Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0725308
Nº Convencional: JTRP00041028
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: VALOR
ACÇÃO
PROPOSITURA DA ACÇÃO
Nº do Documento: RP200801290725308
Data do Acordão: 01/29/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFLITO COMPETÊNCIA.
Decisão: ATRIBUÍDA A COMPETÊNCIA.
Indicações Eventuais: LIVRO 263 - FLS 20.
Área Temática: .
Sumário: Para determinação do valor da acção, deve atender-se ao momento em que a acção é proposta, em que a petição inicial dá entrada na secretaria do tribunal, e não ao momento em que se estabiliza a instância com a citação do réu.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO.
O MP requereu a resolução do conflito negativo de competência suscitado entre os M.mos Juízes do .º Juízo Cível, .ª Secção do Porto e a .ª Vara Cível, .ª Secção do Porto, que se julgaram incompetentes para preparar e julgar a acção declarativa de condenação, emergente de acidente de viação, com o nº …/07.5TVPRT, que B………. intentou contra Companhia de Seguros C………., S.P.A.
As autoridades em conflito foram notificadas nos termos e para os fins do art. 118º, n.º 1 do CPC, mas nada disseram.
O MP junto deste Tribunal teve vista, nada tendo dito.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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É útil a consignação dos seguintes factos, documentados nos autos:
1. No processo n.º …/07.5TVPRT, acção declarativa de condenação, emergente de acidente de viação, que B………. intentou contra Companhia de Seguros C………., S.P.A., foi proferido, pelo Mmo Juiz da .ª Vara, .ª Secção do Porto, o seguinte despacho:
Considerando que:
- o A. intentou a presente acção, a que atribuiu a forma ordinária, em 16.02.07, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 14.952,10, a título de danos patrimoniais por ele sofridos, atribuindo à acção o referido valor de € 14.952,10;
- é a esse valor que se deve atender para se determinar a competência do tribunal, a forma do processo aplicável e a relação da causa com a alçada do tribunal, sendo indiferente que, já depois de proposta a acção, o A. tenha ampliado o pedido, ao abrigo do art. 273º, nºs 2 e 6 do CPC, para o valor de € 17.866,00;
- sendo o valor de € 14.952,10, o mesmo é inferior à alçada da Relação;
determinou a alteração da forma do processo para processo sumário, julgou procedente a excepção de incompetência e declarou-se incompetente para preparar e julgar a acção, em razão do valor da causa e da forma do processo, e ordenou a remessa do processo aos Juízos Cíveis do Porto.
2. Na sequência da referida decisão, o processo foi remetido, tendo o Mmo Juiz do .º Juízo Cível, .ª Secção do Porto, a quem o processo foi distribuído, proferido o seguinte despacho:
Considerando que:
- a ampliação do pedido foi realizada em 22.02.07, antes da citação da ré que ocorreu em Março de 2007;
- pelo que não se encontravam, ainda, estabilizados os elementos da instância,
- não se estando perante uma ampliação do pedido, mas perante uma modificação objectiva, que consubstancia rectificação do pedido, que deveria ter sido admitida, passando a ser esse o valor da acção;
- atento o novo valor atribuído, são competentes para preparar e julgar a acção as Varas Cíveis,
julgou-se incompetente para a tramitação da acção.
3. Ambos os despachos transitaram em julgado, embora tal tenha acontecido, em primeiro lugar, ao referido em 1.
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A questão que é suscitada no presente conflito de competência é a de decidir se a acção de indemnização por acidente de viação, intentada por B………., deve ser preparada e julgada na .ª Vara, .ª Secção Cível ou no .º Juízo, .ª Secção Cível, ambos do Porto.
A discordância das decisões em causa assenta, fundamentalmente, na competência em função do valor da acção, mas, também, suscita uma questão de competência intrajudicial e funcional a resolver.
Como escreve Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, pág. 106, “subsistem, porém, como órgãos jurisdicionais autónomos, integrados por juízes privativos, e dotados de competência para a preparação e julgamento das causas, de valor superior à alçada da Relação e cuja tramitação preveja a intervenção “normal” do colectivo, as varas cíveis (verdadeiros tribunais de estrutura colectiva, funcionalmente diferenciados dos juízos cíveis) – cfr. arts. 97º, 99º e 105º, n.º 3, da Lei n.º 3/99”.
Dispõe o art. 97º, n.º 1, al. a) da L.O.F.T.J. (L. 3/99 de 13.01) que “compete às varas cíveis: a) a preparação e julgamento das acções declarativas cíveis de valor superior à alçada do tribunal da Relação em que a lei preveja a intervenção do tribunal colectivo”.
A alçada do Tribunal da Relação é de € 14.963,94 (art. 24º da referida lei, com a redacção dada pelo DL. n.º 323/2001 de 17.12).
E o art. 99º da mesma lei estatui que “compete aos juízos cíveis preparar e julgar os processos de natureza cível que não sejam de competência das varas cíveis e dos juízos de pequena instância cível”.
Em 16.02.07, B………. intentou contra Companhia de Seguros C………., S.P.A., acção declarativa de condenação, emergente de acidente de viação, sob a forma de processo ordinário, nas Varas Cíveis do Porto, tendo ao processo sido atribuído o n.º …/07.5TVPRT, que foi distribuído à .ª Vara, .ª Secção.
O A. pedia a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 14.952,10, a título de danos patrimoniais por ele sofridos, e atribuiu à acção o referido valor de € 14.952,10.
Posteriormente, antes que a R. fosse citada, o A. apresentou novo requerimento aos autos, no qual requereu a ampliação do pedido, ao abrigo do art. 273º, nºs 2 e 6 do CPC, para o valor de € 17.866,00.
Atendendo ao valor da acção indicado na P.I., o processo deveria seguir os termos do processo sumário (art. 462º do CPC), sendo competente para a sua preparação e julgamento, o juiz singular dos Juízo Cíveis (arts. 97º, n.º 1, al. a) e 99º da L.O.F.T.J. e 791º, n.º 1 do CPC ) – assim o entendeu e decidiu o Mmo Juiz da .ª Vara Cível.
Atendendo ao valor da acção resultante da ampliação do pedido, o processo seguiria os termos do processo ordinário (art. 462º do CPC), sendo competente para a sua preparação e julgamento o juiz da Vara Cível (arts. 97º, n.º 1, al. a), 99º, 105º, n.º 3 e 107º, n.º 1, al. b) da L.O.F.T.J. e 646º, nºs 1 e 5 do CPC) – assim o entendeu e decidiu o Mmo Juiz do 4º Juízo Cível.
A discordância subjacente ao presente conflito de competência assenta na questão de saber se se deverá atender ao valor da acção indicado na P.I. ou ao valor da acção resultante da ampliação do pedido.
Dispõe o art. 308º, n.º 1 do CPC que “na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a acção é proposta”, prevendo o n.º 2 do mesmo artigo como excepção, apenas, “o caso do réu deduzir reconvenção ou de haver intervenção principal, em que o valor do pedido formulado pelo réu ou pelo interveniente, quando distinto do deduzido pelo autor, se soma ao valor deste; mas esse aumento de valor só produz efeitos no que respeita aos actos e termos posteriores à reconvenção ou à intervenção”.
E o art. 267º, n.º 1 do CPC dispõe que “a instância inicia-se pela proposição da acção e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida na secretaria a respectiva petição inicial, sem prejuízo do disposto no art. 150º”.
“A acção considera-se proposta ou instaurada no preciso momento em que a entrega da petição é inscrita no livro de registo de entradas da secretaria, devendo o recebimento ser ainda averbado no original da petição” – A. Varela, M. Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual da Processo Civil, pág. 252).
O momento exacto da propositura da acção é o da entrega da petição inicial na secretaria (cfr. M. Domingues de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, pág. 114).
Uma coisa é o momento em que se considera proposta a acção - com a entrada da P.I. na secretaria do tribunal – outra coisa o momento a partir do qual a mesma produz efeitos em relação ao réu - só a partir do momento da sua citação (art. 267º, n.º 2 do CPC).
E compreende-se que a lei estabeleça momentos diferentes.
Por um lado, há que estabelecer o momento em que se considera proposta a acção, em virtude da sua relevância, nomeadamente para o efeito do impedimento da caducidade (é aquele momento que releva para o efeito de saber se a acção foi proposta em tempo oportuno ) e da pendência da causa (tem importância decisiva quanto às leis novas que ressalvem as acções pendentes) – cfr. Domingues de Andrade, ob. e loc. citados.
Por outro lado, há que estabelecer o momento a partir do qual a acção produz efeitos em relação ao réu, atento o disposto no art. 481º do CPC.
E para determinação do valor da acção, a lei - artigo 308º, n.º 1 do CPC – manda atender ao momento em que a acção é proposta, logo ao momento em que a petição inicial dá entrada na secretaria do tribunal, e não ao momento em que se estabiliza a instância, com a citação do réu (art. 268º e 481º, al. b) do CPC).
Isto é, para determinar o valor da acção há-de atender-se ao valor indicado na P.I.
Em anotação ao art. 313º do CPC39 (com redacção semelhante ao art. 308º do CPC) escrevia Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Vol. I, pág. 411 que “o artigo contém uma regra e uma excepção. Regra: Para a determinação do valor deve atender-se ao momento em que a acção é proposta. Quer dizer, as partes, ao indicarem ou impugnarem o valor, e o tribunal ao fixá-lo, hão-de reportar-se ao estado das coisas na data da propositura da acção. O valor da causa é o resultante da configuração económica dela tal como se apresenta no momento da proposição e por isso tal como se acha estruturada na petição inicial. Os eventos posteriores são, em princípio, irrelevantes, ainda que tenham alterado a utilidade económica do pleito. Excepção: exceptua-se o caso de o réu deduzir reconvenção. ...” (e, agora, também o caso de haver intervenção principal e o interveniente deduzir pedido distinto do deduzido pelo autor).
De forma mais desenvolvida, já no Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, págs. 649 a 651, Alberto dos Reis escrevia, em anotação o mencionado artigo, que o princípio fundamental do mesmo era o da imutabilidade do valor da causa, fixado em atenção ao momento da propositura da acção. “Por outras palavras: irrelevância das alterações de valor resultantes de factos posteriores à propositura da acção. ...Ora a verdade é que o litígio pode sofrer, em virtude de ocorrências posteriores, alterações importantes com repercussão visível na sua utilidade económica. ... É lícito ao autor alterar o pedido inicial, nos termos do art. 278º (actual art. 273º do CPC61). ... Pois bem: estas alterações não exercem influência alguma sobre o valor da causa. Embora o litígio se tenha modificado, embora a utilidade económica do pleito tenha sofrido aumento ou diminuição, a acção conserva o mesmo valor processual que tinha no início. Fixado o valor em atenção ao pedido formulado pelo autor na petição inicial, esse valor processual mantém-se, em princípio, quaisquer que sejam as vicissitudes e ocorrências posteriores. ... Imagine-se que o autor reduz o pedido na réplica e que as partes estão em desacordo quanto ao valor. Findos os articulados o juiz vai fixar o valor. Há-de fixá-lo, tomando em consideração o pedido, tal como fora formulado na petição, sem querer saber da redução que o autor fez na réplica. Eis o comando claramente exarado no primeiro período do art. 313º”.
Também Salvador da Costa, in Incidentes da instância, pág. 33, a propósito do art. 308º do CPC, escreve que “o n.º 1 prevê o momento relevante para a determinação do valor processual, e estatui que para o efeito releva a data em que a acção foi proposta. Trata-se de uma regra geral no sentido de que o valor processual da causa consubstancia a sua utilidade económica, configurada na petição inicial, independentemente de depois disso algum facto a haver alterado. ... Em consequência, a redução, ampliação ou a desistência do pedido nos termos dos artigos 272º, 273º, nºs 2 a 4 e 6, e 295º, n.º 1 ou a absolvição do autor ou do réu reconvinte de algum dos pedidos à luz do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 510º, quedam irrelevantes no que concerne ao valor processual da causa”.
Assim sendo, e voltando ao caso sub judice, o valor da acção é o indicado na petição inicial - € 14.952,10 –, independentemente da ampliação posterior (mesmo que anterior à citação da ré), e sendo o mesmo inferior ao valor da alçada da Relação, o tribunal competente para preparar e julgar a acção é o .º Juízo, .ª Secção Cível do Porto.
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DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em atribuir ao .º Juízo Cível, .ª Secção, do Porto competência para conhecer da acção declarativa aqui em questão.
Sem custas.
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Porto, 2008.01.29
Cristina Maria Nunes Soares Tavares Coelho
Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires
Mario João Canelas Brás