Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8176/09.5YYPRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DEOLINDA VARÃO
Descritores: PRESTAÇÃO DA CAUÇÃO
IDONEIDADE
Nº do Documento: RP201104288176/09.5YYPRT-B.P1
Data do Acordão: 04/28/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Deve ser considerada inidónea a caução oferecida pelo executado com vista à suspensão da execução, quando ela nada acrescente à garantia real pré-constituída, ainda que se trate de imóvel de valor muito superior ao da quantia exequenda.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 8176/09.5YYPRT-B.P1 – 3ª Secção (Apelação)
Caução – 1º Juízo de Execução do Porto

Rel. Deolinda Varão (529)
Adj. Des. Freitas Vieira
Adj. Des. Cruz Pereira

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
B… instaurou incidente de prestação de caução com vista à suspensão da execução comum para pagamento de quantia certa que contra ela move C…, LDª, na sequência do recebimento da oposição que deduziu à mesma execução.
Indicou como garantia a hipoteca sobre o imóvel identificado no artº 7º do requerimento inicial já constituída a favor da requerida.
A requerida impugnou a idoneidade da garantia oferecida pela requerente.
De seguida, foi proferida decisão que julgou inidónea a caução oferecida pela requerente e, consequentemente, julgou improcedente o incidente de prestação de caução.

A requerente recorreu, formulando as seguintes
Conclusões
1ª – O nosso legislador não prevê qualquer critério pelo qual haja de ser aferido o juízo judicial de idoneidade (ou falta dela) da caução oferecida – pelo que, como vem sendo entendido, para o efeito terá de se atender às finalidades que estão associadas à caução e que a mesma visa acautelar - facultar ao credor um meio através do qual se poderá fazer pagar.
2ª – No caso em apreço, temos que se encontra comprovado nos autos, quer a existência de hipoteca voluntária que onera o imóvel em apreço, registada a favor da recorrida e sem qualquer outro ónus ou encargo anterior e/ou posterior a tal registo; quer o confessado e assumido valor de tal imóvel em montante superior cerca de € 55.000,00 ao do valor da execução.
3ª – Constituindo a hipoteca objecto de execução por parte da recorrida, o único ónus e/ou encargo que onera o imóvel, garantida está aquela contra quaisquer demoras processuais, bem como quaisquer eventuais démarches da recorrente no sentido de prejudicar tal recebimento em caso de improcedência da oposição à execução.
4ª – Salvo melhor opinião, a caução oferecida deve ser declarada idónea, com todos os devidos e legais efeitos.
5ª – Sendo que cumpre ainda chamar à colação o princípio da proporcionalidade que se mostraria violado na eventualidade da manutenção da hipoteca e prestação de caução diversa do imóvel em valor superior em cerca de 1/3 da quantia exequenda.
6ª – Ao decidir como decidiu, o tribunal recorrido violou e/ou interpretou erradamente o conjugadamente disposto nos artºs 623º e segs. do CC e ainda artºs 818º, nº 2 e 984º, ambos do CPC e ainda artº 821ºm nº 3 deste diploma legal adjectivo.

Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II.
A questão a decidir – delimitada pelas conclusões da alegação da apelante (artºs 684º, nº 3 e 685º-A, nºs 1 e 3 do CPC) – é a seguinte:
- Idoneidade da caução oferecida pela requerente.

A requerente/executada pretende prestar caução, com vista à suspensão da execução nos termos do artº 818º, nº 1 do CPC.
Para tal, ofereceu como garantia hipoteca já constituída a favor da requerida/exequente.
Na decisão recorrida, julgou-se inidónea a garantia oferecida e, em consequência, indeferiu-se o pedido de prestação da caução.
Como expressamente se disse naquela decisão, seguiu-se ali de perto o Ac. desta Relação de 02.04.09[1], em que foi relator o 1º-Adjunto deste e interveio como 1º-Adjunto o 2º-Adjunto deste.
Concordamos inteiramente com a fundamentação do referido aresto, com apoio na doutrina e na jurisprudência nele citadas, pelo que passaremos também a segui-lo de perto:

O artº 623º, nº 3 do CC atribui ao tribunal a função de apreciar a idoneidade da caução, sempre que não haja acordo entre os interessados. Não prevê no entanto qualquer critério pelo qual haja de ser aferido esse juízo de idoneidade.
Na ausência de critério específico previsto no CC, a idoneidade da mesma terá de atender às finalidades que lhe estão associadas, e que a mesma visa acautelar.
Ora, a caução, enquanto garantia especial das obrigações tem desde logo como finalidade um reforço da segurança do credor em relação à garantia geral que é dada pelo património do devedor. E por aí se entenda dever sufragar-se o entendimento que vemos defendido na oposição dos ora recorridos, de que a caução, quando exigida por lei, deve constituir um “mais” em relação às garantias pré-existentes.
À prestação de caução, enquanto garantia especial das obrigações, são associadas finalidades como a de prevenir o incumprimento de obrigações que possam vir a ser assumidas por quem exerce determinadas funções, como requisito de exercício de um determinado direito, ou para afastar o direito de outra parte.
À prestação de caução, enquanto condição para a suspensão da execução como efeito da oposição à mesma deduzida têm vindo a ser associadas pela jurisprudência finalidades específicas que vão além da garantia de pagamento da quantia exequenda, e que visam colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da acção executiva, obviando a que, por virtude de tal demora, o executado possa empreender manobras delapidatórias do seu património.
Reconhece-se assim que, quando visa o objectivo específico de possibilitar a suspensão da execução por parte do opoente/executado, a exigência de prestação de caução é ditada por razões eminentemente processuais, tendo em vista viabilizar a suspensão do procedimento executivo. Razões que se prendem com a necessidade de acautelar o credor/exequente contra o risco de possíveis manobras delapidatórias levadas a cabo pelo devedor/executado durante o tempo da suspensão[2].
Prestada a caução, o interesse do exequente, não obstante a suspensão, fica satisfeito porque está seguro contra o risco de possíveis prejuízos que lhe cause qualquer demora ilegítima do processo executivo[3].
A justificação da caução radica então, e nessa perspectiva, em pôr o exequente a coberto dos riscos da demora no seguimento da acção executiva: desde que o exequente tem a segurança de que, se a oposição improceder, encontrará à sua disposição valores que lhe assegurarão a realização efectiva do seu crédito, o seguimento da execução não tem razão de ser[4].
O Supremo Tribunal de Justiça tem-se pronunciado concordantemente com este entendimento[5].
A razão de ser da caução colhe assim fundamento na necessidade de prevenir quaisquer possíveis riscos para a cobrança do crédito do exequente por virtude da suspensão da execução[6].
Não vemos razão válida para dissentir deste entendimento. E, tendo presente esta específica finalidade, a prestação de caução através de hipoteca, já constituída anteriormente no processo para garantia de pagamento da quantia exequenda, e que incide sobre o bem penhorado no mesmo processo, não se pré-figura como idónea. Desde logo porquanto, destinando-se a garantir o pagamento da quantia exequenda, não acautela a específica finalidade da caução exigida enquanto condição de suspensão da execução, mas também por, na prática não aportar nenhuma garantia adicional em relação às garantias existentes para pagamento da quantia exequenda. Assim que a pretensão da recorrente se reconduz na prática a pretender a suspensão da execução apenas com base na existência de garantia real anteriormente constituída, posição que se consideramos não ter apoio na letra da lei.
Neste ponto discordamos da orientação doutrinária que sustenta a inexigibilidade de prestação de caução, como condição da suspensão da execução quando exista já garantia real anterior – posição que, no domínio do CPC anterior à revisão operada pelo DL 38/03 de 08.03, era sustentada por Anselmo de Castro, que sublinhava a impossibilidade de ver na caução outra finalidade que não a de mera garantia da dívida exequenda, e que no CPC, na versão posterior às alterações introduzidas pelo DL 38/03 continua a ser defendida por autores como Lebre de Freitas[7] e Amâncio Ferreira[8].
De acordo com esta orientação doutrinária, a prévia existência de garantia real (v.g. hipoteca) ou de garantia decorrente da ulterior penhora, justificam a não exigência de prestação de caução por o crédito exequendo, e bem assim os créditos acessórios, incluindo juros, estarem suficientemente garantidos.
Cremos no entanto que a orientação referida, para além de não acautelar, nem dar o devido relevo à finalidade específica da prestação de caução enquanto tendo por objectivo viabilizar a suspensão da execução por parte do executado/oponente, não se apresenta sustentável em face do direito constituído, já que se traduziria na dispensa da prestação de caução em situações em que o legislador não prevê essa dispensa.
Com efeito, a oposição à execução por regra não suspende a execução, e, anteriormente à reforma operada pelo DL 38/03, e desde o Código de 1939, só a suspendia quando o oponente (embargante) o requeresse e prestasse caução, apenas diferençando os meios de a prestar, mais rigorosa na sentença do que nas execuções com base noutro título executivo.
Era conhecida a divergência que suscitava a interpretação deste regime legal, tal como emergia desde o versão inicial do CPC de 1939, havendo quem, como Lopes Cardoso[9] e a jurisprudência maioritária do STJ sustentasse que não bastava a existência da garantia da penhora, ou de outra garantia especial, para suspender a execução, e aqueles que, como Anselmo de Castro[10], na esteira de Vaz Serra, sustentavam que a lei não exigia a caução quando houvesse penhora já efectuada, ou garantia real anteriormente constituída.
Sendo conhecida esta divergência, e os termos em que a mesma se desenvolvia, o legislador veio, com o DL 38/03, alterar o regime legal vigente, estabelecendo um regime dicotómico, consoante tenha havido ou não citação prévia do executado.
E, se de acordo com as alterações introduzidas pelo referido DL 38/03 ao artº 818º do CPC resulta que, não tendo havido citação prévia – e consequentemente tendo a execução começado desde logo pela penhora (artº 812º-B, nº1, do CPC) – a regra é a de que a oposição suspende o processo executivo, sem necessidade de prestação de caução (sem prejuízo do reforço ou substituição da penhora) – artº 818º, nº 2 do CPC – nas situações em que haja lugar à citação prévia o artº 818º, nº1, do CPC dispõe claramente como regra a não suspensão da execução por mero efeito da oposição, estabelecendo, em termos claramente excepcionais, como situações em que essa suspensão se verifica, como sendo os casos em que seja prestada caução, e a situação particular das execuções, em que o titulo executivo é um documento particular assinado pelo executado, quando o oponente tenha impugnado a assinatura e apresentado documento que constitua princípio de prova – artº 818º, nº 1, do CPC.
Temos, pois, de concluir que o legislador, mal ou bem, manteve a exigência da prestação de caução em execuções em que, como nos autos houve citação prévia, não bastando para tal a existência de garantia real constituída anteriormente ao processo[11].
E, assim sendo, temos de concluir pela inidoneidade da caução quando ela nada acrescenta à garantia real existente anteriormente ao processo para garantia do pagamento da quantia exequenda.

No caso, pretende a requerente oferecer como garantia a hipoteca já constituída a favor da requerida, alegando que o imóvel hipotecado tem valor muito superior ao da quantia exequenda.
Cremos que tal não retira validade à fundamentação que acima se expôs porque ainda assim a caução oferecida não constitui um “mais” em relação à hipoteca pré-constituída.

Por todas as razões expostas, confirma-se a decisão recorrida.
*
III.
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a oposição e, em consequência:
- Confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
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Porto, 28 de Abril de 2011
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão
Evaristo José Freitas Vieira
José da Cruz Pereira
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[1] www.dgsi.pt.
[2] Cfr. Ac. da RC de 02.11.94, CJ-94-V-32.
[3] Ac. do STJ de 08.04.07, BMJ 366º-481.
[4] Alberto dos Reis, Processo de Execução, 2º, pág. 66.
[5] Acs. de 12.10.62, 18.11.66 e 08.04.87, BMJ 120º-133, 153º-232 e 366º-431, respectivamente.
[6] Ac. desta Relação de 26.06.06, www.dgsi.pt.
[7] A Acção Executiva Depois da Reforma, 4ª ed., pág. 199, nota 76.
[8] Curso de Processo de Execução, 8ª ed., págs. 170 e 171.
[9] Manual da Acção Executiva, 3ª ed., pág. 279.
[10] A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, pág. 321.
[11] Neste sentido, Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, IV, pág. 39.