Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0626170
Nº Convencional: JTRP00039793
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: INVENTÁRIO
RELAÇÃO DE BENS
RECLAMAÇÃO
PRAZO
Nº do Documento: RP200611290626170
Data do Acordão: 11/29/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 233 - FLS 98.
Área Temática: .
Sumário: Do decurso do prazo previsto no art.1348º nº1 do CPC (dez dias para deduzir reclamação contra a relação de bens) não decorre que fique precludido o direito de os interessados apresentarem reclamação em momento posterior.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 6170/06-2
Agravo
Tribunal de Família e Menores do Porto – .º juízo, .ª secção – proc. …-C/2002
Recorrente – B……….
Recorrido – C……….
Relator – Anabela Dias da Silva
Adjuntos – Desemb. Lemos Jorge
Desemb. Pelayo Gonçalves

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – Nos presentes autos de inventário para separação das meações do ex-casal, dissolvido por divórcio, e composto por C………. e B………., e onde aquele desempenha as funções de cabeça de casal, foi junta aos autos a respectiva relação de bens.
Notificada da junção aos autos da referida relação de bens, veio a interessada B………, alegando a complexidade da mesma e a sua própria indisponibilidade profissional para aferir da exactidão do seu conteúdo, pedir a prorrogação do prazo para apreciação e eventual reclamação contra tal relação de bens, por mais 15 dias.
O tribunal deferiu ao requerido e prorrogou o prazo em apreço por mais 10 dias.
Posteriormente, veio a interessada B………., alegando que só nessa ocasião havia reunido os elementos necessários para formular reclamação contra tal relação de bens, pedir que o tribunal lhe prorrogasse o prazo por mais 10 dias.
Tal pedido foi indeferido.
De seguida, veio a referida interessada juntar a sua reclamação contra a relação de bens, a qual, o tribunal não admitiu nos autos, por a ter julgado extemporânea, tendo ordenado o seu desentranhamento e devolução à parte.
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Inconformada com o teor de tal despacho, dele recorreu a interessada B………., o que foi admitido como agravo, a subir imediatamente e em separado.
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O Mmº juiz “a quo” manteve a sua decisão.
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A recorrente juntou aos autos as suas alegações, pedindo a revogação do despacho recorrido e onde formula as seguintes conclusões:
1. Nada impedia o Mmº juiz “a quo” de prorrogar à recorrente, pela segunda vez, o prazo legalmente estabelecido para a apresentação da reclamação à relação de bens.
2. Aos inventários não se aplica a norma, nem a disciplina, do nº 2 do artº 147º do CPCivil.
3. Ao não prorrogar o prazo para a apresentação da reclamação cometeu um acto que a lei não tutela e como tal o seu despacho de indeferimento é nulo e de nenhum efeito.
4. Não obstante, nunca a extemporaneidade da apresentação da reclamação à relação de bens determina o seu desentranhamento e devolução à apresentante.
5. A sua aceitação é possível até ao momento do trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, atento o disposto no nº 6 do artº 1348º do CPCivil.
6. Ao não aceitar a reclamação à relação de bens não obedeceu o despacho recorrido aos princípios da celeridade e da economia processual.
7. A única penalidade para a apresentação tardia de tal reclamação é a multa.
8. Assim, mal foi o juiz “a quo” ao não aceitar a reclamação da recorrente.
9. Por sua vez o despacho recorrido é nulo e de nenhum efeito, por infundamentado.
10. Violou assim o despacho recorrido, entre outras, as normas dos artºs 145º nº3, 1348º nº 6 e 1353º nº 4 al. b), todos do CPCivil.
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O recorrido não juntou aos autos contra-alegações.

II – Dos autos resultam assentes os seguintes factos, com interesse para a decisão do presente recurso:
1. B………. requereu o inventário para partilha do património comum do casal, dissolvido por divórcio, e composto por si e C………. .
2. Nesse inventário B………. desempenha as funções de cabeça de casal.
3. O referido cabeça de casal juntou aos autos a necessária relação de bens.
4. Do teor de tal relação de bens foi a interessada B………. notificada, em 27.03.2006, para, querendo, em 10 dias, dela reclamar.
5. Em 19.04.2006, a referida interessada, alegando a complexidade da mesma e a sua própria indisponibilidade profissional para aferir da exactidão do seu conteúdo, requereu nos autos a prorrogação do prazo para reclamar da relação de bens.
6. Por despacho proferido a 21.04.2006, foi tal requerimento deferido e o prazo prorrogado por mais 10 dias.
7. Desse despacho foi a interessada notificada a 24.04.2006.
8. Por requerimento enviado por correio registado de 5.05.2006, veio aquela interessada requerer nova prorrogação de tal prazo.
9. Por despacho proferido nos autos e notificado à interessada B………. em 15.05.2006, foi indeferido esse seu pedido.
10. Em 18.05.2006, a referida B………. juntou aos autos a sua reclamação contra a relação de bens.
11. Por despacho proferido a 22.05.2006, de que agora se recorre, não foi admitida nos autos a referida reclamação contra a relação de bens, por ter sido considerada “extemporânea”.

III - O âmbito do recurso é definido pelas conclusões das alegações, não podendo o tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que se trate de questões de conhecimento oficioso, cfr. artºs 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3, ambos do CPCivil, sendo o seu objecto delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida, pelo que é questão a decidir nos autos:
1ª – Saber se o decurso do prazo previsto no nº1 do artº 1348º do CPCivil para a apresentação de reclamação contra a relação de bens é preclusivo do direito a reclamar?
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O processo de inventário que, como processo especial que é, regula-se, em primeiro lugar, pelas disposições especiais que lhe são próprias, em segundo lugar, pelas disposições gerais e comuns e, por último, em tudo o que não estiver previsto numas e noutras, pelas disposições estabelecidas para o processo ordinário, cfr. artº 463º nº 1 e Título IV, Capítulo XVI do CPCivil.
O processo de inventário destina-se a pôr termo a uma comunhão patrimonial, a partilhar o património que integra essa massa comum, hereditária se se trata da partilha de bens da herança de uma pessoa falecida, ou o património comum do casal quando se trata, como é o caso dos autos, de inventário para partilha dos bens do casal subsequente ao divórcio, cfr. artºs 1326º nº 1, 1ª parte, e 1404º nº 1, ambos do CPCivil.
Incumbe ao cabeça-de-casal relacionar os bens a partilhar, os bens da herança ou os que compõem a comunhão patrimonial dos cônjuges, devendo a relação de bens obedecer às regras previstas nos artºs 1345º e 1346º, ambos do CPCivil.
Apresentada a relação de bens são os restantes interessados dela notificados, podendo dela reclamar no prazo, normal, de dez dias, seja para acusar a falta de bens na relação apresentada e que devem ser relacionados, seja para requerer a exclusão de bens que se encontrem indevidamente relacionados.
Nos termos do artº 1334º do CPCivil, aplicável ao processo de inventário para partilha de bens comuns do casal “ex vi” do artº 1404º nº 3, também do CPCivil, à tramitação dos incidentes do processo de inventário, não especialmente regulados na lei, aplica-se o disposto nos artºs 302º a 304º, ambos do CPCivil.
É consabido que no inventário resolvem-se, em princípio, além de todas as questões de direito, aquelas questões de facto de que dependa a descrição e partilha. Ficando a resolução, dentro do processo de inventário, das questões que podem influir na determinação da partilha, condicionada à possibilidade de se poder produzir prova sumária relativamente a elas.
Mas, sendo o prazo de dez dias, previsto no artº 1348º nº1 do CPCivil, o prazo normal para deduzir reclamação contra a relação de bens, daí não decorre que fique precludido o direito de os interessados apresentarem reclamação em momento ulterior.
Na verdade, estipula o nº 6 de tal preceito legal, que as reclamações contra a relação de bens podem ainda ser apresentadas posteriormente ao prazo previsto no seu nº 1, mas o reclamante será condenado em multa, excepto se demonstrar que a não pôde oferecer no momento próprio, por facto que não lhe é imputável.
Destarte, é manifesto que a não apresentação de reclamação contra a relação de bens no prazo de 10 dias previsto no nº 1 do artº 1348º do CPCivil, não preclude o direito de reclamar, pelo que se não aplica o disposto no artº 147º do CPCivil.
Aliás e como se vem entendendo na jurisprudência e pese embora a reclamação contra a relação de bens tenha como prazo específico, o do exame do processo, ela pode sempre ter lugar até ao trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha.
Há pois que revogar a decisão recorrida, ordenando a admissão nos autos da reclamação contra a relação de bens apresentada pela interessada B………., sem prejuízo de ponderação sobre o que se dispõe no nº 6 do artº 1348º do CPCivil.

IV – Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao presente agravo, revogando-se o despacho recorrido.
Custas pelo recorrido.

Porto, 29 de Novembro de 2006
Anabela Dias da Silva
Albino de Lemos Jorge
Rui Fernando da Silva Pelayo Gonçalves