Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0524747
Nº Convencional: JTRP00038439
Relator: ALBERTO SOBRINHO
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONDOMÍNIO
ADMINISTRADOR
Nº do Documento: RP200510250524747
Data do Acordão: 10/25/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Área Temática: .
Sumário: I- Nas partes comuns dos edifícios, em princípio, não podem os condóminos fazer obras ou proceder a quaisquer reparações, salvo se se apresentarem indispensaveis e urgentes e, mesmo assim, na falta ou impedimento do administrador.
II- A recusa do administrador na realização das obras legitima a actuação do condómino.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

B.........., residente na Rua ....., nº .. .., ..º ...º, Porto, intentou esta acção declarativa, com processo ordinário,

contra

ADMNISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO, do prédio sito na Rua ....., ... ..., no Porto; e
C..........., na qualidade de ADMINISTRADORA DO CONDOMÍNIO do mesmo prédio,

pedindo que sejam condenadas:
a 1ª ré, a pagar-lhe o custo das obras realizadas, no valor de 2.420.000$00, subtraído da sua própria quota-parte;
a 2ª ré, a pagar-lhe a quantia de 500.000$00, pelos danos resultantes das infiltrações, bem como a importância de 300.000$00 como compensação pelos incómodos e privações a que se viu sujeita devido a essas infiltrações.

Alega, no essencial, que, perante a inacção das rés, teve que proceder a obras de impermeabilização no terraço da sua fracção para evitar a grande infiltração de águas que aí se verificava. Sendo essas obras da responsabilidade da Administradora, a ela cabe indemnizá-la dos prejuízos sofridos com as infiltrações, bem como compensá-la pelos incómodos suportados.

Contestaram as rés, começando por arguir a ilegitimidade da ré Administradora e alegando que as infiltrações são consequência da construção pela autora de um cobertura levada a efeito na sua varanda.
E a 1ª ré pretende que a autora proceda à demolição da construção que erigiu na placa de cobertura do prédio e que a indemnize dos prejuízos que lhe ocasionou, a liquidar em execução de sentença, pretensão que deduziu reconvencionalmente.

Replicou a autora para manter a posição inicialmente assumida.

Saneado o processo, e fixados os factos que se consideraram assentes e os controvertidos, teve lugar, por fim, a audiência de discussão e julgamento.
Na sentença, subsequentemente proferida, foi a acção julgada parcialmente procedente e a 1ª ré condenada a pagar à autora a quantia correspondente ao custo das obras por si realizadas, a liquidar em execução de sentença, abatida da sua própria quota-parte e a 2ª ré absolvida do pedido contra si formulado.

Na sequência do recurso interposto pela 1ª ré, foi anulada a decisão recorrida para ampliação da matéria de facto e eliminação da contradição detectada entre a resposta e a fundamentação ao ponto nº 5 da base instrutória.

Na sentença posteriormente proferida, foi então a acção julgada improcedente e parcialmente procedente a reconvenção e a autora condenada a demolir, à sua custa, a construção que edificou no lado direito da cobertura do prédio.

Inconformada com o assim decidido, recorreu agora a autora arguindo a nulidade da sentença e defendendo a sua revogação.

Contra-alegou a ré em defesa da manutenção do decidido.
***

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Âmbito do recurso

A- De acordo com as conclusões, a rematar as respectivas alegações, o inconformismo da recorrente radica no seguinte:

1- Em obediência ao douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, a repetição da audiência destinava-se apenas e tão só à repetição do julgamento de facto do artº 5º da douta Base Instrutória e à apreciação do novo quesito formulado, com o qual a Ré/Recorrida pretendia provar que a construção levada a efeito pela Autora/Recorrente, estragava o arranjo arquitectónico e estética do edifício, sendo, portanto, uma obra ilícita, de harmonia com o disposto no artº 1422º, nº 2, al. a) do Cód. Civil;

2- Tal quesito mereceu a resposta de “não provado”, pelo que o “desfecho” da presente acção teria que ser, necessariamente, o mesmo que resultou da primitiva sentença proferida pelo tribunal “a quo”, ou seja, a condenação da ora Recorrida no pagamento à Recorrente da quantia correspondente ao custo das obras realizadas, subtraído da quota-parte respeitante à Recorrente;

3- O douto Tribunal “a quo” pronunciou-se sobre questões que não foram colocadas à sua consideração, sendo, portanto, a douta sentença em crise, nula por excesso de pronúncia, de harmonia com o disposto no artº 668º, nº 1, al. d) do Cód. Processo Civil;

4- Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que a douta sentença em crise padece de manifesta contradição, encontrando-se irremediavelmente inquinada de nulidade prevista pelo artº 668º, nº l, al. c) do Cód. Processo Civil;

5- A Autora/Recorrente podia proceder às obras em apreço nos autos, atenta a necessidade e urgência das mesmas, tanto mais que, conforme bem refere a douta sentença recorrida “quanto ao perigo para a segurança, tal não emergiu provado (...) e quanto ao desarranjo estético e arquitectónico da construção “mereceu resposta do tribunal colectivo como não provado”, donde se extrai que não é possível, de todo, concluir pela alegada ilicitude da em apreço;

6- Resultou provado da audiência de julgamento que a obra levada a efeito pela Recorrente constituiu a solução mais económica e a única que oferecia garantias de eficácia e durabilidade;

7- Não obstante os doutos juízos formulados pelo Tribunal “a quo”, supra aludidos, este acaba por, de forma inédita e surpreendente por concluir que a obra em apreço se trata de uma inovação para a qual não existiu a aprovação da maioria de 2/3 dos condóminos, motivo pelo qual é ilícita, logo terá que ser destruída, pelo que resulta nítido que o douto Tribunal “a quo” incorre em contradição patente ao formular todo um raciocínio num determinado sentido para depois, inopinadamente, concluir pela ilicitude da obra, que pune com a sua destruição;

8- Padece, assim, de nulidade a douta sentença em crise, também nos termos do disposto no artº 668º, nºl, al. c) do Cód. Processo Civil, nulidade que se alega para todos os devidos e legais efeitos;

9- Ainda que assim não se entenda, no que não se concede e apenas por hipótese se refere, a construção levada a efeito pela Autora/Recorrente não configura uma “inovação” e, muito menos, uma “inovação capaz de prejudicar a utilização por parte de algum condómino”, conforme é exigido legalmente;

10- A obra levada a efeito pela recorrente não é, nem poderá ser tratada como uma inovação, tratando-se apenas e tão só, de uma obra necessária e urgente, levada a efeito com o objectivo de resolver definitivamente os problemas de impermeabilização do edifício;

11- A obra levada a efeito pela Autora/Recorrente revelava-se a solução mais eficaz e a única que oferecia garantias de eficácia e durabilidade, sendo indiscutivelmente uma obra urgente e necessária;

12- Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento não resultou provado que as obras levadas a efeito pela Recorrente contendessem com a segurança ou estabilidade do edifício ou com a sua linha arquitectónica ou estética;

13- Do mesmo modo, a obra levada a efeito pela Recorrente não violou qualquer proibição prevista no artº 1422º do Cód. Civil, pelo que apenas se pode concluir pela não caracterização da obra levada a efeito pela recorrente como uma inovação;

14- As reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício não se confundem, antes se distinguindo autonomamente de qualquer obra que eventualmente possa ser considerada uma inovação;

15- O douto Tribunal “a quo” caracteriza a obra em causa como uma obra urgente, necessária e indispensável, considera não provado que a mesma contenda com a segurança ou arranjo estético e arquitectónico do edifício, e, a final, vem a considerá-la como uma inovação;
16- Não subsistem quaisquer dúvidas de que a obra em apreço foi indispensável e urgente, motivo pelo qual não poderá nunca ser caracterizada uma inovação;

17- Não se trata de uma obra com fins meramente estéticos ou que visasse apenas, por exemplo, a maior comodidade dos condóminos ou de alguns em especial, antes se tratando de uma obra urgente e necessária evitar e reparar os graves problemas de impermeabilização do edifício, logo que jamais poderá ser tratada juridicamente como uma inovação;

18- Assim, para além de incorrer em manifesta contradição nos fundamentos a que lança mão, inquinando assim a sentença em crise de insuprível nulidade, o Tribunal “a quo” carece totalmente de razão quando, conclui pela caracterização da obra em causa como uma inovação, que pune com a sua destruição;

19- A ampliação da matéria de facto, doutamente ordenada pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, destinava-se apenas e tão só a “preencher de facto” o conceito jurídico “inovação”, pelo que tendo resultado não provado o desarranjo estético e arquitectónico do edifício com a obra em apreço, bem como o risco para a segurança do mesmo, e sendo, ao invés, considerado que a obra era urgente e indispensável, resulta à saciedade, salvo o devido respeito por melhor opinião, que a obra em apreço não pode ser considerada uma inovação;

20- Ainda que assim não se entenda, no que não se concede e apenas por hipótese se equaciona, sempre se dirá que a obra levada a efeito pela Recorrente não prejudica a utilização por parte de algum dos condóminos, tanto de coisas próprias, como de coisas comuns;

21- As inovações, para serem consideradas ilegais, têm também que causar prejuízo aos demais condóminos – artº 1425º, nº 2 Cód. Civil;

22- Da prova produzida em audiência, não resulta que haja, alguma vez tenha havido ou possa vir a existir qualquer tipo de prejuízo causado aos condóminos do prédio em causa com a obra levada a efeito pela Recorrente, pelo que não podia também o douto Tribunal “a quo” considerar a obra em apreço uma inovação, ilícita, ordenando a sua destruição;

23- Ao não decidir deste modo, violou o douto Tribunal “a quo” o disposto nos artºs 1422º, 1425º e 1427º do Cód. Civil e artºs 668º, nº 1, al. c) e d) do Cód. Processo Civil.

B- De acordo com as conclusões formuladas, as questões controvertidas a decidir reconduzem-se essencialmente a duas:
nulidade da sentença
natureza das obras realizadas

III. Fundamentação

A- Os factos

Foram dados como provados na 1a instância os seguintes factos que, por não terem sido postos em causa por qualquer das partes e não se ver neles qualquer deficiência, obscuridade ou contradição, se têm como definitivamente assentes:

1- A autora é proprietária da fracção autónoma que corresponde ao 5º andar direito do imóvel, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua .........., ... ..., no Porto;

2- Em 1994, quando a ora autora exerceu funções de administradora do condomínio do referido prédio, os condóminos deliberaram adjudicar a obra de impermeabilização á empresa D......., nos termos da acta n.º 5 de 14.02.94;

3- Porque a empresa D........, atento o tempo decorrido não pôde manter o orçamento, a obra foi adjudicada ao Sr. E...........;

4- Desde a década de 80 que o prédio em causa vem sendo afectado por problemas de infiltrações de humidade provenientes do terraço, que afectam a autora que vive no último piso;

5- Já na década de 80 foi necessário recorrer aos serviços de uma empresa especializada para proceder ao isolamento de uma área situada na zona nascente do terraço, imediatamente por cima da habilitação da autora;

6- Tendo recomeçado as infiltrações, tal problema foi levantado nas reuniões de condóminos, nomeadamente nas assembleias de 11.03.93 e de 10.01.94;

7- Após as obras realizadas pelo Sr. E....... o problema não ficou resolvido, tendo a autora solicitado á nova administração a resolução do problema;

8- Derivado da permeabilidade do terraço, a autora sofreu infiltrações na sua sala de estar;

9- A autora intimou a administração para dar uma solução rápida e definitiva ao problema das infiltrações;

10- A autora consultou diversas empresas especializadas as quais chegaram á conclusão de que a melhor solução seria a construção de um telhado em estrutura metálica, com chapas de lusalite, tendo inclusive enviado o que considerou ser o melhor orçamento, á administração do condomínio;

11- Na assembleia de 09.01.98, a administração ficou incumbida de contactar o empreiteiro que realizou as obras de impermeabilização;

12- Em 19.03.98, foi convocada uma assembleia geral extraordinária, unicamente para “resolução do problema de infiltração de águas”;

13- Em 20 de Abril de 1998, a autora enviou á administração do condomínio um novo orçamento que colheu junto de uma empresa de impermeabilizações, acompanhado de um outro para as obras de construção civil;

14- Face á passividade da administração, a autora enviou nova carta informando que caso nenhuma medida em concreto fosse tomada, no final do prazo de validade dos orçamentos, iria arrancar com as necessárias obras de impermeabilização;

15- Como nenhuma resposta obtivesse e perante a intimação do empreiteiro, fez enviar nova carta onde informou que iria dar inicio ás obras mediante uma peritagem prévia;

16- A administração do condomínio enviou uma carta á autora em que a intimava a repor a estética do prédio;

17- Face ao encharcamento das telas e falta de plasticidade das mesmas, a autora foi aconselhada pelos técnicos que acompanhavam a obra a reanalisar a situação com vista a assegurar que a solução encontrada, recolocação de telas no terraço, obtivesse garantias de eficácia e durabilidade;
18- De tal a autora deu conhecimento á administração, na pessoa da Dr.a C..........;

19- Em 17.08.98, a autora enviou á administração o relatório elaborado pelo Eng.º F.......... sobre o estado do terraço veiculando duas soluções para o problema com clara preponderância para a construção de um telhado, em virtude de a aplicação da tela não oferecer garantias e a construção de um telhado ser mais económica;

20- Na mesma carta enviou orçamento da G....... para colocação das placas, apesar de, atendendo ao estado do terraço, a referida empresa não oferecer garantias;

21- As cartas supra referidas em 19 e 20 foram devolvidas;

22- Face ao agravamento das condições meteorológicas o que, pelo facto de ter sido retirada parte do terraço, punha em risco a habitação da autora, esta mandou dar inicio ás obras de impermeabilização pela edificação de um telhado, por ser a solução mais económica e a única que oferecia garantias de eficácia e durabilidade;

23- Adjudicando a empreitada a uma empresa que oferecia a melhor relação qualidade/preço, disso tendo informado a administração, por carta de 11.09, com cópia do orçamento;

24- A autora deu inicio ás obras de impermeabilização após o envio da carta referida supra em 23;

25- A Dr.a C......... apenas assumiu funções de administradora do condomínio em Janeiro de 1998;

26- A autora colocou na placa de cobertura do prédio uma construção metálica de ferro metalizado, com cobertura e porta de duas folhas e montou capas plásticas para iluminação da caixa de escadas;

27- Tal construção tem um peso superior a uma tonelada sobre carregando, nessa medida a placa de cobertura do prédio.

B- O direito

1. nulidade da sentença

1.1 Começa a apelante por assacar à sentença recorrida o vício da nulidade devido a excesso de pronúncia, concretamente por não se conter dentro do que fora ordenado pelo douto acórdão da Relação que anulara a decisão primeiramente aqui proferida.
Este acórdão da Relação anulou a decisão proferida na 1ª instância para que fosse eliminada a contradição detectada sobre determinado ponto da base instrutória e ampliada a matéria de facto.
Esta anulação implicou a repetição do julgamento, restrito aos pontos concretamente focados e a anulação de todo o processado posterior dele dependente.
Como consequência desta anulação, o juiz tinha que proferir nova sentença, sem estar minimamente condicionado pela que fora anulada. Esta apenas perdurou e manteve a sua eficácia parcial, tendo transitado em julgado quanto à 2ª ré, porque nesta parte não contende minimamente com a questão controvertida aqui ainda em apreciação, sendo dela completamente autónoma.
O juiz não estava limitado pelos termos da decisão anteriormente proferida e, desde logo, porque tal decisão deixou de ter existência jurídica. Tinha plena liberdade para apreciar e decidir as questões controvertidas que se colocavam.
Por isso, não enferma a sentença do vício que lhe é imputado.

1.2 Para além do invocado excesso de pronúncia, entende a apelante que a sentença é ainda nula porquanto os fundamentos estão em contradição com a decisão, especificamente quando defende que as obras efectuadas se apresentavam como imprescindíveis e depois faz depender a sua realização da aprovação dos condóminos.
Com o devido respeito, também aqui se nos afigura que a sentença não padece do vício que lhe é imputado.
A nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão verifica-se quando há um claro vício no raciocínio do julgador, quando a fundamentação aponta em determinado sentido e a decisão segue em sentido oposto ou totalmente diferente. Apenas esta real desconformidade lógica se traduz em nulidade da sentença, nos termos da al. c) do nº 1 do art. 668º C.Pr.Civil.
Diferente já é a situação de desconformidade da decisão com o direito substantivo aplicável. Aqui ocorrerá um erro de julgamento, uma decisão desenquadrada dos pertinentes preceitos legais.
A esta se reconduz a situação invocada pela apelante. Verdadeiramente aquilo que se alega é que os factos provados teriam que levar a uma solução jurídica diferente da que foi encontrada: se as obras eram imprescindíveis, perante a passividade da Administração a autora tinha a possibilidade legal de as efectuar, e de efectuar as específicas obras realizadas.
O que se considerou na sentença é que, embora as obras fosse necessárias e a autora as pudesse realizar, já o tipo de obras efectivamente realizadas, porque inovadoras, dependia da aprovação dos condóminos.
Não se vislumbra na invocação da apelante uma contradição entre os fundamentos e a decisão em si, mas antes um erro de julgamento.
Por isso, também nesta parte a sentença não enferma do vício que lhe é imputado.

2. natureza das obras realizadas

2.1 legitimidade de intervenção do condómino não administrador

Em cada prédio urbano constituído em propriedade horizontal há partes comuns, pertencentes em compropriedade a todos os condóminos (arts. 1420º, nº 1 e 1421º C.Civil) e partes pertencentes em exclusivo a cada um deles (as fracções autónomas).
As fracções serão individualizadas no respectivo título de constituição da propriedade horizontal, aí se especificando as partes do edifício pertencentes a cada uma delas –art. 1418º C.Civil. E o que aí não esteja especificado como pertencente a cada fracção, será, em princípio, havida como parte comum, a não ser que esteja afectada ao uso exclusivo de um dos condóminos.
Das partes comuns do edifício, umas há que são imperativamente comuns a todos os condóminos -nº1 do art. 1421º, enquanto outras o são apenas presuntivamente –nº 2 do mesmo art.
Nas primeiras incluem-se aquelas que são objectivamente necessárias ao uso comum do prédio. Elas são comuns, como lucidamente advogam P.Lima e A.Varela [In C.Civil, Anotado, vol. III, em anotação ao art. 1421º], ainda que o seu uso esteja afectado a um só dos condóminos, pela razão simples de que a sua utilidade fundamental, como elemento essencial de toda a construção, se estende a todos os condóminos.
Face ao disposto na al. b) do nº 1 e nº 2 do citado art. 1421º podem ser consideradas comuns coisas destinadas ao uso exclusivo de um só dos condóminos. É o que acontece precisamente com os terraços de cobertura. A propósito desta estrutura do prédio dizem ainda aqueles Profs. [ob. e loc. cit.]: mesmo que o terraço se destine ao uso exclusivo de um dos condóminos (por estar situado no mesmo nível do último pavimento, ou o acesso se faça pelo interior desse pavimento, etc.), ele não deixa de ser forçosamente comum pela função capital (de cobertura ou protecção do imóvel) que no interesse colectivo exerce em relação a toda a construção.

Nas partes comuns dos edifícios, em princípio, não podem os condóminos obrar ou proceder a quaisquer reparações, salvo se se apresentarem indispensáveis e urgentes e, mesmo assim, na falta ou impedimento do administrador –art. 1427º C.Civil.
Quando não haja administrador ou este esteja impedido ou não possa intervir e seja necessário proceder com urgência a obras que se apresentem como indispensáveis, qualquer condómino pode efectuá-las por si, sendo as despesas repartidas segundo os critérios estabelecidos no art. 1424º C.Civil.
A urgência da reparação é, no dizer de P. Lima e A. Varela [ob. cit., em anotação ao art. 1427º], o diapasão pelo qual se mede a legitimidade da intervenção do condómino não administrador, sendo em função do grau dessa urgência que inclusivamente se determinará a existência de impedimento do administrador.
Para uma reparação ser considerada urgente é necessário que o dano a evitar com a reparação seja premente ou eminente; que a reparação não se coadune com delongas.

Na situação vertente, além de nem sequer ter sido questionado, é indubitável que as obras efectuadas pela apelante o foram em parte comum do edifício, já que erigidas no terraço de cobertura.

Por outro lado, está factualmente demonstrada, de modo inequívoco, a urgência de realização das obras.
Efectivamente, desde a década de 80 que o piso da autora vem sofrendo de infiltrações de humidade provenientes do terraço de cobertura. Problemas de infiltração que não foram solucionados com as obras entretanto realizadas e que se agravaram. Se as obras não fossem realizadas no momento em que o foram, a habitação da autora ficava em risco -cfr. nºs 4 a 7 e 22 dos factos assentes.
O risco que corria a habitação da apelante não se compadecia com qualquer delonga na realização das obras destinadas a evitar a infiltração de humidades.

E o tipo de obras realizadas eram indispensáveis a prevenir as infiltrações de humidades e os consequentes danos daí emergentes.
De acordo com a factualidade provada, já haviam sido tentadas soluções várias e não se conseguiram eliminar as referidas infiltrações. Na verdade, desde a década de 80 que as infiltrações vinham acontecendo e nem uma firma da especialidade as conseguiu então eliminar, nem posteriormente o problema ficou resolvido aquando de nova intervenção para debelar tal deficiência –cfr. nºs 4, 5 e 7 dos factos assentes. E quando a apelante deu início às obras foram os técnicos de opinião que, na situação concreta, a melhor solução passava, em termos técnicos e económicos, pela colocação de um telhado –cfr. nºs 17, 19 e 22 dos factos assentes.
A obra concretamente erigida era a que oferecia melhores condições de eficácia e durabilidade, sendo, por isso, a obra adequada a prevenir as deficiências que o prédio apresentava.
Daí que o tipo de obra realizada fosse indispensável para resolver os graves problemas de humidades que se verificavam no prédio, com especial incidência na fracção da apelante.

Para legitimar a feitura das obras por um dos condóminos necessário se torna ainda que não haja administrador ou que este não possa intervir.
Sufragamos inteiramente a posição assumida na sentença recorrida quando aí se afirma que, a recusa do administrador na realização das obras, legitima a actuação do condómino.
Seria incompreensível que, perante a recusa do administrador na realização de obras urgentes e indispensáveis, tivesse o condómino que o convencer a actuar mediante uma providência judicial, sabido que a situação concreta de iminente perigo não se compadeceria com as delongas que uma decisão deste tipo sempre acarreta. Seria impossibilitá-lo na prática de remediar uma situação de consequências gravosas.
Por isso, no espírito da lei e presumindo-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas (nº 3 do art. 9º C.Civil), tem de se considerar que na falta do administrador se inclui a sua voluntária inacção para realização das obras urgentes e imprescindíveis. Na expressão legal falta do administrador cabe perfeitamente a sua voluntária falta de actuação no desempenho das respectivas funções.
A apelante diligenciou inúmeras vezes junto da Administração do Condomínio e da Assembleia de Condóminos no sentido de ver realizada as obras necessárias a evitar as infiltrações. Começou a sua luta na década de 80, continuou em 1993 e 1994 a confrontar aqueles órgãos com as infiltrações que entretanto voltaram a acontecer, para em 1998 insistir pela realização das obras, apresentar orçamentos dos respectivos custos e fixar um prazo limite para a Administração as começar. Mas todas estas diligências não foram suficientes para provocar a realização das obras- cfr. nºs 4 a 7 e 9 a 15 dos factos assentes. E só após todas estas diligências se terem frustrado e na iminência de risco para a sua habitação causada pela não realização das obras, é que tomou a iniciativa de as fazer por si.
Estava, portanto, perfeitamente legitimada a intervenção da apelante/condómina para realização das obras necessárias e urgentes de reparação do edifício.
2.2 demolição das obras realizadas

Dando, porém, acolhimento à pretensão da Administração, manifestada em sede reconvencional, foi ordenada a demolição das obras realizadas, à custa da apelante, por se ter considerado que se está perante uma inovação e que não teve a aprovação da maioria de 2/3 dos condóminos.
A obra de reparação erigida pela apelante consiste numa construção metálica de ferro metalizado, com cobertura e porta de duas folhas, com peso superior a uma tonelada, assente sobre a placa de cobertura do prédio –cfr. nºs 26 e 27 dos factos assentes.
Independentemente de constituir ou não uma inovação e afectasse ou não o arranjo estético e harmonia arquitectónica do prédio, o que até nem se provou que acontecesse, o certo é que esta foi o tipo de obra necessária e imprescindível para obviar e solucionar de vez as infiltrações de humidades que se verificavam no prédio, com especial incidência na fracção da apelante e pôr fim ao risco que esta fracção corria. E tecnicamente foi a solução aconselhada, porque mais eficaz, de maior durabilidade e mais económica.
Este projecto, juntamente com um outro, foi enviado à Administração, mas este órgão nada disse e manteve-se na sua inactividade.
Depois de tudo isto, vir ainda reclamar a demolição da obra efectuada, a única mais adequada a resolver os problemas de infiltração, constitui verdadeiramente um excesso reprovável do exercício de um direito. A reconvinte demonstrou apenas preocupação com a estética do prédio, mas já menosprezou o direito, de consagração constitucional, a uma habitação saudável.
A reconvinte está a exorbitar dos fins próprios desse seu direito no contexto em que o exerce, ofendendo clamorosamente o sentimento jurídico socialmente dominante. Em suma, é claramente abusivo o exercício deste direito, o que sempre neutralizaria o pedido de demolição das obras em causa.

Para além disso, dir-se-á ainda que assenta numa incongruência a decretada demolição das obras por não ter sido autorizada a sua feitura por 2/3 dos condóminos.
Esta obra, como já referido, era urgente e indispensável para reparação do edifício e a adequada a obviar a consequências danosas na habitação da apelante.
Foi apresentado o seu projecto e solicitada a sua execução quer à Administração quer à própria Assembleia de Condóminos e nada foi feito. Este órgão deliberativo nada decidiu, mantendo-se também inactivo.
Perante a urgência que a situação reclamava, outra solução não restava à apelante que tomar a iniciativa de efectuar as obras em causa, independentemente de autorização dos condóminos, que tacitamente a não tinham dado.

Dir-se-á finalmente que a obra em causa não é de carácter inovatório.
Obras inovadoras são todas as alterações introduzidas na forma ou substância do prédio, bem como a alteração da sua afectação. São alterações que trazem algo de novo ao prédio, quer criando algo benéfico quer levando ao desaparecimento de coisas que existiam.
Diferente de inovações são as obras de reparação do prédio. Com estas tem-se em vista intervir na estrutura física do prédio com o único objectivo de suprir deficiências que apresente; de restaurar eventuais danos, de construção ou outros, que tenham afectado o edifício. E mesmo que a respectiva reparação implique a realização de obras que de algum modo interfiram com a fisionomia do prédio, nem por isso serão inovadoras.

É, assim, de concluir que as obras de reparação urgentes e indispensáveis nas partes comuns do edifício não têm carácter inovatório e podem ser realizadas por iniciativa de qualquer condómino, quando o administrador se recuse a efectuá-las.

3. responsabilidade pelo custo das obras

Decidido que a apelante estava legitimada para realizar as obras em causa e que estas não podem ser demolidas, impõe-se agora averiguar quem suporta o seu custo.
Porque de reparações indispensáveis se tratava e com cunho urgente, a apelante, enquanto condómina, podia tomar a iniciativa dessas obras –art. 1427º C.Civil, sendo o seu custo repartido por todos os condóminos na proporção do valor das suas fracções - art. 1424º C.Civil.
Esta solução emerge linearmente dos invocados preceitos legais, não suscitando qualquer dúvida.

Acontece, porém, que não ficou apurado o montante exacto das despesas suportadas pela apelante na realização dessas obras, pelo que há que relegar o seu apuramento para liquidação em execução de sentença (nº 2 do art. 661º C.Pr.Civil), importância essa abatida da quota-parte a suportar pela apelante/condómina.

IV. Decisão

Perante tudo quanto exposto fica, acorda-se em julgar procedente a apelação e, na revogação da sentença recorrida, acorda-se:
em condenar a 1ª ré, Administração do Condomínio, a pagar à apelante a quantia correspondente ao custo das obras de reparação por si realizadas na parte comum do edifício, abatida da quota-parte que ela própria tem de suportar, quantia essa a liquidar em execução de sentença;
em julgar improcedente o pedido reconvencional deduzido pela reconvinte Administração do Condomínio, com a consequente absolvição da autora;
condenar nas custas a ré Administração do Condomínio.

Porto, 25 de Outubro de 2005
Alberto de Jesus Sobrinho
Mário de Sousa Cruz
Augusto José Baptista Marques de Castilho