente.
Por via de regra, nessas situações, como no caso da revelia operante nos termos do artigo 484.º do C.Civil, a sentença conduzirá à condenação do pedido formulado na petição inicial, porém, nem sempre é esse o desfecho necessário da acção.
Efectivamente, para além dos casos em que os factos confessados não justificam, em face do direito aplicável, a condenação do réu, pode o juiz absolvê-lo da instância, com fundamento na verificação de qualquer excepção dilatória, de que possa conhecer ex officio.
Porém, a absolvição da instância pela procedência de qualquer excepção dilatória só ocorre quando, efectivamente, ela se verifica, pois que, não sendo esse o caso, o juiz, na respectiva decisão, há-de limitar-se a verificar se, os factos considerados confessados, conduzem ao deferimento da pretensão formulada pelo autor.
Portanto, a Srª juiz do processo, proferindo a decisão nos termos em que o fez é porque, após o estudo do processo, verificou que não existia qualquer excepção dilatória, nomeadamente, a ilegitimidade das partes, que obstasse ao conhecimento do mérito da causa.
É que, a pergunta que ocorre fazer é esta: ocorria ilegitimidade das partes?
E de que partes? Dos réus ou dos autores?
Como quer que seja, tal qual os autores configuram a relação material controvertida não se verifica tal excepção dilatória.
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c)- saber se o tribunal recorrido podia ou não dar como confessados factos que só por documento podiam ser provados.

Neste segmento alegam os recorrentes que tratando-se de uma dívida resultante de um contrato de cessão de quotas, contrato prometido de anterior contrato-promessa, torna-se imperioso a prova documental da existência efectiva desse contrato, sob pena de não se poder afirmar a existência de qualquer dívida.
De facto, como decorre da alínea d) do artigo 485.º do C.Civil não se aplica a o efeito cominatório quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito, pelo que não é pelo facto de não haver contestação que a confissão do facto supre a prova documental exigida por lei.
Ora, dúvidas não existem de que nos ternos do artigo 228.º nº 1 do C. das Sociedade Comerciais a transmissão de quotas deve ser reduzida a escrito, não sendo, pois, a circunstância, de não ter havido contestação, que prova a realização do respectivo contrato.
Acontece que, ao contrário do que referem os recorrentes, o respectivo contrato de cessão de quotas foi junto aos autos da providência cautelar, como, de resto, os autores a ele fazem referência no artigo 10.º da petição inicial (documento nº 3 junto a esses autos), sendo que, como é evidente, tais meios de prova, podem ser usados na decisão a proferir na decisão principal, de acordo, aliás, com o princípio da aquisição processual contido no artigo 515.º do C.P.Civil.[7]
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Como assim, também aqui, não existe, como reclamam os recorrentes, valoração incorrecta da revelia.
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Diante do exposto, improcedem na totalidade as conclusões formuladas pelos recorrentes e, com elas, o respectivo recurso.
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IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente por não provada, confirmando, assim, a decisão recorrida.
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Custas pelos apelantes sem prejuízo da decisão que venha a ser proferida sobre o pedido de apoio judiciário (artigo 446.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 2 de Dezembro de 2013
Manuel Domingos Fernandes
Caimoto Jácome
Macedo Domingues
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[1] Como refere Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado vol.I, pág. 81 “Enquanto o art. 33.º se ocupa dos casos em que a parte haja intervindo no processo sem ter constituído advogado, o art. 40.º trata daqueles em que tenha intervindo advogado ou solicitador sem procuração ou com procuração insuficiente (concederam-se poderes, mas não para o acto praticado) ou irregular (não foram observados os requisitos de forma do art. 35)”. E acrescenta: “Diversa é a situação em que o advogado protesta juntar procuração, que tenha invocado mas não haja acompanhado a peça em que a invoque, caso este em que apenas ele deve ser notificado para a juntar, sem sujeição imediata à cominação da 2ª parte do nº 2; só se naõ o fizer no prazo que lhe for fixado é que se segue a aplicação do regime do artigo, « por tudo se passar como se ocorresse falta de mandato”
[2] Cfr. Pires de Lima e A. Varela em anotação ao artigo citado no Código Civil Anotado.
[3] Cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed. pág. 427.
[4] Obra citada na nota anterior, pág. 428.
[5] Código de Processo Civil Anotado Vol. V, pág. 142 e ss.
[6] Essas questões “são os pontos de facto e/ou de direito concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções” – cf. Ac. STJ de 31.05.2005, Procº 05B1730, in www.dgsi.pt
[7] Cfr. neste sentido Abrantes Geraldes in Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. III, pág. 131.