Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0733360
Nº Convencional: JTRP00040633
Relator: ATAÍDE DAS NEVES
Descritores: INSOLVÊNCIA
FACTO-ÍNDICE
Nº do Documento: RP200710040733360
Data do Acordão: 10/04/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: LIVRO 733 - FLS. 29.
Área Temática: .
Sumário: I – Sem prejuízo do estatuído na al. g) do nº1 do art. 20º do CIRE, o incumprimento de só alguma ou algumas obrigações apenas constitui facto – índice de insolvência quando, pelas suas circunstâncias, evidencia a impossibilidade de pagar, devendo o requerente, então, juntamente com a alegação de incumprimento, trazer ao processo essas circunstâncias, das quais seja razoável, uma vez demonstradas, deduzir a penúria generalizada.
II – Fundamental é que haja o incumprimento generalizado dentro de cada categoria de obrigações, não bastando, por isso, que o devedor deixe de cumprir as inerentes a um contrato, mantendo a satisfação das que resultam de outros.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

B…………………….., SA, sociedade de direito espanhol, com sede em ………………., Espanha, instaurou no Tribunal Judicial de Vila Real, onde foi distribuído ao ….º Juízo sob o nº ………./06.8TBVLR, o presente processo de Insolvência contra C…………………., L.da, com sede na …………………., Lote……, ………, Lugar………….., Concelho de Vila Real, requerendo a declaração da insolvência da requerida, para tanto alegando, em síntese, que a requerida não tem condições para cumprir as obrigações contraídas, não lhe sendo conhecido qualquer património e tendo cessado a sua actividade.

Citada a requerida, esta veio deduzir oposição, admitindo a existência da dívida para com a requerente, mas afirmando estar em laboração, ter património e estar em condições de satisfazer as suas dívidas, entre as quais a dívida de € 2000,00 perante D………………, L.da, concluindo no sentido da improcedência da acção.

Realizou-se a audiência de julgamento nos termos da respectiva acta de fls. 76 e segs, na qual foi exarada a sentença que julgou improcedente a acção, “não se decretando a insolvência da requerida”.

Inconformada, a requerente veio apelar para este Tribunal da Relação, oferecendo as suas alegações, que terminam com as seguintes conclusões:
1 – a recorrrente é credora da recorrida pelo valor de fornecimentos que lhe fez entre Julho e Setembro de 2005, fornecimentos que a recorrida recebeu bem como as respectivas facturas;
2 – os fornecimentos são do valor global de 15.233,15 € e as facturas, que tinham data de venciomento marcada, estão vencidas e por pagar (uma desde 12.09.2005, outra desde 13.09.2005 e as restantes duas desade 29.12.2005);
3 – reconhecendo ser devedora, a recorrida entregou um cheque à recorrente, da importância de 12.423,36 €, datado de 31.03.2006, para ser apresentado a pagamento não antes dessa data;
4 – a recorrente apresentou o cheque a pagamento como combinado, mas o banco não o pagou porque a sacadora o informara de que o cheque se extraviara;
5 – o que revela que a recorrida continuava a não ter condições para solver as suas obrigações vencidas;
6 – por outro lado, esse comportamento da recorrida é ética e comercialmente reprovável, pois deu a entender ao banco que a recorrente pretenderia apropriar-se do valor de um cheque extraviado.
7 – A empresa que se encontra impossibilitada de solver as suas dívidas vencidas para com os seus credores tem a obrigação de requerer a sua insolvência no prazo de 60 dias, como forma de acautelar os interesses dos seus credores – artº 3º nº 1 do CIRE,
8 – presumindo-se que existe culpa grave quando os responsáveis pela empresa, de direito ou de facto, não tomam essa iniciativa – artº 186º, nº 3 do CIRE;
9 – também os responsáveis pessoais da empresa, os seus credores e o MºPº podem requerer a insolvência da devedora quando, entre outros, se verificam os seguintes factos índices – cf. artº 20º do CIRE:
a) a suspensão generalizada do pagamento de obrigações vencidas
b) a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias de incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.
10 – Os factos elencados evidenciam a verificação destes índices pois que:
a) – mostram que desde Setembro de 2005 a recorrida não consegue pagar o que deve à recorrente;
b) – mostram que a mora da recorrida perdura para além do prazo que determina a sua apresentação à insolvência por iniciativa própria;
c) – mostram que o comportamento da recorrida se traduz no uso de expedientes reprováveis, ética e comercialmente, para não saldar as suas dívidas vencidas.
11 – Estão, por isso, verificados os factos-índices das alíneas a) e b) do nº 1 do artº 20º do CIRE que justificam a declaração da insolvência da recorrida por iniciativa do recorrente.
12 – Decidindo, como decidiu, o Mmº Juiz a quo fez uma incorrecta apreciação dos factos e uma inexacta aplicação do direito – artºs 3º e 20º do CIRE – aos mesmos factos,
13 – pelo que a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que decrete a insolvência da recorrida.
14 – Assim se fará, como se espera, JUSTIÇA!

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir, tendo presente que o recurso é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas se não encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (art. 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

Reunamos a matéria de facto que foi considerada provada:

1 – A A. É uma sociedade comercial que tem por objecto, para além de outros, a produção, exportação e comercialização de produtos pretolíferos e seus derivados.
2 – A Ré, por sua vez, é uma sociedade comercial que tem por objecto o comércio de materiais de construção e o comércio de portas de madeira e madeiras interiores.
3 – A Ré está matriculada na Conservatória do Registo comercial de Vila Real sob o nº 505324580 (cfr. certidão constante de fls. 22 a 24).
4 – No âmbito das respectivas actividades, entre Julho e Setembro de 2005, a A. forneceu à Ré lubrificantes, que esta recebeu, bem como as respectivas facturas, constantes dos doc. nº 2 a 5 dos autos, que aqui se dão como reproduzidos, das mesmas constando as datas de vencimento;
5 – Totalizam estas facturas € 15.233,15.
6 – De acordo com o convencionado, as facturas deviam ter sido pagas no seu vencimento, o que não ocorreu apesar das diligências e insistências da A..
7 – Para pagamento de parte da quantia em dívida, a R. emitiu e entregou à A. um cheque no valor de € 12.243,36, datado de 31 de Março de 2006, sacado sobre o Banco …………….
8 – Apesar das facilidades de pagamento concedidas pela A., a verdade é que não pagou nenhuma das facturas.
9 – O cheque foi apresentado a pagamento e devolvido pelo banco sacado com a indicação de cheque revogado por justa causa de extravio – como ficou c constar do seu verso.
10 - A R., por carta datada de 24 de Março de 2006 (e não 2004 conforma por lapso consta da sentença recorrida – vide doc. 7 constante de fls. 31 dos autos) solicitou à A. o adiamento de tal pagamento, para uma data a combinar posteriormente.
11 – Tal carta foi enviada à A., não por via postal, mas por via fax e somente em 5 de Abril de 2006, ou seja 5 dias após a data aposta no cheque, o que sempre impossibilitaria a A. de não o apresentar na referida data;
12 – O cheque referido em 9. estava emitido à ordem de B………….. e foi entregue em mão, tendo sido devolvido com a indicação de ter sido extraviado.
13 – A R. tem uma dívida para com a firma D………………, L.da;
14 – A R. tem património e activo, como demonstra o activo imobilizado da sociedade, que ascende a € 62.572,65.
15 – A R. tem actividade comercial e meios próprios, que respondem pelo seu passivo.

APRECIANDO:

Preceitua o art. 1º que o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente.
Como se lê nos pontos 3 e 6 do preâmbulo do CIRE, “O objectivo precípuo de qualquer processo de insolvência é a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores. (…) é sempre a vontade dos credores a que comanda todo o processo. (…) Aos credores compete decidir se o pagamento se obterá por meio da liquidação integral do pagamento do devedor, nos termos do regime disposto no Código ou nos de que constem de um plano de insolvência que venham a aprovar, ou através da manutenção em actividade e reestruturação da empresa, na titularidade do devedor ou de terceiros, nos moldes também constantes de um plano”.
Com vista a assegurar tal objectivo, o CIRE suprimiu a dicotomia recuperação/falência, que caracterizava o regime anterior e, - como igualmente se alcança do seu preâmbulo - afirmando a supremacia dos credores, promoveu, entre outras medidas, a desjudicialização do processo e a celeridade e simplificação processuais.

Dispõe o seu art. 3º nº 1 que é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.

Nos termos do art. 18º nº 1, o devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 60 dias posteriores à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no nº 1 do art. 3º, ou à data em que devesse conhecê-la.

De há muito que tem sido geral e pacificamente entendido pela doutrina e pela jurisprudência que, para caracterizar a insolvência, a impossibilidade de cumprimento não tem de abranger todas as obrigações assumidas pelo insolvente e vencidas.
Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda(1), o que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, par ao obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
Assim mesmo, pode até suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações ou até de uma única, indicie, só por si, a penúria do devedor, característica da sua insolvência, do mesmo modo que o facto de continuar a honrar um número quantitativamente significativo pode não ser suficiente para fundar saúde financeira bastante.
Como se pode ler no ponto 19 do preâmbulo do CIRE, a situação de insolvência definida no art. 3º nº 1 é, pois, o único pressuposto objectivo da declaração de insolvência.
Mas há factos que, pela experiência da vida, manifestam a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações, que é a pedra de toque do instituto. Estes factos estão enunciados nas diversas alíneas do nº 1 do art. 20º e são correntemente designados por factos-índices ou presuntivos da insolvência, através dos quais a situação de insolvência se manifesta ou exterioriza. Por isso, a verificação de qualquer um deles permite presumir a situação de insolvência do devedor(2).
Além disso, a verificação de, pelo menos, um daqueles factos, é condição necessária para a iniciativa processual dos sujeitos mencionados no mesmo normativo(3).
Sendo a insolvência requerida por uma entidade diversa do devedor, a causa de pedir do processo de falência – que consiste no facto do qual decorre a impossibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações (art. 3º nº 1), só poderá ser indiciada pelos factos taxativamente enumerados no nº 1 do art. 20º(4).
Sendo a declaração de insolvência requerida por qualquer uma das pessoas legitimadas para o efeito pelo nº 1 do art. 20º, com base nalgum dos factos ali previstos, o devedor é citado para deduzir oposição, no prazo de 10 dias (art. 29º nºs 1 e 2 e 30º nº 1), cabendo-lhe provar a sua solvência, podendo a sua defesa basear-se na inexistência do facto em que se fundamenta o pedido formulado ou na inexistência da situação de insolvência (art. 30º nºs 3 e 4). Ou seja, cabe ao devedor ilidir a presunção que emana do facto-índice, trazendo ao processo factos e circunstâncias probatórias de que não está insolvente.

O que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do cumprimento evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos. Pode até suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações, ou até de uma única, indicie, só por si, a penúria do devedor, característica da sua insolvência, do mesmo modo que o facto de continuar a honrar um número quantitativamente significativo pode não ser suficiente para fundar saúde financeira bastante.

Impõe-se, portanto, averiguar se da factualidade provada resulta, de forma indiciária, a verificação de uma impossibilidade dos requeridos “de cumprir as suas obrigações vencidas”, designadamente se preenchem qualquer dos pressupostos mencionados no art. 20º.

Correspondendo ao art. 8º do CPEREF, com modificações relacionadas com a atribuição de legitimidade para a instauração da acção a quem for responsável legal pelas dívidas do insolvente e com a finalidade da intervenção dos credores, estabelece o art. 20º, nº 1:
“A declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou ainda pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, verificando-se algum dos seguintes factos:
a) Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas;
b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade do devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações;
c) Fuga do titular da empresa ou dos administradores do devedor ou abandono…
d) Dissipação, abandono, liquidação apressada ou ruinosa de bens e constituição fictícia de créditos;
e) Insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor;
f) Incumprimento de obrigações previstas em processo de insolvência…
g) Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses de dívidas de algum dos seguintes tipos:
i) Tributárias;
ii) De contribuições e quotizações para a segurança social;
iii) Dívidas emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato;
iv) Rendas de qualquer tipo de locação, incluindo financeira, prestações do preço da compra ou de empréstimo garantido pela respectiva hipoteca, relativamente a local em que o devedor realize a sua actividade ou tenha a sua sede ou residência.
h) sendo o devedor uma das entidades referidas no nº 2 do art. 3º, manifesta superioridade do passivo sobre o activo segundo o último balanço aprovado, ou atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas, se a tanto estiver legalmente obrigado
…”.
A lei basta-se com “algum” dos factos contidos nas diversas alíneas do art. 20º (cfr. nº 1, parte final), e os factos referidos no preceito constituem meros índices de insolvência tal como definida no art. 3º, a qual, todavia, tem que ficar demonstrada no processo.

O preceito – art. 20º - atribui aos credores o direito de, por iniciativa própria, requererem a insolvência do devedor e, para isso, prevalecer-se-ão da verificação de determinados factos ou situações cuja ocorrência objectiva pode, nos termos da lei, fundamentar o pedido. “Trata-se daquilo a que, correntemente, se designa por factos-índices ou presuntivos da insolvência, tendo precisamente em conta a circunstância de, pela experiência da vida, manifestarem a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações, que é a pedra de toque do instituto”.

Asseveram Carvalho Fernandes e João Labareda, que o estabelecimento de factos presuntivos da insolvência tem por principal objectivo permitir aos legitimados o desencadeamento do processo, fundados na ocorrência de alguns deles, sem haver necessidade de, a partir daí, fazer a demonstração efectiva da situação de penúria traduzida na insusceptibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, nos termos em que ela é assumida como característica nuclear da situação de insolvência.
Caberá então ao devedor trazer ao processo factos e circunstâncias probatórias de que não está insolvente, pese embora a ocorrência do facto que corporiza a causa de pedir. Por outras palavras, cabe-lhe ilidir a presunção emergente do facto-índice, solução que se encontra consagrada nos nºs 3 e 4 do art. 30º.

O incumprimento de só alguma ou algumas obrigações apenas constitui facto-índice quando, pelas suas circunstâncias, evidencia a impossibilidade de pagar, devendo o requerente, então, juntamente com a alegação de incumprimento, trazer ao processo essas circunstâncias, das quais seja razoável, uma vez demonstradas, deduzir a penúria generalizada.

Só assim não será quando o incumprimento diga respeito a um dos tipos de obrigações enumeradas na al. g) porquanto, tal ocorrência, alusiva ao cumprimento de obrigações fiscais, verificada pelo período de seis meses aí indicado fundamenta, só por si, sem necessidade de outros complementos, deixa para o devedor o ónus de demonstrar a inexistência da impossibilidade generalizada de cumprir e, logo, da insolvência.

Fundamental é que haja o incumprimento generalizado dentro de cada categoria de obrigações, não bastando, por isso, que o devedor deixe de cumprir as inerentes a um contrato, mantendo a satisfação das que resultam de outros. Aquela eventualidade só será relevante se, nesse caso, apenas houver um título fonte das obrigações que se consideram, porque então já existe a presunção bastante de incumprimento geral de obrigações de um mesmo tipo.

Feitas estas considerações, importa integrá-las na matéria de facto.
O que ficou provado gira tão-só em torno das relações comerciais havidas entre a requerente e a requerida, e bem assim em relação à credora D………………, embora quanto a este nem tenha resultado provado o montante da dívida.
Nada resultou provado em relações a eventuais relações comerciais da requerida com outras entidades, que de alguma forma possam espelhar a sua situação económico-financeira.
Também não resultou provado que os negócios havidos entre a Requerente e a requerida constituam o universo negocial desta, por forma a poder-se concluir que, afinal, o não pagamento do crédito daquela, apesar de isolado, constitui o não pagamento generalizado das suas obrigações.

Ficou apenas, provado, no essencial que a requerida é devedora à requerente do montante titulado nas facturas constantes de fls. 26 a 29, datadas de 12 e 13 de Julho de 2005 as primeiras e a terceira e quarta de 29 de Setembro de 2005, que totalizam € 15.233,15, cujo pagamento deveria ter sido efectuado nas datas dos respectivos vencimentos nelas consignados.
Tendo a R. emitido e entregue à A., para pagamento de parte daquela quantia, um cheque no valor de € 12.423,36, datado de 31.03.2006, sacado sobre o ………….., foi esse cheque apresentado a pagamento pela A. devolvido pelo banco sacado com a indicação de ter sido revogado por extravio.
Dos factos provados resulta também que a R., em 5 de Abril de 2006, pedira à A. o adiamento de tal pagamento, para uma data a combinar posteriormente, sendo que tal solicitação fora feita 5 dias após a data aposta no cheque, quando o cheque já tinha sido entregue a pagamento.
É apenas este o historial debitório apurado no âmbito das relações comerciais requerente/requerida.

Nada mais de sabe de outros créditos, de que outras pessoas e entidades sejam credoras sobre a requerida, a não ser a mera menção de que a requerida A R. tem uma dívida, de montante não apurado, para com a firma D……………….., L.da, pelo que a questão reside em saber se a referida factualidade constitui ou não um facto-índice que, pelas suas circunstâncias, evidencie impossibilidade de pagar, ou, dito de outro modo, seguindo de perto o ensinamento dos autores acima citados, se a requerente apelante demonstrou que as circunstâncias negociais referidas levam a concluir que a requerida se encontra em penúria generalizada e é inviável economicamente.

Estamos em crer que a resposta não pode deixar de ser negativa, não obstante a censurabilidade da conduta da requerida quanto ao “extravio” do cheque, conduta esta que eventualmente poderá ser passível de sanção noutros planos judiciários (?) que não este.

Com efeito, tendo em conta a matéria alegada, o pedido formulado não tem acolhimento em qualquer das hipóteses consagradas no art. 20º da CIRE:

Desde logo, porque não foi demonstrada a suspensão generalizada, por parte da Requerida, de pagamentos das obrigações vencidas, limitando-se a requerente a invocar apenas uma só obrigação da Requerida, titulada nas facturas e no cheque, não indicando quaisquer outros débitos, designadamente a outros credores, podendo as demais (outras) obrigações da requerida ter sido pontualmente cumpridas – Fica afastada a hipótese da al. a).

Por outro lado, embora o montante das obrigação em causa não seja de diminuto valor, importará ter presente que o mesmo, só por si não evidencia que a devedora esteja impossibilitada de satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações – Fica afastada a hipótese da al. b).
Não foi alegada matéria de facto subsumível às al. c) e d).
Também não foi alegado qualquer processo executivo donde resultasse a verificação da insuficiência de bens penhoráveis – ficando afastada a hipótese da al. e).
As previsões constantes das al. f), g) e h) também não são adaptáveis ao caso concreto.

Haverá que concluir, assim que a factualidade apurada não permite a conclusão de insolvência pretendida pela apelante, pelo que, assim indemonstrada a penúria generalizada da sociedade requerida, a nenhum dos administradores se impunha a obrigação de requerer a insolvência da mesma, tal como impõe o art. 18º nº 1 do CIRE, sendo também descabido, como tal, tecer considerandos quanto à culpabilidade a que alude o art. 186º do mesmo diploma.
Merece a sentença recorrida inteira confirmação.

DECISÃO

Por todo o exposto, Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela apelante.

Porto, 04 de Outubro de 2007
Nuno Ângelo Raínho Ataíde das Neves
António do Amaral Ferreira
Manuel José Pires Capelo
___________
(1) Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Vol. I. pag. 70 e 71
(2) Ob cit., pag 131; também Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência, 17.
(3) Catarina Serra, ob. cit., 18.
(4) Isabel Alexandre, “O Processo de Insolvência: Pressupostos Processuais, Tramitação, Medidas Cautelares e Impugnação da Sentença”, Revista Themis, Edição Especial 2005, 59.