Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0736746
Nº Convencional: JTRP00041006
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: ACÇÃO DE INTERDIÇÃO
DECISÃO SUMÁRIA
Nº do Documento: RP200801170736746
Data do Acordão: 01/17/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Indicações Eventuais: LIVRO 745 - FLS. 2.
Área Temática: .
Sumário: A prolação de decisão sumária (definitiva) sobre o mérito, no processo especial de interdição ou inabilitação, imediatamente a seguir ao exame e ao interrogatório do arguido, só pode ocorrer desde que preenchidos (cumulativamente) os seguintes requisitos: 1) – a acção não tenha sido contestada; 2) – o interrogatório e o exame do requerido forneçam elementos suficientes para ser proferida logo decisão; 3) – esta decisão seja no sentido de ser “decretada” a interdição.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO:

No …º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo B………….. requereu a interdição de C……………..

A requerida contestou (fls.22 ss), impugnando a factualidade alegada pelo autor para ver decretada a interdição.

Após publicação de anúncios e afixação de editais, teve lugar o interrogatório da arguida e a realização do exame pericial, referidos nos arts. 950º e 951º do CPC, tendo, logo de seguida e sem mais diligências, sido proferida sentença, julgando-se “improcedente pedido de interdição da requerida” (fls. 67).

Recorreu o Mº Público-- depois de, indevidamente, ter tentado a “reforma da sentença” (fls. 68) --, apresentando alegações que remata com as seguintes

“CONCLUSÕES:
No âmbito dos presentes autos foi requerida a interdição de C…………..

A acção foi contestada - cfr. contestação de fls. 22 ss.

Procedeu-se ao interrogatório da requerida e à realização de exame pericial, nos termos do disposto no artigo 949° do Cód. Processo Civil e, de seguida, a Mm° Juiz, proferiu, de imediato, decisão.

Atenta a existência da contestação impunha-se que os autos tivessem seguido os termos do processo ordinário, tal como dispõe o artigo 952° do Cód. Processo Civil.

Pelo exposto, considerando a existência da contestação de fls. 22 ss e ao abrigo das disposições legais referidas, deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra onde se ordene que os autos sigam os termos do processo ordinário, o que se requer, assim se fazendo justiça.”

Não houve contra-alegações.
Foram colhidos os vistos legais.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. AS QUESTÕES:
Tendo presente que:
- O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil);
- Nos recursos se apreciam questões e não razões;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

a única questão a resolver consiste em saber se, atenta a existência de contestação da arguida, deveriam os autos prosseguir, seguindo conformidade com os termos do processo ordinário, posteriores aos articulados.


II. 2. FACTOS PROVADOS:

A factualidade a ter em conta é a descrita supra.

III. O DIREITO:

Vejamos, então, a questão suscitada na apelação.
É manifesta a razão do apelante.
Vejamos porquê.

Prescrevem, com interesse para o caso sub judice, os seguintes normativos do Cód. de Proc. Civil:

“ARTIGO 944.º

(Petição inicial)

Na petição inicial da acção em que requeira a interdição ou inabilitação, deve o autor, depois de deduzida a sua legitimidade, mencionar os factos reveladores dos fundamentos invocados e do grau de incapacidade do interditando ou inabilitando e indicar as pessoas que, segundo os critérios da lei, devam compor o conselho de família e exercer a tutela ou curatela. “


“ARTIGO 946.º

(Citação)

1. O requerido é citado para contestar, no prazo de 30 dias.
2. (……….)”

“ARTIGO 948.º

(Articulados)

À contestação, quando a haja, seguir-se-ão os demais articulados admitidos em processo ordinário.”

ARTIGO 949.º

(Prova preliminar)

Quando se trate de acção de interdição, ou de inabilitação não fundada em mera prodigalidade, haja ou não contestação, proceder-se-á, findos os articulados, ao interrogatório do requerido e à realização do exame pericial. “

“ARTIGO 952.º

(Termos posteriores ao interrogatório e exame)

1. Se o interrogatório e o exame do requerido fornecerem elementos suficientes e a acção não tiver sido contestada, pode o juiz decretar imediatamente a interdição ou inabilitação.
2. Nos restantes casos, seguir-se-ão os termos do processo ordinário, posteriores aos articulados; sendo ordenado na fase de instrução novo exame médico do requerido, aplicar-se-ão as disposições relativas ao primeiro exame. “

ARTIGO 953.º

(Providências provisórias)

1. Em qualquer altura do processo, pode o juiz, oficiosamente ou a requerimento do autor ou do representante do requerido, proferir decisão provisória, nos próprios autos, nos termos previstos no artigo 142.º do Código Civil.
2. (…..)”.

Os sublinhados e negritos são nossos.

Ora, perante o próprio teor literal das normas citadas, facilmente se pode concluir que não podia a Mmª Juiz proferir decisão de mérito na altura em que o fez, por intempestividade (prematura).
Com efeito, como vimos, a regra nestes processos de interdições e inabilitações é vem plasmada no artº 948: “À contestação, quando a haja, seguir-se-ão os demais articulados admitidos em processo ordinário”.
Esta é a regra.
No entanto, há a que levar, em conta a norma do artº 952º sobre a (específica) tramitação a a seguir ao “interrogatório e exame” referidos nos antecedentes artigos 950º e 951º.
Assim, como vimos, dispõe este normativo que “ 1 - "Se o interrogatório e o exame do requerido fornecerem elementos suficientes e a acção não tiver sido contestada, pode o juiz decretar imediatamente a interdição ou inabilitação.
2 - Nos restantes casos, seguir-se-ão os termos do processo ordinário, posteriores aos articulados..."-- novamente são nossos os sublinhados.

Perante este normativo, parece claro que, tendo sido apresentada contestação, se que os autos tivessem seguimento, com os termos do processo ordinário, “posteriores aos articulados”, não podendo, portanto, ser logo proferida decisão de mérito.

Com efeito, para ser possível a prolação de decisão de mérito (final, não provisória, pois esta pode ser proferida “em qualquer altura do processo”, ut artº 953º/1 CPC) no processo especial de interdição ou inabilitação, imediatamente a seguir ao exame e ao interrogatório do arguido, têm de ser preenchidos (cumulativamente) vários requisitos: 1) a acção não ter sido contestada; 2) “o interrogatório e o exame do requerido fornecerem elementos suficientes” para a imediata decisão de mérito “; 3) a decisão ser no sentido de ser “decretada” a interdição (já não, portanto, no sentido da improcedência do pedido).
Assim, in casu, quer porque foi apresentada contestação, quer porque, mesmo que a não fosse, o interrogatório e o exame do requerido não forneciam elementos suficientes para se “decretar imediatamente a interdição” -- pois tais elementos, segundo a Mmª Juiz a quo, apontavam precisamente no sentido do não decretamento da interdição, sempre se impunha que os autos prosseguissem os seus termos normais, em conformidade com os termos do processo ordinário de declaração -- não sendo possível, como tal, proferir “imediatamente” decisão de improcedência (ou procedência, atenta a contestação -- pois, verifica a apresentação desta, haveria que dar à arguida possibilidade de dar efeito útil ao aludido contraditório, logrando poder provar a factualidade alegada nessa peça processual).

Impunha-se, portanto, o prosseguimento dos autos, seguindo os termos do processo ordinário posteriores aos articulados (ut arts. 508º segs. do CPC)[1].

No sentido aqui sustentado, escreve Lopes do Rego[2]:
“I - O nº1 permite a prolação de decisão sumária, sempre que a acção não haja sido contestada e o interrogatório e o exame pericial do requerido fornecerem elementos cabais no sentido da procedência do pedido.
II - Apenas se prevê esta forma de decisão, sumária e imediata, a propósito do deferimento da interdição, não contestada pelo requerido -- mas já não como forma de indeferimento ou rejeição do pedido) (como permitia o preceito na redacção anterior à reforma): na verdade, não pode, neste caso, ser o autor privado do direito de, nos termos gerais, fazer prova dos fundamentos do pedido que dirigiu ao tribunal”.
Assim, remata que “em todas as situações não previstas no nº 1 deste artigo, seguir-se-ão os termos do processo ordinário, posteriores aos articulados”-- sublinhados nossos.

Procede, assim, a questão suscitada pelo apelante.

CONCLUINDO:
A prolação de decisão sumária (definitiva) sobre o mérito no processo especial de interdição ou inabilitação, imediatamente a seguir ao exame e ao interrogatório do arguido, só pode ocorrer desde que preenchidos (cumulativamente) os seguintes requisitos: 1) - a acção não tenha sido contestada; 2) - o interrogatório e o exame do requerido forneçam elementos suficientes para ser proferida logo decisão; 3) esta decisão seja no sentido de ser “decretada” a interdição.

IV. DECISÃO:

Termos em que acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir os (subsequentes) termos do processo ordinário de declaração.

Sem custas.

Porto, 17 de Janeiro de 2008
Fernando Baptista Oliveira
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves
_________
[1] Sendo a fase dos articulados decalcada da tramitação do processo ordinário, pode, consequentemente, o requerente, v.g., responder a eventuais excepções que a requerida haja, porventura, deduzido na sua contestação.
[2]Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, 2ª ed., vol. II, pág. 172.