Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00036542 | ||
| Relator: | FERNANDO SAMÕES | ||
| Descritores: | GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS HIPOTECA RECLAMAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP200311110322807 | ||
| Data do Acordão: | 11/11/2003 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recorrido: | 5 J CIV PORTO | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | REVOGADA. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | A falta de reclamação pelo credor que tenha sido citado nos termos do artigo 864 do Código de Processo Civil do seu crédito com garantia real, conduz à caducidade da mesma, passando os bens a ser transmitidos livres de direitos reais de garantia. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório Por apenso à acção executiva instaurada pelo Banco 1..., contra Carlos... e mulher Maria..., com o n.º .../98 do 5º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, 1ª Secção, veio o Centro Regional de Segurança Social do Norte reclamar o crédito emergente de dívidas de contribuições relativas a salários pagos a trabalhadores do executado, referentes a Dezembro de 1995, todo o ano de 1996, Janeiro e Fevereiro de 1997, no valor global de 2.837.655$00, acrescido dos juros de mora vencidos até Abril de 2000, no montante de 1.527.407$00. O exequente Banco 1... ao abrigo do disposto no art.º 871º, n.º 2 do CPC, reclamou os créditos de 2.125.062$00 e de 2.651.840$70, exigidos nas execuções sustadas n.º .../98 da 3ª Secção do 2º Juízo Cível da Comarca do Porto e n.º .../98 da 3ª Secção da 6ª Vara Cível do Porto. Estas reclamações foram admitidas liminarmente e não foram impugnadas, tendo os respectivos créditos sido reconhecidos e graduados por sentença que foi alterada pelo acórdão de fls. 72 a 78 deste Tribunal que procedeu à sua graduação nos seguintes termos: 1º- O crédito exequendo; 2º- O crédito reclamado pelo Banco 1..., no valor de 2.125.062$00; 3º- O crédito reclamado pelo mesmo Banco, no valor de 2.651.840$70; 4º- O crédito reclamado pelo CRSS do Norte. Mais tarde, em 19/4/2002, invocando o disposto no art.º 871º do CPC, veio o Banco 2..., reclamar um crédito de 10.609.030$00, correspondente a € 52.917,66, acrescido de juros vincendos, que havia exigido na execução sustada n.º .../99 da 3ª Secção da 5ª Vara Cível do Porto, o qual estava garantido por hipoteca. Esta reclamação foi admitida liminarmente e o crédito não foi impugnado. Em face dela, foi proferida nova sentença que reconheceu o crédito reclamado e decidiu graduar todos os créditos pela ordem seguinte: 1º- O crédito reclamado pelo Banco 2...; 2º- O crédito exequendo; 3º- O crédito reclamado pelo Banco 1..., no valor de 2.125.062$00; 4º- O crédito reclamado pelo Banco 1..., no valor de 2.651.840$70; 5º- O crédito reclamado pelo CRSS do Norte. Não se conformando com esta decisão, o reclamante e exequente Banco 1..., interpôs recurso de apelação para este Tribunal e apresentou a sua alegação com as seguintes conclusões: O crédito reclamado pelo Banco 2... não poderá ser graduado como privilegiado com base em garantia real de hipoteca mas tão só com base na antiguidade da penhora registada em seu favor. Porquanto a garantia real de hipoteca alegada pelo Banco 2... deixou de existir na medida em que, nos autos principais, foi cumprido o disposto no art.º 864º do CPC para citação de credores através de publicação de anúncios, e este não apresentou a competente reclamação de créditos, “perdendo” assim a qualidade de credor com garantia real com base em hipoteca constituída a seu favor. Por outro lado, o credor Banco 2... não manteve pretensão de arguição de nulidade da venda operada nos autos principais sendo certo que, ao abrigo do disposto no art.º 218º do Código Civil, “o silêncio vale como declaração negocial quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção”. Perante o despacho do Mmº Juiz “a quo”, e de acordo com os usos, o silêncio do credor Banco 2... equivale à não manutenção de pretensão de arguir a nulidade da venda operada. Sendo que o Banco 2... apenas apresentou reclamação de créditos ao abrigo do art.º 871º do CPC, bastante depois de o imóvel em questão já ter sido vendido e adjudicado com depósito do preço efectuado nos autos. Acresce que, nos termos do n.º 1 do art.º 824º do CC, a venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida e, com base no seu n.º 2, os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem: todos os direitos de garantia caducam, o que é corroborado ainda pelo disposto no art.º 888º do CPC, pelo que a hipoteca alegada pelo Banco 2... extinguiu-se com a venda do imóvel. O credor Banco 2... bem sabia que havia “perdido” a garantia real hipotecária sobre o prédio penhorado nos autos e tanto assim é que, numa derradeira tentativa de salvar tal garantia, foi requerer a falência dos executados invocando aquela garantia real. Ora, o credor Banco 2... não se apresentou a reclamar créditos com garantia real hipotecária no devido prazo legal e ao abrigo do art.º 864º do CPC, ónus que lhe incumbia: por tal motivo sofreu a consequência de ver desaparecer o seu direito de garantia com base em hipoteca, conforme é, aliás, entendimento da doutrina. Também de acordo com a doutrina e jurisprudência portuguesa, tendo em atenção a única reclamação de créditos apresentada pelo Banco 2... nos termos do art.º 871º do CPC, o seu crédito apenas poderá ser graduado tendo em atenção a prioridade das penhoras registadas sobre o imóvel penhorado. E, conforme resulta das certidões de registo predial juntas aos autos, o Banco 1... tem registadas a seu favor penhoras anteriores à penhora efectuada pelo credor Banco 2..., pelo que os créditos do Banco 1... deverão ser graduados em posição anterior relativamente ao crédito do Banco 2.... Contra-alegou o Banco 2... pugnando pela confirmação da sentença recorrida. Sabido que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 684º, n.º 3, e 690º, n.º 1, do C.P.C.), a única questão a decidir consiste em saber se o crédito reclamado pelo Banco 2... deve ser graduado com base na hipoteca ou na penhora, o que pressupõe indagar se caducou aquela garantia. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II. Fundamentação De facto. Os factos a considerar na resolução daquela questão, para além dos que resultam do relatório supra, são os seguintes: Na acção executiva que correu termos pela 1ª Secção do 5º Juízo Cível do Tribunal da Comarca do Porto sob o n.º .../98, instaurada pelo Banco 1..., foi penhorado um prédio urbano com casa de um piso e logradouro, com área coberta de 123 m2 e descoberta de 377 m2, sito no lugar da..., inscrito na matriz da freguesia dos... sob o n.º... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel sob o n.º .... Essa penhora foi registada em 17/11/99. Na execução n.º .../98 da 3ª Secção do 2º Juízo Cível do Tribunal da Comarca do Porto, instaurada pelo Banco 1..., foi penhorado o mesmo prédio, tendo a penhora sido registada em10/12/99. Na execução n.º .../98 da 3ª Secção da 6ª Vara Cível do Porto, requerida pelo Banco 1..., foi penhorado o mesmo prédio e a respectiva penhora foi registada em 31/12/99. Na execução n.º .../99 da 3ª Secção da 5ª Vara Cível do Porto, instaurada pelo Banco 2..., para obter o pagamento da quantia de 7.373.244$00, foi penhorado o mesmo prédio, tendo a penhora sido registada em 14/1/2002. As execuções referidas em C), D) e E) foram sustadas em virtude de as penhoras ali efectuadas recaírem sobre o bem que já havia sido penhorado na execução mencionada em A). Para garantir o pagamento da quantia aludida em E), foi constituída uma hipoteca sobre o prédio identificado em A), a qual foi registada provisoriamente a 3/5/96 e convertida em definitiva a 26/9/96. Na execução mencionada em A), aquando da convocação dos credores, o Banco 2... não foi citado pessoalmente. Tendo arguido a nulidade por falta dessa citação, não foi proferida decisão sobre tal arguição, conformando-se com essa situação. O prédio penhorado, identificado em A), foi vendido, tendo sido adjudicado ao adquirente por despacho de 5/4/2002, a quem foi passado o respectivo título da transmissão. Em 1/4/2002, o Banco 2... requereu a falência dos executados, invocando o crédito reclamado. A falência foi decretada por sentença transitada em julgado em 16/8/2002. 2. De direito. A estes factos há que aplicar o direito, tendo em vista a resolução das mencionadas questões. Dispõe o art.º 686º, n.º 1 do Código Civil que “a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”. Por sua vez, o art.º 822º, n.º 1 do mesmo Código estabelece que “salvo nos casos especialmente previstos na lei, o exequente adquire pela penhora o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior”. Mas estas prioridades das garantias estabelecidas pela lei civil têm de ser equacionadas com as regras processuais decorrentes da execução dos bens sobre que as mesmas incidem. Tendo em vista a venda, adjudicação ou entrega dos bens penhorados, livres de quaisquer encargos, abre-se no processo executivo a fase do concurso de credores, nos termos do art.º 864º, n.º 1 do CPC. Depois de feita a citação dos credores que gozem de garantia real sobre os bens penhorados, estes podem reclamar os seus créditos, no prazo de 15 dias, a fim de serem reconhecidos ou verificados e graduados em conformidade com as regras de direito civil (art.º 865º do CPC). Pendendo mais de uma execução com penhora sobre os mesmos bens, será sustada aquela em que a penhora é posterior para que o exequente possa reclamar o seu crédito no processo em que a penhora seja mais antiga. A reclamação deve ser apresentada dentro do prazo facultado para dedução dos direitos de crédito, a menos que o reclamante não tenha sido citado pessoalmente nos termos do citado art.º 864º, caso em que pode deduzi-la nos 15 dias posteriores à notificação do despacho de sustação (art.º 871º, n.º 2 do CPC). Por fim, após o pagamento do preço e do imposto devido, serão mandados cancelar oficiosamente os registos dos direitos reais que caducam, nos termos do art.º 824º, n.º 2 do Código Civil (art.º 888º do CPC). Esta actividade destina-se a que os bens sejam transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo, sendo que os direitos de terceiro que caducarem nestes termos transferem-se para o produto da venda dos respectivos bens (citado art.º 824º, n.ºs 2 e 3). Relativamente aos direitos de garantia, caducam todos com a venda executiva, como resulta do n.º 2 do citado art.º 824º, uma vez que os bens são transmitidos livres de todos eles, sejam de constituição anterior ou posterior à penhora e tenha havido ou não reclamação na execução dos créditos que garantem (cfr. Lebre de Freitas, em A Acção Executiva, 2ª ed., pág. 274; Eurico Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª ed., 1964, pág. 623; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 2ª ed., pág. 87; José Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol. 2º, reimpressão, 1982, pág. 404). Da conjugação das regras que se acabaram de expor resulta que a falta de reclamação pelo credor que tenha sido citado, nos termos do art.º 864º do CPC, do seu crédito com garantia real, conduz à caducidade dessa garantia, pois só assim se compreende que os bens sejam transmitidos livres de direitos reais de garantia (cfr., neste sentido, Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular Comum e Especial, 1977, págs. 186 e 274; José Alberto dos Reis, Processo de Execução, ob. cit., pág. 409; e acórdãos do STJ de 7/12/51 e de 3/2/56, publicados no BMJ n.ºs 28º, pág. 264 e 54º, pág. 287, e de 3/10/95, na CJ – STJ -, ano III, tomo III, pág. 41). Como se refere no citado acórdão do STJ de 3/10/95, esta caducidade não pode ser torneada pela circunstância de o credor que não se aproveitou da garantia hipotecária vir instaurar processo executivo onde obtenha penhora posterior que conduza à sustação da execução e o leve a apresentar reclamação no primeiro processo, pretendendo aproveitar-se da garantia já caducada. Deste modo, o credor que tenha deixado caducar o direito real de garantia por não haver reclamado o crédito na acção executiva instaurada por terceiro na qual foi penhorado o imóvel sobre que incidia aquele direito, não pode, na sequência da sustação da execução que instaurou contra o devedor, reclamar o crédito, com base na referida garantia, na acção executiva em que omitiu a reclamação, apenas o podendo fazer com base em segunda penhora (cfr. Salvador da Costa, em O Concurso de Credores, 1998, pág. 265 e citado acórdão do STJ de 3/10/95). O Prof. Alberto dos Reis, debruçando-se sobre esta situação perante o direito anterior, nesta parte com regime idêntico ao actual, já ensinava que os credores com direitos reais de garantia que não se apresentassem a reclamar os seus créditos no processo executivo, tendo sido citados nos termos do art.º 864º, sofriam a consequência de “ver desaparecer o seu direito de garantia”, o qual caduca, subsistindo embora o crédito, visto que nenhuma causa legítima o fez extinguir. Neste caso, a caducidade do direito real de garantia opera-se sem qualquer contrapartida, podendo o credor fazer valer o seu crédito contra o devedor, na qualidade de credor comum (Ob. cit., pág. 409). Apesar de o recorrido não ter sido citado pessoalmente como manda o art.º 864º, n.º 1, al. b), a nulidade considera-se sanada nos termos do art.º 196º do CPC, visto que, muito embora tenha arguido essa falta, desleixou-se e conformou-se não só com a falta da sua citação como também com a omissão da decisão sobre aquela arguição. Por isso, esta situação não pode ser tratada de modo diverso daquela em que tenha havido citação pessoal, não havendo que invocar o silêncio como meio de declaração de vontade, como faz o recorrente. É que os comportamentos requeridos pela declaração tácita têm de ser “significantes”, “positivos” e “inequívocos” (cfr. Ac. do STJ de 5/11/97, BMJ n.º 471, pág. 361), só sendo “legítimo descobrir declarações negociais, ainda que tácitas, quando haja verdadeira vontade, dirigida aos efeitos e minimamente exteriorizada, ainda que de modo indirecto” (cfr. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, tomo I, 2ª ed., 2000, pág. 341). O silêncio não é meio idóneo para, por si, desencadear os mecanismos da autonomia privada. O art.º 218º do Código Civil não considera o silêncio como uma declaração negocial, pois apenas manda que se lhe apliquem as regras da declaração negocial, no tocante aos efeitos, conforme resulta da expressão “vale como declaração”. E para que tal aconteça, é necessário que o “valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção” (cfr. Menezes Cordeiro, ob. cit. págs. 341 e 342). Por outro lado, constata-se que o bem penhorado já foi vendido. Com a venda, aquele bem transferiu-se para o adquirente, livre de todos os direitos reais de garantia, onde se inclui a hipoteca, a qual vê assim mais uma causa de extinção a acrescer às previstas no art.º 730º do C. Civil (cfr. Ac. do STJ de 13/1/89, BMJ n.º 383, pág. 545). Acresce que tal direito já devia ter sido mandado cancelar por despacho a proferir oficiosamente nos termos do citado art.º 888º. Por isso, não pode o reclamante Banco 2... ver graduado o seu crédito com preferência sobre o do recorrente. Contrariamente ao afirmado pela recorrido, é irrelevante o facto de a reclamação não ter sido impugnada, na medida em que a falta de impugnação apenas significa que se tem por reconhecido o crédito e a respectiva garantia, mas sem prejuízo do conhecimento das questões que deviam ter implicado rejeição liminar da reclamação (art.º 868º, n.º 4 do CPC). Aquele efeito cominatório dispensa a verificação judicial do crédito, mas não prejudica nem altera as regras legais da graduação que se apresentam como questões de direito a definir como resultado de uma actividade judicativa. Todos os créditos do apelante têm preferência sobre o do Banco 2..., dada a caducidade da hipoteca deste e visto que a sua penhora foi registada em data posterior às daquele, ficando à frente do CRSS, cuja posição relativa não está em causa neste recurso. III. Decisão Pelo exposto, julga-se procedente a apelação e, em consequência, altera-se a sentença recorrida, passando o crédito reclamado pelo Banco 2... para o 4º lugar na graduação que passa a ser a seguinte: 1º- O crédito exequendo; 2º- O crédito reclamado pelo Banco 1..., no valor de 2.125.062$00; 3º- O crédito reclamado pelo Banco 1..., no valor de 2.651.840$70; 4º- O crédito reclamado pelo Banco 2...; 5º - O crédito reclamado pelo CRSS do Norte. * Custas do recurso pelo apelado Banco 2....* Porto, 11/11/2003 Fernando Augusto Samões Alziro Antunes Cardoso Albino de Lemos Jorge |