Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0447184
Nº Convencional: JTRP00037691
Relator: DIAS CABRAL
Descritores: PENA DE EXPULSÃO
EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO
Nº do Documento: RP200502160447184
Data do Acordão: 02/16/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: Se o arguido que comete o crime de tráfico de droga é cidadão senegalês, sem qualquer ligação a Portugal, onde apenas se deslocou na actividade de tráfico, deve ser-lhe aplicada a pena acessória de expulsão do território nacional.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam em audiência no Tribunal da Relação do Porto.

No Tribunal judicial da Maia foi submetido a julgamento, em processo comum colectivo, B.........., devidamente identificado nos autos, tendo sido condenado, pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21º, nº 1, do D.L. 15/93 de 22/01, na pena de 5 (CINCO) anos e 2 (MESES) meses de prisão. Foi determinada a sua expulsão do território nacional pelo período de 6 anos.
Do acórdão interpôs recurso o arguido, motivado com as conclusões que se transcrevem:
1.º - No douto Acórdão recorrido foram incorrectamente julgados os pontos n.ºs 8, 9, 11, 12, 13, 14 e 16 dos FACTOS PROVADOS;
2.º - O arguido entregou a sua mala no Curaçao, aquando do início da viagem e só a iria reaver em Dacar;
3.º - O arguido ficou surpreendido e revoltado que, na sua mala se encontrassem os três embrulhos e só então é que ficou a saber que os transportou;
4.º - Só após ter tido conhecimento do exame laboratorial aos três embrulhos, é que ficou a saber as características e natureza do produto que transportava;
5.º - Que a mala do arguido foi aberta por alguém que desconhece, que introduziu os três embrulhos na sua bagagem, sendo certo que pretenderia recuperá-la no fim da viagem;
6.º - O iter argumentativo do douto Acórdão recorrido, parte do princípio que o arguido tem o ónus da prova;

Sem prescindir, e ainda que se considerassem suficientemente provados os factos:

7.º - O douto Acórdão recorrido assenta em regras de experiência comum;
8.º - A pena aplicada afasta-se do mínimo legal sem apontar as razões pelas quais não aplicou a pena mínima;
9.º - A pena in concreto é excessiva e a expulsão do arguido do território nacional carece de fundamentação fáctica;
10.º - O Tribunal Colectivo foi excessivamente severo na escolha da medida da pena;
11.º - Dada a existência de versões contraditórias, o arguido devia ter beneficiado do Princípio in dubio pro reo que determina que todas as dúvidas sejam resolvidas a favor do arguido;
12.º - O Tribunal não atendeu à época de grande instabilidade política e social vivida na Venezuela que coloca em risco a fiabilidade e segurança dos serviços aeroportuários de Caracas.

Termina pedindo a sua absolvição “ou, quando assim doutamente não for entendido, ser-lhe aplicada a pena pelo mínimo legal, ou seja: 4 anos de prisão”.
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Respondeu o Mº. Pº., defendendo o não provimento do recurso.

O Exmº Procurador Geral Adjunto acompanhou aquela resposta.

Cumprido o nº 2 do artº 417º do CPP, não houve resposta.
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Colhidos os vistos legais e realizada a audiência, cumpre decidir.
No acórdão recorrido foi proferida a seguinte decisão de facto:
«Da discussão da causa resultou provada a seguinte matéria de facto:

1) No dia 08 de Novembro de 2003, o arguido embarcou na cidade de Caracas, Venezuela, no voo T.A.P. 1412, com destino ao Porto, aeroporto Francisco Sá Carneiro.
2) Do Porto, o arguido pretendia embarcar num voo para Lisboa no dia 09/11/2003.
3) O arguido provinha de Curaçao, nas Antilhas, tendo estado numa escala de dois dias em Caracas.
4) No dia 09 de Novembro de 2003 o arguido desembarcou no aeroporto Francisco Sá Carneiro desta cidade.
5) Estando previsto um atraso de cerca de quatro horas, o arguido pretendeu sair para espairecer ao fim de várias horas de viagem.
6) Nesse contexto, foi devidamente fiscalizado na sua pessoa pelo controlo alfandegário e nada foi encontrado de ilegal consigo.
7) Posteriormente, foi sujeito a controlo levado a cabo pela Delegação Aduaneira do mesmo aeroporto, tendo os respectivos verificadores ido buscar a sua bagagem ao porão do avião.
8) No decurso desse controlo, apurou-se que o arguido trazia dissimulado no interior da sua mala de viagem três embrulhos, tipo “ovos”, que continham um produto branco embrulhado em fita isoladora e com solução de café envolvente.
9) O produto transportado pelo arguido e dissimulado pela forma supra mencionada, foi submetido a exame laboratorial que revelou tratar-se de um produto sólido com o peso líquido de 340,864 gramas (469,234 gramas de peso bruto - 128,370 gramas de tara) que foi identificado como sendo cocaína.
10) O arguido pretendia viajar posteriormente para Lisboa e Dakar.
11) O arguido conhecia as características e a natureza do produto estupefaciente que detinha e transportava.
12) Sabia o arguido que transportava consigo a cocaína em causa.
13) Sabia que o seu uso, detenção, transporte, compra e venda são proibidos e punidos por lei.
14) O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, sabendo perfeitamente que a sua conduta não era permitida e que era punida por lei.
15) O arguido, que é cidadão senegalês, não tem qualquer relação familiar, de amizade ou laboral com pessoas residentes em Portugal e nem tem qualquer interesse na sua estadia neste país.
16) O único objectivo da sua vinda e passagem por Portugal foi efectuar o referido transporte de cocaína de Caracas para Dakar.
17) A mala do arguido é codificada, mas não dispõe de qualquer sistema de bloqueio para as tentativas de violação.
18) É possível descobrir o código através de tentativas sucessivas.
19) O arguido é casado.
20) Tem dois filhos menores (de cinco e três anos).
21) O arguido é comerciante de artesanato e, ocasionalmente, efectua alguns trabalhos como trolha.
22) Do Certificado de Registo Criminal junto aos autos não consta qualquer condenação anterior do arguido.
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Da discussão da causa não resultou provada a restante matéria de facto relevante da contestação do arguido, e designadamente:

a) Que o arguido se dirigisse para Dakar, Senegal, para aí adquirir artesanato para vendas nas Antilhas;
b) Que, quando abriu a sua mala, o arguido tivesse ficado surpreendido com a presença de estupefacientes na sua bagagem....;
c) Desconhecendo por completo como tal “produto” foi ali parar;
d) Que o arguido tivesse constatado que a sua mala tinha sido remexida, faltando dois pares de sapatos que tinha comprado para a família;
e) Que o código que o arguido tinha na sua mala fosse 000 (zero, zero, zero);
f) Que o arguido tivesse perdido o contacto com a sua bagagem, não exercendo qualquer controlo sobre a mesma desde o seu primeiro embarque, em Curaçao, nas Antilhas;
g) Que fosse certo que o arguido iria ter uma desagradável surpresa à saída do aeroporto de Dakar, provocada pelos “donos” do produto estupefaciente dos autos;
h) Que o arguido nunca tenha consumido qualquer tipo de estupefaciente e nunca tenha tido qualquer envolvimento com actividades de tráfico de drogas que, aliás, não sabe identificar;
i) Que o arguido viva exclusivamente do seu trabalho, não tendo necessidade de viver de actividades criminosas para sobreviver;
j) Que a sua actividade económica lhe permita viver com dignidade, sem necessidade de recurso a actividades ilícitas;
k) Que o arguido nunca tenha estado preso, nunca tivesse sido julgado e nunca tivesse sido condenado;
l) Que o arguido tenha bom comportamento anterior.
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Motivação da decisão de facto:

Nos termos do disposto no art. 374º nº 2 do C. P. Penal, o Tribunal deve indicar os motivos de facto e de direito que fundamentam a sua decisão, com indicação das provas que serviram para formar a sua convicção.
Em sede de valoração da prova, a regra primacial é a constante do art. 127º do mesmo Código segundo a qual a prova é apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal”
Tal como explica o Dr. Carlos Matias em artigo na revista “Sub Judice”, nº 4, pág. 148 este princípio da livre apreciação da prova traduz-se na ideia de que “o Tribunal baseia a sua decisão sobre a realidade de um facto na íntima convicção que formou a partir do exame e da ponderação das provas produzidas.”
Para a formação da nossa convicção ponderaram-se conjuntamente os seguintes elementos:
No que respeita à matéria de facto constante da acusação e dada integralmente como provada teve-se em conta o teor do Auto de Notícia de fls. 5 e 6 dos autos ; a fotografia de fls. 12 dos autos; o teor do Auto de Revista Pessoal de fls. 16 dos autos; o teor dos documentos de fls. 17 a 61 e 135 a 145 dos autos e o teor do Exame de Toxicologia de fls. 102 dos autos;
Bem como as declarações do arguido, unicamente na parte em que confirmou que, no dia 08 de Novembro de 2003, embarcou na cidade de Caracas, Venezuela, no voo T.A.P. 1412, com destino ao Porto, aeroporto Francisco Sá Carneiro e pretendendo embarcar posteriormente num voo para Lisboa no dia 09/11/2003 e, daqui, para Dakar. Mais afirmou que provinha de Curaçao, nas Antilhas, tendo estado numa escala de dois dias em Caracas. Convenceu-nos ao explicar que, estando previsto um atraso de cerca de quatro horas do voo, pretendeu sair para espairecer ao fim de várias horas de viagem. E que, nesse contexto, foi devidamente fiscalizado na sua pessoa pelo controlo alfandegário e nada foi encontrado de ilegal consigo. Mais confirmou que, posteriormente, foi sujeito a controlo levado a cabo pela Delegação Aduaneira do mesmo aeroporto, tendo os respectivos verificadores ido buscar a sua bagagem ao porão do avião. E que estes encontraram no interior da sua mala de viagem três embrulhos, tipo “ovos”, contendo cocaína. Confirmou ainda que não tem quaisquer familiares próximos em Portugal. E que não tem qualquer relação de amizade ou laboral com pessoas residentes em Portugal;
Igualmente o depoimento da testemunha C.........., verificador especialista em funções na Alfândega do aeroporto Francisco Sá Carneiro. Depôs sobre a revisão da bagagem do arguido, em que participou. Com particular relevo, declarou que o produto estupefaciente dos autos se encontrava “no meio da roupa” do arguido. E que, pelo menos um ou dois embrulhos, estavam mesmo embrulhados em peças de vestuário, com vista a serem dissimulados. Declarou ainda que o percurso escolhido pelo arguido para se deslocar de Curaçao para Dakar é anormal, já que poderia ter efectuado a viagem de modo mais directo (e presumivelmente de forma menos dispendiosa). Da análise dos documentos carreados para os autos, e designadamente dos constantes de fls. 53 a 56 dos autos, assegurou que o arguido fez um novo check-in em Caracas;
E também o depoimento da testemunha D.........., verificador auxiliar na Alfândega do aeroporto Francisco Sá Carneiro. Depôs sobre a revisão da bagagem do arguido, em que participou. Tal como a testemunha anterior, declarou que o produto estupefaciente dos autos se encontrava “no meio da roupa” do arguido. E que, pelo menos um ou dois embrulhos, estavam mesmo embrulhados em peças de vestuário.
Quanto à matéria de facto atinente às condições de vida do arguido dados como provados teve-se em conta as declarações do próprio, que nesta parte também nos convenceram.
Relativamente aos antecedentes criminais do arguido atendeu-se ao teor do C.R.C. junto aos autos a fls. 168.
Por outro lado, a generalidade da matéria de facto constante da contestação do arguido foi considerada como não provada uma vez que a versão apresentada por este em audiência de que desconhecia por completo a existência de cocaína dentro da sua mala de viagem, tendo sido um terceiro por si desconhecido que, por forma e com propósitos que não soube explicar, retirou da sua bagagem dois pares de sapatos e aí colocou o dito produto estupefaciente, apresentou-se assaz inverosímil e incoerente, não tendo merecido qualquer credibilidade. Por outro lado, os documentos juntos pelo arguido em audiência não assumem relevância probatória relevante.
Assim, a matéria de facto dada como provada teve por fundamento a análise conjugada e crítica dos elementos probatórios acima referidos, conjugados com razões de experiência comum.
E - por outro lado - a matéria não provada da contestação do arguido foi assim classificada por via da ausência de prova cabal sobre a mesma.
Com efeito, não acreditamos nas declarações do arguido nessa parte (nos termos acima explicados). Não foi produzida em audiência qualquer prova testemunhal e não existe nos autos qualquer outro elemento probatório tendente a comprovar tais factos.
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Esta Relação conhece de facto e de direito, encontrando-se a prova oralmente produzida em audiência documentada, nos termos do artº 428º do CPP.
Em face das conclusões da motivação de recurso, que delimitam e fixam o seu âmbito, as questões a decidir são: matéria de facto dada como provada; medida da pena; fundamentação da medida de expulsão.

Matéria de facto.

O recorrente não concorda com a valoração da prova efectuada pelo colectivo, considerando que não deviam ter sido dados como provados os factos constantes dos nºs 8, 9, 11, 12, 13, 14 e 16 dos “factos provados”.
O que o recorrente impugna, mantendo a posição assumida na contestação, é que conhecesse que a sua mala de viagem contivesse o produto estupefaciente encontrado. Na sua versão, alguém, durante o percurso, terá aberto a mala, retirado um par de sapatos e colocado a cocaína.
Não sendo a audiência nesta Relação uma repetição do julgamento em 1ª instância em matéria de facto, apenas se deverá apurar se a convicção do tribunal recorrido tem suporte razoável na prova presente nesta Relação.
Através da fundamentação da matéria de facto verifica-se a razoabilidade da convicção do tribunal e as razões que o determinaram a optar por tal decisão.
Entendemos que o tribunal “a quo” apreciou criticamente as provas produzidas em audiência de julgamento, fundamentando a opção que fez. O juiz da instância, devido à oralidade, imediação e contraditório, está numa situação de privilégio para apreender as emoções, a sinceridade, a isenção, as contradições, as solidariedades e cumplicidades, que escapam no recurso, onde domina o papel, de modo a poder proferir uma boa decisão de facto. Como se refere no Acórdão de 30/4/03, proferido no recurso nº 295/03, desta Secção, citando Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal., lições coligidas por Maria João Antunes, 1988-9, pág. 158, a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes do processo, no julgamento da 1º instância, permite obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão.
O artº 127º do CPP estabelece que a prova é, salvo se a lei dispuser diferentemente, apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. Livre apreciação da prova “não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica” (CPP de Maia Gonçalves, 11ª ed., pág. 325). Através da indicação dos meios de prova e do seu exame crítico, efectuados na fundamentação, como o impõe o artº 374º, nº 2 do CPP, é possível ao tribunal de recurso apreciar se a convicção do julgador está fundamentada num processo racional e lógico da valoração da prova.
Lida toda a prova documentada vê-se que o tribunal recorrido optou por acolher a prova que lhe pareceu credível e verdadeira, que de igual modo nos parece ser a credível e verdadeira, “reconstruindo” o modo como decorreram os factos tendo em consideração essa prova e as regras da experiência comum.
Na decisão recorrida está abundantemente fundamentada a opção feita e realizou-se o exame crítico de toda a prova, referindo-se as razões pelas quais os testemunhos foram, e em que medida, credíveis, parecendo-nos perfeitamente correcta a decisão de facto proferida, devendo manter-se.
Dessa fundamentação resulta que a convicção do tribunal se baseou numa valoração lógica, racional e objectiva de toda a prova que apreciou em audiência de julgamento.
A versão do arguido de que não teve qualquer contacto com a mala desde que saiu de Curaçao não é verosímil.
Conforme refere o Exmº Procurador da República o arguido estava em trânsito e provinha de um país de risco.
Acresce que tinha escolhido um percurso deveras anormal, que ninguém escolhe a não ser que tenha alguma coisa a esconder.
Veja-se que para viajar de Curaçao para Dakar, o arguido seguiu no dia 6 de Novembro para Caracas (fls. 55 e 56), depois no dia 8 desse mês de Caracas para o Porto e daqui para Lisboa e Dakar (o outro bilhete de fls. 55)
Comparando os dois bilhetes de avião de fls. 55 e 56, conclui-se que ele teve inicialmente viagem marcada de Caracas para Portugal para o dia 6 de Novembro quando é certo que só aqui chegou no dia 9 de Novembro.
O preço destes bilhetes foi sempre feito em «Cash», procedimento este também anormal.
Assim, como se anotou no acórdão recorrido e que foi explicado por uma das testemunhas, a documentação apreendida indicava que o arguido tinha feito outro «check-in» em Caracas.
Nessas circunstâncias a mala tem de sair do Aeroporto e voltar a entrar de novo, como explicou a mesma testemunha só à vista do talão de embarque de fls. 56, que lhe foi exibido e que disse reconhecer porque em Caracas é normalmente manuscrito.
Ora, isso tinha mesmo de ser assim uma vez que o arguido tinha chegado no dia 6 de Novembro e só tinha partido para o Porto dois dias depois, como resulta do bilhete de fls. 55 onde se vê bem o carimbo da TAP desse dia.
Assim, não pode acreditar-se na versão que o arguido deu para a existência da droga no interior da sua mala de viagem.
Já era pouco credível que alguém lograsse abrir a mala codificada que ele trazia para aí meter um produto tão valioso como a cocaína e que o fizesse no período compreendido entre a chegada do avião e o transporte da bagagem para o terminal do aeroporto sabendo-se, como qualquer pessoa sabe, que tal pode demorar cerca de meia hora.
Assim sendo, a versão dada pelo arguido para o desconhecimento da droga na sua mala não é credível, parecendo-nos lógica e feita de acordo com a prova produzida a decisão de facto proferida.
Não tendo existido qualquer erro na apreciação da prova, nem resultando do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, qualquer dos vícios a que alude o nº 2 do artº 410º do CPP, a decisão de facto proferida tem-se por assente e, perante ela, a condenação era inevitável.
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Medida da pena.

O recorrente foi condenado na pena de 5 anos e 2 meses de prisão, entendendo que “é excessiva” e defendendo que lhe deve ser aplicado o mínimo legal (4 anos).
O crime de tráfico de estupefacientes cometido pelo recorrente é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos, nos termos do artº 21º, nº 1 do DL nº 15/93.
Dentro dos limites da pena abstracta aplicável a determinação da sua medida far-se-á em função da culpa do agente, tendo em conta as exigências de prevenção de futuros crimes e considerando todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (artº 71º do C.P.).
O recorrente agiu sob a forma mais grave de culpa (dolo directo), as necessidades de prevenção geral deste tipo de crime são bastante elevadas, considerando o seu elevado número e os efeitos nefastos que causa na sociedade. Necessidade mais acentuada no caso dos chamados “correios”, como é o caso, pelas razões referidas na decisão recorrida (conhecendo a natureza do crime transportam a droga a troco de quantias em dinheiro, são os elos de ligação entre os “donos” da droga e os revendedores e procuram o lucro fácil através da sua intervenção no circuito de comercialização) e pela grande frequência com que os aeroportos portugueses são utilizados pelos “correios”. As necessidades de prevenção especial são normais, considerando que, apesar de não serem conhecidos antecedentes criminais, não assumiu o crime e procurou escamotear a verdade ao tribunal.
A ilicitude é considerável, tendo em consideração a natureza e quantidade de estupefaciente transportada.
A seu favor apenas o não constar do seu certificado do registo criminal antecedentes criminais (o que nos parece perfeitamente inócuo já que se trata de cidadão estrangeiro que se encontrava em trânsito por território nacional).
Tendo em consideração tudo o referido, entendemos que a pena de prisão aplicada, situada um pouco acima do seu limite mínimo, é perfeitamente equilibrada e justa pelo que se deve manter.
Embora de uma forma algo confusa o recorrente alega “insuficiência dos factos apurados para: a escolha da medida sancionatória; e determinação in concreto da medida da pena” e violação do princípio in dubio pro reo.
Os factos dados como provados, com vista à determinação da medida da pena, foram aqueles que o tribunal conseguiu apurar e, se outros não conseguiu, apesar de os ter investigado, será com base neles que terá que determinar a medida da pena. Se o recorrente considera que existiam outros factos devia tê-los alegado e provado na audiência de julgamento.
Não foi violado o princípio de in dubio pro reo. Na fixação da matéria de facto, perante uma dúvida séria, não foram dados como provados os factos prejudiciais ao arguido, mas tal princípio, como parece resultar da motivação do recorrente, não impõe que, mesmo não existindo prova, se tenham que dar como provados os factos favoráveis ao recorrente. Os factos atenuativos, a ter em conta para a fixação da medida da pena, têm que ser provados. A sua não prova nem beneficia nem prejudica o arguido.
Assim sendo nem os factos são insuficientes, nem foi violado o referido princípio.

Fundamentação da medida de expulsão.

Sobre tal questão na decisão recorrida escreveu-se:
Pena acessória de expulsão do arguido de Portugal:

O Ministério Público sugere a aplicação ao arguido da pena acessória de expulsão do país, prevista no art. 34º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro, e no art. 101º, nº 1, do D.L. nº 244/98, de 8 de Agosto, com a redacção do D.L. nº 34/03, de 25 de Fevereiro.
É pacífico que a imposição a estrangeiro da pena de expulsão prevista nestas disposições legais não pode ter lugar como consequência automática da condenação pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, devendo ser sempre avaliada em concreto a sua necessidade e justificação. [Vide neste sentido o Ac. do S.T.J. nº 14/1996 de 07/11/96 in http:/www.cidadevirtual.pt]
Nos presentes autos, provou-se especificamente para este fim - para além da matéria de facto já acima analisada - que o arguido, que é cidadão senegalês, não tem qualquer relação familiar, de amizade ou laboral com pessoas residentes em Portugal e nem tem qualquer interesse na sua estadia neste país.
E que o único objectivo da sua vinda e passagem por Portugal foi efectuar o referido transporte de cocaína de Caracas para Dakar.
Tal como se decidiu no Ac. do S.T.J. de 12/06/96 [In C.J. do S.T.J. Ano IV ; Tomo 2º ; pág. 197 e ss]: “Para decidir se o estrangeiro deve ou não ser expulso com base no art. 34º do D.L. nº 15/93, é utilizável o critério do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que, garantindo o direito ao respeito da vida privada e familiar e reconhecendo que incumbe aos Estados assegurar a ordem pública, em particular o exercício do seu direito de controlar a entrada e permanência de estrangeiros, atenda à gravidade das sanções penais aplicadas e aos antecedentes criminais, na medida do necessário numa sociedade democrática e preservando o justo equilíbrio entre esses interesses em confronto.”
Ora, como se viu, o arguido não tem qualquer ligação a Portugal ou qualquer interesse pessoal atendível para - após cumprimento da pena - voltar nos anos seguintes ao território português.
E - quanto à sua personalidade - se bem que não haja elementos nos autos para crer que tenha falta de preparação para manter uma conduta lícita, nada se apurou que convença estar-se perante uma pessoa capaz de resistir à tentação de colaborar novamente com outros no comércio ilegal de estupefacientes.
Por outro lado, deve atender-se ao interesse de ordem pública e de segurança dos cidadãos portugueses ínsitos na legislação em análise.
Entendemos, assim, que os factos dos autos justificam um especial juízo de censura, o qual fundamenta, nos termos do art. 34º, nº 1, do D.L. nº 15/93, a imposição ao arguido da pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 6 anos.
Perante o transcrito é manifesta a sem razão do recorrente.
DECISÃO

Em conformidade, decidem os juízes desta Relação em, negando provimento ao recurso, manter a decisão recorrida.

Taxa de justiça: seis (6) Ucs.

Porto, 16 de Fevereiro de 2005.
Joaquim Rodrigues Dias Cabral
Isabel Celeste Alves Pais Martins
David Pinto Monteiro
Arlindo Manuel Teixeira Pinto