Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0734208
Nº Convencional: JTRP00040610
Relator: TELES DE MENEZES
Descritores: INJUNÇÃO
ÂMBITO
CONDOMÍNIO
Nº do Documento: RP200709270734208
Data do Acordão: 09/27/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 731 - FLS 22.
Área Temática: .
Sumário: Da conjugação dos conceitos de empresa e de consumidor com o de condomínio decorre que o regime da injunção não abrange o contrato de empreitada entre uma empresa e um condomínio, entendido este como a figura definidora de uma coisa sobre a qual coexistem vários direitos privativos de natureza dominial, a qual não desenvolve uma actividade económica ou profissional autónoma.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
B………., Lda veio requerer contra Condomínio do Edifício sito na R. ………., …, …, … e …, ………., V. N. de Gaia procedimento de injunção, já distribuído como processo comum sob a forma ordinária, destinado a exigir o cumprimento de obrigação emergente de transacção comercial, indicando como causa de pedir e descrição da origem do crédito um contrato de empreitada celebrado com o requerido, indicando o valor total de € 31.308,63.

O requerido apresentou a oposição constante de fls. 6 e ss. na qual invoca a inidoneidade do meio processual e a ineptidão do requerimento inicial.
Quanto à inidoneidade do meio processual empregue pela Requerente defende que o mesmo não é admissível, atento o valor do pedido e o facto de o Requerido não ser uma empresa.

A requerente respondeu à contestação nos termos constantes de fls 94 e sgs, defendendo que o Requerido é uma empresa.

II.
Foi proferida a seguinte decisão:
O artigo 3º, n.º 1, do D.L. n.º 269/98, de 1.09 (sucessivamente alterado pelos D.L. n.º 383/99, de 23.09, D.L. n.º 183/00, de 10.08, D.L. n.º 32/03, de 17.02, e D.L. n.º 38/2003, de 8.03), aplicável por força do artigo 17º, n.º 1, do mesmo diploma, prevê que “se a acção tiver de prosseguir, pode o juiz julgar logo procedente alguma excepção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer ou decidir do mérito da causa”.
O erro na forma de processo constitui uma nulidade principal, de conhecimento oficioso, tal como se preceitua nos artigos 199° e 202º do C.P.Civil, sendo que o artigo 206º, n.º 2, do mesmo Código permite apreciá-la desde já.
A questão que se suscita é a da aplicação do regime introduzido pelo D.L. n.º 32/2003, de 17.02.
Da conjugação dos artigos 7° e 8° do D.L. n.º 32/2003, de 17.02, resulta o alargamento do domínio da injunção às obrigações emergentes de transacções comerciais de valor superior à alçada do tribunal de 1.ª instância.
Todavia, a nova redacção do artigo 7º do D.L. n.º 269/98, de 1.09, restringe o seu âmbito de aplicação às obrigações das transacções comerciais abrangidas pelo referido D.L. n.º 32/2003, tal como estas são aí definidas no artigo 2.º, conjugado com o artigo 3°.
Nos termos do disposto nesse art. 3º, para efeitos daquele diploma legal, entende-se por «Transacção comercial» qualquer transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração.
Do alegado no requerimento injuntivo, resulta que o que está em causa nos autos é um contrato de prestação de serviços, na modalidade de empreitada. Só que o mesmo não foi celebrado, contrariamente ao defendido pela Requerente, entre empresas.
Na verdade é a própria al. b) do referido artº. 3º. Que define, para efeito de aplicação do presente diploma “Empresa” como “qualquer organização que desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma, ...”, ou, seja, uma actividade produtiva, seja de bens, seja de serviços.
Daqui resulta claramente que a transacção dos autos, para efeito de aplicação do diploma em causa, não é uma transacção comercial porquanto não foi celebrada entre empresas pois que um condomínio não desenvolve qualquer actividade económica, sendo antes, e nas palavras de Antunes Varela in anotação ao artº. 1414º. do C.C. “a figura definidora da situação em que uma coisa materialmente indivisa ou com estrutura unitária pertence a vários contitulares, mas tendo cada um deles direitos privativos ou exclusivos de natureza dominial - ... – sobre fracções determinadas”.
Conclui-se, portanto, que a requerente não poderia ter utilizado o novo procedimento de injunção para obter um título executivo relativamente à obrigação pecuniária em causa, porque esta não emerge de qualquer transacção comercial.
Pelo exposto e porque se verifica erro na forma de processo que impede o aproveitamento de qualquer acto praticado, pois a acção foi intentada através de formulário simplificado, inadmissível em qualquer outra forma de processo, para além de do procedimento de injunção ter resultado diminuição das garantias de defesa do requerido, pois teve menos prazo para contestar, existe nulidade de todo o processo, o que constituiu uma excepção dilatória que conduz à absolvição da instância - arts. 199º, 493°, n.º 2 e 494º, n.º 1, al. b) do Cód.Proc.Civil.
Assim, declaro a anulação de todo o processado e absolvo o requerido da instância - art. 288º, n.º 1, al. b) do Cód.Proc.Civil.
Custas pela requerente.
Notifique.

III.
Recorreu a requerente, concluindo como segue:
1. A lei de processo das injunções foi alterada, no cumprimento da directiva comunitária sobre aceleração das cobranças comerciais, no sentido de se aplicar a todas as transacções comerciais independentemente do valor levadas a cabo entre empresas, no sector privado, que é o que nos interessa.
2. A distinção neste conspecto que interessa ter em conta é entre particulares e empresas, sendo estas as entidades que sobretudo intervêm profissionalmente no mercado quer como produtoras quer como consumidoras.
3. Para tanto aponta o conceito restrito de consumidor, consagrado na lei, nomeadamente na Lei de Defesa do Consumidor (LDC), que é este apenas a estar excluído do processo de injunções quando intervenha em transacções comerciais que dêem lugar a pagamentos em numerário.
4. Neste sentido e aliás em sentido técnico, o condomínio recorrido é uma empresa, como entidade que profissionalmente exerce uma actividade de gestão de bens, apresentando-se no mercado como cliente de serviços.
5. Por conseguinte não é um consumidor e é parte numa transacção comercial não excluída da aceleração de cobranças de dívida intencionada pela lei do processo das injunções.
6. Esta aplica-se ao presente caso, ao contrário do que decidiu o Tribunal recorrido, infringindo o disposto tanto no art. 7.º do DL 269/98, de 1.9, como nos art.s 3.º-b) e 7.º/1 do DL 32/2003, de 17.2.

O requerido contra-alegou, pedindo a confirmação da decisão.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

Os factos são os que se deixam descritos no relatório supra.

IV.
A questão suscitada no recurso é a da aplicabilidade do procedimento de injunção, apesar de o requerido ser um condomínio, por se dever equiparar este a empresa.

O art. 2.º do DL 32/2003, de 17.2 dispõe:
“1 – O presente diploma aplica-se a todos os pagamentos efectuados como remunerações de transacções comerciais.
2 – São excluídos da sua aplicação:
a) Os contratos celebrados com consumidores;
b) …
c) …”.
Afirma Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 5.ª ed., p. 155, que o conceito de transacção comercial está utilizado no texto legal em sentido amplo, abrangendo qualquer transacção entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra remuneração (art. 3.º-a)).
E acrescenta que os sujeitos das transacções comerciais a que este normativo se reporta são susceptíveis de englobar as empresas privadas em geral, as pessoas colectivas públicas e os profissionais liberais – ibid., p. 156.
Por outro lado, o conceito de empresa também está utilizado em sentido amplo, abrangendo qualquer organização que desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por uma pessoa singular (art. 3.º-b)) ibid.

O n.º 2-a), exclui do âmbito de aplicação do diploma os contratos celebrados com os consumidores, sendo que estes são as pessoas a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos destinados a um uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios (art. 2.º/1 da Lei 24/96, de 31.7).
Trata-se de um conceito de consumidor sensivelmente idêntico ao consagrado no direito comunitário, em que se integra a Directiva 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho de 2000, publicada no Jornal Oficial n.º L 200, de 8.8.2000, p. 35 a 38, englobando a pessoa singular que nos contratos abrangidos por este diploma actua com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional - ibid.

Convém, também, referir no que consiste o condomínio.
Dizem Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, III, 2.ª ed., p. 398, que o legislador português recorreu ao conceito de condomínio, com o objectivo de distinguir as situações de propriedade horizontal das de simples contitularidade ou comunhão sobre coisa indivisa.
Sendo, assim, o condomínio a figura definidora da situação em que uma coisa materialmente indivisa ou com estrutura unitária pertence a vários contitulares, tendo cada um deles direitos privativos ou exclusivos de natureza dominial sobre fracções determinadas.

Pois bem. Conjugando os conceitos de empresa e de consumidor com o de condomínio, parece evidente que o regime da injunção não abrange o contrato de empreitada entre uma empresa e um condomínio, que mais não é do que a apontada figura definidora de uma coisa sobre a qual coexistem vários direitos privativos de natureza dominial, e que se não vê que desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma.
A situação não pode, por conseguinte, ser tratada de forma diversa daquela que obteria um contrato de empreitada entre uma empresa e um particular, porquanto, do lado do condomínio apenas acontece que em vez de um são vários os particulares envolvidos.

Temos, portanto, como assente que o condomínio não é uma empresa e, tratando-se de um conjunto de proprietários individuais, que são consumidores, está excluída a aplicação do regime de injunção.

Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo e confirma-se a decisão recorrida.

Custas pela agravante.

Porto, 27 de Setembro de 2007
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
Mário Manuel Baptista Fernandes
Fernando Baptista Oliveira