Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00030916 | ||
| Relator: | NARCISO MACHADO | ||
| Descritores: | EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA NOMEAÇÃO DE BENS À PENHORA PRÉDIO TERCEIRO PROCEDÊNCIA IMPUGNAÇÃO PAULIANA EMBARGOS DE TERCEIRO INDEFERIMENTO LIMINAR | ||
| Nº do Documento: | RP200104230150402 | ||
| Data do Acordão: | 04/23/2001 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recorrido: | 9 V CIV PORTO | ||
| Processo no Tribunal Recorrido: | 209/96-1S | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
| Área Temática: | DIR CIV - DIR OBG. DIR PROC CIV - PROC EXEC. | ||
| Legislação Nacional: | CCIV66 ART610 ART616 N1 N4 ART817 ART818. CPC95 ART56 N2 N3 ART57 ART270 A ART320 ART324 ART351 ART811-B N1 ART820 ART821 N2 ART828. | ||
| Sumário: | I - A procedência da acção pauliana não afasta a imposição contida no n.2 do artigo 821 do Código de Processo Civil. II - A intervenção principal espontânea é defensável na acção executiva, quanto a pessoas com legitimidade para esta acção. III - O tribunal não pode tomar a iniciativa de chamar terceiro para intervir, mas pode e deve convidar as partes à prática dos actos necessários à modificação subjectiva da instância, quando sejam necessários à regularização dela. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto No Tribunal Cível da Comarca do Porto, o Banco..., AS, instaurou, em 16.09.96, execução para pagamento de quantia certa contra: - Manuel... e mulher Maria... e - Vítor.... O Banco alegou, para tanto, ser portador de três letras vencidas e não pagas, subscritas por G...-Importação e Exportação Lda e avalizadas pelos executados. Nessa execução, o Banco exequente nomeou à penhora o “prédio urbano composto de casa de sub-cave, cave, rés-o-chão e andar com quintal, sito no lugar de... Santiago, freguesia de ..., Gondomar, a confrontar do norte e oeste com Padre José..., leste e sul com caminho, inscrito na matriz urbana da referida freguesia sob o art°..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n°.... Em 05.02.97, o Sr. Funcionário encarregado de efectuar a penhora deu a informação no respectivo auto (fls.43 da exec. apensa) que o prédio em causa havia já sido vendido ao ora recorrente, juntando fotocópia da respectiva escritura. Em 23.04.97, o Banco exequente intentou contra o recorrente e outros acção de impugnação pauliana cuja sentença, já transitada, julgou a acção procedente com todos os efeitos legais, “nomeadamente de o banco poder executar no património do réu Rui... o bem imóvel vendido (...) na medida necessária à satisfação do seu crédito, sendo, assim, ineficazes e sem qualquer efeito relativamente ao Banco Autor as transmissões feitas através das aludidas escrituras públicas de compra e venda do imóvel”. Ordenada a penhora e lavrado o respectivo termo, vem RUI... deduzir os presentes embargos de terceiro, alegando que, em 2 de Maio de 1995, adquiriu esse imóvel, estando o mesmo registado a seu favor na Conservatória do Registo Predial, donde se presume a sua propriedade, além de alegar factos com vista, além do mais, ao seu reconhecimento como parte legítima para intervir na execução. Uma vez que a certidão de registo que o embargante juntou aos autos, mostrava o registo de acção de impugnação pauliana da aquisição por compra e esclarecido que já havia sido proferida decisão pelo STJ, foi ordenada a junção de cópia da decisão, o que o embargante veio fazer a fls. 51 e seguintes dos autos. Perante esta factualidade, o Tribunal “a quo” rejeitou liminarmente os embargos nos seguintes termos: “Decidido, com trânsito em julgado, que o banco exequente (aqui embargado) pode executar o imóvel nomeado à penhora no património do executado, sendo ineficaz em relação a ele a aquisição feita pelo embargante, é evidente que a penhora não ofende qualquer direito daquele oponível ao Banco embargado/exequente. Logo os embargos, porque inútil se tomaria o seu prosseguimento, devem ser como são rejeitados liminarmente”. Inconformado com a decisão dela agravou o embargante que nas suas alegações conclui do seguinte modo: A-Na acção executiva de que estes autos são apenso é exequente o Banco... e executados Manuel... e mulher, Maria..., e Vítor..., tendo sido penhorado um prédio urbano de que é proprietário e possuidor o Embargante/Recorrente. B-O Embargante/Recorrente é, manifestamente, terceiro uma vez que, atento o disposto no artigo 351º do Cód. Proc. Civil, é o “...quem não é parte na causa...”, ou, como se refere no douto Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 23.04.1998 (in www.dgsi.pt/jtrp.nsf/..., nº conv.: JTRT00023476) “considera-se terceiro em relação à penhora, todo aquele que não é exequente nem executado”. C-Dispõe o nº 2 do artigo 821º do Cód. Proc. Civil que “Nos casos especialmente previstos na lei, podem ser penhorados bens de terceiro, desde que a execução tenha sido movida contra ele” o que, in casu, não sucede. D-Assim, ainda que da procedência da acção pauliana intentada pelo Banco/Embargado advenha para este o direito de executar o património do obrigado à restituição é certo que atento o teor do nº 2 do artigo 821 o do Cód. Proc. Civil, o direito de execução de tal património há-de fazer-se em execução que tenha sido movida contra o mesmo obrigado, o que in casu - na execução de que os presentes autos são apenso - não se verifica. E-O mesmo é dizer que a procedência da acção pauliana não afasta a imposição contida no nº 2, in fine, do artigo 821º do Cód. Proc. Civil. F-Carece, pois, de sustentação legal e, sempre salvo o devido respeito, viola o disposto no nº 2 do artigo 821º do Cód. Proc. Civil o douto despacho recorrido de fls. 67 e 68, designadamente quando decide que “...os embargos, porque inútil se tornaria o seu prosseguimento, devem ser rejeitados liminarmente”. Nas suas contra-alegações o Banco embargado pugna pela manutenção da decisão recorrida. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Com interesse para a apreciação e decisão do presente agravo relevam os factos e dinâmica processual acima descrita e, perante eles, analisemos agora o objecto do recurso, delimitado pelas conclusões do agravante. Defende o agravante que a procedência da acção pauliana não afasta a imposição contida no nº 2º do art. 821 do CPC, isto é, não obstante o direito de o Banco executar o património do obrigado à restituição, o direito de execução de tal património há-de fazer-se em execução que tenha sido movida contra o mesmo obrigado. A questão assim genericamente suscitada pelo agravante, implica a resolução de novas questões derivadas da aplicação de normas processuais introduzidas pela última reforma processual. Essas questões poder-se-ão resumir do seguinte modo: a)- Saber a execução apenas tem de ser obrigatoriamente instaurada contra o terceiro no caso de sobre os bens, objecto de execução, incidir direito real constituído para garantia do crédito exequendo, nos termos das disposições conjugadas dos arts 821 nº2, 56 nº 2 do CPC e art. 818 do CC ou também o deve ser obrigatoriamente no caso de acção pauliana julgada procedente da qual resulte para terceiro a obrigação de restituição dos bens ao devedor. b)- No caso de ser obrigatória a instauração da execução contra terceiro no caso de procedência de acção pauliana, saber qual o meio processual adequado quando essa procedência surge na pendência da acção executiva, como no caso dos autos. *** A impugnação pauliana faculta ao credor a possibilidade de tornar ineficazes actos praticados pelo devedor que envolvam diminuição da garantia patrimonial (art. 610 e 616 nº 1º e 4º do CC). Procedendo a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição (art. 616 nº1 do CC). Este direito é confirmado na 2ª parte do art. 818 do CC, sendo que a restituição efectiva dos bens ao alienante não tem, na generalidade dos casos, interesse. A legitimidade das partes, na acção executiva, averigua-se no confronto entre as partes e o título executivo. Assim, como regra, tem legitimidade como exequente e executado, respectivamente, quem no título figura como credor e como devedor (art. 55 nº 1º do CPC). Em princípio, para se poder afirmar que as partes são legítimas, terá de existir uma relação de coincidência entre as pessoas que figuram no requerimento inicial e aquelas que são mencionadas no título executivo. Porém, como resulta dos art. 56 e 57 do CPC, esta regra apresenta desvios, porquanto há casos em que a legitimidade passiva pertence a pessoas que não aparecem designadas na letra do título executivo (v.g., no caso de execução por dívida de garantia real) e excepções (por alargamento a terceiros abrangidos pela eficácia do caso julgado - -art. 57 do CPC). Estas hipóteses, subtraídas à regra da coincidência, constituem as denominadas execuções “ultra titulum”. Resulta dos autos que o Banco intentou a acção executiva, apresentando como título executivo três letras de câmbio, subscritas por G...-Importação e Exportação Lda e avalizadas pelos executados Manuel..., Maria... e Vítor.... Assim, pela regra da coincidência, as partes legítimas são, pelo lado activo, o Banco e pelo lado passivo, os mencionados executados. Mas, no caso dos autos, verifica-se a circunstância de, na pendência da acção executiva e na sequência da informação prestada no processo, que os executados haviam alienado ao ora embargante o prédio penhorado, foi instaurada a acção de impugnação pauliana que veio a ser julgada procedente. Esta decisão veio operar uma modificação (superveniente) relativamente à legitimidade passiva, a qual, embora ocorrendo na pendência da execução, carece de solução processual. Como é sabido, a garantia geral das obrigações é, em princípio, constituída por todos os bens que integram o património do devedor. Das disposições combinadas dos arts. 817 e 818 do CC e do art. 821 do CPC logo resulta que, em princípio, todo o património do devedor, e só ele, responde pelas dívidas que o mesmo tenha contraído. No entanto, as garantias especiais (fora do âmbito da responsabilidade patrimonial) e a impugnação pauliana introduzem excepções e especialidades que importa considerar, quando se põe a questão do objecto possível da penhora. Nos termos do nº 2º do art. 821 do CPC “nos casos especialmente previstos na lei, podem ser penhorados bens de terceiro, desde que a execução tenha sido movida contra ele”. Da citada norma legal resulta claramente que a penhora de bens de terceiro depende cumulativamente de dois requisitos: - que a lei preveja especialmente essa possibilidade; - que a execução tenha sido movida contra o terceiro. E segundo o art. 818 do CC “o direito de execução pode incidir sobre bens de terceiro, quando estejam vinculados à garantia do crédito ou quando sejam objecto de acto praticado em prejuízo de credor, que este haja procedentemente impugnado”. Segundo Lebre de Freitas (Acção Executiva-174), das normas legais vindas de citar é possível retirar a seguinte conclusão: Os bens de terceiro só podem ser objecto de execução em dois casos: a)- quando sobre eles recaia direito real constituído para garantia do crédito exequendo; b)- quando tenha sido julgada procedente impugnação pauliana de que resulte para terceiro a obrigação de restituição dos bens ao devedor. Mas, como salienta o mesmo Autor, (op. cit. pag. 174, nota), “trata-se de terceiro perante a relação obrigacional, mas não de terceiro perante a execução, pois esta terá sempre de ser contra ele movida, sob pena de os seus bens não poderem ser penhorados”. E conclui que à impugnação pauliana se aplica, analogicamente, o art. 56 nº2º do CPC. Ora, o nº 2º e 3º do actual art. 56 do CPC, ao contrário do que acontecia com a anterior redacção, que deu lugar a dificuldades interpretativas, é bem claro ao estabelecer que o exequente que pretenda fazer valer a garantia na execução tem um de dois caminhos possíveis: a)- Ou propõe a execução contra terceiro e, mais tarde, se os bens forem insuficientes, pode requerer, no mesmo processo, o prosseguimento da execução contra o devedor, ou, b)- Desde logo instaurar a execução contra o terceiro e o devedor. Em qualquer uma das opções, como se vê, é obrigatória a instauração da execução contra o terceiro, o que está de acordo com o nº 2º do art. 821 do CPC. Na verdade, dado não ser possível a penhora de bens pertencentes a pessoa que não tenha a posição de executado, a acção executiva terá, na medida em que se quiser actuar a garantia prestada ou a impugnação pauliana, de ser proposta contra o proprietário do bem. Saliente-se que a acção pauliana, muito embora torne o acto ineficaz em relação ao credor, não o atinge na sua validade, sendo por isso que a lei exige a intervenção do terceiro na respectiva execução. Na verdade, conforme resulta do nº 1º e 4º do art. 616 do CC, sacrificando o acto apenas na medida do interesse do credor impugnante, mostra-se claramente que ele não está afectado por qualquer vício intrínseco capaz de gerar a sua nulidade, pois mantém de pé, como acto válido, em tudo quanto excede a medida daquele interesse (cf. Pires Lima e A.Varela-CC anot.-I-448). Já vimos que partes legítimas num processo executivo são, em princípio, aquelas que figuram no título executivo. Mas no que respeita à legitimidade passiva, pode essa qualidade alargar-se a terceiros que, embora não figurando expressamente no título, estejam sujeitos à sanção executiva, isto é, sejam titulares da responsabilidade executiva. No caso vertente, embora no início da execução, o ora embargante começasse por ser um terceiro estranho ao processo executivo, com a procedência da acção pauliana passou a ser um terceiro com legitimidade para intervir na acção executiva (terceiro parte). Na pendência da causa, as partes podem ser substituídas em consequência, por ex., de sucessão “mortis causa” ou de transmissão do “inter vivos” do direito litigioso. Mas, pode ainda ocorrer a intervenção superveniente (espontânea ou provocada por alguma das partes) de terceiro que passa a ocupar na acção proposta, ao lado do A. ou do R. primitivo a posição de parte na causa (art. 270 do CPC). Quando assim acontece estamos em presença do litisconsórcio sucessivo. Em nenhum destes casos pode o tribunal tomar a iniciativa de chamar o terceiro para intervir. Mas pode e deve convidar as partes à pratica dos actos necessários à modificação subjectiva da instância, quando sejam necessários à regularização dela (art. 265 nº 2 e 270 al. a) do CPC). No caso dos autos, passou a existir um caso de legitimidade superveniente, pois o recorrente a qualidade de terceiro estranho ao processo, no início da execução, passou, em consequência da impugnação pauliana, a ter também interesse na execução, a ser parte legítima. Mas será que o recorrente tem interesse em intervir na execução, apesar dos efeitos decorrentes da procedência da acção pauliana? Saliente-se a tal propósito que o facto de o titular do património penhorado estar sujeito à responsabilidade executiva não importa, como consequência iniludível, que ele haja necessariamente de sofrer a penhora e venda dos bens. Pode até suceder, por ex., que, posteriormente, se venha a verificar a extinção da obrigação. Por outro lado, só a posição formal de executado permite ao terceiro, na fase de venda, salvaguardar os seus interesses, nomeadamente para efeito do art. 886-A do CPC (escolha da modalidade da venda e valor base dos bens) e art. 894 (apreciação das propostas de compra) e até garantir o direito de remissão às pessoas consignadas no art. 912 do CPC. Importa, pois, assegurar o princípio do contraditório que também ele exige a proposição da execução contra o proprietário que, por esta, vai ser atingido. O meio processual usado pelo recorrente para assegurar a sua legitimidade na execução foi os embargos de terceiro (arts. 351 e ss. do CPC). Afigura-se-nos, no entanto, não ser esse o meio processual adequado para que o recorrente assegure tal legitimidade, mas antes o incidente de intervenção principal espontânea (arts. 320-324 do CPC). Nos termos da alínea a) do art. 270 do CPC, como vimos, a instância pode modificar-se, quanto às pessoas, em virtude dos incidentes da intervenção de terceiros. É sabido que os incidentes de terceiros foram estruturados em função da acção declarativa, só nela se podendo realizar, mas a intervenção principal é já defensável na acção executiva, quanto a pessoas com legitimidade para esta acção (cf. arts. 811-B nº 1º, 56 nº 2º, 828 nº 2º e 3º e 820 do CPC), pelo que se não vê razão para se não aplicar ao caso vertente. Até porque, não cabendo ao caso, os embargos de terceiro, este não teria meio processual para “entrar” na execução, o que seria manifestamente injusto e violaria frontalmente o princípio do contraditório, desfecho que o legislador não pode, de forma alguma, ter querido. Decidido na acção de impugnação pauliana que o Banco pode executar o imóvel nomeado à penhora no património do executado, sendo ineficaz em relação a ele a aquisição feita pelo recorrente, o interesse deste não é já defender, como terceiro, a posse ou propriedade desse bem, mas antes intervir, como parte, nos actos de liquidação desse património que se vai fazer na acção executiva. E a boa liquidação do imóvel penhorado vai interessar simultânea e paralelamente ao recorrente e restantes executados, uma vez que, por um lado, a restituição do bem se há-de fazer na medida do interesse do credor (art. 616 nº 1º do CC) e o adquirente tem direito de exigir do devedor aquilo com que este se enriqueceu (art. 617 nº 1º do CC). Assim, por ex., a venda do imóvel, pelo melhor preço, interessa simultaneamente, aos executados e ao agravante: ao recorrente porque o melhor preço poderá eventualmente propiciar para ele, após a satisfação do crédito do exequente, parte desse preço e aos executados por se poderem livrar do eventual direito de regresso que assiste ao agravante. Do exposto, se há-de concluir que o meio processual adequado à pretensão do recorrente é o incidente de intervenção espontânea e não os embargos de terceiro. Termos em que, embora por razões diversas, se acorda em negar provimento ao agravo, confirmando-se o despacho recorrido. Custas pelo agravante. Porto, 23 de Abril de 2001 Narciso Marques Machado Rui de Sousa Pinto Ferreira Manuel José Caimoto Jácome |