Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0632617
Nº Convencional: JTRP00039737
Relator: ANA PAULA LOBO
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
ASSINATURA
RECONHECIMENTO NOTARIAL
RENÚNCIA
Nº do Documento: RP200611160632617
Data do Acordão: 11/16/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: LIVRO 692 - FLS 18.
Área Temática: .
Sumário: I - A inexistência de reconhecimento presencial das assinaturas dos contraentes em contrato-promessa reporta-se a uma invalidade instituída em benefício das partes, portanto na sua disponibilidade, nada impedindo que, prevendo tal efeito jurídico, ambas as partes (ou apenas uma delas) renunciem, de forma expressa ou tácita, ao direito de invocar a invalidade.
II - Tal renúncia é perfeitamente válida, tanto quanto é certo que o direito de pedir a anulação não se mostra abrangido pela disposição restritiva do art. 809º do Código Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação
Decisão recorrida – Proc. Nº …/1999
Tribunal judicial de Vila Nova de Gaia – .ª Vara de Competência Mista
. de 02.08.2005
. julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu os RR. do pedido.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B………. e C………., interpuseram o presente recurso de apelação da sentença supra referida tendo formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:
1- O contrato-promessa não tem as assinaturas reconhecidas.
2- O artº. 410º. nº. 3 do C. Civil obriga a que as assinaturas naquele tipo de contrato sejam reconhecidas notarialmente.
3- O reconhecimento das assinaturas no contrato-promessa de transmissão de imóveis é uma norma de interesse e ordem pública.
4 - Como norma de interesse e ordem pública não pode ser afastada por interesse ou decisão das partes de qualquer modo.
5- O reconhecimento das assinaturas é de carácter obrigatório.
6- No caso dos autos, foi o promitente-comprador quem arguiu a falta de reconhecimento da assinatura. assim,
7- A figura da nulidade atípica, funciona tão só para a arguição da nulidade pelo promitente vendedor, mas não contra o primeiro comprador, a quem foi dada a garantia de ter que reconhecer a assinatura ou seja tomar a plena responsabilidade do seu acto. Ainda,
8- A nulidade atípica, mista ou híbrida é uma nulidade que não é de conhecimento oficioso
9- Os promitentes-compradores não formalizariam o negócio sem a concretização do empréstimo. E,
10 - Foi a réplica quem de tudo tratou e lhe comunicou que o negocio, e consequentemente o empréstimo estava garantido. Assim,
11- Os A.A. nunca teriam recebido ou levantado o dinheiro do sinal, para entrega ao vendedor, se não tivessem a informação de que 0 negócio estava perfeito.
12 - Os promitentes-compradores foram aldrabados ou enganados pela réplica quanto ao negócio feito já que só ela dele tinha tratado.
13 - Os promitentes-compradores foram espoliados em 2.600 contos, apenas ao que parece para favorecer 0 promitente vendedor e a réplica, nada tendo recebido para si, mas tudo tendo que pagar ... É feio, mas parece que é justo, com o que não concordamos.
14 - A sentença recorrida mal aplicou assim o disposto nos artigos 410º. Nº. 3 doc. Civil – 286º. – 334º. 437º. Nº. 1 – 570º. 227º.e 252º, todos do C. Civil, bem como o assento 15/94 de 28 de Junho e 3/95 de 01 de Fevereiro.

Requereram que seja julgado procedente o presente recurso de apelação e, revogada a decisão recorrida e condenados os R.R. no pedido.
Nas contra-alegações, o Magistrado do Ministério Público em representação dos R.R. ausentes entende que a sentença recorrida deve manter-se por ter feito correcta análise dos factos e aplicação da lei.
Nesta acção declarativa de condenação, com de processo comum, sob forma ordinária, deduzida pelos recorrentes B………. e seu cônjuge, C………., contra D………. e seu cônjuge, E………., F………., Lda os A.A., pedem a condenação solidária dos R.R. condenados a restituir a quantia de esc. 2.700.000$00 e a pagar a título de indemnização a quantia de 1.000.000$00, a que acrescerão os juros de mora à taxa pretendida no empréstimo da G……… como compensação dos juros a pagarem àquela instituição, tendo na petição inicial, alegado para o efeito, os seguintes factos:
1- Por contrato celebrado em 26.06.97, os ora AA. prometeram comprar aos aqui primeiros RR. o prédio urbano que melhor identificado no art. 1º da P.I., tendo sido acordado o preço de 13.200.000$00;
2- Como sinal e princípio de pagamento os AA entregaram aos R.R. a quantia de esc. 2.600.000$00.
3- Toda a mediação no negócio foi feita pela 2ª Ré F………., Lda, mediação essa que englobou um pedido de empréstimo através da G………. no montante de 2.600.000$00, destinado a assegurar o pagamento do referido sinal.
4- Os AA assinaram o contrato de mútuo com a G………. de esc. 2.600.000$00, quantia que transitou directamente, a pedido da F………., Lda, para o 1º R. marido, a título de sinal.
5- Mais tarde, foram os A.A. informados pela F………., Lda de que a G………. não concedia a segunda tranche do empréstimo, o que impossibilitou o contratado.
6- Sem a concessão do empréstimo, os AA. jamais se abalançariam na compra do imóvel, sendo aquela expectativa a sua motivação de vontade, facto que era do conhecimento quer dos 1ºs RR quer da 2ª Ré que de tudo tratou.
7- Invocam a nulidade do contrato-promessa por falta de reconhecimento das respectivas assinaturas, que acarreta a obrigação de restituir a prestação paga, com os juros legais contados desde o pagamento, atenta a retenção ilícita e abusiva pelos 1ºs RR. do dinheiro recebido, apesar de várias vezes demandados para procederem àquela restituição.
8- Entretanto, o imóvel em causa foi vendido a terceiro, o que impossibilita também o cumprimento da obrigação.
9- Dizem, ainda, que pagaram à F………., Lda 100.000$00 pela mediação.
10- Reclamam ainda uma indemnização por danos materiais e morais num mínimo de 1.000.000$00.
Apenas a Ré F………., Lda apresentou contestação na qual, alega não ter tratado, em representação dos AA., ou por sua iniciativa, do empréstimo que aqueles solicitaram à G………., tendo, logo que soube da decisão do banco de não concessão do empréstimo, diligenciado com os AA junto do R. D………. no sentido do negócio ficar sem efeito já que, como os 1ºs RR. bem sabiam, a concretização em definitivo do mesmo, sempre esteve dependente da concessão de um empréstimo aos AA. que lhes permitisse pagar o preço ajustado e proceder à aquisição da habitação, sendo que os mesmos se mostraram intransigentes.
Nega ter recebido qualquer quantia dos AA a título de mediação ou a qualquer outro título.
Termina pedindo a improcedência da acção quanto a si, com a sua absolvição do pedido.

A sentença recorrida, considerou provados os seguintes factos:

1 – Por contrato-promessa de compra e venda outorgado em 26 de Junho de 1997, os ora AA. prometeram comprar aos aqui primeiros RR., o prédio urbano que se identifica como uma fracção autónoma designada pela letra “B”, correspondente a uma habitação tipo T2 no R/C Direito com entrada pelo nº .. do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ………., ………., Vila Nova de Gaia, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o nº 00412 da freguesia de ………., e ali inscrito pela inscrição G um, G dois, G três e G quatro (resp. ao quesito 1º). _______________________
2 – Nos termos do aludido contrato prometido, o preço a praticar seria o de Esc. 13.200.000$00 (resp. ao quesito 2º). ___
3 – Tal negócio foi mediado pela segunda Ré (resp. ao quesito 4º). ___________________________________________________
4 – O funcionário que procedeu a tal mediação foi a Sra. H………. e o gerente de filial de Gaia (resp. ao quesito 5º). _____________
5 – Tal mediação englobou um pedido de empréstimo através da G………. (resp. ao quesito 6º). ____________________________
6 – Tendo elaborado todo o dossier a segunda Ré referiu aos AA. que estava tudo acertado, e que para pagamento do sinal iria formalizar o empréstimo inicial de Esc. 2.600.000$00 (resp. ao quesito 7º). _________________________________________
7 – A F………., Lda entregou ao primeiro Réu-marido a quantia de Esc. 2.600.000$00, a título de sinal (resp. ao quesito 8º). ______
8 – Posteriormente, a segunda Ré informou os AA. de que a G………. não concedia a segunda tranche do empréstimo (resp. ao quesito 9º).
9 – Em virtude de não terem conseguido obter o mencionado empréstimo, os AA. não pretendiam tal negócio (resp. ao quesito 10º). ___________________________________________
10 – Tal era do conhecimento da F………., Lda (resp. ao quesito 11º). __________________________________________________
11 – Em virtude do valor em que foi avaliada a fracção foi determinada inicialmente a autorização do empréstimo por esc. 12.500.000$00 (resp. ao quesito 17º). _______________________
12 – Cerca de uma semana após a emissão e entrega do cheque ao 1º R. marido, a F………., Lda foi informada que, em virtude de um erro interno na concessão de crédito do sinal, não podia ser mutuada aos AA. a quantia por eles pretendida (resp. ao quesito 21º). ___________________________________
13 – Logo que conheceu tais circunstâncias a segunda Ré diligenciou com os AA. junto do primeiro R. marido no sentido do negócio ficar sem efeito (resp. ao quesito 22º). ___________
14 – Não obstante tais diligências, os primeiros RR. mostraram-se intransigentes em dar sem efeito o contrato e devolver o sinal de Esc. 2.600.000$00 (resp. ao quesito 23º). __
15 – A segunda Ré não recebeu qualquer quantia dos AA. a qualquer título, nomeadamente esc. 100.000$00 (resp. ao quesito 24º). ___________________________________________
16 – Os AA. procederam à entrega à 2ª Ré do cheque cuja cópia se acha a fls. 6 dos autos (resp. ao quesito 25º). _______
17 – Procedeu à entrega de tal cheque com vista à reserva do dito imóvel nunca se destinando a ser movimentado pela segunda Ré (resp. ao quesito 26º). ________________________

Os apelantes insurgem-se contra a sentença recorrida por considerarem que, não estando as assinaturas dos contraentes reconhecidas notarialmente, enferma o contrato-promessa de nulidade por vício de forma, nulidade que o Tribunal recorrido não declarou.
Apesar de não constar expressamente da matéria de facto considerada como provada deve ter-se por provado por documento que no contrato-promessa em referência, - cláusula IX- as partes estabeleceram que:
“Ambos os outorgantes prescindem livre e mutuamente das formalidades exigidas pelo artº 410º, nº 3 do Código Civil, pelo que nenhuma delas poderá vir a invocar a nulidade deste contrato pela omissão de tais requisitos”.
Resulta, sem dúvida, dos autos que todos os outorgantes do contrato-promessa o assinaram, embora as respectivas assinaturas não hajam sido reconhecidas presencialmente.
Estabelece o art. 410º do Código Civil que "a promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral" (nº. 2), acrescentando que "no caso de promessa relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, o documento referido no número anterior deve conter o reconhecimento presencial da assinatura do promitente ou promitentes e a certificação, pelo notário, da existência da licença respectiva de utilização ou de construção; contudo, o contraente que promete transmitir ou constituir o direito só pode invocar a omissão destes requisitos quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte" (nº. 3).
A inobservância daquele requisito de forma - reconhecimento presencial das assinaturas – implica a invalidade do negócio, sujeita a um regime especial que a permite qualificar como uma nulidade atípica ou mista, invocável a todo o tempo, em regra apenas pelo promitente-comprador (ou pelo promitente vendedor quando a omissão tenha sido culposamente causada pelo promitente comprador, mas não é invocável por terceiros nem de conhecimento oficioso pelo tribunal), passível de posterior sanação ou convalidação, regime este admitido pelo art. 285º do Código Civil ao lado dos regimes gerais e típicos da nulidade e da anulabilidade.
A ausência de reconhecimento presencial das assinaturas gera uma nulidade anómala instituída apenas em benefício das partes, pelo que só estas, dela se podem prevalecer.
Na presente situação em que ambas as partes prescindiram dessa formalidade, houve clara renúncia dos contraentes ao direito de anular o negócio posto que se não pode considerar haver uma confirmação do negócio nulo - inadmissível, pela sua própria natureza, antes da celebração do contrato, nos termos do disposto no art. 288º do Código Civil.
As partes, no momento da celebração do contrato-promessa renunciaram, à anulação do negócio que sabiam estar ferido de vício de forma.
Diferentemente do entendido pelos recorrentes, a inexistência de reconhecimento presencial das assinaturas dos contraentes reporta-se a uma invalidade instituída em benefício das partes, portanto na sua disponibilidade, nada impedindo que, prevendo tal efeito jurídico, ambas as partes (ou apenas uma delas) renunciem, de forma expressa ou tácita, ao direito de invocar a invalidade. Tal renúncia é perfeitamente válida, tanto quanto é certo que o direito de pedir a anulação não se mostra abrangido pela disposição restritiva do art. 809º do Código Civil.
O que as partes pretenderam com a cláusula 9ª foi, como seria entendido por qualquer destinatário colocado na posição real do declaratário, prescindir da formalidade exigida no art. 410º, nº. 3, do Código Civil: o reconhecimento presencial das assinaturas, e só esta interpretação é consentânea com a doutrina da impressão do destinatário consagrada no art. 236º do Código Civil, porque para tal aponta claramente o sentido do texto- art. 238º do mesmo Código-.
Assim, tem de concluir-se que o direito dos autores verem declarado nulo o contrato-promessa se encontra extinto, já que, tendo eles renunciado ao direito de anular, o não podem agora exercer. Não se nos afigura necessário, por isso, recorrer ao instituto do abuso de direito, na modalidade do venire contra factum proprium (que, sem dúvida, sempre existiria) para considerar paralisado o respectivo direito.
Não podendo, pelas razões indicadas ser declarada a nulidade do contrato-promessa, terá o mesmo de ser havido como válido, ainda que não cumprido, carecendo de fundamento o pedido de condenação solidária dos R.R. a restituir a quantia de esc. 2.700.000$00 e a pagar a título de indemnização a quantia de 1.000.000$00, a que acrescerão os juros de mora à taxa pretendida no empréstimo da G………. como compensação dos juros a pagarem àquela instituição.
Não se pode considerar que os RR incumpriram definitivamente o contrato-promessa celebrado com os AA, ou, sequer, que tenham incorrido em mora. Pelo contrário, da petição inicial resulta terem sido os A.A. a não cumprir o acordado.
Os recorrentes alegaram, sem terem conseguido provar, que todos os R.R. sabiam que eles não celebrariam o contrato-promessa se soubessem que não iam obter o empréstimo bancário para a aquisição do imóvel que era objecto do dito contrato. Não ficou provado que os promitentes vendedores tivessem conhecimento, ao celebrar o contrato, que assim era.
O incumprimento ou a impossibilidade de cumprimento do contrato celebrado entre AA e RR não é imputável a estes últimos, verificando-se que foram os AA quem incumpriu o contrato celebrado com os RR..
A declaração do devedor de não querer cumprir, sendo ainda possível a prestação, com interesse para o credor, equivalem ao não cumprimento definitivo da prestação, e com esse comportamento, os AA legitimaram os RR para fazer seu, nos termos do art.442º, nº 2º, Código Civil, o sinal passado, ou seja, os 2.600.000$00 entregues na data da celebração do contrato-promessa.
Na sua perspectiva com a não concessão do empréstimo pela G………. ocorreu uma impossibilidade objectiva absoluta da prestação, de natureza superveniente que teria como consequência a extinção do contrato.
Como bem se analisa na decisão recorrida, o não cumprimento do contrato é imputável aos A.A. ainda que se considerasse, como eles consideram, que a não obtenção do empréstimo tornou impossível a sua prestação pois, como resulta do disposto no nº1 do artigo 801º do Código Civil, "Tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação".A lei estabelece uma presunção de culpa do devedor, sobre ele recaindo o ónus da prova, que é apreciada segundo os critérios da responsabilidade aquiliana, ou seja em abstracto, artigo 799º do Código Civil.
Nenhuma prova foi produzida que permita a responsabilização da Ré F………., Lda pela perda do sinal por parte dos A.A., tendo esta resultado, como bem se refere na decisão recorrida de conduta imponderada dos A.A. que parecem ter-se lançado na celebração de um negócio sem se rodearem de cautelas necessárias a poderem honrar os compromissos que assumiram.
Assim, a sentença recorrida deve manter-se ainda que relativamente à não declaração de nulidade do negócio, por razões jurídicas diversas das ali tidas em conta.

Decisão:
Acorda-se, em vista do exposto, nesta Relação, em julgar improcedente o recurso de apelação apresentado pelos A.A. e, em confirmar a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.

(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artº138º nº 5 do Código de Processo Civil).

Porto, 16 de Novembro de 2006
Ana Paula Fonseca Lobo
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha
Estevão Vaz Saleiro de Abreu