Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0753661
Nº Convencional: JTRP00040621
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
NOTIFICAÇÃO
LEI APLICÁVEL
Nº do Documento: RP200710080753661
Data do Acordão: 10/08/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 313 - FLS 13.
Área Temática: .
Sumário: I - Atribuída a competência aos órgãos da Administração Pública para o processamento do Apoio Judiciário, não pode deixar de ser entendido que esse é regido pelas disposições do Código de Procedimento Administrativo, em tudo o que não esteja especialmente regulado na respectiva Lei.
II - Daí que às notificações feitas `por esses órgãos seja aplicável o disposto nos arts. 66.º e 70.º daquele diploma e não as normas correspondentes do Código de Processo Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1 – B………. interpôs o presente recurso de agravo do douto despacho proferido, em 17.01.07, nos autos de processo ordinário nº …./04.0TVPRT, pendentes na .ª Vara Cível (.ª Secção) da comarca do Porto e em que contende com C………., D………. e E………., por via do qual foi decidido que aquele não goza, na dita acção, do benefício de apoio judiciário, atendendo-se, antes, “às decisões expressas da Segurança Social, a fls. 208 e 209, que indeferiram o pedido de apoio judiciário”.
Culminando as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões:
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1ª – O A., aqui agravante, requereu, em 28.05.04, junto dos Serviços da Segurança Social do Porto, a concessão do apoio judiciário, não foi notificado de qualquer decisão, nos 30 dias subsequentes, pelo que, em conformidade com o disposto no art. 26º, nº/s 2 e 3, da Lei nº 30-E/2000, de 20.12, gozou do deferimento tácito da pretensão;
2ª – A douta decisão declara que o A. não goza do apoio judiciário, em face das “decisões expressas da Segurança Social a fls. 208 e 209, que indeferiram o pedido de apoio judiciário”;
3ª – Não foi proferido qualquer despacho de indeferimento do pedido de concessão de apoio judiciário, uma vez que tal não resulta de fls. 208 ou 209;
4ª – Como resulta claramente da informação de fls. 223, não se pode considerar demonstrado que o ofício de fls. 209 tenha sido remetido ao A.;
5ª – Deveria o teor do mesmo ofício ter notificado, por via postal – arts. 66º e 70º do CPA (Código do Procedimento Administrativo);
6ª – Como nenhuma notificação se mostra efectuada, a ter sido praticado o acto, o mesmo estaria ferido de ineficácia – art. 132º do mesmo diploma;
7ª – Nos termos do despacho em crise, o A., aqui agravante, ficaria totalmente inerme perante uma administração que afirma ter enviado um ofício cuja cópia junta, mas cujo envio não prova, em clara violação do disposto no art. 268º, nº3 da CRP (Constituição da República Portuguesa);
8ª – Ao decidir como decidiu, o M. mo Juiz “a quo”, salvo o devido respeito, violou o disposto no art. 268º, nº3 da CRP, e nos arts. 66º, 70º e 132º do CPA, devendo, no provimento do recurso, ser revogado o douto despacho em crise, com todas as consequências legais.
Não foram apresentadas contra-alegações, tendo a decisão agravada sido objecto de sustentação.
Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir, para o que releva a factualidade emergente do antecedente relatório, aditada dos seguintes factos patenteados pelos autos:
a) – Mediante apresentação do respectivo expediente (recebido, em 28.05.04 – cfr. carimbo aposto no que constitui fls. 22 destes autos), nos Serviços da Segurança Social, o agravante e A. na sobredita acção ordinária requereu, tendo em vista a instauração de tal acção, a concessão do benefício de apoio judiciário, nas modalidades de dispensa total de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação de patrono e pagamento dos correspondentes honorários, para o que escolheu o Sr. Dr. F………., que declarou aceitar o mencionado patrocínio;
b) – Naquele expediente, indicou o agravante como respectiva residência a Rua ………., nº …. – .º - Frente – …. – … – Porto;
c) – Por comunicação postal registada, datada de 28.06.04 e endereçada a “B………. – Rua ………., …. – .º - Frt. – …. Porto”, foi o destinatário notificado pelos mencionados Serviços da Segurança Social, nos termos do art. 24º da Lei nº 30-E/2000, de 20.12, e porque era sua intenção indeferir o seu requerimento de apoio judiciário, “para, no prazo de 10 dias úteis, vir ao processo, querendo, dizer, por escrito, o que tiver por conveniente”, indicando-se como RAZÕES: “Segundo o disposto no art. 19º do mesmo normativo legal, o requerente deve juntar qualquer documento idóneo que comprove a sua insuficiência económica, bem como do seu agregado familiar – tais como: desemprego e montante do respectivo subsídio, comprovativo do recibo de vencimento, declaração de IRS de 2003”;
d) – Da referida comunicação constava, igualmente, a advertência de que, “Na falta de resposta, por qualquer meio, ao solicitado, a decisão torna-se definitiva e o indeferimento ocorre no primeiro dia útil seguinte ao do termo do prazo acima referido”;
e) – O pedido de apoio judiciário veio a ser indeferido, conforme mencionado em d) antecedente, “uma vez que o requerente não juntou, no prazo de 10 dias úteis, a documentação solicitada, nem respondeu à audiência prévia de que foi devidamente notificado”;
f) – Através do ofício nº 210933, de 22.12.06, os Serviços da Segurança Social informaram o Tribunal “a quo” que “quanto ao registo da audiência prévia enviada ao requerente B………., não é possível juntá-lo, pois, como já é do ano de 2004, não foi possível encontrá-lo”.
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2 – O agravante não dissente quanto à possibilidade de revogação do acto administrativo de deferimento tácito através da prática de um ulterior acto administrativo expresso e de tal natureza. O que, para além de estar em sintonia com a correspondente Doutrina administrativa de nós conhecida (para além da mencionada na muito douta promoção de fls. 40 a 43 e no não menos douto despacho de fls. 45/46, pode invocar-se a proclamada pelo Prof. Diogo Freitas do Amaral, no seu “Curso de Direito Administrativo”, Vol. II – 2ª reimpressão, pags. 331, 434/435 e 465, designadamente), consubstancia a única posição que se pode compatibilizar com as referências a “decisão final” e “decisão”, constantes dos arts. 27º, nº1, 28º, nº1 e 31º, nº/s 1 e 5 da citada Lei nº 30-/E/2000, de 20.12. Salvaguardando, por outro lado, a “ratio legis” subjacente à previsão da retirada – mesmo oficiosa – do apoio judiciário, constante do art. 37º, nº1, als. a), b), c) e e) da mesma Lei.
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3 – Assim, tendo em consideração o preceituado nos arts. 660º, nº2, 664º, 684º, nº3 e 690º, nº1, todos do CPC – como os demais que, sem menção da respectiva origem, vierem a ser citados – emerge como única questão a decidir, no âmbito do presente agravo, a de saber se o indeferimento da respectiva pretensão de apoio judiciário é oponível ao agravante, nos autos donde emerge o presente recurso, ou seja, e bem vistas as coisas, se sobre aquele impende, desde já, a obrigação de pagamento das custas contadas e que lhe foram imputadas. À mesma estando associada a de saber se ocorre violação do preceituado no art. 268º, nº3 da CRP, caso se não perfilhe a correspondente posição sustentada pelo agravante.
Analisemos, pois, tais questões, em ordem à respectiva decisão.
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4 – O agravante sustenta que o indeferimento expresso e definitivo da respectiva pretensão de apoio judiciário é totalmente ineficaz, devendo prevalecer o correspondente deferimento tácito, porquanto os competentes Serviços da Segurança Social não comprovaram ter efectuado a notificação, na forma legal, da comunicação mencionada em c) de 1 supra, a tudo acrescendo que o mesmo agravante só agora teve conhecimento de tal indeferimento.
Mas, com respeito pela opinião contrária, não podemos concordar com tal entendimento. Tentemos demonstrar:
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I – Estando em causa a actividade prosseguida, normalmente, por órgãos da Administração Pública, não pode deixar de ser entendido que aquela é regida pelas disposições do CPA – DL nº 6/96, de 31.01 – em tudo o que não esteja especialmente regulado na citada Lei nº 30-E/2000, de 20.12. Aliás, em conformidade com o que, expressamente, veio a ser prescrito no art. 37º da subsequente Lei nº 34/2004, de 29.07, reguladora de idêntica matéria.
Nos termos preceituados no art. 66º, al. c) do CPA, “Devem ser notificados aos interessados os actos administrativos que… criem, extingam, aumentem ou diminuam direitos ou interesses legalmente protegidos, ou afectem as condições do seu exercício”, prevendo-se, no art. 70º, nº1, al. a) do mesmo diploma legal, que “As notificações podem ser feitas… por via postal, desde que exista distribuição domiciliária na localidade de residência ou sede do notificando”.
Assim, não estando aquela actividade a coberto das normas constantes do CPC, e tendo em conta o acolhido em c) e d) de 1 supra, bem como a residência indicada pelo agravante, não se vislumbra em que é que a notificação em causa não obedeceu aos correspondentes trâmites e requisitos legais, tanto mais que, sem que a lei tanto exigisse, o correspondente expediente postal foi enviado sob registo.
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II – Simultaneamente, aduz o agravante que não foi notificado da decisão de indeferimento, o que à mesma conferiria ineficácia, atento o disposto no art. 132º do CPA.
Sem razão, porém, mais uma vez.
Com efeito, estatui-se no citado art. 132º, nº1 que “Os actos que constituam deveres ou encargos para os particulares e não estejam sujeitos a publicação” – como é o caso – “começam a produzir efeitos a partir da sua notificação aos destinatários, ou de outra forma de conhecimento oficial pelos mesmos, ou do começo de execução do acto”.
Assim, mesmo “dando de barato” a correspondente versão do agravante, ainda assim não poderá ser sustentada a ineficácia, perante o mesmo, do sobredito indeferimento: que mais não fosse, a correspondente decisão teria começado a produzir efeitos relativamente à pessoa do agravante e requerente do benefício de apoio judiciário a partir do conhecimento que da mesma teve, no âmbito do processo donde emerge o presente recurso.
De sorte que, não sendo admitida, no caso, reclamação, nem recurso hierárquico ou tutelar – Cfr. art. 27º, nº3, da citada Lei nº 30-E/2000 –, sobre o agravante passou a impender, a partir do conhecimento de tal decisão, o ónus processual de a impugnar, nos subsequentes quinze dias (art. 28º, nº1 da mesma Lei), no que toca a anomalias, nulidades ou ilegalidades que tivessem acompanhado o respectivo processo de formação ou de que a mesma enfermasse. Não o tendo feito…, “sibi imputet”, constituindo a via do presente recurso um meio processual inadequado à prossecução dos correspondentes desígnios.
Dito de outro modo: não tendo sido atacada, pela prescrita via legal, a decisão de indeferimento da pretensão de concessão de apoio judiciário de que o agravante teve conhecimento – mesmo que este tenha sido tardio –, a mesma consolidou-se, definitivamente, na Ordem Jurídica, não podendo a respectiva validade ou eficácia ser objecto de impugnação através do presente recurso. O que, aliás, não faria qualquer sentido, atento o preceituado nos arts. 28º e 29º da citada Lei nº 30-E/2000…
Tendo, pois, de concluir-se que o recorrente se encontra constituído na obrigação de pagar as custas contadas e que lhe foram imputadas no processo donde emerge o presente recurso.
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III – De quanto ficou expendido forçoso é concluir que, no caso versado nos autos, não ocorreu qualquer violação do preceituado no art. 268º, nº3 da CRP: o agravante tem de haver-se por notificado, nos termos expostos, da decisão em causa, a qual não omitiu a respectiva e acessível fundamentação. E se o agravante assim o não entendeu da mesma deveria ter, atempadamente, recorrido, conforme art. 28º da sobredita Lei nº 30-E/2000 e no correcto exercício do direito que lhe é facultado pelo nº4 do mesmo art. 268º.
Improcedendo, assim, as conclusões formuladas pelo agravante.
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5 – Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao agravo, confirmando-se, em consequência, a douta decisão recorrida.
Custas pelo agravante.
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Porto, 8 de Outubro de 2007
José Augusto Fernandes do Vale
Rui de Sousa Pinto Ferreira
Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira