Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0354248
Nº Convencional: JTRP00036261
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: EMPREITADA
DEFEITO DA OBRA
CADUCIDADE
ADMISSIBILIDADE
DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA
Nº do Documento: RP200310060354248
Data do Acordão: 10/06/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 6 J CIV MATOSINHOS
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Área Temática: .
Sumário: I - Não é pelo facto de uma testemunha ter interesse na decisão da causa que tal a inibe, legalmente, de depor, apenas essa circunstância constitui elemento que o tribunal deve sopesar em termos de credibilidade probatória.
II - Tendo o réu, empreiteiro e vendedor de um imóvel que apresenta defeitos de construção que lhe foram denunciados e que reconheceu - tal reconhecimento impede a caducidade do direito de accionar exercido pelo comprador que pretende a reparação dos efeitos e o pagamento de indemnização nos termos gerais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto


A Administração do Condomínio do prédio sito na Rua..., n°..., S. Mamede de Infesta, intentou, em 24.11.1997, pelo Tribunal de Círculo da Comarca de Matosinhos - actualmente 6º Juízo Cível - acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra:

António....

Peticionando a condenação deste:

- a reparar todos os defeitos motivados por construção defeituosa da obra;
- no pagamento da indemnização de 1.340.000$00 (um milhão trezentos e quarenta mil escudos) por danos patrimoniais e não patrimoniais,
ou, em alternativa;
- a pagar a quantia de 5.812.000$00 (cinco milhões oitocentos e doze mil escudos) correspondente ao orçamento de reparação, no montante de 4.472.000$00, acrescido da indemnização já referida, no montante de 1.340.000$00.

Alegou, em resumo, que:

- o réu, no âmbito da sua actividade de construtor civil, construiu o prédio sito na Rua..., n° ..., S. Mamede de Infesta, Matosinhos;

- este prédio foi, posteriormente, constituído em propriedade horizontal o qual tem vindo a apresentar defeitos de construção desde, pelo menos, a Primavera de 1996;

- o réu foi alertado, pelo Administrador do Condomínio e pelos condóminos do aparecimento daqueles vícios, desde o princípio do Verão de 1996;

- na sequência desses alertas, o réu efectuou várias deslocações ao prédio, no Outono de 1996, para se inteirar da sua degradação e comprometeu-se, então, a reparar os aludidos defeitos;

- os apontados defeitos importarão uma despesa não inferior a 4.472.000$00, acrescida de IVA;

- os condóminos despenderam em serviços de consultadoria e intervenção jurídica relacionados com este litígio o montante de esc. 290.000$00;

- os aludidos defeitos de construção provocam nos condóminos desconforto e tristeza resultante do estado deplorável em que se encontram as suas habitações.

Concluiu pedindo pela procedência da acção.

Na contestação/reconvenção, além de ter excepcionado com a ilegitimidade da Autora, o Réu invocou a caducidade do direito de accionar, porquanto a fracção “J” ( a 1ª a ser transaccionada) foi-o, em 6.11.92, pelo que já decorreram mais de 5 anos desde a data construção do prédio.

Além disso, impugnou os factos, alegando:

- que o reboco da empena do prédio confinante do lado nascente com o prédio em causa, particularmente a pastilha existente entre os dois prédios, caiu;

- foi a queda dessa empena que provocou a infiltração de humidades, alegada pela autora;

- o réu, por sua conta, fez deslocar, pelo menos três vezes, ao prédio três funcionários da empresa, tendo-lhes sido dito que “naquela altura não podia ser - voltem noutra altura”;

- pelo tempo perdido por aqueles funcionários, o réu teve de pagar à aludida empresa o montante de 100.000$00;

- na sequência deste litígio, o réu despendeu em serviços de consultadoria e intervenção jurídica o montante de 300.000$00.

Pugnou pois, pela improcedência do pedido e procedência da reconvenção.

Na réplica a Autora pugnou pela improcedência das excepções, bem como do pedido reconvencional.
***

Proferiu-se despacho saneador no qual se julgou o Tribunal competente, o processo isento de nulidades, a personalidade, capacidade e legitimidade das partes, tendo-se relegado o conhecimento da caducidade para a sentença.

***

A final foi proferia sentença que:

- condenou o Réu António..., a reparar todos os defeitos motivados por construção defeituosa da obra constantes da matéria de facto prova, ou, em alternativa;
- pagar à Autora o montante de € 20.750 (vinte mil setecentos e cinquenta euros) com IVA já incluído;
- condenou o Réu a pagar aos condóminos, que não o R., representados pela Autora, a quantia de € 1.500 (mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais.

- Julgou improcedente o remanescente do pedido e dele se absolveu o Réu.

- Julgou improcedente o pedido reconvencional e dele se absolveu a Autora/reconvinda.

***


Inconformado recorreu o Autor, que, alegando, formulou as seguintes conclusões:

1ª- A Autora intentou a presente acção em representação de diversos condóminos - com exclusão do próprio Réu, que também é condómino - alegando factos que têm a ver com danos nas fracções autónomas, para além das partes comuns;

2ª- A Autora, ao intentar a Acção como Administração do Condomínio, teria de se limitar aos danos ocorridos nas partes comuns e não nas fracções autónomas;

3ª- A Autora não tem qualquer legitimidade - a sua representação nem sequer foi ratificada - para litigar contra ao R. em representação dos condóminos, relativamente aos danos nas fracções autónomas;

4ª- A Autora não fez prova - enquanto representante dos condóminos e relativamente às fracções autónomas - quanto à propriedade das mesmas;

5ª- As testemunhas arroladas pela Autora são todas, com excepção de José..., proprietários de fracções autónomas e, dado que se peticionam indemnizações para os mesmos, seja a título de danos morais, seja por danos nas suas próprias fracções, estavam impedidas de depor como testemunhas, porquanto poderiam depor como partes – art. 617º do Código de Processo Civil;

6ª- O depoimento de tais testemunhas não pode ser tido em consta, o que determina que a douta sentença fique afectada por falta de fundamentação;

7ª- Consequentemente, toda a matéria que tem a ver com factos que se destinem a afastar a caducidade, falece, determinando, em consequência, que caducou o direito dos condóminos a peticionar qualquer indemnização;

8ª- O art. 1225° do Código Civil apenas se aplica ao caso concreto na versão anterior aquela que lhe foi dada pelo D.L. nº267/94, de 25 de Outubro;

9ª- Não se aplica, por isso, ao caso concreto, o disposto nos nºs. 3 e 4 do art. 1225°, nem sequer o empreiteiro - o aqui R. - responde por “erros na execução dos trabalhos”, nomeadamente perante “terceiros adquirentes” - os proprietários das fracções;

10ª- O R. foi citado muito para além do prazo de garantia do prédio - a primeira fracção vendida ocorreu em 6.11.92 e o R. apenas foi citado em 16 de Janeiro de 1998;

11ª- O Tribunal não atendeu ao Relatório elaborado pelo perito que ...ele mesmo nomeou, bem mais recente que aquele elaborado por uma testemunha da Autora, que não teve intervenção, nem sequer “sindicância” do R.; ..

12ª- Segundo o Relatório do perito do Tribunal, boa parte dos pretensos defeitos de construção estão corrigidos - á data da inspecção;

13ª- Segundo o Relatório do perito do Tribunal, boa parte das humidades ocorrem por condensação determinadas pelo facto de inexistir aquecimento (os condóminos adquiriram um prédio sem aquecimento, por um determinado preço, sendo certo que, com aquecimento, o preço seria bem mais elevado) bem assim como pelo facto de manterem os respectivos compartimentos fechados - talvez por razões de segurança;

14ª- Segundo o Relatório do perito do Tribunal, a humidade detectada num dos quartos de banho, foi determinada por danificação da tubagem do WC do andar superior;

15ª- Segundo o Relatório do perito do Tribunal, apenas um compartimento de uma habitação mostrava que o parquet havia sido levantado;

16ª- Segundo o Relatório do perito nomeado pelo Tribunal, grande parte das questões suscitadas foram já solucionadas, sendo que o custo da sua reparação não ultrapassam um montante na ordem dos € 12.500 e não € 20 750 como consta da douta Sentença;

17ª- Não foi junto qualquer recibo demonstrativo do pagamento de tais reparações;

18ª- Ficamos sem saber qual o montante dos prejuízos nas partes comuns bem assim como nas fracções autónomas, individualmente;

19ª- O Tribunal condenou o R. a reparar todos os defeitos motivados por construção defeituosa da obra, constantes da matéria de facto provada, quanto, afinal, no teor do perito do Tribunal, tais defeitos estão maioritariamente solucionados;

20ª- O Tribunal não pode condenar o R. a reparar o que reparado está, porquanto, mesmo que o R. se conformasse com a Sentença, seriam impossível dar-lhe cumprimento;

21ª- O montante fixado pelo Tribunal a título indemnizatório, é deveras exorbitante, tendo em conta o que consta do Relatório elaborado pelo perito nomeado;

22ª- O Tribunal não fundamenta o facto pelo qual não atendeu ao Relatório do seu próprio perito, que, a final, não mereceu reparo das partes, optando por um outro elaborado por uma testemunha arrolada pela Autora, anos antes da data do Julgamento, bem assim como do Relatório elaborado pelo perito do Tribunal;

23ª- A Sentença está, por isso, infundamentada.

24ª- O Meritíssimo Tribunal “a quo” não pode, salvo o devido respeito, condenar o R. a indemnizar a Autora por danos que se desconhece que mandou reparar, se mandou reparar, os respectivos custos, etc., tanto mais que não foram oferecidos quaisquer recibos;

25ª- O Tribunal não pode deixar de atender ao Relatório efectuado pelo perito por si nomeado, tanto mais que não foi contraditado em audiência de Julgamento - pelo menos não se confrontou o perito relativamente a dúvidas que o mesmo eventualmente suscitasse - particularmente ao Meritíssimo Juíz do Tribunal “a quo”.

Nestes termos deve revogar-se a sentença proferida, absolvendo-se o Réu do pedido como é de Justiça.

A Autora contra-alegou, pugnando pela confirmação do Julgado.

***


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir tendo em conta a seguinte matéria de facto:


1) O réu, no âmbito da sua actividade de construtor civil, construiu o prédio sito na Rua..., n° ..., S. Mamede de Infesta, Matosinhos.

2) Este prédio foi, posteriormente, constituído em propriedade horizontal, mediante escritura pública lavrada no 1º Cartório Notarial de Matosinhos.

3) O aludido prédio é constituído por uma edificação de quatro pisos, rés-do-chão, dois andares e andar recuado, tendo duas habitações por piso, num total de dez habitações.

4) A construção é uma estrutura de betão armado, com paredes em alvenaria de tijolo rebocada e revestimento a pastilha cerâmica, excepto as guardas das varandas que estão pintadas.

5) A fracção “J” foi a primeira vendida a Júlio..., por escritura pública celebrada no Cartório Notarial de Matosinhos, de 6 de Outubro de 1992.

6) A última venda feita pelo réu reporta-se à fracção “G” (2° esquerdo) e data de 24 de Janeiro de 1996.

7) A fracção “E” (1 ° esq.) ainda pertence ao réu e encontra-se à venda.

8) Este prédio tem vindo a apresentar defeitos de construção desde, pelo menos, a Primavera de 1996.

9) Apresenta fissuração nas paredes exteriores, com especial incidência nos panos de paredes rebocadas e pintadas.

10) Essa fissuração assume particular gravidade na varanda da fachada posterior da habitação do 3° andar esquerdo, cuja respectiva guarda apresenta uma fenda de grande dimensão em quase todo o seu comprimento, verificando-se, em consequência, o rompimento da tela asfáltica do piso da varanda.

11) Esta varanda do 3° andar esquerdo serve de cobertura às fracções situadas abaixo dela.

12) Apresenta humidades nos tectos e paredes dos vários compartimentos do prédio, motivadas por infiltrações de água e, fundamentalmente, por condensação.

13) E sinais de humidade no “parquet” em madeira.

14) Apresenta ainda deficiente isolamento térmico.

15) E manchas de humidade nos tectos dos quartos de banho.

16) As humidades supra referidas são consequência de fissuração nas paredes exteriores.

17) Deficiente ventilação do compartimento interiores.

18) Inexistem juntas de dilatação do prédio.

19) Existe infiltração de águas das chuvas pela cobertura do prédio, na zona da clarabóia da caixa de escadas.

20) E indevida fixação das placas translúcidas em plástico da cobertura.

21) Apresenta má vedação do sistema de drenagem de águas pluviais, designadamente no piso da varanda posterior da habitação do 1º andar esquerdo.

22) Essa má vedação ocasiona infiltração de águas visível no tecto da marquise da varanda do rés-do-chão esquerdo, na zona envolvente ao respectivo tubo de queda.

23) Apresenta má vedação do funil metálico do sistema de drenagem de águas pluviais.

24) O réu foi alertado, pelo Administrador do Condomínio e pelos condóminos, do aparecimento daqueles vícios, desde o princípio do Verão de 1996.

25) E da necessidade de proceder à sua reparação.

26) Mais recentemente, por escrito, fizeram-lhe igual alerta.

27) Na sequência desses alertas, o réu efectuou várias deslocações ao prédio, no Outono de 1996, para se inteirar da sua degradação.

28) O réu comprometeu-se, então, a reparar os aludidos defeitos.

29) Nunca efectuou qualquer reparação.

30) Pelo decurso do tempo, tais defeitos foram-se agravando.

31) O réu evidenciou incapacidade na construção do prédio.

32) A reparação dos apontados defeitos importará uma despesa não inferior a esc. 4.160.000$00 com IVA incluído.

33) Os condóminos despenderam em serviços de consultoria e intervenção jurídica relacionados com este litígio o montante de esc. 290.000$00.

34) Os aludidos defeitos de construção provocam nos condóminos desconforto e tristeza resultante do estado deplorável em que se encontram as suas habitações.


Fundamentação:

Sendo, em princípio, pelo teor das conclusões do recorrente, que se afere do objecto do recurso, são as seguintes as questões colocadas pelo Réu:

- legitimidade da Autora:

- se as testemunhas arroladas pela Autora - excepto a indicada na conclusão 5ª - poderiam depor, por serem proprietárias das fracções, alegadamente, com defeitos;

- se caducou o direito de accionar;

- o valor probatório do relatório do Perito nomeado pelo Tribunal;

- se o valor da condenação se acha correctamente fixado.

Vejamos:

A demandante accionou o Réu este na qualidade de empreiteiro do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, pelo facto de sendo ele construtor/vendedor de várias fracções estar se acharem com defeitos.

Nos termos do art. 1437º, nº3, do Código Civil o administrador do condomínio só dispõe de legitimidade para intentar acções relativas a questões de propriedade ou posse de bens comuns se a assembleia de condóminos lhe atribuir poderes especiais para o efeito.

“O administrador é o órgão executivo da administração das partes comuns do edifício e das deliberações da assembleia de condóminos” - Conselheiro Aragão Seia, in “Propriedade Horizontal -Condóminos e Condomínios”, pág.203.

Nas primeiras quatro conclusões do recurso, o recorrente suscita a questão da legitimidade da Autora ao insinuar que não poderia questionar senão alegados danos nas partes comuns.

Assim seria se não o administrador não dispusesse de poderes especiais para questionar defeitos de construção nas fracções.

Tal autorização consta da acta de fls.109, já referida no despacho saneador, onde foi expressamente julgada improcedente a alegação da ilegitimidade da Autora.

Tal despacho transitou em julgado pelo que é irrelevante o ressuscitar da questão já definitivamente resolvida.

Entende o recorrente que as testemunhas inquiridas em audiência de discussão e julgamento, não poderiam depor excepto a testemunha José... pelo facto deles, na qualidade de donos das fracções, poderem depor como partes – art. 617º do Código de Processo Civil.

Entende o apelante que tal impossibilidade implica que a sentença não esteja fundamentada, por tais depoimentos não poderem ser considerados.

Antes de mais importa afirmar que o Código de Processo Civil prevê meios para as partes reagiram, quer à proposição das provas, quer à sua efectiva realização.

Assim é que, quanto à prova testemunhal, o art. 636º do Código de Processo Civil estabelece que - “A parte contra a qual for produzida a testemunha pode impugnar a sua admissão com os mesmos fundamentos por que o juiz deve obstar ao depoimento”.

A impugnação tem lugar logo que finde o interrogatório preliminar - nº1 do art. 637º do Código de Processo Civil. Ora os donos das fracções só poderiam ser impedidos de depor se, no caso pudessem depor como partes - art. 617º do citado diploma - sendo, aqui, este o impedimento.

É certo que, naturalmente, teriam um interesse directo, mas tal não implica inadmissibilidade, antes constitui um elemento para o Tribunal avaliar o depoimento.

Com ensina Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, IV, 348:

“O princípio geral deve ser este: - Todas as pessoas devem ser admitidas a depor a fim de, com o seu o seu depoimento auxiliarem a descoberta da verdade. Se têm a posição de partes, é nessa qualidade que pode ser exigido o seu depoimento; se não tem essa posição, então hão-de depor como testemunhas. A circunstância de uma pessoa ter interesse directo na causa é elemento a que o juiz atenderá naturalmente para avaliar a força probatória do depoimento; mas não deve ser fundamento de inabilidade”.

O apelante carece de razão.

No caso em apreço quem é parte é o administrador do condomínio e não os proprietários das fracções, pelo que estes não sendo partes na causa não estão abrangidos pela proibição de depor.

Ademais, a administração do condomínio por ter personalidade judiciária é que pôde ser demandante – art. 6º e) do Código de Processo Civil.

Assim, não só os proprietários das fracções poderiam ter deposto como testemunhas, por o seu depoimento não ter sido em tempo próprio impugnado, como também, o poderiam fazer por não poderem depor como partes, já que não sujeitos activos ou passivos da acção judicial.

Na lógica decorrência do que afirmamos é manifesto que o Tribunal se poderia socorrer dos seus depoimentos para responder à matéria de facto inserida na Base Instrutória.

Quanto à caducidade:

Na contestação o Réu alegou a caducidade do direito de accionar com o fundamento de que a primeira fracção do prédio fora vendida em 6.11.1992, pelo que, entre a data da construção do prédio e da propositura da acção, haviam decorrido mais de cinco anos.

O conhecimento de tal excepção cujo ónus de prova cabia ao Réu - art. 342º, nº2, do Código Civil - foi relegado para final.

Na decisão recorrida considerou-se inexistir caducidade pelo facto de se ter julgado aplicável ao caso a redacção do art. 1225º do Código Civil, na versão do DL.267/94, de 25.10, que nos termos do nº5 deste diploma, entrou em vigor no dia 1.1.1995.

Mas será que tendo a 1ª venda ocorrido em 1992, e em relação a essa fracção se manifestaram defeitos, se aplica a nova redacção do art.1225º, nº4, do Código Civil ?

A lei, no concernente ao contrato de empreitada, reconhece ao dono da obra, em caso de incumprimento do empreiteiro, ou seja, quando a obra contiver defeitos; o direito de os denunciar, de exigir a respectiva eliminação ou nova construção se não puderem ser eliminados, o direito à redução do preço e à resolução do contrato, podendo sempre o dono da obra exigir indemnização pelos danos causados, nos termos gerais de direito - arts.1220º, 1221º 1222º e 1223º do Código Civil.

Por razões de certeza e segurança jurídica, o legislador estabeleceu prazos de caducidade para o exercício dos apontados direitos - art. 1224º do Código Civil.

No caso de o objecto da empreitada respeitar a imóveis destinados a longa duração o art. 1225º previu prazos diferentes, mais amplos.

Este normativo, antes da redacção introduzida pelo DL. 267/94, de 25.10, estabelecia o seguinte:
“1. Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219.° e seguintes, se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ruir, total ou parcialmente, ou apresentar defeitos graves ou perigo de ruína, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo para com o dono da obra.
2. A denúncia, neste caso, deve ser feita, dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia.”.

O art. 1225º do Código Civil - foi modificado pelo citado DL, que entrou em vigor, no dia 1.1.1995, que passou a estatuir:

“1. Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219º e seguintes, se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.
2. A denúncia, em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia.
3. Os prazos previstos no número anterior são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos, previstos no artigo 1221º.
4. O disposto nos números anteriores é aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado”- (redacção dada pelo artigo 3º do DL 267/94, de 25 de Outubro).

No que respeita ao contrato do compra e venda de coisa defeituosa, o comprador, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 913º e 914ºdo Código Civil, tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa ou a substituição dela, se for fungível; resultando dos arts. 915º e 916º o direito de ser indemnizado, no caso de anulação do contrato por ter havido erro do vendedor, tendo o comprador, nos termos dos arts. 916º e 917º do citado Código, de denunciar ao vendedor o vício do contrato, ou a falta de qualidade da coisa, excepto havendo dolo do vendedor, nos prazos curtos previstos no art. 916º, nº2, do Código Civil, e intentar a “acção de anulação por simples erro”, no prazo previsto no art. 917º, sob pena de caducidade.

O citado D.L. alterou, ainda, o art. 916º do Código Civil, que passou a ter a seguinte redacção:
“1. O comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa, excepto se este houver usado de dolo.
2. A denúncia será feita até trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa.
3. Os prazos referidos no número anterior são, respectivamente, de um e de cinco anos, caso a coisa vendida seja um imóvel”.

Este normativo estabelece um prazo de caducidade, tendo por limite cinco anos, após a entrega da coisa, sendo esta um imóvel, quando não tenha a qualidade exigida.

A razão desta alteração, bem como a da que foi introduzida ao art.1225º, foi justificada pelo legislador, nos seguinte termos (ut. preâmbulo):

“Verifica-se que o crescente desenvolvimento da construção imobiliária. bem como a acentuada melhoria de condições de vida, vem determinando, ao longo dos últimos anos, um aumento acentuado de transacções de imóveis.
Assim, se, por um lado, se deve continuar a incentivar o desenvolvimento da construção civil, por outro, há que garantir boas condições de uso e fruição dos imóveis. deste modo se satisfazendo. no que respeita a esta área, o direito do cidadão adquirente enquanto consumidor.
Na realidade trata-se de processo complexo no qual, relativamente a todos os interveniente o cidadão adquirente assume, economicamente, uma posição mais desprotegida. E, numa perspectiva de bem-estar social, aquele tem o direito a exigir o reconhecimento da qualidade do bem que compra, assim como, em situações adversas, a responsabilização dos vários agen-tes intervenientes no sector em causa.
Ora, admitindo-se, face ao actual regime jurídico consagrado nos arts. 916º e ss. e 1224.° e ss. do Cód. Civil, difi-culdades na integração de situações relacionadas com a existência de defeitos motivados por erros de construção e por erros de execução - o que, aliás, vem sendo evidenciado pela jurisprudência dos tribunais superiores -, entende-se alargar o prazo para a denúncia de tais defeitos e, bem assim, o período dentro do qual a mesma é admissível. no caso do contrato de compra e venda a que se refere o art. 916.(...)".

Foi, pois, preocupação do legislador, conferir maior protecção ao consumidor, no que respeita ao prazo para denúncia defeitos, agora substancialmente alargado, uma vez que, dada a natureza do objecto do contrato - um imóvel - os defeitos de construção, só se manifestam, quantas vezes, tardiamente, sendo muito exíguo e penalizador do comprador, o prazo constante da primitiva redacção do art. 917º do Código Civil.

A longa controvérsia existente na jurisprudência sobre a aplicabilidade do art. 1225º do Código Civil, ao contrato de compra venda de imóveis, quando o comprador pretendia denunciar os defeitos da coisa vendida e exercer o direito a reparação, está espelhada no Ac. Uniformizador de Jurisprudência, editado pelo STJ, de 4.12.96, in BMJ 462-94, agora valendo como Acórdão uniformizador de jurisprudência, que estabeleceu: -“A acção destinada à reparação de defeitos de coisa imóvel vendida, no regime anterior ao DL 267/94, de 25.10, estava sujeita à caducidade nos termos previstos no art. 917º do Código Civil”.
“In casu” provou-se que a fracção “J”, a primeira vendida a Júlio..., por escritura pública celebrada no Cartório Notarial de Matosinhos, foi-o em de 6 de Outubro de 1992.

Todavia, provou-se que os defeitos de construção se começaram a manifestar na Primavera de 1996, (a última fracção foi vendida em Janeiro de 1996), pelo que, tendo a acção sido intentada em 24.11.1997, não correu o prazo de caducidade de cinco anos - art. 1225º, nº1, do Código Civil.

Ficou igualmente provado que - o R. foi alertado dos defeitos e, na sequência, desses alertas, efectuou várias deslocações ao prédio, no Outono de 1996, para se inteirar da sua degradação, tendo-se comprometido a reparar os aludidos defeitos.

Como se decidiu no Ac. do STJ, de 27.6.1996, in BMJ, 458-315, a norma do nº3 do art. 916º é inovadora e a do nº4 do art. 1225º interpretativa.

“O art. 916º, nº3, do Código Civil, que foi introduzido pelo artigo 3º do DL. 267/94, como norma inovadora, alargou os prazos de denúncia do defeito quando o objecto vendido for um imóvel.
O nº4 do art. 1225ºdo Código Civil também introduzido pelo DL 267/94 é uma norma interpretativa que se aplica no momento da verificação dos factos(...)”.

Também o Ac. da Rel. de Lisboa de 31.3.1998, in BMJ 475-763 sentenciou - “O nº4 do artigo 1225º do Código Civil, introduzido pelo Decreto-Lei nº267/94, de 25 de Outubro, veio resolver uma querela jurisprudencial sobre o campo de aplicação daquele artigo face à previsão do artigo 916º do mesmo Código, revestindo assim uma natureza interpretativa - artigo 13º do Código Civil - é de aplicação retroactiva”.

Com a acção, a Autora pretende a eliminação dos defeitos da obra ou condenação do Réu a pagar uma indemnização, pela construção deficiente das fracção autónomas vendidas pelo Réu.

No sentido de que não existe qualquer prazo de caducidade aplicável ao comprador que reclama do vendedor uma indemnização por defeitos do imóvel vendido, podem ver-se os Acs. do STJ, de 3.5.95, in CJSTJ, Ano III, Tomo II, pág.63 e de 18.4.96, na mesma publicação, Ano IV, Tomo II, 29, e voto de vencido no Ac. também do STJ, de 27.6.96, in BMJ-458-315, a que antes se aludiu.

Mas mesmo assim não fosse, tendo o Réu reconhecido a existência de defeitos e assumido o compromisso de os reparar, impediu a verificação da caducidade do direito de accionar - art. 331º, nº2, do Código Civil.

O facto de o Réu ter sido citado para além de cinco após a entrega da 1ª fracção, é irrelevante, não só porque reconheceu dentro do prazo de cinco anos, aos donos das fracções a existência de defeitos, como se comprometeu a repará-los.
Ademais, a caducidade não se interrompe com a citação mas com a propositura da acção, antes de decorrido o prazo - nº1 do art. 331 do Código Civil.

Da valoração do Relatório do Perito:

Insurge-se o apelante contra o facto de o Tribunal não ter acolhido o teor do relatório do Perito que nomeou.

Para lá da fundamentação das respostas aos quesitos se ter baseado em outros elementos de prova, o certo é que a prova pericial é de livre apreciação, como resulta do art.391º do Código Civil, pelo que não tendo o apelante recorrido do julgamento da matéria de facto, não pode este Tribunal sindicar o respectivo julgamento, por nem sequer se verificarem os requisitos previstos no art. 712º, nº1, do Código de Processo Civil.

Assim sendo, prejudicada está a apreciação da censura contida nas conclusões 11ª a 25ª, mormente quanto aos montantes em que o Réu foi condenado.


Decisão:

Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo apelante.

Porto, 6 de Outubro de 2003
António José Pinto da Fonseca Ramos
José da Cunha Barbosa
José Augusto Fernandes do Vale