Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0436810
Nº Convencional: JTRP00037783
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: TELECOMUNICAÇÕES
PRESTAÇÃO
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP200503030436810
Data do Acordão: 03/03/2005
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA.
Área Temática: .
Sumário: I - O prazo de seis meses estabelecido na lei para a exigência do pagamento do preço do serviço de telecomunicações prestado apenas se refere à apresentação das facturas.
II - Sendo estas enviadas nesse prazo, corre a partir daí o prazo de prescrição de cinco anos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
B.........., S.A. intentou a presente acção declarativa, com processo sumário, contra C.......... .

Pediu a condenação da R. no pagamento de € 8.559,90, acrescidos de juros de mora.

Como fundamento, alegou ter celebrado com o R. um contrato de prestação de serviço telefónico, sendo que o respectivo preço, no montante de € 7.359,90, não foi pago na data do seu vencimento.

O R. contestou, reconhecendo serem verdadeiros os factos invocados na petição inicial, mas alegando que os créditos da A. prescreveram, por virtude do disposto no art. 10° nº1 da Lei 23/96 de 26/7, ou, quando muito, nos termos do art. 317° b) do Código Civil.

A A. respondeu, pugnando pela improcedência da excepção suscitada, por entender que o prazo de prescrição previsto naquele art. 10° da Lei 23/96 se reporta apenas ao direito de exigir o pagamento do serviço telefónico, mediante a apresentação da respectiva factura.

No saneador, o Sr. Juiz conheceu do mérito, tendo julgado procedente a invocada excepção de prescrição e absolvido o R. do pedido.
Discordando desta decisão, dela interpôs recurso a A., de apelação, tendo apresentado as seguintes

Conclusões:
1. O contrato de prestação de serviço telefónico é mensal e periodicamente renovável;
2. Assim, o prazo de prescrição aplicável ao caso em apreço é de cinco anos (al. g) do art. 310º do CC);
3. O DL nº 381-A/97, de 30 de Novembro, veio já afastar a aplicação da Lei 23/96 ao serviço de telefone;
4. Ao determinar que o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado se esgotava com a apresentação da respectiva factura (nºs 4 e 5 do art 9º), considerava-se que o direito de exigir o crédito, não tendo sido objecto de qualquer disposição em contrário, estava sujeito ao disposto no CC.
5. A Lei 5/2004, de 10 de Fevereiro, esclareceu definitivamente esta questão e expressamente excluiu o serviço de telefone do âmbito da lei 23/96 de 26 de Julho (nº 2 do art. 127º).
Termos em que deverá ser revogada a sentença recorrida, e em consequência ser o R. condenado no pagamento da totalidade da quantia peticionada pela autora, ora apelante.

O R. contra-alegou, concluindo pela improcedência da apelação.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.

Questão a resolver:
Discute-se o prazo de prescrição do direito ao pagamento de serviços telefónicos, que decorre a partir da apresentação das facturas a pagamento.

III.

Encontram-se provados os seguintes factos:
a) A A. explora o serviço fixo de telefone.
b) No âmbito dessa sua actividade, A. e R. celebraram um contrato de prestação de serviço fixo de telefone e respectivo uso da rede pública comutada, mediante o pagamento das tarifas legalmente fixadas, sendo atribuído ao R. os postos telefónicos nº 001.........., 002.......... e 003.......... .
c) Desde então, sempre o R. utilizou a rede pública comutada, originando e recebendo chamadas, tendo-lhe sido debitadas, mensalmente, as facturas correspondentes a essa utilização e ao tráfego gerado, traduzidas na assinatura mensal e no valor correspondente às chamadas efectuadas.
d) A A. emitiu as facturas referidas de fls. 6 a 126, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, no valor global de € 7.359,90.
e) Essas facturas foram enviadas ao R. na data da respectiva emissão, para pagamento, e encontram-se na sua posse.
f) Tais facturas correspondem a serviço que foi efectivamente prestado pela A., correspondente à disponibilização da rede pública comutada, a qual permitiu ao R. utilizar o serviço fixo de telefone e outros serviços acessíveis através da linha de rede que lhe foi atribuída, nomeadamente, os serviços de valor acrescentado.
g) Registando-se aí impulsos de conversações locais, regionais, nacionais, móveis e de audiotexto efectuados pelo R..
h) Esses serviços foram prestados pela A. ao R. entre Agosto de 2000 e Janeiro de 2001 (posto telefónico nº 001..........), Março e Setembro de 2000 (posto telefónico nº 002..........) e Maio de 2000 e Maio de 2001 (posto telefónico nº 003..........).
i) O R. não pagou o montante das referidas facturas nas datas do respectivo vencimento (12 dias a contar da data da apresentação).
j) A presente acção deu entrada em Juízo em 12/9/2003 e o R. foi citado em 10/12/2003.

IV.

Nos termos do art. 10º da Lei 23/96, de 26/7, o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prescreve no prazo de 6 meses após a sua prestação.
Este diploma visava, segundo o art. 1º, fixar as regras a que deveria obedecer a prestação de serviços públicos essenciais em ordem à protecção do utente, aí surgindo directamente contemplado o serviço de telefone – nº 2 d).
Foi entretanto publicada a Lei 91/97, de 1/8, que define as bases gerais a que obedece o estabelecimento, gestão e exploração de redes de telecomunicações e a prestação de serviços de telecomunicações – art. 1º.
E logo após o DL 381-A/97, de 30/12, que, segundo o preâmbulo, visa desenvolver aqueles princípios da referida Lei de Bases.
Estabelece este diploma no art. 9º nº 4 que o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação. Porém, logo se acrescentou no nº 5 desse normativo que, para efeitos do número anterior, tem-se por exigido o pagamento com a apresentação de cada factura.
Segundo dispõe o art. 310º g) do CC prescrevem no prazo de cinco anos quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.

É neste quadro legal que há-de resolver-se a questão acima enunciada.
Trata-se de questão controvertida, quer na doutrina, quer na jurisprudência, em relação à qual têm sido defendidas três soluções:
- Sustentam algumas decisões que o referido prazo de seis meses deve ser contado desde a prestação mensal do serviço, data da exigibilidade da obrigação e da possibilidade de exercício do direito. Assim se decidiu nos Acs. desta Relação de 6.2.2003 e de 6.5.2003, em www.dgsi.pt - JTRP00035695 e JTRP00035765. É também a posição defendida por Calvão da Silva, RLJ 132-156.
- Para outras decisões, a apresentação da factura funciona como factor interruptivo da prescrição de seis meses iniciada com a possibilidade de liquidação do preço dos serviços, contando-se a partir dessa apresentação os seis meses para extinção do direito ao pagamento. É a solução do Ac. desta Relação de 20.6.2002 (apelação nº 589/02-3ª secção).
- Por último, defendem outras decisões que o prazo de seis meses apenas se refere à apresentação das facturas; se estas foram enviadas nesse prazo, corre a partir daí o prazo de prescrição de cinco anos previsto no citado art. 310º g). Foi esta a solução dos Acs. desta Relação de 25.3.2004 e 28.6.2004, em www.dgsi.pt - JTRP00035799 e JTRP00037047. É essa também a posição de Menezes Cordeiro em parecer junto esse primeiro processo.

Propendemos para esta última solução, conforme decisão proferida já na apelação nº 1258/2000, desta 3ª Secção, que o ora relator subscreveu como adjunto.

No essencial, afigura-se-nos que a primeira solução retira qualquer conteúdo útil à explicitação feita no nº 5 do art. 9º (cfr. também o nº 3 do art. 16º) do DL 381-a/97. Se o prazo de seis meses é único, a contar desde a prestação do serviço, não se compreende o cuidado e propósito do legislador ao estatuir que, para efeitos do número anterior (o direito de exigir o pagamento prescreve no prazo de seis meses), se considera exigível o pagamento com a apresentação de cada factura.
A segunda solução configura o envio da factura como factor interruptivo da prescrição, o que não se ajusta à disciplina do art. 323º do CC, por não se tratar de acto de natureza judicial, como neste preceito se impõe.
Para além destas, as razões por que nos inclinamos para a terceira solução são, em síntese, as seguintes:

Em primeiro lugar, uma razão de ordem sistemática: o art. 10º da Lei 23/96 surge depois de um preceito que confere ao utente o direito a uma factura que especifique os valores que apresenta. Este enquadramento já faz supor que a exigência daquele artigo era uma exigência por factura, de modo idêntico ao que posteriormente veio a ser estabelecido nos nºs 4 e 5 do art. 9º do DL 381-A/97.

Em segundo lugar, como bem se salienta no citado Ac. desta Relação de 25.3.2004, assistindo ao utente um direito a que lhe seja apresentada uma factura, não se pode considerar esta apresentação como um mero ónus para se atingir a interpelação. Trata-se do dever correlativo a tal direito. Assim, a contagem do prazo da instauração da acção a partir da prestação dos serviços, colide com o princípio de que a prescrição não corre enquanto o direito não puder ser exercido.
Se a lei impõe a apresentação da factura (e o decurso, necessariamente, de um prazo para ser efectuado o pagamento), os serviços telefónicos não podem ver, concomitantemente, correr contra eles o prazo para virem a juízo.

Em terceiro lugar, e considerando agora o elemento teleológico, não existe dúvida de que através dos aludidos diplomas se teve em mente a protecção dos consumidores. Todavia, se este desiderato justificava uma diminuição razoável do prazo de prescrição (de cinco anos previsto no art. 310º), atendendo aos interesses em jogo, à natureza do crédito, à existência da factura, a redução para seis meses (como prazo único) parece excessiva.
Abarcando a acção judicial, este prazo seria demasiado curto para a elaboração de todo o procedimento necessário.
Por outro lado e tendo em conta o fim prosseguido pelo legislador, tal redução seria contraproducente, pois como se pondera no aludido Acórdão, a protecção do utente não fica mais assegurada com o pretenso benefício dos seis meses até à instauração da acção. Considerar o prazo de seis meses leva a que, face a um simples não pagamento de uma conta, a entidade prestadora de serviços, em vez de abrir negociações, verta, sem mais, a questão em tribunal, muitas vezes sem que o caso o justifique (porque a falta de pagamento se ficou a dever a mero esquecimento, a ausência do domicílio ou situações semelhantes). E, nestes casos, sempre em prejuízo do próprio utente.

Constituía entendimento pacífico que o prazo de prescrição previsto no art. 310º g) do CC era aplicável às dívidas por utilização de telefones – cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 4ª ed., 280 e Rodrigues Bastos, Notas ao CC, Vol. II, 74. Entendimento que, por certo, o legislador não desconhecia.
Pensa-se que a prescrição fixada nos novos diplomas não contende com a prescrição fixada naquela norma do CC. Ao lado desta, existe uma outra para que os serviços de telefones apresentem as facturas correspondentes aos serviços prestados. O que se compreende em atenção ao propósito de protecção do utente visado pelo legislador: não se justificava que os referidos serviços, estando munidos de toda a tecnologia e só eles dispondo dos dados concretos, estivessem longo período de tempo sem enviar a factura dos serviços prestados (podendo fazê-lo, até aí, no período então previsto para a prescrição – 5 anos – o que excluiria qualquer possibilidade de controlo e de impugnação por parte do utente).

Entende-se, pois, que o regime legal se harmoniza, nestes termos:
- prestado um serviço deve ser enviada uma factura (normalmente mensal) e tem de o ser, sob pena de prescrição, no prazo de seis meses contados desde a prestação do serviço – art. 10º nº 1 da Lei 23/96 e art. 9º nº 5 do DL 381-A/97;
- enviada a factura dentro do prazo, o consumidor deve pagá-la no período de tempo para o efeito concedido (não inferior a 12 dias, nos termos do art. 37º do DL 240/97, de 18/9);
- caso não ocorra o pagamento, tem o credor de o exigir no prazo de 5 anos – art. 310º g) do CC.

No caso, como ficou provado, os serviços respeitam a períodos dos anos de 2000 e 2001.
As facturas respectivas foram enviadas na data da emissão e, portando, bem dentro do referido prazo de 6 meses.
Face ao não pagamento dessas facturas, foi proposta esta acção, tendo o R. sido citado em 10.12.2003, dentro do mencionado prazo de cinco anos.

Conclui-se, deste modo, que a excepção de prescrição tem de ser julgada improcedente. A acção, por seu turno, deve ser julgada totalmente procedente, face à não impugnação dos fundamentos invocados pela A.

V.

Em face do exposto, na procedência da apelação, revoga-se a sentença recorrida e, em consequência:
- julga-se improcedente a excepção de prescrição;
- julga-se a acção procedente, condenando-se o R. no pedido.
Custas em ambas as instâncias a cargo do R.

Porto, 3 de Março de 2005
Fernando Manuel Pinto de Almeida
João Carlos da Silva Vaz
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo (Vencido, por entender que o artº 10º/1 da Lei 23/96, de 26/6, consagra a prescrição liberatória para a propositura da acção e não a apresentação da factura ao devedor, como consta dos acórdãos por mim relatados de 6/2/03, referido a fls. 4 e de 15/5/03, proferido na apelação 2123/03)