Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0815570
Nº Convencional: JTRP00041749
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: SEGREDO DE JUSTIÇA
FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: RP200810150815570
Data do Acordão: 10/15/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 551 - FLS 136.
Área Temática: .
Sumário: I - O Ministério Público no despacho a que se refere o nº 3 do art. 86º do Código de Processo Penal deve indicar os motivos de facto que permitam perceber quais as razões pelas quais entende que, nesse concreto inquérito, os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais justificam a determinação do segredo de justiça.
II - Não constando, porém, essa fundamentação concreta do despacho do Ministério Público, o juiz de instrução se, por meio da consulta dos elementos dos autos, puder concluir que é caso de excepcionalmente sujeitar o inquérito a segredo de justiça, deve validar aquele despacho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: (proc. n º 5570/08-1)
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Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
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I- RELATÓRIO
1. No âmbito do inquérito nº …/08.9GBSTS, que corre termos na Procuradoria da República de Santo Tirso, em 16/5/2008, o Sr. JIC proferiu a seguinte decisão (fls. 21 destes autos de recurso em separado):
“Despacho proferido a fls. 07[1] pelo Ministério Público de sujeição dos presentes autos a segredo de justiça:
O Ministério Público veio determinar a sujeição dos presentes autos a segredo de justiça, com fundamento numa Directiva da PGR, atendendo ao tipo legal que integra o objecto da investigação (crime previsto e punido pelo art.º 152.º, do Código Penal), o qual se insere no contexto de criminalidade violenta, sendo certo que a publicidade dos autos seria, em concreto lesiva para os interesses da investigação e da ofendida.
Cumpre proferir despacho, ao abrigo do art.º 86.º, n.º 3, parte final, do Código de Processo Penal.
Não se vislumbra qualquer motivação factual concreta procedente para o despacho proferido pelo Ministério Público.
Não é pela simples circunstância de o objecto dos autos se reportar a um determinado tipo legal, ainda que o mesmo se integre no conceito de criminalidade violenta que se justifica a sujeição dos autos a segredo de justiça, já que com tal assunção por parte do Ministério Público, está a partir-se do abstracto e a não ponderar o concreto; já por referência ao que em “concreto”, o Ministério Público alegou, subsequentemente: interesses do ofendido e interesses da investigação: relativamente aos interesses da ofendida, nada nos autos nos permite concluir que o interesse do ofendido seja o de que o Inquérito fique em segredo de justiça, podendo, até, ter o interesse oposto; quanto ao interesse da investigação, o Ministério Público nada alega em concreto, sendo que das diligências de Inquérito determinadas, não se vislumbra em que medida se torna necessário abranger os autos em situação de segredo de justiça.
Em conformidade com o exposto e nos termos do art.º 86.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, não julgo válido o despacho proferido pelo Ministério Público a fls. 07.
Notifique o Ministério Público.”

2. Não se conformando com essa decisão, o Ministério Público interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões (fls. 2 a 18 destes autos de recurso):
“1. Tratando-se de um inquérito por eventual crime de maus-tratos, em que o Ministério Público, na sequência da Directiva do Procurador-Geral da República, determinou a aplicação do segredo de justiça, não pode nem deve o Juiz de Instrução Criminal, sem mais, não validar essa determinação;
2. O Juiz de Instrução Criminal não pode ignorar as indicações sobre política criminal constantes das Leis Lei n.º 17/2006 de 23 de Maio e as funções que nesse âmbito atribui ao Ministério Público e ao Procurador-Geral da República e os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2007-2009 (Lei n.º 51/2007), entre os quais se situa a prioridade e eficácia na investigação dos crimes de maus tratos e da promoção da protecção das vítimas especialmente frágeis;
3. A Directiva invocada pelo Ministério Público no despacho de aplicação do segredo de justiça, apresenta-se também, face às dificuldades criadas pela Lei n.º 48/2007, como um instrumento de concretização dos objectivos da política criminal, estabelecidos para este biénio e não como um acto voluntarista, infundamentado e desproporcional, que a decisão recorrida pudesse ignorar, apesar do papel que desempenhara no falado despacho não validado;
4. A Directiva teve em conta as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/207 em fase de investigação, que justificam, pelas implicações na forma como o Ministério Público deverá dirigir o inquérito e exercer a acção penal, a adopção de orientações adequadas a garantir uma actuação uniforme desta magistratura, tendo em conta o seu carácter unitário e hierarquizado, designadamente quanto ao segredo de justiça quando visam, como no caso, crimes cuja investigação eficaz é prioritária, não só pelo perigo de reincidência que significam, como pelas lesões das vítimas vulneráveis, cuja protecção foi tida igualmente como prioritária;
5. O Juiz de Instrução Criminal, ao validar ou não o segredo de justiça cuja aplicação foi determinada pelo Ministério Público, não pode deixar de ter presente que se trata exactamente de “validar” e não de “determinar” (o que já foi feito) o que postula atitudes e competências diferentes;
6. Ao Ministério Público compete, apreciando os parâmetros legais e tendo presente que está num domínio e numa fase de investigação cuja condução lhe pertence, determinar se a aplicação do segredo de justiça é necessária à investigação, à protecção da vítima ou do arguido, e não é excessivamente onerosa;
7. Ao juiz de Instrução não compete, ao validar essa determinação, substituir-se ao Ministério Público no juízo que a este cabe, mas com bom senso e parcimónia, verificar se do seu ponto de vista de juiz das liberdades, existem elementos concretos que permitam afirmar o carácter excessivamente gravoso, desproporcionado daquela determinação;
8. A decisão recorrida extravasa esse controlo, substituindo-se à apreciação do Ministério Público, no seu próprio campo, sem tomar em consideração a Directiva invocada por este e os objectivos da política criminal;
9. A responsabilidade indeclinável do Juiz de Instrução tem a ver com o equilíbrio e a ponderação entre as exigências da investigação (aceitando, à partida, que essas exigências são como o Ministério Público as configura), por um lado, e o direitos de defesa do arguido, por outro lado; e não o juízo e ponderação a respeito dos interesses da investigação, por si só;
10. Nessa ponderação entre os interesses da investigação encabeçados pelo Ministério Público e os direitos de defesa do arguido, deve ter em conta se está perante situações reais de perigo de lesão grave destes direitos, como acontece no caso de aplicação de medida de coacção de prisão preventiva, ou se não o sendo, os direitos de defesa do arguido têm um peso menor, por não comprometidos por espera por fases ulteriores do processo, essas sim já dominadas pelo princípio do contraditório;
11. A decisão recorrida mostra-se insuficientemente fundamentada, pois que, mesmo na sua óptica, não esclarece quais são os outros meios de reacção e de protecção aos interesses da vítima que não contendem com a possibilidade de defesa por parte do arguido; em que é que a possibilidade de defesa por parte do arguido é significativamente contundida pelo segredo de justiça determinado pelo Ministério Público;
12. E, quando sustenta que não está concretizado porque motivo interessa à investigação que os autos se mantenham em segredo de justiça, viola os conhecimentos de experiência comum que indicam que, neste tipo de situações em que frequentemente a vítima reside com o agente e é dele dependente, aquela corre graves riscos quanto este se apercebe que foi apresentada queixa e decorre um inquérito;
13. Com esse conhecimento o agente, para além do risco de repetição dos eventos, está em condições de fazer pressão sobre a vítima e muitas vezes sobre as testemunhas, podem facilmente perturbar a eficácia do inquérito, além de perturbar a vítima, normalmente muito frágil neste tipo de crimes;
14. Por todas estas razões deveria o M.º Juiz a quo ter validado a determinação do Ministério Público de aplicar ao presente inquérito o segredo de justiça;
15. Deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que valide a determinação de sujeição do presente processo a segredo de justiça.”

3. Admitido o recurso, o Sr. JIC proferiu o seguinte despacho de sustentação (fls. 30 a 38 destes autos de recurso):
“Com relevância para o recurso pendente, importará ponderar o seguinte:
O tribunal proferiu despacho onde julgo inválido o despacho proferido pelo Ministério Público de sujeição dos autos a segredo de justiça, nos termos do art.º 86.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
Tal despacho do Ministério Público é do seguinte teor:
(…)
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Já o despacho proferido e de que recorreu o Ministério Público contém a seguinte fundamentação:
(…)
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Por seu turno, o Ministério Público, nas alegações de recurso, veio sustentar o seguinte:
I.
O despacho recorrido começa por manifestar a sua compreensão pela posição assumida pelo Ministério Público, dado o dever de acatar a referida Circular, mas depois não aborda a questão da temática contida na invocada Circular, indo esta ao encontro das prioridades e orientações de política criminal actuais;
II.
Tal Circular se integra no contexto da política criminal e prioridades ao nível da prevenção criminal, designadamente no que respeita a certo tipo de crimes, designadamente no que tange a crimes como a violência doméstica e os maus-tratos, sendo de promover a protecção de vítimas especialmente indefesas, o que não teria sido considerado no despacho recorrido;
III.
O despacho recorrido não pode sindicar a tomada de posição por parte do Ministério Público, já que não se trata de uma forma de controlo da actividade e opções do Ministério Público, não podendo ser posta em causa a fundamentação do Ministério Público, não podendo o JIC optar pela não validação da determinação do Ministério Público;
IV.
Prossegue, sustentando que o despacho recorrido não teve em consideração que houve fundamentação concreta no despacho do Ministério Público, já que o Ministério Público teve em consideração o tipo de crime objecto dos autos, sendo de ponderar à dificuldade, melindre e possibilidade de interferência e até reincidência dos agentes deste tipo de crime, o que é de conhecimento comum, sendo certo que é também do conhecimento comum que neste tipo de situações, em que frequentemente a vítima encontra-se dependente do autor dos factos, a mesma corre riscos, quando o arguido se apercebe da pendência da queixa e do Inquérito, sendo o JIC o garante dos direitos não só do arguido, mas também da vítima;
V.
O mesmo despacho recorrido sustentaria, ainda, que não se vislumbraria qualquer possível lesão para a investigação decorrente da publicidade dos autos, o que não corresponderia à realidade: o tipo de crime, o nível de reincidência, a pressão que o agente é susceptível de exercer sobre a vítima e até sobre as testemunhas, é susceptível de interferir no andamento da investigação; mais refere que resultaria ilógico aguardar pelas diligências de Inquérito, sob a égide da publicidade, para subsequentemente se concluir pela necessidade de se sujeitar a segredo aquilo que já se investigara.
Conclui o Ministério Público que o despacho que deveria ter sido proferido seria o de validação do despacho do Ministério Público que determinou a sujeição dos autos a segredo de justiça.
Cfr. fls. 02 a 17 do presente apenso.
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Cumpre, agora, proferir despacho a sustentar ou reparar o agravo, nos termos do disposto no art.º 414.º, n.º 4, parte final, do Código de Processo Penal.
Sustentaremos o agravo, por entendermos que a decisão recorrida não merece censura, de resto, como foi já decidido no âmbito de quatro outros recursos interpostos de decisões essencial e praticamente idênticas em vários Inquéritos desta comarca e apreciados pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto – vide os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 07-05-2008, 28-05-2008, 04-06-2008, 11-06-2008 e 25-06-2008 in www.dgsi.pt/jtrp, fazendo-se consignar que se desconhece qualquer decisão em sentido contrário.
Sustentaremos o agravo, por entendermos que a decisão recorrida não merece censura.
Os argumentos apresentados pelo Ministério Público recorrente não merecem o nosso acolhimento e, em nosso entendimento, não abalam minimamente as razões da decisão recorrida.
Apreciando, então:
I.
A primeira questão que se impõe apreciar é a de que o despacho recorrido nem sequer abordaria a questão da temática contida na invocada Circular.
Desde logo importa ponderar que uma Circular do Ministério Público tem validade para o próprio Ministério Público e não para os Magistrados Judiciais; evidentemente que o conteúdo das mesmas até pode aproveitar à prática judiciária dos magistrados judiciais, mas não pode ter a pretensão de ter qualquer validade e/ou eficácia para a magistratura judicial, aliás, nem sequer sendo comunicada aos magistrados judiciais; para abordarmos a temática inserida numa Circular, necessário se tornaria que o Ministério Público fizesse verter para o seu despacho ou para qualquer promoção o conteúdo da mesma, tanto mais que dos muitos ramos do Direito que conhecemos, confessadamente temos que assumir que não conhecemos o ramo do Direito Circulatório.
Assim, se não abordamos a temática de tal Circular, tal deve-se ao facto de não sermos obrigados a conhecê-la e o Ministério Público não ter vertido para o respectivo despacho o conteúdo da mesma, limitando-se a invocá-la.
II.
Quanto ao segundo argumento invocado pelo Ministério Público, aludindo, então, ao conteúdo e temática da referida Circular, resultaria que a mesma se integraria no contexto da política criminal e prioridades ao nível da prevenção criminal, designadamente no que respeita a certo tipo de crimes, especificamente no que tange a crimes como a violência doméstica e os maus-tratos, sendo de promover a protecção de vítimas especialmente indefesas, o que não teria sido considerado no despacho recorrido.
Estamos cientes das políticas criminais vigentes e prioridades estabelecidas ao nível da prevenção criminal, no que tange a certos tipos de crimes, como os crimes de maus-tratos e de violência doméstica; simplesmente aderir ao entendimento preconizado pelo Ministério Público significa que sempre que se esteja perante aquele tipo de crimes, então, será determinado sempre o segredo de justiça; ou seja, em abstracto estabelece-se a regra do segredo de justiça sempre que o objecto dos autos seja um crime de catálogo elencado pelo Ministério Público, independentemente de, em concreto, haver necessidade e adequação para tal estatuição; não podemos concordar com tal entendimento; será caso a caso, numa análise casuística que se ponderará e determinará a necessidade de sujeição deste ou daquele Inquérito a segredo de justiça; também não é verdade que não se tenha tido em consideração os interesses da vítima; necessário se torna é averiguar qual o concreto interesse da vítima, pela análise mais uma vez específica e concreta do caso de cada Inquérito, para se concluir ou não por tal necessidade; o que o Ministério Público faz é presumir que o interesse da vítima é sempre o mesmo: o de que se trata de uma pessoa frágil e indefesa e de que a mesma não pretende que, quer o arguido, quer terceiros, tomem conhecimento da existência do Inquérito e dos termos do mesmo; tal presunção não se nos afigura correcta, tanto mais que a mesma pode constituir, precisamente, a antítese, o oposto daquilo que a vítima poderá querer: basta pensar que muitas vezes, a vítima até pretende que haja conhecimento da pendência do Inquérito, precisamente para, por tal via, exercer pressão sobre o autor dos factos, no sentido de afastá-lo da continuação ou renovação da actividade criminosa; da mesma forma pode até ter interesse na publicidade dos autos, para que outras situações reportadas a outras vítimas sejam reveladas.
III.
O terceiro argumento sustentado pelo Ministério Público é o de que o despacho recorrido não pode sindicar a tomada de posição por parte do Ministério Público, já que não se trata de uma forma de controlo da actividade e opções do Ministério Público, não podendo ser posta em causa a fundamentação do Ministério Público, não podendo o JIC optar pela não validação da determinação do Ministério Público.
Pois bem, apreciando este argumento:
Não pode ser posto em causa o despacho do Ministério Público?
Então qual é a intervenção que o Juiz de Instrução Criminal tem ao nível do art.º 86.º, n.º 3, parte final, do Código de Processo Penal? Será que na sequência do despacho do Ministério Público que determina a sujeição dos autos a segredo de justiça a única possibilidade que existe ao JIC, é a de julgar válido tal despacho? Não existe a opção de não julgar o mesmo inválido? Cremos que exigindo-se a intervenção do JIC, aquilo que se pretende, precisamente, é que este pondere da validade ou invalidade de tal despacho, sob pena de tornar a intervenção do JIC num mero autómato que se limita a apor um carimbo, com os dizeres: “Válido” e a rubricar por cima; cremos, evidentemente, que não existe qualquer limitação quanto à possibilidade de validação ou declaração de invalidade do despacho do Ministério Público.
IV.
Por referência ao despacho recorrido propriamente dito, veio o Ministério Público sustentar que o mesmo não teve em consideração que houve fundamentação concreta no despacho do Ministério Público, já que o Ministério Público teve em consideração o tipo de crime objecto dos autos, sendo de ponderar à dificuldade, melindre e possibilidade de interferência e até reincidência dos agentes deste tipo de crime, o que é de conhecimento comum;
Quanto a este argumento, conforme já referido, o entendimento que o tribunal tem vindo a adoptar é o de que não basta uma mera alegação genérica e abstracta por referência ao tipo de crime; se assim fosse, enuncia-se um catálogo de crimes e estabelece-se a regra genérica e abstracta, não se analisando o caso concreto; quanto à alegada dificuldade, melindre e possibilidade de interferência e até reincidência dos agentes deste tipo de crime, nada nos autos nos permite tal conclusão, sendo certo que a nossa experiência leva-nos, precisamente, à conclusão contrária: conforme já supra mencionado, é muitas e frequentes vezes o conhecimento por parte do arguido da pendência e dos termos do Inquérito que faz cessar a continuação criminosa, sendo muitas e frequentes as vezes em que inclusivamente é apresentada queixa apenas para impor receio no agente e fazê-lo cessar com tal actividade; assim se compreende, de resto, o número de despachos de suspensões provisórias que no âmbito deste género de crimes, se verifica constituir uma opção por parte do Ministério Público no termo dos Inquéritos respectivos; não se olvidará, em todo o caso, que a situação objecto dos autos inclusive foge ao comum objecto dos Inquéritos reportados a este tipo de crime: é que a vítima é um homem e não uma mulher, pelo que aquilo que o Ministério Público alude como sendo “frequente e comum”, provavelmente não o será no caso dos autos.
Mas, veio o Ministério Público sustentar, ainda, que o despacho recorrido, ao referir que por referência aos interesses da vítima existem outros meios de reacção e de protecção que não contendem com a possibilidade de defesa do arguido, o despacho recorrido não especifica que meios são esses: não os referimos por se entender que são tão notórios que dispensavam necessidade de citação: basta pensar na realização de interrogatório judicial de arguida e na sujeição da mesma a um estatuto coactivo para proteger a vítima (proibindo, por exemplo a arguida, de frequentar a mesma habitação e de contactar com o ofendido).
V.
Quanto aos demais argumentos invocados pelo Ministério Público nas respectivas alegações de recurso, designadamente de que é também do conhecimento comum que neste tipo de situações, em que frequentemente a vítima encontra-se dependente do autor dos factos, a mesma corre riscos, quando o arguido se apercebe da pendência da queixa e do Inquérito, sendo o JIC o garante dos direitos não só do arguido, mas também da vítima.
Sobre este argumento já nos pronunciamos supra: é precisamente a circunstância de por vezes o autor dos factos saber que está a ser alvo de investigação que, não poucas vezes, faz cessar a reiteração da actividade criminosa, sendo certo que não será de olvidar, também, um eventual interesse da vítima em publicitar este tipo de situações para que outras sejam denunciadas; o que sucede é que nada nos autos nos permite concluir que o interesse da vítima tal como o Ministério Público o definiu – ou presumiu – é aquele que se verifica efectivamente; aliás, se o interesse da vítima for o de que os autos fiquem sujeitos a segredo de justiça pode sempre em qualquer momento do Inquérito formular requerimento em tal sentido, conforme previsto no art.º 86.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, salientando-se que aí se prevê a legitimidade para tal requerimento não só ao assistente, mas também ao ofendido, ainda que não constituído assistente; presumir, como o Ministério Público o faz, que o interesse da vítima é um, sem se saber se é ou não e quando a mesma tem meios processuais aos eu dispor para o efeito, afigura-se-nos excessivo e desadequado.
Impõe-se uma outra consideração: para concluirmos que estamos perante apenas considerações abstractas e teóricas por parte do Ministério Público, teremos de consignar, a par do que já efectuamos supra, que até ao momento e estando-se perante, então, uma situação alegadamente tão grave para os interesses da vítima, nada efectuou, ainda, o Ministério Público quanto a esses interesses, como promover a realização de interrogatório judicial do arguido, tendo em vista a definição do respectivo estatuto coactivo, mediante a aplicação de uma medida de coacção como a proibição de contactos com a vítima e a obrigação de se ausentar (ou proibição de permanecer) na residência do casal, tudo a revelar que o Ministério Público sustenta argumentos que, em concreto e por referência ao caso dos autos, não encontra ressonância real, impondo-se a conclusão de que o Ministério Público fala de conceitos e políticas genéricas e abstractas, desligando-se do caso dos autos; não se pode, pois, presumir seja o que for, sendo necessário analisar caso a caso e nada nos autos nos permite concluir no mesmo sentido do Ministério Público.
O Ministério Público veio alegar, ainda, que o despacho recorrido sustentaria, ainda, que não se vislumbraria qualquer possível lesão para a investigação decorrente da publicidade dos autos, o que não corresponderia à realidade: o tipo de crime, o nível de reincidência, a pressão que o agente é susceptível de exercer sobre a vítima e até sobre as testemunhas, é susceptível de interferir no andamento da investigação.
Quanto a este argumento, conforme se referiu, estamos, também aqui, perante uma alegação do Ministério Público genérica e vaga, não concretizada: os interesses da investigação existirão quando, por exemplo, existem diligências em curso, cujo conhecimento pelo arguido e/ou por terceiros poderão colocar em risco o seu êxito: referirmo-nos aos casos em que se encontram promovidas/autorizadas intercepções telefónicas ou, para dar um exemplo muito concreto por referência ao tipo de crimes idênticos ao caso dos autos, como já o fizemos ainda recentemente no âmbito de um outro Inquérito pendente nesta comarca: bastará pensar numa promoção/autorização de busca domiciliária para apreensão de uma arma com a qual os maus-tratos ou a violência doméstica se faz sentir; conforme referido, é da análise do caso concreto que se deve retirar a necessidade e adequação da sujeição dos autos a segredo de justiça; in casu, o Ministério Público efectua uma alegação genérica e não fundamentada no caso concreto, sendo que por referência à possível interferência do autor dos factos, já nos pronunciamos supra, quanto à possibilidade de protecção/tutela de vítima e de testemunhas; mais, no seu recurso, o Ministério Público nem sequer é capaz de adiantar quais as diligências de Inquérito em curso cujo sucesso esteja dependente da sujeição dos autos a segredo de justiça e não o faz porque, evidentemente, as mesmas inexistem, pois caso contrário não deixaria de argumentar nesse sentido (salientaremos, aliás, que a propósito da investigação, o Ministério Público limitou-se a determinar que os autos ficassem a aguardar por 30 dias o termo das investigações, não dando quaisquer orientações quanto ao sentido das mesmas e assim se desligando daquela que é a sua função primordial: investigar – cfr. fls. 19 do apenso).
Uma outra consideração se impõe, já que o Ministério Público veio sustentar que resultaria ilógico aguardar pelas diligências de Inquérito, sob a égide da publicidade, para subsequentemente se concluir pela necessidade de se sujeitar a segredo aquilo que já se investigara; não é assim: primeiro nada obriga (a não ser, como é alegado pelo Ministério Público, a invocada Circular) a que o segredo de justiça seja declarado no início do Inquérito; pode ser declarado em qualquer momento do Inquérito, conforme se nos afigura que fluí do art.º 86.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, pelo que um Inquérito pode decorrer sob a égide da publicidade e, a partir de tal momento, ser declarado sob sujeição a segredo de justiça, em virtude de ser necessário, por exemplo e como já referido, em dado ponto da investigação, realizar uma busca para apreensão de objectos; a própria alegação do Ministério Público – invocando a mencionada Circular – de que é no início do Inquérito que deve ser declarado o segredo de justiça revela que o Ministério Público parte de considerações teóricas e abstractas, desligando-se de cada caso concreto, em matéria de segredo de justiça.
Em síntese:
Não se pode partir de certas situações de crime catálogo e de considerações abstractas e genéricas, teóricas mesmo, para se sujeitar a segredo de justiça um Inquérito e, em específico o presente Inquérito, devendo proceder-se a uma análise casuística; efectuada tal análise no caso dos autos, nada nos permite concluir pela necessidade ou adequação do despacho do Ministério Público, não estando o JIC limitado no despacho a proferir nos termos do art.º 86.º, n.º 3, parte final do Código de Processo Penal.
Este o nosso entendimento, motivo pelo qual mantemos o despacho recorrido.
(…)”

4. Nesta Relação, no seu parecer (fls. 42 a 50 destes autos de recurso), a Srª. Procuradora-Geral Adjunta pugnou pelo provimento do recurso.

5. Colhidos os vistos legais realizou-se a conferência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
O Ministério Público interpôs recurso da decisão judicial que não validou o seu despacho a determinar a sujeição do inquérito a segredo de justiça.
O objecto do recurso, demarcado pelo teor das suas conclusões (art. 412 nº 1 do CPP), incide sobre a questão de saber se, perante o despacho do Ministério Público que determinou a sujeição do inquérito a segredo de justiça, o juiz de instrução deveria ter validado aquela decisão, por assim o impor o art. 86 nº 3 do CPP.
Passemos então a apreciar a questão colocada no recurso aqui apreço.
Para tanto importa ter em atenção os seguintes elementos que resultam da certidão que instruiu o presente recurso:
1º - Em 4/5/2008, a GNR, posto territorial de Santo Tirso, recebeu uma denúncia (feita pelo marido contra a mulher) por factos ali enunciados susceptíveis de integrar crime de violência doméstica (art. 152 do CP) quer em relação ao denunciante, quer em relação à filha menor (nascida em 7/6/1998) do casal (cf. fls. 3 e 4 do original correspondente a fls. 24 e 25 destes autos de recurso);
2º - Em 5/5/2008, a GNR, posto territorial de Santo Tirso, enviou um exemplar da referida participação ao Comandante do Posto da GNR na Trofa (dando conhecimento desse oficio ao Ministério Público), para elaboração de diligências de inquérito[2] (fls. 5 do original correspondente a fls. 26 destes autos de recurso) e, bem assim, enviou a respectiva participação ao Ministério Público, informando que as diligências de inquérito iriam ser realizadas pela GNR da Trofa (fls. 2 do original correspondente a fls. 23 destes autos de recurso);
3º - Recebida essa denúncia na Procuradoria da República de Santo Tirso, em 6/5/2008 foi ordenada a sua distribuição e autuação como inquérito (nº …/08.9GBSTS), com vista à investigação do(s) crime(s) denunciado(s);
4º - No respectivo inquérito, em 12/5/2008, para além de ordenar que os autos aguardassem por 30 dias pelo fim das investigações, o Ministério Público determinou, nos termos do art. 86 nº 3 do CPP, a aplicação do segredo de justiça (nos moldes que acima foram transcritos na nota 1), sendo os autos apresentados ao Juiz de Instrução para os efeitos previstos na parte final do mesmo dispositivo legal, vindo este último magistrado a proferir decisão (acima transcrita, objecto do presente recurso) que não validou aquele despacho que determinava a aplicação do segredo de justiça.
Estes são dados objectivos relativos àquele concreto inquérito onde foi proferida a decisão sob recurso.
Começa o recorrente por argumentar que a decisão recorrida não abordou a temática relativa à Directiva que invocou no seu despacho, fazendo diversas considerações para justificar a sua utilidade e interesse, não só a nível da concretização das prioridades e orientações da política criminal quanto a crimes de violência doméstica e de maus tratos e especial protecção das suas vítimas, como também a nível de uma “aconselhável uniformização de procedimentos”, de modo a tornar a investigação de tais crimes prioritária e eficaz, procurando evitar o perigo de reincidência e de acrescidas lesões nas vítimas vulneráveis.
Porém, ao contrário do que alega o recorrente, não incumbia ao Juiz de Instrução pronunciar-se sobre a Directiva invocada pelo Ministério Público no seu despacho a determinar o segredo de justiça daquele concreto inquérito.
Aliás, independentemente de ter ou não conhecimento do seu teor, face àquele despacho do MP submetido à sua apreciação nos termos do art. 86 nº 3 do CPP (tal como a questão do segredo de justiça fora configurada), seria até despropositado se o Sr. Juiz de Instrução tivesse optado por, na sua decisão, discorrer sobre a legitimidade da emissão daquela (ou de qualquer outra) Directiva, sobre o seu interesse, utilidade ou finalidade.
De resto, como sabido, essas Directivas, tal como as demais ordens e instruções que se dirigem ao Ministério Público, tendo em atenção a respectiva estrutura hierárquica (gerando um dever de obediência para tais Magistrados que apenas pode ser afastado em caso de recusa fundamentada, consoante previsto no art. 79 do respectivo Estatuto do Ministério Público), não são fonte de direito nem vinculam a magistratura judicial.
Daí que, esse tipo de argumentação do recorrente (quando na interpretação que faz da decisão impugnada, acaba por concluir que a mesma “desvaloriza completamente o sentido, alcance e fundamentação da própria Directiva”) seja irrelevante para a decisão do recurso.
Mais alega o recorrente que, o Sr. Juiz de Instrução extravasou os poderes que lhe são conferidos pelo art. 86 nº 3 do CPP quando se pronunciou no sentido da não validação do despacho do Ministério Público que determinara o segredo de justiça naquele inquérito.
Vejamos então.
Dispõe o artigo 86 (publicidade do processo e segredo de justiça) do CPP:
1- O processo penal é, sob pena de nulidade, público, ressalvadas as excepções previstas na lei.
(…)
3- Sempre que o Ministério Público entender que os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais o justifiquem, pode determinar a aplicação ao processo, durante a fase do inquérito, do segredo de justiça, ficando essa decisão sujeita a validação pelo juiz de instrução no prazo máximo de setenta e duas horas.
(…)
Esta nova redacção - introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29/8[3] - desse dispositivo legal (cf. ainda artigos 87 a 90 do mesmo código) alterou radicalmente o regime do segredo de justiça[4] nas fases preliminares do processo, especialmente na do inquérito (na fase da instrução já a versão anterior do nº 1 do mesmo artigo 86º do CPP estabelecia casos em que esta passava a ser pública; actualmente essa mesma fase deixou de estar sujeita a segredo de justiça).
Essa alteração de fundo implica desde logo que seja repensada a “estratégia da investigação” em cada inquérito (estratégia essa que naturalmente, dependendo dos casos, será diferente conforme o inquérito esteja ou não sujeito a segredo de justiça)[5], o que poderá ter maiores ou menores repercussões consoante o tipo de criminalidade em averiguação (e todos sabemos que há crimes que são mais difíceis de investigar).
A publicidade do inquérito pode, por exemplo, dificultar a investigação ou inviabilizar a realização de determinadas diligências (daí que a prioridade na realização de determinadas diligências seja um factor a ponderar na estratégia da investigação).
Na área da violência familiar, todos sabemos que a mesma deverá ser encarada sob diversos ângulos, tendo em atenção os variados interesses em jogo (v.g. quer encarando as divergentes necessidades particulares da vítima e do próprio agente, quer satisfazendo as necessidades gerais de harmonia, equilíbrio e paz social).
A abordagem da problemática da violência intra ou extra-familiar passa necessariamente, como é recorrente dizer-se, por uma intervenção coordenada e multidisciplinar dos vários organismos públicos e não públicos (v.g. serviços de saúde, polícias, escolas, tribunais, serviços sociais, associações de defesa das vítimas etc.), que lidam com as vítimas e famílias, de forma a permitir um controlo pronto e eficaz, não só na detecção da violência, como na sua prevenção e na minimização das consequências[6].
No caso destes autos, quanto tomou conhecimento daquela concreta denúncia, o Ministério Público decidiu (no âmbito dos seus poderes de direcção do inquérito) aguardar por 30 dias a investigação a realizar pela GNR da Trofa e bem assim determinou o segredo de justiça nos termos supra indicados.
Olhando apenas para a fase do inquérito, todos sabemos que, enquanto antes de 15/9/2007 era a própria lei (artigo 86 nº 1 do CPP na versão anterior) que determinava o carácter secreto do inquérito (não carecendo, portanto, de qualquer despacho a declarar o inquérito em segredo de justiça), a partir daquela data, a Lei nº 48/2007 estabeleceu solução oposta, a saber: a regra passou a ser a de o inquérito – enquanto fase do processo penal – ser público (o que significa, desde logo, que pelo menos não está sujeito a segredo de justiça), embora estejam previstas excepções a essa regra, entre elas precisamente a prevista no artigo 86 nº 3 do CPP, segundo a qual o próprio Ministério Público, por sua exclusiva iniciativa, pode determinar a aplicação (durante a fase do inquérito e dentro dos prazos assinalados no art. 276 do CPP) do segredo de justiça, ficando, porém, essa decisão sujeita a validação do juiz de instrução no prazo máximo de 72 horas.
Considerando este novo regime legal em interpretação conforme à Constituição, diríamos que, em cada inquérito, analisando o respectivo caso concreto, deveriam ser ponderados os interesses e direitos em conflito, por forma a determinar-se se haveria interesses da investigação e/ou direitos dos sujeitos processuais (na situação prevista no art. 86 nº 2 do CPP também olhando para direitos de participantes processuais, a saber do ofendido) que justificassem o segredo de justiça enquanto excepção à regra da publicidade.
Desse modo compreende-se que o despacho a determinar o segredo de justiça no respectivo inquérito (enquanto acto decisório) terá de ser fundamentada, nos termos do art. 97 nº 5 do CPP, o que significa que devem ser especificados (indicados) os motivos de facto e de direito que justificam o afastamento daquela regra da “publicidade”[7].
No que respeita à hipótese prevista no artigo 86 nº 3 do CPP, poderíamos dizer que a respectiva fundamentação não passa (como é claro) pela informação da concreta estratégia da investigação mas, deverá conter (ainda que de forma concisa), a indicação de motivos de facto que permitam perceber a razão pela qual o Ministério Público entendeu que, naquele concreto inquérito, os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais justificavam a determinação do segredo de justiça.
Se, porém, essa fundamentação concreta não constar do despacho do Ministério Público mas, consultando os elementos do inquérito o juiz de instrução poder concluir que é caso de excepcionalmente sujeitar o inquérito a segredo de justiça, então cremos que lhe incumbirá validar (com uma fundamentação concisa) aquele despacho que lhe é apresentado nos termos do art. 86 nº 3 do CPP.
Ou seja: a discordância do Juiz de Instrução relativamente à fundamentação (abstracta ou concreta) do despacho do Ministério Público que determina a sujeição do inquérito a segredo de justiça, não o exonera de analisar e ponderar os elementos existentes nos autos que lhe são apresentados, elementos esses que o habilitarão a tomar a decisão de validar ou não aquele despacho.
Convém recordar que, desde a entrada em vigor da citada Lei nº 48/2007, a determinação do segredo de justiça, na fase de inquérito (portanto a determinação da excepção à regra), está sempre dependente de decisão do juiz de instrução (nº 2 e 3 do artigo 86 do CPP).
Essa imprescindível e necessária intervenção do juiz de instrução (entidade imparcial e independente, que não tem funções investigatórias, mas antes intervém para garantir direitos e liberdades das pessoas, portanto, tem uma função de conteúdo meramente garantística), justifica-se precisamente porque sempre poderia existir um conflito de interesses (entre, por um lado, os interesses da investigação e/ou os direitos dos sujeitos processuais ou, em determinados casos direitos de “participantes processuais” e, por outro lado, os direitos de defesa do arguido) e era preciso garantir os direitos fundamentais das pessoas (sendo o juiz de instrução que irá garantir que as restrições de direito fundamentais se limitarão “ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, sem jamais diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”, de acordo com o disposto no artigo 18º nºs 2 e 3 da CRP).
Daí que o legislador tivesse estabelecido que, mesmo a decisão do Ministério Público, proferida nos termos do artigo 86 nº 3 do CPP, ficava sujeita a validação do juiz de instrução naquele prazo máximo de 72 horas.
Percebe-se, assim, que essa validação judicial não é tabelar, tal como não deverá ser tabelar o despacho do Ministério Público a sujeitar determinado inquérito a segredo de justiça (a própria lei - bem ou mal, questão que não vamos discutir por se nos afigurar que, pelo menos na vertente que aqui é analisada, se mostra conforme à Constituição - não definiu qualquer “catálogo de crimes” cuja investigação ficasse sujeita a segredo de justiça).
Aliás, se essa decisão judicial fosse tabelar (meramente formal) ou se fosse classificada como despacho de mero expediente (com o que não se concorda) teríamos então que discutir (entre outras questões) se era ou não passível de impugnação (e isto apesar de também ser irrecorrível a decisão do juiz quando é proferida quer nos termos do nº2, quer nos termos do nº 5 ambos do art. 86 do CPP).
Essa exigência legal de validação judicial também não assenta na defesa de um qualquer direito processual penal de “fachada” (que apenas visasse criar a aparência do respeito da legalidade e dos direitos individuais das pessoas).
Na hipótese prevista no art. 86 nº 3 do CPP, por um lado, o despacho do Ministério Público a determinar o segredo de justiça não produz efeitos enquanto não for validado pelo juiz de instrução (e não cremos que se possa defender que, em caso de concreta omissão de pronúncia do juiz de instrução, se deva interpretar que então existe uma validação tácita ou implícita)[8] e, por outro lado, essa intervenção do juiz de instrução exige que este, antes de decidir se é ou não validar o despacho do Ministério Público (que é quem, nos termos do artigo 263 do CPP, dirige o inquérito), pondere se a determinação do segredo de justiça está justificada enquanto excepção à regra da publicidade (v.g. no caso de o Ministério Público entender que os direitos do arguido justificam a sujeição do inquérito a segredo de justiça, o juiz de instrução terá de ponderar os demais interesses e direitos em jogo para avaliar se tal segredo não prejudica de forma intolerável por exemplo os direitos de outro sujeito processual diferente do arguido).
Isto mostra bem que a “mudança de paradigma” quanto ao segredo de justiça em fase de inquérito (onde o segredo “passou a ser matéria na disponibilidade de sujeitos e intervenientes processuais”[9]) exige que o Juiz de Instrução exerça efectivamente (e não de forma simbólica, como parece pretender o recorrente) as suas funções de garante dos direitos fundamentais da pessoa, ponderando os interesses e/ou direitos em conflito em cada caso concreto, de modo a encontrar um ponto óptimo de equilíbrio e a compatibilizar os interesses e/ou direitos em conflito.
A determinação do segredo de justiça pode prejudicar de forma intolerável os direitos de defesa do arguido, tal como a sua não determinação pode prejudicar também de forma grave a eficácia da investigação (com todas as consequências daí decorrentes, que em último caso se relacionam com a necessidade de segurança e de paz jurídica) e/ou afectar de forma igualmente intolerável direitos de outros sujeitos processuais.
Tudo depende, portanto, da análise de cada caso concreto, sendo certo que teremos de ter sempre presente que o legislador desde 15/9/2007 transformou a anterior regra (da sujeição do inquérito a segredo de justiça) em excepção.
O regime excepcional do segredo de justiça é de tal ordem que pode inclusivamente, ainda em fase de inquérito, ser levantado (quer por decisão do Juiz de Instrução no caso do nº 5 do art. 86 do CPP, quer por decisão do Ministério Público, no caso do nº 4 do mesmo dispositivo legal).
Portanto, em qualquer momento do inquérito, quando for desnecessário, o segredo de justiça deve ser levantado (sendo levantado pelo Ministério Público na hipótese prevista no nº 4 do artigo 86 do CPP, não há necessidade de intervenção do juiz de instrução logicamente porque se entendeu que é a determinação do segredo de justiça, e não o seu levantamento, que pode afectar de forma intolerável outros interesses e/ou direitos em conflito).
Por isso, a declaração de segredo de justiça na fase do inquérito só faz sentido quando da motivação concreta apresentada ou dos elementos constantes dos autos resultar que esse segredo, enquanto excepção à regra, é necessário para assegurar a eficácia da investigação (tendo em vista as próprias finalidades do inquérito definidas no art. 262 do CPP) ou para salvaguardar direitos de sujeitos processuais ou até, no caso do nº 2 do art. 86 do CPP, do ofendido.
E, como nenhum desses interesses ou direitos em conflito tem carácter absoluto, em caso de colisão há que fazer intervir critérios como o da proporcionalidade, da necessidade e da adequação (art. 18 nº 2 da CRP), salvaguardando sempre o núcleo (alcance e conteúdo) essencial dos preceitos fundamentais em jogo.
Ou seja, haverá que introduzir limites aos direitos fundamentais que estejam em conflito, de forma a preservar o núcleo essencial de cada um deles, com o fim de alcançar a necessária composição ou «concordância prática» dos bens em colisão.
A excepção à regra da publicidade do inquérito (para conceder maior protecção à eficácia da investigação e a direitos de este ou aquele sujeito processual), até porque pode afectar de forma intolerável os direitos de defesa do arguido, só poderá ser justificada por uma necessidade que permita considerar essa excepção como “proporcional ao fim perseguido”.
Compreende-se, assim, que incumba ao juiz de instrução fiscalizar, controlar judicialmente aquela decisão do Ministério Público a determinar o segredo de justiça neste ou naquele inquérito.
Tal como sucede noutras situações, a decisão do juiz de instrução não é meramente formal, antes deverá ser entendida como “materialmente jurisdicional”, tanto mais que está em causa a prática de acto (sujeição do inquérito a segredo de justiça, no caso por determinação do Ministério Público que dirige esse mesmo inquérito) que se prende com direitos fundamentais.
Nessa medida, esse “controlo” do juiz de instrução (para efeitos de validação daquele despacho do Ministério Público, nos termos do citado art. 86 nº 3 do CPP), enquanto garante de liberdades, não se confunde com qualquer “controlo do exercício da acção penal”[10].
Por isso não se concorda com a visão do recorrente quando conclui (perante a não validação do seu despacho) que a decisão sob recurso extravasa o controlo subjacente à decisão de validação a proferir pelo juiz de instrução.
No caso ora em apreciação, o motivo da não validação do despacho do Ministério Público assentou, num primeiro momento, na falta de indicação de motivação factual concreta que justificasse a determinação do segredo de justiça no inquérito supra identificado.
Perante tão parca, genérica e abstracta fundamentação para determinar o segredo de justiça, como se pode invocar que o juiz de instrução está a confundir o seu papel com o do Ministério Público (ou que está a substitui-lo em juízo que só ao Ministério Público compete[11])?
Mas, para além disso, em segundo momento (este sim decisivo neste caso concreto), a decisão sob recurso não validou aquele despacho do Ministério Público, porque na ponderação que fez dos interesses da investigação (quando, na falta de outra fundamentação concreta – tanto mais que o MP ficou a aguardar pelo fim das investigações a realizar pela GNR da Trofa – concluiu que as diligências de inquérito que haviam sido determinadas não ficavam comprometidas pela ausência de segredo de justiça) e dos direitos de sujeitos processuais (nada apontando em concreto que, mesmo o queixoso – que não é sujeito processual – por si ou em representação de sua filha menor, tivesse interesse oposto ao que resultaria da não sujeição do inquérito a segredo de justiça) concluiu que não se justificava aquela determinação do inquérito a segredo de justiça.
Ou seja, percebe-se, pela motivação apresentada pelo juiz de instrução, a razão da não validação daquele despacho do Ministério Público, proferido ao abrigo do disposto no art. 86 nº 3 do CPP.
Repare-se que, não basta a circunstância de o crime denunciado integrar o conceito de criminalidade violenta (sendo conhecidas todas as consequências negativas em crimes de violência doméstica e de maus tratos) para se concluir que então se mostrava justificada a sujeição daquele concreto inquérito a segredo de justiça.
Tão pouco se pode presumir, a partir do tipo de crime denunciado, que então estava legitimada a sujeição do respectivo inquérito a segredo de justiça.
Se assim fosse, o legislador teria imposto que a investigação de determinado tipo de crimes, por exemplo, que pudessem ser classificados como “criminalidade violenta” ficasse sujeita a segredo de justiça.
No entanto, não foi essa a opção do legislador, razão pela qual a determinação do segredo de justiça (seja na hipótese prevista no nº 2 ou no nº 3 ambos do art. 86 do CPP), enquanto excepção à regra da publicidade do processo, terá que ser analisada inquérito a inquérito.
Claro que se poderá entender que a investigação de um crime susceptível de integrar a definição de “criminalidade violenta”, pela sua gravidade, indicia a necessidade de ponderar se o respectivo inquérito deve ser sujeito a segredo de justiça.
Mas, a interpretação (seguida pelo Ministério Público) no sentido de considerar que basta a circunstância de se estar perante a investigação de determinado tipo de crime (grave na medida em que integra a definição de criminalidade violenta) para fundamentar a determinação do segredo de justiça é contrária à vontade do legislador e à ratio da norma em questão, traduzindo-se numa forma de o intérprete substituir o legislador, criando lei em violação do princípio da separação de poderes (já que por aquela via, de forma puramente abstracta e genérica, o intérprete estava a criar um conjunto de crimes cuja investigação em inquérito ficaria sempre subtraída à regra da publicidade, o que mais não era do que criar um regime de excepção à própria excepção prevista na lei).
De qualquer modo, estando essa decisão sujeita a validação judicial, isso significa que o Juiz de Instrução, enquanto garante dos direitos fundamentais das pessoas, terá de analisar se a determinação do segredo de justiça está justificada enquanto excepção à regra da publicidade.
O apelo ao bom senso (que sempre deverá orientar o exercício de funções de qualquer magistrado) não serve para sustentar que o juiz de instrução não pode divergir do entendimento do Ministério Público.
Se assim fosse, não era necessária a intervenção do juiz de instrução.
No entanto, neste caso particular, independentemente da discordância manifestada quanto à fundamentação (abstracta e genérica) apresentada pelo Ministério Público (o que só por si não era fundamento suficiente para não validar aquele despacho), o certo é que o Sr. Juiz de Instrução autonomamente analisou os elementos concretos do inquérito e, por essa via, chegou à conclusão (pelos motivos concretos que indicou) que não se mostrava justificada a sujeição a segredo de justiça, razão pela qual não validou aquele despacho.
Portanto, neste caso concreto, decisivo para a não validação daquele despacho do Ministério Público foi, quanto a nós, a análise que o Sr. Juiz de Instrução fez dos elementos concretos existentes no inquérito que lhe foi apresentado (e não propriamente a discordância da motivação apresentada no despacho do Ministério Público).
Nessa medida, a justificação apresentada pelo Sr. Juiz de Instrução para a não validação daquele despacho do Ministério Público não nos merece censura pelos motivos já acima indicados (em resumo, porque os autos, pelo menos naquele momento inicial do inquérito, não evidenciavam que o segredo de justiça era necessário para assegurar a eficácia da investigação ou para salvaguardar direitos de sujeitos processuais).
De lembrar que, não é pelo facto de o juiz de instrução não validar o despacho que determina a sujeição do inquérito a segredo de justiça que, de alguma forma, são afectados ou sequer beliscados os poderes e competências do Ministério Público (Magistrado responsável pela direcção do inquérito, cuja actividade judiciária também “obedece ao princípio da imparcialidade como parâmetro de decisão”[12]), nomeadamente, no âmbito dessa fase preliminar do processo.
De qualquer modo, face à não validação judicial do seu anterior despacho, nada impedia que, com outra fundamentação (mais concreta, incisiva e decisiva e, portanto menos conclusiva e abstracta), o Ministério Público determinasse, ainda no inquérito (sempre dentro dos prazos máximos estabelecidos no artigo 276 do CPP, visto o disposto no art. 89 nº 6 do mesmo código), a sua sujeição a segredo de justiça, despacho esse que, naturalmente, seria de novo submetido a apreciação do juiz de instrução para validação nos termos do art. 86 nº 3 do CPP.
A circunstância de à data em que foi determinado o segredo de justiça ainda não haver constituição de arguida[13] (sendo certo que para além da queixa, não constavam dos autos diligências que permitissem deduzir que havia “suspeita fundada da prática de crime” pela denunciada – art. 58 nº 1-a) do CPP) não altera os dados da questão (da simples existência da denúncia e do teor do despacho do Ministério Público também não se podia, sem mais, deduzir que havia concreta necessidade de determinar o segredo de justiça no inquérito).
Também, a argumentação da insuficiente fundamentação da decisão sob recurso (que mais não é do que a manifestação da discordância dessa mesma decisão) não tem qualquer influência no caso dos autos, uma vez que a existir (o que não se concede pelos motivos acima indicados) apenas integraria uma simples irregularidade, cuja arguição, em sede de recurso, era extemporânea.
A sua não arguição, no prazo legal, perante a primeira instância, determinava logo a sanação do vício apontado à decisão sob recurso.
Aliás, convém lembrar que o recurso para o tribunal superior não é o meio próprio para arguir irregularidades ou mesmo nulidades de actos decisórios diferentes de sentenças ou acórdãos, quando estas (não sendo de conhecimento oficioso como sucede neste caso) não foram suscitadas perante o tribunal da 1ª instância.
Concluímos, pois, pela improcedência do recurso aqui em apreço, sendo certo que não foram violados os preceitos legais invocados pelo recorrente.
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III- DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público.
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Sem custas por delas estar isento o recorrente.
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(Processado em computador e revisto pela 1ª signatária – art. 94 nº 2 do CPP)
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Porto, 15/10/2008
Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias
Jaime Paulo Tavares Valério

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[1] O referido despacho do Ministério Público, proferido em 12/5/2008, constante de fls. 7 (fls. 19 destes autos de recurso) é do seguinte teor:
“Aguarde 30 dias pelo fim das investigações.
*
Atenta a determinação efectuada na Directiva de 09/01/2008, definida por sua Excelência o Conselheiro Procurador-Geral da República (remetida com o Ofício-Circular n.º 5/2008 de 15/01/2008) no sentido de que “Sempre que esteja em causa investigação relativa aos crimes previstos no artigo 1.º, alíneas j) a m) do Código de Processo Penal (…) o Ministério Público determinará, no início do Inquérito, a sujeição deste a segredo de justiça…”, nos termos do art.º 86.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, dado que o crime em investigação nos presentes autos - cfr. o art.º 152.º do Código Penal - é punível com pena de prisão até 5 anos, tratando-se, pois, atenta ainda a natureza dos bens jurídicos protegidos pela incriminação, da “criminalidade violenta” a que alude o art.º 1.º, j), do Código de Processo Penal, a publicidade destes autos seria, em concreto, lesiva para os interesse da investigação e do ofendido, determino a aplicação a estes do segredo de justiça – cfr. artigo 86.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
Para os efeitos previstos na parte final desse número, apresente os autos ao Meritíssimo JIC no prazo aí previsto”.
[2] Não consta dos autos que tipo de diligências de inquérito iriam ser realizadas.
[3] A própria Constituição, no art. 20 nº 3, deixa nas mãos do legislador ordinário a tarefa de definir e assegurar “a adequada protecção do segredo de justiça”. Sobre esta matéria ver, ainda, ac. do TC nº 428/2008 (publicado no DR II Série de 30/9/2008), incluindo voto de vencido.
[4] Como se diz no Parecer do Conselho Consultivo da PGR nº 121/80, de 23/7/1981 (também citado no Parecer da PGR nº 84/2007, publicado no DR II Série de 7/4/2008): “O segredo de justiça em processo penal, serve assim, variados interesses, alguns em notória tensão dialéctica: o interesse do Estado na realização de uma justiça isenta e independente, poupada a intromissões de terceiros, a especulações sensacionalistas ou a influências que perturbem a serenidade dos investigadores e dos julgadores; o interesse de evitar que o arguido pelo conhecimento antecipado dos factos e das provas, actue de forma a perturbar o processo, dificultando o apuramento daqueles e a reunião destas, senão mesmo subtrair-se à acção da justiça; o interesse do mesmo arguido em não ver publicamente revelados factos que podem não vir a ser provados sem que com isso se evitem graves prejuízos para a sua reputação e dignidade; enfim o interesse de outras partes no processo, designadamente os presumíveis ofendidos, na não revelação de certos factos prejudiciais à sua reputação e consideração social.”
[5] Sobre a diferente estratégia da investigação ver Antonieta Borges, “Publicidade do Processo Penal e Segredo de Justiça”, in RMP nº 114 (Abr/Jun 2008), pp. 151 a 177.
[6] Ou seja, para combater este tipo de criminalidade exige-se, além da intervenção social (com recurso a “estratégias de prevenção” específicas, o que passa por uma abordagem coerente, integrada e inovadora, estabelecendo prioridades para as vítimas e suas famílias, o que poderia significar uma resposta específica na prevenção e no combate da violência), uma pronta intervenção judiciária, v.g. a nível penal.
[7] E, não vamos aqui discutir (por não ser essa a questão colocada) se essa “publicidade” em fase de inquérito apenas significa a não sujeição a segredo de justiça ou se tem outras implicações (v.g. art. 86 nº 6 e 87 do CPP).
[8] Não vamos aqui discutir qual o tipo de consequências de a validação judicial ser feita fora do prazo de 72 horas aludido no art. 86 nº 3 do CPP.
[9] Assim, Frederico Costa Pinto, “Publicidade e segredo na última revisão do Código de Processo Penal”, in Revista do CEJ, 1º Semestre 2008, nº 9 (especial), p.19. Na mesma Revista ver ainda Pedro Maria Godinho Vaz Patto, «O regime do segredo de justiça no Código de Processo Penal revisto», pp. 45 a 69, que na leitura que dele fazemos não nos permite chegar às conclusões que o recorrente dele retira.
[10] Ver Paulo Dá Mesquita, Direcção do Inquérito Penal e Garantia Judiciária, Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 117, esclarecendo que “À luz das categorias garantia e controlo o juiz de instrução na fase de inquérito tem uma natureza monofuncional, com efeito, esse órgão não controla o exercício da acção penal mas é um garante de liberdades, avalia judicialmente as iniciativas do Ministério Público que atingem as liberdades fundamentais do indivíduo visado pelo inquérito, quer dizer a liberdade pessoal e patrimonial (que podem ser limitadas por medidas de coacção e medidas de garantia real) e a liberdade moral (a reserva de comunicações, correspondência e domicílio) quando estas possam ser atingidas por procedimentos adoptados na função de recolha de fontes de prova”.
[11] Ou seja, esse tal juízo que só ao Ministério Público compete não significa que o juiz de instrução (quando controla a decisão que, nos termos do art. 86 nº 3 do CPP, determina o segredo de justiça) fique impedido de divergir daquele entendimento, principalmente quando esse juízo assenta em premissas abstractas e genéricas. Se assim não fosse, então não havia qualquer justificação para sujeitar aquela decisão do Ministério Público a validação do Juiz de instrução.
[12] Paulo Dá Mesquita, ob. cit., p. 340.
[13] O que nos levaria a questionar se, perante aquela queixa, caso houvesse suspeita fundada da prática do crime (o que não se evidenciava pela simples apresentação da notícia do crime), do ponto de vista material, a denunciada não deveria gozar do mesmo estatuto processual de que goza o arguido (a este propósito, ver Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, 2007, p. 176, defendendo até que “o suspeito é um verdadeiro sujeito processual”).