Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0554261
Nº Convencional: JTRP00038360
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: INJUNÇÃO
VALOR
DÍVIDA
DEVEDOR
Nº do Documento: RP200509260554261
Data do Acordão: 09/26/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: I - Sendo o valor da dívida superior à alçada do tribunal da 1ª instância o Autor/Requerente apenas poderá fazer uso da providência de injunção se estiver em causa uma “transacção comercial”, devendo os RR/Requeridos assumir a qualidade de empresa, por tal providência (nos casos em que o valor da dívida é superior à alçada do tribunal da 1ª instância) não pode ser usada contra consumidores.
II - Nos casos em que o Autor/Requerente faça uso indevido e inadequado de tal providência verifica-se uma excepção dilatória inominada, que impõe a consequente absolvição dos RR. da instância.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I-RELATÓRIO
A) No Tribunal da Comarca de ST.ª Maria da Feira, inconformado com o despacho de Fls. 28 a 32, proferidos nos presentes autos de Injunção que “B.........., Lda” move contra C.......... e D.......... pedindo a condenação destes no pagamento da quantia de € 4.006,20, no qual se entendeu Julgar extinta a instância, por se verificar erro na forma de processo, veio o Requerente “B.........., Lda” interpor recurso de agravo, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1- O tribunal a quo decidiu mal ao sentenciar que “no caso em apreço, sendo os Réus pessoas singulares o cumprimento da obrigação de pagamento pedido pela autora em consequência do contrato de compra e venda não pode integrar o conceito de transacção comercial ao abrigo do Decreto-Lei n.º 32/2003.
2- A sentença posta em crise nestes autos violou o disposto nos artigos 7º, 10º, 11º, 16º, 17º e 18º do Dec. Lei n.º 269/98 de 1 de Setembro, bem como o disposto nos artigos 2º, 3º alínea a) e b) 7º e 8º do Decreto-Lei n.º 32/2003 de 17 de Fevereiro, artigo 199 e 288 n.º 1 do CPC inexistindo qualquer erro na forma do processo.
3- No requerimento de injunção, a aqui agravante pediu a condenação dos Réus no pagamento de uma quantia emergente de uma transacção comercial, para tal, na causa de pedir assinalou na quadrícula destinada ao contrato de compra e venda e a quadrícula a que alude a alínea g) do n.º 2 do artigo 10 do Dec. Lei n.º 32/2003 de 17 de Fevereiro.
4- O facto de o réu marido ser uma pessoa singular dotada de organização comercial que explora uma actividade económica autónoma, exercida pelo próprio, a forma de processo de injunção é manifestamente adequada à pretensão dos autos, isto é extensivo à mulher do réu nos termos do artigo 15 do C. Comercial.
5- O Dec. Lei n.º 269/98 de 1 de Setembro de 1998, apenas obriga a que o requerimento seja conforme o modelo aprovado, identifique as partes e classifique a obrigação peticionada, não obriga a apresentação de qualquer prova sobre a qualidade das partes ou, sequer da própria obrigação.
6- In casu a identificação do comerciante individual a adopção de uma firma, composta pelo nome, completo ou abreviado, o aditamento de qualquer outra expressão é meramente facultativa nos termos do Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, nem o Tribunal a quo solicitou qualquer esclarecimento nesse sentido.
7- Deve por isso revogar-se a sentença recorrida prosseguindo os autos nos seus precisos termos.
Conclui pedindo a revogação da decisão recorrida.

Nas contra alegações os agravados sustentaram a manutenção do decidido.
O Sr. Juiz proferiu despacho de sustentação.

II – FACTUALIDADE PROVADA
Encontram-se provados os seguintes factos:
1- “B.........., Lda” intentou contra C.......... e D.......... a presente Injunção, tendo indicado que se tratava de uma “Obrigação Emergente de Transacção Comercial” (D.L. 32 /2003 de 17 de Fevereiro), cfr. fls. 2.
2- Os Requeridos deduziram oposição.
3- O Mmº Juiz proferiu então o despacho recorrido (fls. 28 e ss), do seguinte teor (na parte que interessa):
“Mesmo tendo em consideração o alargamento efectuado no âmbito de aplicação da injunção, o requerimento em análise não perseguiu qualquer dos fins legalmente previstos.
Na verdade, por um lado, o valor da obrigação pecuniária cujo cumprimento é peticionado é de valor superior à alçada do tribunal de 1ª instância e , por outro lado, não se trata de uma transacção comercial, ……na medida em que num dos pólos da relação está uma pessoa singular.
Deste modo, deveria ter sido, desde logo, recusado o requerimento de injunção, à luz do disposto no artigo 11 al. g) do regime Anexo ao DL 269/98 de 1 de Setembro, na redacção que lhe foi introduzida pelo artigo 7 do D.L. 32 /2003 de 17 de Fevereiro.

Verifica-se, pois, que existe erro na forma de processo, já que não estamos perante uma injunção, mas perante uma acção declarativa sob a forma de processo sumário.

Conclui-se, assim, que a forma de processo escolhida pela autora é inadequada à sua pretensão, atenta a causa de pedir invocada, importando tal erro a anulação de todos os actos do processado, incluindo o requerimento inicial, em virtude da diferença irredutível das formas de actuar mencionadas.
Assim sendo, face à nulidade de todo o processado, impõe-se a extinção da instância, nos termos vistos.”

III – DA SUBSUNÇÃO - APRECIAÇÃO
Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.
O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente, artigo 684 n.º 3 do Código de Processo Civil.

A) No presente recurso coloca-se apenas a seguinte questão:
Podia a Autora ter utilizado o processo de injunção contra os Requeridos – pessoas singulares – tendo indicado que se tratava de uma “Obrigação Emergente de Transacção Comercial”?
Vejamos a questão.
1- Nos termos do artigo 1º do DL n.º 269/98 de 1 de Setembro “é aprovado o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância, publicado em anexo, que faz parte integrante do presente diploma”.
A injunção é “a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL n.º 32 /2003 de 17 de Fevereiro (artigo 7º do Regime Anexo ao DL n.º 269/98 de 1 de Setembro, na redacção actual).
Dispõe o artigo 2º n.º 1 do Dec. Lei n.º 32/2003 de 17 de Fevereiro (que transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho de 2000) que “O presente diploma aplica-se a todos os pagamentos efectuados como remunerações de transacções comerciais”.
Acrescenta o n.º 2 do mesmo preceito que “são excluídos da sua aplicação:
a) Os contratos celebrados com consumidores”.
E, nos termos do artigo 3º do Dec. Lei n.º 32 /2003 de 17 de Fevereiro deve entender-se por:
a) “transacção comercial” qualquer transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração;
b) “empresa” qualquer organização que desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular”.
No que à aplicação do regime da injunção concerne dispõe o nº 1 do artigo 7º do diploma em apreço que “O atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida”.
Acrescenta o n.º 2 do mesmo preceito que “para valores superiores à alçada do tribunal de 1ª instância, a dedução de oposição no processo de injunção determina a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum”.

2- Dos normativos citados resulta, com clareza, que se o autor pretende exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância, ou seja € 3.740,98, pode usar – sempre – a providência de injunção.
Todavia, se está em causa “O atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma” – ou seja, nos termos do artigo 3º als. a) e b) do Dec. Lei n.º 32/2003 de 17 de Fevereiro – o autor apenas pode recorrer à providência da injunção – independentemente do valor da dívida – desde que não se trate de um contrato celebrado com consumidores.
No caso concreto verifica-se que a Autora “B.........., Lda” instaurou a presente INJUNÇÃO contra C.......... e D.........., solicitando a condenação destes num montante claramente superior à alçada do Tribunal de 1ª instância (cfr. art. 24 n.º 1 da LOFTJ).
Desta forma a presente providência não se enquadra no regime “geral” da injunção (art. 1º do DL n.º 269/98 de 1 de Setembro e 7º do Regime anexo) uma vez que o seu valor não é inferior ao da alçada do Tribunal da 1ª instância.
Mas será que se poderá enquadrar no regime “especial” das injunções, ou seja nos caso em que independentemente do valor da dívida se pode recorrer à providência da injunção, desde que esteja em causa uma transacção comercial?
Afigura-se-nos que não.
Como se viu supra a lei define no artigo 3º do Dec. Lei n.º 32 /2003 de 17 de Fevereiro que “transacção comercial” é qualquer transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração definindo igualmente que “empresa” é qualquer organização que desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular.
Ora os RR C.......... e D.......... são pessoas singulares, não se enquadrando no conceito de empresa.
É certo que uma pessoa singular que esteja organizada e desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma pode ser considerada uma empresa.
Todavia era necessário que isso fosse alegado pela Autora, o que não foi feito.
O requerimento inicial apenas identifica de forma singela os RR como sendo C.......... e D.........., o que claramente indica que são consumidores e não uma pessoa singular que exerça e desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma de forma a poder ser considerada uma empresa.
Dúvidas não nos restam em como a Autora usou de forma indevida a providência de injunção prevista no artigo 7º do DL n.º 32/2003 de 17 de Fevereiro.
E como qualificar este vicio?
A decisão recorrida entendeu (fundamentando) que se tratava de erro na forma de processo.
Apesar da bondade da argumentação afigura-se-nos que não nos encontramos perante tal nulidade (artigo 199 do CPC) mas antes perante uma excepção dilatória inominada consubstanciada num uso indevido da providência de injunção num caso em que não se mostram reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização.
Como se sabe o artigo 494 do CPC ao enumerar as excepções dilatórias fá-lo de forma exemplificativa (“são dilatórias, entre outras, as excepções seguintes” n.º 1 do referido preceito), sendo que tais excepções obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal, art. 493 do CPC.
Ora a Autora ao fazer uso da providência de injunção prevista no artigo 7º do DL n.º 32/2003 de 17 de Fevereiro numa situação em que não se mostravam preenchidos os pressupostos legalmente exigidos para tal, está sem margem para dúvidas, a fazer um uso indevido e inadequado deste meio de exigir o cumprimento das obrigações (a que se refere o artigo 1º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL n.º 32 /2003 de 17 de Fevereiro).
Tal uso indevido e inadequado desta providência configura uma excepção dilatória inominada a qual impõe a consequente absolvição dos RR da instância.
Torna-se, deste modo, evidente que o presente recurso está condenado ao fracasso.
Impõe-se, assim, a improcedência do presente recurso.

Em suma e em conclusão, sendo o valor da dívida superior à alçada do tribunal da 1ª instância o Autor/Requerente apenas poderá fazer uso da providência de injunção se estiver em causa uma “transacção comercial”, devendo os RR/Requeridos assumir a qualidade de empresa, pois tal providência (nos casos em que o valor da dívida é superior à alçada do tribunal da 1ª instância) não pode ser usada contra os consumidores.
Nos casos em que o Autor/Requerente faça uso indevido e inadequado de tal providência verifica-se uma excepção dilatória inominada a qual impõe a consequente absolvição dos RR da instância.

VI – Decisão;
Por tudo o que se deixou exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso de agravo interposto pela Recorrente e, em consequência confirma-se o despacho recorrido.
Custas pela Recorrente.
Porto, 26 de Setembro de 2005
José António Sousa Lameira
José Rafael dos Santos Arranja
Jorge Manuel Vilaça Nunes