Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0531143
Nº Convencional: JTRP00037840
Relator: JOÃO BERNARDO
Descritores: INJUNÇÃO
EXECUÇÃO
CAUSA DE PEDIR
Nº do Documento: RP200503170531143
Data do Acordão: 03/17/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: I - Nas petições das injunções deve ser indicada a causa de pedir, ainda que sucintamente, de modo a saber-se com a necessária exactidão, a que factos se reporta.
II - A indicação de que o crédito respeita a “transacção comercial” e a “venda de madeiras” é, pois, insuficiente.
III - A insuficiência não implica ineptidão.
IV - Não o impedindo a tramitação do processo de injunção, deve, então, ser lançada mão do despacho de convite a aperfeiçoamento do requerimento inicial.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I –
B.........., SA, com sede na R. .........., n.º ..., .........., .........., apresentou requerimento de injunção contra:
C.........., a notificar em .........., .........., .......... .
Não foi notificado este, a injunção foi distribuída e, na conclusão que se seguiu, o Sr. Juiz julgou a petição inepta por faltar a causa de pedir.

II –
Desta decisão traz o requerente agravo.
1) A injunção surge, no ordenamento jurídico português como uma providência, célere e simplificada que visa retirar aos Srs. Juízes a intervenção em actos completamente alheios à função jurisdicional.
2) Nessa conformidade, nos preâmbulos dos Dec. Lei n.º 329 A/95 e DL 269/98 de 1 Set. a injunção é apresentada como uma providência, célere e simplificada devendo tal como estipula no art. 10.º daquele diploma constar de impresso de modelo adequado, no qual de forma sucinta, o Requente terá que indicar o módulo contratual que esteja em causa em litígio, neste caso - compra e venda.
3) Assim, não preteriu a Recorrente nenhum dos pressupostos processuais relativamente aos art. 1 e 10.º do Dec. - Lei n° 269/98 de 1 Set., nem tão pouco se encontra inserto em nenhuma das hipóteses do n.º 11 do mesmo diploma, dado que a injunção tem um regime processual próprio e específico que foi cumprido rigorosamente. Por outro lado,
4) Assim sendo, a posição adoptada pelo Tribunal a quo é contrária à lei, e salvo melhor entendimento, aceitá-la seria desvirtualizar a vontade legislativa e a génese normativa da injunção.
5) Não sendo possível sustentar uma ineptidão por falta de causa de pedir, tanto mais que o art. 193° n° 2 do C.P.C. previne apenas a falta absoluta, a total omissão de indicação da causa de pedir na petição inicial. (AC do STJ n.º 02A3379 de 12/11/2002 e Castro Mendes, Direito Proc. Civil, vol. III, ed. Da AAFDL 1978/79, pág. 47).

Não houve contra-alegações e o Sr. Juiz sustentou a sua decisão.

III –
Importa, pois, tomar posição sobre se a petição inicial é inepta e, não o sendo, sobre o modo como deve prosseguir a tramitação.

IV –
A decisão a tomar assenta no seguinte, constante da p.i.:

A A. apresentou, em 11.3.2004, contra o requerido, requerimento de injunção em formulário do Ministério da Justiça;
Referindo que se tratava de “Obrigação Emergente de Transacção Comercial (D.L. 32/2003, de 17.2)”;
Indicando a quantia de 14.798,58 €, correspondente a 12.413,15 de capital e a 2.296,43 de juros de mora (estes com a menção de 30.1.2001 como dies “a quo”) e, bem assim, 89 € de taxa de justiça;
No quadro dos vários itens referentes à causa de pedir, apôs uma cruz no referido como “compra e venda”;
Na parte, situada a seguir, intitulada “Descrição da Origem do crédito” escreveu “Venda de madeiras”, tendo deixado em branco a data, o número do contrato e o período a que se refere.

V –
No plano do processo comum, o art.º 467.º, n.º1 d) do CPC exige a indicação, na petição, da causa de pedir, ou seja, do ou dos factos jurídicos donde emerge a pretensão traduzida no pedido.
E conforme do art.º 193.º, n.º1 a) quando falte a causa de pedir (não nos interessa aqui considerar os casos de ininteligibilidade ou das demais alíneas deste n.º1) tem lugar ineptidão.
Uma das manifestações de falta de causa de pedir reside na indicação totalmente vaga ou genérica dos factos, conforme referem o Prof. A. Varela e Outros no Manual da Processo Civil, 2.ª ed., 245, nota de pé de página. O que se compreende perfeitamente porquanto o julgador tem de saber o que está a ser julgado e tem de se saber, nomeadamente para efeitos de caso julgado, sobre o que versou a decisão. É o que se chama função de individualização da causa de pedir.

VI -
Se esta for indicada de modo incompleto ou se não for idónea para ser almejado o efeito jurídico pretendido, não se verifica este vício (Assim, entre outros e Jurisprudência tão abundante que dispensa citações, prof. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 3.º, 381). O que também se compreende perfeitamente. A ineptidão determina a nulidade que veda o conhecimento da pretensão do autor. Se se julgasse inepta uma petição com causa de pedir insuficiente ou inidónea para ser atingido o efeito jurídico pretendido, estar-se-ia a recusar ao autor a apreciação duma pretensão que ele defende e sobre a qual tem o direito de obtenção de decisão judicial.
………………..

VII –
Do processo comum passemos agora para a injunção.
O evoluir da vida económica não se compadece, em muitos domínios, com a tramitação do processo comum. A celeridade tem de ser bem outra.
Por outro lado, a esmagadora maioria das dívidas pecuniárias não encerra qualquer discussão sobre a sua existência ou exigibilidade. Tudo se centraliza na sua cobrança perante o devedor.
Surgiu, assim, uma consciencialização relativamente ao desperdício que representava muita da tramitação do processo comum, pensado tendo como base a ideia de conflito muito mais abrangente que o relativo ao não pagamento tempestivo.

VIII –
É neste quadro – aliás explícito nos preâmbulos destes Diplomas - que temos de interpretar os Decretos- Leis n.ºs 269/98 de 1.9 e 32/2003, de 17.2, na parte que agora nos interessa.
Mas essa interpretação, tendo necessariamente como pano de fundo a ideia de simplificação, não pode abdicar do mínimo resultante do texto legal. Tanto mais que com o DL n.º32/2003 (art.º 7.º, n.º1) a injunção deixou de se reportar a pequenas quantias, podendo englobar casos de dívidas enormíssimas.

IX –
Quanto à causa de pedir, há que atentar na alínea d) do n.º2 do art.º10.º do referido DL n.º 269/98: o requerente deve expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão.
Temos – em cotejo com o art.º467.º, n.º 1 d) do CPC - a introdução do advérbio “sucintamente” (para além do postergar da fundamentação de direito que aqui não nos importa).
Não temos, portanto, a dispensabilidade da causa de pedir, antes o seu encolhimento, a sua referência de modo sintético. [Cfr-se Dr. Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 4.ª ed. 179]

X –
Neste seu encolhimento podemos admitir um menor rigor quanto a realidades de designação vulgar e jurídica ao mesmo tempo. Por isso não reprovamos a que a seguir à expressão “causa de pedir” se insiram, no modelo de impresso elaborado nos termos da Portaria n.º234/2003, de 17.3, designações que correspondem a outros tantos contratos tipificados na lei, mas que se vulgarizaram na gíria comercial. Tanto mais que a seguir aparece um item apelidado de “Descrição da origem do crédito”, com subdenominações de “contrato n.º” “data do contrato” e “período a que se refere”.
Mas não podemos deixar de fora uma referência que concretize a designada origem do crédito em termos de se saber, com contornos mínimos de segurança, do que estamos a tratar.

XII –
No caso presente a requerente aludiu a “transacção comercial”, contrato de “compra e venda” e “venda de madeiras”. Estamos perante alguma concretização da causa de pedir, escapando à ineptidão que a ausência total desta determinaria, conforme deixámos dito em V [Compare-se este caso ao exemplo referido pelo Prof. Varela e Outros na ob. e loc. citado. Com esta posição, acompanhamos os casos, manifestamente semelhantes, versados nos Ac.s desta Relação de 16.12.2004 (Des. Amaral Ferreira) e de 9.12.2004 (Des. José Ferraz) que se podem ver em www.dgsi.pt].
Mas essa concretização é insuficiente. Não se pode saber a que venda de madeiras se reporta a quantia pedida.
E isso vê-se claramente se pensarmos que podia ter havido, entre as partes, muitas transacções de tal produto, deixando-nos o vazio do requerimento injuntivo a dúvida sobre qual se discutia ou ficava pago. Em nova injunção ou acção em que a ora requerente pedisse o pagamento de madeiras não havia elementos para se tomar posição sobre eventuais litispendência ou caso julgado.
Por outro lado, também a omissão de elementos donde se infira a data do vencimento da obrigação, pode pôr em causa a aplicação do aludido DL n.º 32/2003.

A causa de pedir não falta mas não é bastante.

XIII –
Se assim é, temos aberto o caminho para o completar do requerimento executivo.
O Sr. Juiz “a quo” não admitiu despacho de aperfeiçoamento, invocando os art.ºs 508.º, n.º1 a) e 265.º, n.º2 do CPC.
Terá seguido este raciocínio:
A presente causa foi distribuída porque não se levou a cabo a notificação do requerido – art.º 16.º;
Efectuada a distribuição, o Juiz profere o despacho a que alude o n.º1 do art.º 3.º, por remissão do n.º2 daquele art.º 16.º, ainda do dito DL n.º 269/98;
Este preceito encerra a omissão relativamente ao despacho do art.º 508.º do CPC que prevê a correcção dos articulados.
Logo tal correcção não é admissível.

XIV –
Não cremos, ressalvada a devida consideração, que assim seja.
Se aquele art.º 3.º, n.º1 acabado de referir não prevê o despacho em causa, também não o exclui.
E, independentemente de tal despacho específico, fica sempre de pé o constante do art.º 265.º, n.ºs 1 e 2 do CPC. Que corresponde a um princípio geral e, como tal, válido também nos processos de injunção.
No fundo, com tal princípio, insere-se o processo na linha que – como nunca se deve perder de vista – ele tem, ou seja, de sucessão de actos subordinados ao escopo do conhecimento de mérito. Este conhecimento de mérito é o que justifica a vinda das partes a tribunal, de sorte que só deve ser sacrificado em casos extremos.

Integrando esta ideia no caso concreto das injunções e atento o quadro que deixámos descrito em VII, podemos acrescentar-lhe um argumento derivado de maioria de razão.
A celeridade e simplificação implementada quanto às injunções justifica muito mais que se mande completar um requerimento do que se indefira. Além, estará um despacho que levará o seu tempo a proferir, ser notificado e ser acatado e que, de certo modo, atinge o fluir que se pretende rápido do processo. Mas aqui está todo um desmoronar de eficiência. Desaproveita-se todo um caminho percorrido e fica sem utilidade todo um tempo de tramitação.
Contraria-se aqui bem mais a intenção do legislador e a sua adequação aos tempos que correm.

XV –
Nesta conformidade, em provimento do agravo:
Revoga-se a decisão de ineptidão do requerimento executivo;
Determina-se o prosseguimento do processo com convite do Sr. Juiz para que o requerente concretize melhor a causa de pedir indicando:
A data do contrato;
O período de fornecimento da madeira;
A data em que se venceu a obrigação de pagamento do preço.

Sem custas – art.º 2.º, n.º1 g) do Código das Custas Judiciais.
Porto, 17 de Março de 2005
João Luís Marques Bernardo
Gonçalo Xavier Silvano
Fernando Manuel Pinto de Almeida