Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0643277
Nº Convencional: JTRP00040208
Relator: LUÍS GOMINHO
Descritores: DOCUMENTO
PROVAS
Nº do Documento: RP200704110643277
Data do Acordão: 04/11/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: ANULADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: LIVRO 259 - FLS 278.
Área Temática: .
Sumário: Os documentos juntos aos autos, para poderem valer como prova, não têm que ser lidos ou examinados em audiência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, na Secção Criminal da Relação do Porto:

I – Relatório:

I – 1.) No ..º Juízo Criminal do Porto, foi o arguido B………., com os demais sinais, submetido a julgamento, em processo comum com a intervenção do tribunal singular, acusado pelo Ministério Público da prática de um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo art. 365.º do Cód. Penal.

Proferida a sentença veio aquele a ser condenado pela sobredita infracção na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de 10,00 €, e bem assim no pagamento a cada um dos demandantes (C………. e D……….) da quantia de 3.000,00 € (três mil euros), a título de danos não patrimoniais.

I – 2.1.) Inconformado com esta decisão, recorreu o arguido B………., que na sustentação dos motivos da sua discordância em relação ao julgado apresentou as seguintes conclusões:

1.ª - A arguição de nulidades do despacho que recebeu a acusação foi apresentada em tempo.

2.ª - A contestação é, também, tempestiva.

3.ª - O Tribunal considerou que a suspensão de um prazo equivale à sua interrupção, o que é falso.

4.ª - Com a nomeação do novo defensor, inicia-se novo prazo para praticar actos no processo. É com este sentido que as normas dos arts. 34.º, n.º 2 e 24.º, n.º 5 da Lei n.º 34/2004 deviam ter sido aplicadas.

5.ª - O defensor substituto dispõe da totalidade dos dias do prazo para praticar actos, tal como o anterior.

6.ª - O Tribunal entendeu que o prazo continuava a correr mesmo após o pedido de escusa do defensor; ora, na verdade, o prazo interrompido inicia-se com a notificação ao novo defensor, da sua nomeação.

7.ª - Sobre a distinção entre “interrupção” e “suspensão”, o arguido segue o entendimento expendido na Lei e no douto Acórdão da Relação de Lisboa (cf. Ac. do T.R.L. - Proc. n.º 00111453 de 07/02/2001 no site www.dgsi.pt).

8.ª - A acusação deduzida pelo Ministério Público não contém factos, baseando-se apenas num despacho de arquivamento, pelo que ela não podia ser recebida pelo Tribunal; ela é nula por força do disposto nas als. b), c), e d) do n.º 3 do art. 311.º do C.P.P..

9.ª - Com base, nessa acusação, o M.P. não pode provar, nem provou, em audiência, que o arguido tinha apresentado uma denúncia caluniosa.

10.ª - O formalismo legal da audiência de julgamento foi violado dado que a defensora não podia praticar, nem praticou de facto, quaisquer actos de defesa.

11.ª - A causa não foi discutida; apenas foram ouvidas testemunhas, em cerca de 50 minutos, sobre factos que nada têm a ver com o cerne da denúncia apresentada, outrora, pelo arguido: a violação do prazo previsto no n.º 1 do artigo 285.º do C.P.P..

12.ª - A prova que consta nos autos não foi examinada em audiência pelo que não vale para efeitos de condenação por força do disposto no artigo 355.º do C.P.P..

13.ª - Foi violado o disposto no artigo 365.º, n.º 1, do Código Penal, uma vez que não estão preenchidos os elementos do tipo subjectivo e objectivo da denúncia caluniosa.

14.ª - O arguido, com efeito, não apresentou na sua denúncia uma versão deformada do teor do artigo 285.º do C.P.P..

15.ª - Um despacho de arquivamento de queixa - sobretudo se não contém a legal fundamentação como sucede no caso dos presentes autos - não pode conduzir à condenação do arguido.

16.ª - A testemunha C………., como se pode ouvir na única cassete, do lado A, de rot. 727 a rot. 977, nada disse sobre a base da denúncia apresentada pelo arguido.

17.ª - A testemunha D………. apenas mencionou a denúncia feita pelo arguido mas não demonstrou que ele tinha apresentado uma versão deturpada do teor do art. 285.º do C.P.P., nem referiu que os factos que o arguido imputava eram falsos, como se pode confirmar do lado A da cassete, de rot. 977 a rot. 1187.

18.ª - A testemunha E………., como se pode ouvir do lado A da cassete, de rot. 1187 a rot. 1358, nada disse sobre o que estava em causa na denúncia apresentada pelo arguido.

19.ª - A testemunha F………., como se pode confirmar do lado A da cassete, de rot. 1358 a rot. 1434, disse que não conhecia a denúncia que o arguido tinha apresentado.

20.ª - Não existe fundamento para condenar o arguido uma vez que não foi produzida prova nesse sentido.

21.ª - Os dois recursos interlocutórios mantêm ambos interesse para a defesa do arguido.

22.ª - Foram violadas as seguintes normas jurídicas:

1 - Constituição: artigo 32.º, n.º 1;
2 - C.E.D.H.: artigo 6.°;
3 - Código de Processo Penal: artigos 63.º, n.º 2; 97.º, n.º 4; 311.º, n.º 3, alíneas b), c) e d); 315.º, n.º 1; 355.º; 374.º, n.º 2; 379.º, n.º 1, alíneas a), b) e c); 410.º, n.º 2, alínea a) e n.º 3;
4 - Lei 34/2004 de 29/7: artigo 24.º, n.º 5 e artigo 34.º, n.º 2;
5 - Código Civil: artigo 326.º;
6 - Código Penal: artigo 365.º, n.º 1.

I – 2.2.) Respondendo a este recurso, o Digno magistrado do Ministério Público propugnou a sua rejeição.

Porque sobretudo a partir do momento em que acusação foi recebida em juízo, os autos vêm conhecendo um desenvolvimento “atípico”, importa consignar também, que para além deste, foram ainda interpostos pelo arguido os seguintes recursos:

I – 3.1.) Um a fls. 523 e segt.s, incidindo sobre o despacho proferido a fls. 483 e 484, julgando “não justificada a sua falta” à segunda sessão da audiência de julgamento, o qual foi recebido com “subida deferida, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo” (cfr. fls. 540), e que se mostra instruído com as seguintes conclusões:

1.ª - Após o pedido de escusa do anterior defensor, nem sequer se tinha iniciado o prazo de 20 dias, previsto no artigo 315.º, n.º 1 do C.P.P., para apresentar a contestação.

2.ª - No início da primeira audiência - 31/05/2005 -, o recorrente pediu a palavra e disse que ainda não havia defensor substituto de modo que não tinha ainda apresentado a contestação;

3.ª - E, continuou o recorrente, considerando que:
a) Após a nomeação de novo Defensor, se inicia a contagem do prazo de 20 dias para apresentar a contestação
b) E que a audiência de julgamento não pode realizar-se antes do decurso desse prazo,
De modo que era de todo impossível manter a segunda data designada para a audiência.

4.ª - O recorrente foi notificado por via postal simples de que lhe tinha sido nomeado novo Defensor, constando no sobrescrito a data de 13/06/2005 (cfr. doc. 1).

5.ª - O recorrente por conseguinte, ficou a saber que se considerava notificado nos termos legais na segunda-feira dia 20/06/2005.

6.ª - Não era exigível essa deslocação, com as consequentes perdas de tempo despesas inúteis e faltas no local de trabalho.

7.ª - A decisão de não comparecer no dia 14/06/2005, não implica qualquer menosprezo pelo Tribunal nem por quem omitiu de notificar os sujeitos processuais do necessário adiamento da audiência para data posterior a 11/07/2005.

8.ª - Pelo contrário, o recorrente, no dia 14/06/2005, decidiu deslocar-se ao seu local de trabalho convencido de que todos os restantes sujeitos processuais tinham sido avisados do adiamento da audiência para data posterior ao término do prazo para contestar, ou seja, dia 11/07/2005.

9.ª - Nos termos do disposto no artigo 137.º do C.P.C., aplicável ao processo penal ex vi do artigo 4.º do C.P.P., “não é lícito realizar no processo actos inúteis, incorrendo em responsabilidade disciplinar os funcionários que os pratiquem”.

10.ª - Como o acto inútil não pode produzir efeitos processuais, no modesto entender do recorrente, deve considerar-se irrelevante e justificada a não comparência do recorrente no dia em que a audiência não podia legalmente realizar-se.

11.ª - Foram violadas as seguintes normas jurídicas:
a) Código de Processo Penal - art. 315.º;
b) Código de Processo Civil - art. 137.º.

Terminou-se pedindo a revogação do referido despacho que manteve a condenação do recorrente em multa.

I - 3.2.) Respondeu-lhe o Ministério Público, propugnando a sua rejeição, por manifesta improcedência, ou caso assim não se entenda, a sua improcedência.

I – 4.0.) Um outro, a fls. 634 a 639, versando o despacho proferido a fls. 512/3, que indeferiu a arguição de nulidades de que a acusação seria portadora.

I – 5.0.) Finalmente, um último a fls. 641/9, tendo como objecto o despacho que a fls. 539/40 indeferiu a junção aos autos de uma contestação, por se ter entendido que a sua apresentação era extemporânea.
***
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II – Subidos os autos a esta Relação, o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto apôs “visto” ao interposto a fls. 524 e segts, e emitiu douto parecer pronunciando-se pela não procedência do suscitado em torno da decisão final.
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No cumprimento do preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, nada mais foi acrescentado.
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Seguiram-se os vistos legais.
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Teve lugar a audiência com o legal formalismo.

III – 1.) Cumprindo agora apreciar e decidir, haverá no entanto que introduzir alguma clarificação no quadro recursório acima apresentado, quer para se consignar aqueles que na realidade ainda mantêm real subsistência, quer ainda para se procurar estabelecer as questões que devem ser objecto do efectivo conhecimento desta Relação, cuja determinação está obscurecida por uma indevida sobreposição de impugnações em distintos recursos.

III – 2.) Conforme decorre dos nossos anteriores despachos, em função da reclamação que foi dirigida ao Exm.º Sr. Presidente deste Tribunal, ficou clara a não admissão do sobredito recurso incidindo sobre o indeferimento da contestação e rol de testemunhas.

Do mesmo passo, tem-se agora também como indiscutível, o não recebimento daquele outro versando a arguição das eventuais nulidades apontadas à acusação, em função do que se mostra processado de fls. 687 a 695 dos autos.

Ainda assim, existe a necessidade de esclarecer a subsistência do primeiro recurso interposto.

Com é sabido, havendo recursos retidos, manda o art. 412.º, n.º 5, do Cód. Proc. Penal, que o recorrente especifique, nas conclusões, quais os que mantêm interesse.
No cumprimento deste comando, o arguido na al.ª “U” daquela parte do seu recurso da decisão final, quedou-se por uma afirmação evanescente em como “os dois recursos interlocutórios mantêm ambos interesse para a defesa do arguido”.

Como de uma forma interlocutória, em termos próprios, só havia sido interposto um (o relativo à justificação da falta/liquidação da multa), o que com toda a certeza aquele quererá significar com esta sua declaração, é que o seu assinalado interesse se quer reportar aos dois outros recursos que concomitantemente com o apresentado com a sentença condenatória interpôs, os quais apenas são “interlocutórios” em termos da fase processual a que respeitarão os correspondentes objectos, pois inclusivamente, até figuram de modo físico depois do recurso interposto da decisão final.
Isto mesmo decorre da parte final da reclamação que o impetrante dirigiu ao Exm.º Sr. Presidente desta Relação, já que em consonância com o acima interpretado, aí se alude ao pedido de revogação do despacho proferido a 8 de Março de 2006, “que não admitiu os dois recursos intercalares”, que mais não são do que os acima mencionados, depois efectivamente não admitidos.

Significa isso, então, que não tendo sido ressalvado expressamente o interesse do arguido no prosseguimento daquele primitivo recurso dirigido ao despacho que mantendo a não justificação da falta dada pelo arguido à segunda sessão de julgamento indeferiu a anulação das guias da multa correspondente, não será o mesmo conhecido.

III – 3.) Em função deste quadro, importa assim limitar também o correspondente objecto do recurso interposto da decisão final.

Como será bom de concluir, a problemática conexa com a invocada tempestividade da junção da contestação está agora em definitivo afastada - o próprio recurso versando essa temática, foi ele próprio considerado extemporâneo.

Do mesmo modo que as conclusões que se atêm com o problema das eventuais nulidades de que a acusação poderia padecer, já não são assunto que cumpra neste momento dedicar pronúncia.
Com efeito, o cerne da questão suscitada mostrava-se conexo com a circunstância de aquela peça processual não conter os factos que permitiriam suportar a imputação do indicado crime de denúncia caluniosa.
Ora ainda que tal omissão pudesse realmente constituir nulidade, nos termos do art. 283.º, n.º 3, al. b), do Cód. Proc. Penal, não traduz em todo o caso uma nulidade absoluta (cfr. art. 119.º do mesmo diploma), pelo que carecendo ser alegada no prazo mencionado no despacho de fls. 512/3, não o tendo sido, está precludida a sua apreciação e consideração, que a não admissão do recurso versando sobre esse mesmo despacho definitivamente encerrou.

Deste modo, ficam prejudicadas as conclusões acima referenciadas de 1 a 9.

Subsistem deste modo como questões a decidir:

- Se o formalismo legal da audiência de julgamento foi violado por a Defensora do arguido não poder praticar, nem ter praticado de facto, quaisquer actos de defesa.

- Se a causa não foi discutida em audiência;

- Se a prova que consta nos autos não foi examinada em audiência pelo que não vale para efeitos de condenação por força do disposto no artigo 355.º do C.P.P.

- Se foi violado o disposto no artigo 365.º, n.º 1, do Código Penal, uma vez que não estão preenchidos os elementos do tipo subjectivo e objectivo da denúncia caluniosa, com impugnação da factualidade que na sentença o suporta.

III – 4.) Vamos conferir, primeiro, a factualidade definida pelos Juízos Criminais do Porto:
1) No dia 04 de Janeiro de 2002, o arguido apresentou na Procuradoria-Geral Distrital do Porto, sita no Campo Mártires da Pátria, nesta cidade e comarca, uma queixa-crime contra o Dr. G………., Procurador - Adjunto junto do Tribunal Judicial de Braga e os outros Procuradores do Ministério Público que contribuíram para a ilegal tramitação do processo …/01, do ..º juízo; o Dr. H………., à data dos factos Mmo Juiz de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Braga; a Dra I………., Mma Juíza de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Braga; o Dr. J………., Advogado; a Dra L………., Mma Juíza do ..º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga e o Dr. D………. e C………., imputando-lhes factos susceptíveis de se subsumirem aos tipos legais de crime denegação de justiça, associação criminosa, associação terrorista e abuso de poder, previsto e punido, respectivamente, pelos artigos 369.º, 299.º, 300.º e 382.º, todos do Código Penal - cfr folhas 49 a 88, documento cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
2) Tal queixa foi registada e autuada como inquérito que ficou com o número 01/02 da Procuradoria-Geral Distrital do Porto;
3) No dia 14 de Janeiro de 2002 o titular do inquérito proferiu despacho de arquivamento - junto aos autos a folhas 11 a 13 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais - referindo que:
“(...) pelo insólito de que se revestem as conjecturas do denunciante e pela ausência total de actos ou indícios com um mínimo de consistência, a denúncia apresentada não oferece a menor verosimilhança. (...);
No caso presente, não temos dúvidas em concluir, sem quaisquer tergiversações, que a denúncia apresentada, apesar da roupagem técnico-jurídica com que vem adornada, não merece menor credibilidade. Não faria sentido, por isso, perturbar a paz jurídica dos denunciados, que só casual e conjuntamente tiveram intervenção no processo de difamação movido contra o aqui denunciante, e que, com a prossecução do inquérito, veriam a sua liberdade de certo modo limitada com a sua constituição como arguidos e a consequente prestação de termo de identidade e residência; nem despender tempo, energias e meios com diligências processuais de patente inutilidade»;
Por todo o exposto, concluindo que os factos denunciados não são susceptíveis de ser comprovados e de constituírem a verificação de qualquer dos crimes apontados pelo denunciante, determino, sem mais, o arquivamento dos autos, nos termos do n.º 1 do artigo 277.º do Código de Processo Penal.(...)”
4) Mais se promoveu neste despacho de arquivamento que o arguido fosse condenado numa taxa de justiça, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 520.º, alínea c) do Código de Processo Penal e 85.º, n.º 1, alínea a) do Código das Custas Judiciais, por feito uma denúncia com má fé, ou, ao menos, com negligência grave;
5) Ao imputar a terceiros, perante o Ministério Público, factos susceptíveis de configurar a prática de crimes, o arguido actuou com o propósito concretizado de fazer instaurar procedimento criminal contra aqueles, ciente de que aquela imputação não correspondia à verdade dos factos e querendo lesar o interesse do Estado na boa administração da justiça;
6) Agiu de forma, livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta é reprovável e contrária à lei.

Provou-se ainda que:
7) O demandante C………. é um reputado arquitecto de renome nacional com várias obras nomeadas e premiadas em vários concursos de arquitectura;
8) Tendo sido já merecedor de vários prémios e distinções, nomeadamente com a nomeação para um prémio SECIL de arquitectura e ganhou o prémio "A Pedra na Arquitectura" precisamente com o loteamento M……….;
9) É, também, cônsul honorário de França em Braga;
10) É uma pessoa de apurada sensibilidade artística, produzindo obras de pintura que expõe quer em Portugal quer no estrangeiro, nomeadamente em Espanha;
11) Tem no Loteamento M………. a sua primeira intervenção como promotor imobiliário que pretende ser exemplar e que o denunciado tem denegrido por todas as formas possíveis e inimagináveis;
12) O demandante D………. é um advogado conhecido da cidade de Braga, onde exercer a sua profissão, tendo também escritório na cidade do Porto, onde foi apresentada a queixa infundada;
13) Onde, também, exerce a profissão há vários anos, sendo mandatário do demandante C………. em todos os processos propostos por ou contra o aqui arguido, B……….;
14) Viram-se os demandantes ofendidos na sua honra e dignidade de forma infundada;
15) O demandante D………. foi denunciado por factos referentes ao exercício e por causa da profissão que exerce;
16) Ao arguido não se conhecem antecedentes criminais;
*
Com interesse para a decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos, designadamente:

Que as acusações infundadas do arguido levaram já a que vários eventuais compradores das vivendas do Loteamento tenham desistido da compra das casas, com o receio de serem verdadeiros os factos imputados ao demandante;
Que os demandantes tivessem em consequência dos factos, andado profundamente abalados e deprimidos e com a sua auto-estima fortemente abalada que se reflectiu no exercício das suas profissões, tanto mais que o segundo demandante adiou a abertura do escritório do Porto, em virtude da actuação do demandado;
Que os demandantes se tivessem sentido objecto de falatórios na rua e no meio profissional em que se movimentam.
*
Porque tal matéria releva igualmente para a apreciação do recurso interposto, importa conhecer igualmente a fundamentação exarada no sentido de se ter alcançado a consignada decisão de facto:

«O arguido não prestou declarações.
Os factos provados resultaram antes de mais, da prova documental junta aos autos, designadamente, junta a folhas 11 e seguintes (despacho de arquivamento) e a folhas 49 e seguintes (denúncia apresentada pelo arguido).
Quanto às testemunhas:
As testemunhas C………. e D………. confirmaram além do mais, a denúncia em causa nestes autos, admitindo que a mesma teria sido logo arquivada.
A testemunha E………., pronunciou-se quanto à contenda que estará na base da denúncia apresentada pelo arguido e referente a um processo de loteamento que não terá merecido o acordo do arguido. Na sequência do litígio que se seguiu, terão sido instauradas várias acções cíveis e apresentadas várias queixas crimes.
A testemunha F………., técnico oficial de contas do ofendido C………., não revelou ter conhecimento directo dos factos, afirmando apenas ter sido ele próprio sido alvo de uma queixa-crime apresentada pelo arguido.
As testemunhas N………., O………., P………. confirmaram além do mais a matéria do pedido cível nos termos que acima se deram como provados sendo certo que reconheceram que os ofendidos teriam sofrido consequências nas respectivas vidas por causa de vários processos envolvendo o arguido.
O tribunal valorou ainda o CRC do arguido junto aos autos.
Os factos não provados resultaram da insuficiente prova designadamente testemunhal junta aos autos no que diz respeito à extensão dos danos invocados no pedido de indemnização cível.

III – 5.1.) Para melhor se compreender o sentido da primeira questão acima elencada, será necessário historiar, ainda que sucintamente, que o primitivo Defensor do arguido, o Dr. Q………., invocando razões de ética profissional, através de requerimento apresentado em 30 de Março de 2005, pediu escusa desse encargo.
Informado do facto, o arguido intervém nos autos a retirar-lhe a confiança.
Porque a Ordem dos Advogados não havia entretanto indicado substituto para o efeito, a audiência designada para o dia 31/05/2005 é adiada, sendo nomeada depois em sua substituição, a Dr.ª S………. .
Porque esta não tivesse prescindido do prazo para contestar, ocorreu novo adiamento do julgamento em 14/06/2005.
E fazendo-o, ofereceu o merecimento dos autos e alegou “tudo quanto a seu favor se apurasse em audiência”.

O arguido, todavia, atravessa requerimento a considerar não escrita tal contestação, e uma vez mais “retira a eficácia dos actos por aquela praticados”, pedindo a sua substituição.
A Ordem indica nova Defensora, a Dr.ª T………., cuja nomeação deve considerar-se efectuada na pessoa do arguido em 15/11/2005.

Dois meses volvidos, novo pedido por parte deste para nova substituição da sua Defensora.

O julgamento dos autos teve lugar no dia 20/01/2006, e conforme decorre da respectiva acta, a Dr.ª T………. esteve presente, embora já não na sessão em que foi lida sentença, uma vez que entretanto lhe foi concedida dispensa de patrocínio...
*
Ora perscrutando na motivação qual a norma jurídica, que na perspectiva do recorrente, abona a sua afirmação em como a audiência não decorreu com observância do formalismo legal, a única que encontramos efectuada é a do art. 285.º do Cód. Proc. Penal.
Trata-se no entanto de disposição atinente à acusação particular que não tem qualquer aplicação naquela fase do processo, mas antes no inquérito…

Tudo o mais que se alega na motivação e nas conclusões sobre aquela temática é, neste momento, totalmente inconsequente.

Como se viu, nem a contestação, nem o rol de testemunhas por si pretendidos juntar, foram considerados tempestivos.
A urdidura dogmática construída sobre a suspensão ou interrupção dos prazos, por efeito das sucessivas nomeações de Defensores, mereceu o destino que lhe conferiu o Exmº Sr. Desembargador Presidente deste Tribunal, na sua douta decisão.
As suas pretensões recursórias em matéria de nulidades ou arguição da tempestividade de peças processuais, quedaram-se desde logo pela sua não admissão.
Se a sua Ilustre Defensora “abriu ou não a boca” em audiência (passe a descortesia da afirmação), é algo que desconhecemos, porquanto não dispomos das transcrições da prova. Em todo o caso, da acta não consta que alguma vez lhe tivesse sido coarctado o direito de nela intervir ou de usar da palavra nas alegações finais.
E se o arguido se calou, tal representa um direito que o Tribunal nada pode fazer para contrariar, e que significa tão-somente isso.
A invocação que se faz em como as testemunhas não foram inquiridas sobre o núcleo da matéria denunciada não é um facto, mas apenas uma opinião que se respeita.

Em bom rigor, o recorrente não compreendeu em toda a sua extensão a citação do Prof. Germano Marques da Silva em que se arrima para tecer as suas críticas neste particular.
Se concedemos que no quadro evidenciado a relação de confiança entre o arguido e a sua Defensora não fosse o melhor, insiste aquele no erro básico de querer sobrepor a sua ideia de Direito às das pessoas que legal e profissionalmente estão habilitadas a aplicá-lo.
É que a defesa “adequada e livre” que a Constituição lhe assegura não deve ser medida pela sua pessoa, mas antes pelo conhecimento das leis e das boas práticas fundadas nesse conhecimento por parte daqueles que fazem do foro sua profissão, que para efeito prestaram provas e que se presumem capacitados para as interpretar e actuar.
De mesmo modo que a razão lhe falece quando insiste em desrespeitar a probidade pessoal e intelectual das pessoas a quem coube o encargo de assegurar a sua Defesa Oficiosa. É que o recorrente parece estar convencido de que o respectivo Advogado deve ser um seguidor servil dos seus interesses e interpretações jurídicas, menosprezando totalmente a esfera de autonomia técnica que a Lei lhe confere, o que não se pode ter por aceitável.
Estivéssemos perante uma situação “normal”, obviamente o tribunal não deixaria de adiar a audiência em face daquela menor confiança entre Defensor e defendido, como aliás já o tinha feito anteriormente.
Mas porque a mesma já tinha sido adiada por diversas vezes e porque não havia qualquer razão para por em causa o profissionalismo dos Ilustres Causídicos a quem essa missão coube sucessivamente no processo, bem fez em confiar na idoneidade, competência, isenção da Dr.ª T………. (que aliás desconhecemos quem seja), para pese embora esses condicionalismos, exercer cabalmente o seu munus.

III – 5.2.) No que concerne à segunda questão colocada, ou seja, “a de que a causa não foi discutida”, não vale, obviamente, esgrimir com a duração da audiência (ao que se refere 50 minutos), já que este não é critério idóneo para avaliar daquela proficiência, do mesmo modo que a alegação de que as testemunhas depuseram sobre factos “que nada têm a ver como cerne da denúncia apresentada”, não tem o alcance que o recorrente lhe empresta.

A disciplina e direcção dos trabalhos da audiência cabem ao respectivo presidente (art. 323.º do Cód. Proc. Penal), é a ele que está cometido o papel de apreciar e decidir o que é, ou não, relevante em função do objecto do processo que lhe é apresentado.

Pode suceder que a própria denúncia apresentada, por si só, seja eloquente para a demonstração daqueles factos.
No caso concreto aquela revestiu-se de manifesto relevo, já que na fundamentação da sua convicção, o tribunal começou desde logo por assinalar que aqueles resultaram “… antes de mais, da prova documental junta aos autos, designadamente, junta a folhas 11 e seguintes (despacho de arquivamento) e a folhas 49 e seguintes (denúncia apresentada pelo arguido)”.

III – 5.3.) Questão diferente e com outra dignidade, é saber-se se ocorre ou não violação do art. 355.º do Cód. Proc. Penal, por aqueles documentos não terem sido examinados em audiência.

Como é sabido, sob a epígrafe “Proibição de valoração de provas”, estatui aquele preceito da referida lei adjectiva, que «não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência» (n.º 1).
Perante este enunciado, a Doutrina e a Jurisprudência não têm, no entanto, mostrado total acordo quanto ao sentido a dar a tal comando legal.

Assim, para o Prof. Germano Marques da Silva - Curso de Processo Penal, Verbo, Vol. III, págs. 253/254, aquela exigência de exame é indiscutível:

«… O CPP/29 dispunha que eram lidos os documentos juntos ao processo e necessários para o esclarecimento da causa, se a acusação ou defesa o requeressem ou o tribunal oficiosamente o ordenasse (art. 464º, § único). Não há disposição semelhante no CPP/87, mas resulta indubitavelmente do art. 355.º que os documentos probatórios só valem para formar a convicção do tribunal se submetidos ao contraditório em audiência.
Não basta, com efeito, que acusação e defesa conheçam os documentos juntos aos autos do processo e, por isso, dispensem a sua leitura e/ou exame; a dispensa de exame ou leitura dos documentos viola os princípios da imediação, publicidade e oralidade.
Não basta que as «partes» conheçam os documentos juntos aos autos do processo e possam por isso dispensar a sua leitura e/ou exame; a leitura e/ou exame em audiência de julgamento importa não apenas a todos os sujeitos do processo, mas também ao público em geral. A publicidade da audiência destina-se, como referimos oportunamente, a permitir a fiscalização da actividade jurisdicional e a convencer o público da justiça de decisão, o que passa pela possibilidade de conhecer todas as provas que hão-de servir para a decisão.
Mas também no que ao próprio tribunal respeita as provas têm de ser todas examinadas em audiência de julgamento. Encerrada a audiência, o tribunal procede de imediato à deliberação, sem prévia discussão. A convicção dos juízes e jurados há-de fazer-se unicamente com base na prova produzida em audiência de julgamento, não sendo lícito recorrer a outras quaisquer provas, mesmo constantes dos autos, se não tiverem sido objecto de discussão no contraditório da audiência.
Assim, na audiência de julgamento, os documentos devem ser examinados, lidos, escutados ou vistos, conforme a sua natureza; o documento que não seja apresentado em audiência para ser examinado em contraditório não pode ser utilizado para a decisão.
Ressalva-se do que fica dito anteriormente a leitura de documentação existente nos autos relativa aos antecedentes criminais do arguido, à perícia sobre a sua personalidade e ao relatório social para efeitos da questão da determinação da sanção e só para este efeito (art. 369.º)».

Em sentido distinto, confira-se o relativamente recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Fevereiro de 2005, publicado na CJ (STJ), Ano XIII, T. 1, pág. 210 e segt.s, em que se afirma, textualmente, no respectivo sumário, que “tratando-se de prova documental, constante do processo, ainda que não tenha sido lida, nem examinada, na audiência de julgamento, nada obsta a que possa servir para formar a convicção do tribunal”.

Trata-se de decisão proferida na sequência de uma já longa tradição Jurisprudencial que vem assinalando que tal prova se considera para todos os efeitos produzida em audiência e de que destacaremos como exemplo paradigmático, quer pelo brilhantismo da exposição, quer pela elevadíssima consideração que sempre prestámos à pessoa do Exm.º Sr. Conselheiro Lopes Rocha, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1996, publicado na CJ (STJ), Ano IV, T.2, pág.ª 229 e segts.

Também esta Relação, há muito pouco tempo, perfilhou igual sentido decisório, por exemplo, no acórdão de 04/10/2006, proferido no processo com o número convencional JTRP00039530, consultável no endereço electrónico www.dgsi.pt/jtrp.

Por nossa parte, não vislumbramos, do mesmo modo, que ganhos significativos em termos de princípio contraditório poderá envolver a leitura completa ou o exame minucioso da diversa prova documental junto a um qualquer processo, maxime, nos casos em que nele já figuram desde momentos processuais anteriores.
Basta pensar, nos agora cada vez mais frequentes “mega-processos”, integrando por vezes dezenas de volumes de documentação…

Se forem efectivamente relevantes, a sua menção não deixará de ser aflorada na discussão da demais prova, designadamente pessoal e nas alegações finais.
Aí, mais até do que a sua leitura formal, releva a evidenciação em como quer o Tribunal, quer as “partes”, têm na realidade um seu conhecimento efectivo, estão inteirados do seu alcance probatório e sabem da sua eventual significação em termos do que com os mesmos se pretende ou pode demonstrar.

Em qualquer dessas sedes, os intervenientes processuais tem a possibilidade ampla de poder exercer um contraditório eficaz sobre eles, isto, se não tiverem optado por fazê-lo em momento processual anterior.
É que, com efeito, situações existem, em que há toda a conveniência em como esse controle se faça desde logo de forma próxima ou imediata à sua junção, e não apenas já só depois em julgamento.

O reparo posto no conhecimento da assistência pública do julgamento como meio de controlo da actividade judiciária não se nos afigura totalmente procedente.
Há audiências que se operam com exclusão da publicidade, há documentos que se traduzem em desenhos, plantas ou fotografias que não são legíveis enquanto tais, e que a ninguém acode impor ao respectivo presidente que os faça circular pela assistência…

Para nós, o princípio da publicidade, embora tendo como conteúdo essencial a demonstração da transparência da actividade jurisprudencial, não vai ao ponto de postular o conhecimento preciso e total, da integralidade dos autos ou do seu conteúdo a quem, como mero “espectador”, possa assistir a um dos seus actos públicos.

III – 5.4.) No caso que temos presente, a referida “denúncia” é uma das peças nucleares do processo. Está junta desde praticamente o seu início e seguramente está incluída na referencia genérica aos “documentos dos autos”, que como prova, foram oferecidos pela acusação.
Por outro lado, conforme decorre do respectivo exame crítico, “As testemunhas C………. e D………. confirmaram além do mais, a denúncia em causa nestes autos”, o que para nós evidencia que a mesma foi referida e tornada presente em julgamento, pelo que, não estamos seguramente perante um elemento documental desconsiderado em audiência.
Quanto ao despacho de arquivamento, na parte que releva, está transcrito no próprio libelo.

Nessa conformidade, não encontramos aqui motivo inabilitante para a utilização de tal prova.

Tal não significa no entanto, que não deixemos de alertar para o teor de um preceito não referido no recurso, associado a esta temática e normalmente olvidado, qual seja, o do art. 362.º, n.º 1, al. d), in fine, do Cód. Proc. Penal, e da conveniência legal de fazer consignar em acta, pelo menos, os documentos que sejam exibidos às testemunhas ou com os quais sejam confrontados.

III – 5.5.) Posto que se compreenda que o arguido discorde da sua condenação pelo crime de denúncia caluniosa, a verdade é que uma vez mais também não estamos perante uma impugnação da correspondente factualidade segundo a ortodoxia do art. 412.º, n.ºs 3 e 4 do Cód. Proc. Penal.

Leia-se a correspectiva motivação na parte intitulada “pontos de facto incorrectamente julgados”, para aí detectarmos uma argumentação que faz alusão à irrefutabilidade da existência de “grupos secretos, ou semi-secretos, que conseguem subverter a Lei”, ao processo de pedofilia de Outreau, à Lei de Organização do Poder Judicial Francês, ou um rol de perguntas do estilo das que se transcrevem:

«1 - Por que razão foi dado seguimento à denúncia apresentada pelos demandantes civis?
2 - Por que razão foi deduzida acusação?
3 - Por que razão não foi essa acusação rejeitada quando os autos foram recebidos no Tribunal?
4 - Por que razão foi considerada “extemporânea” a contestação do arguido?
5 - Por que razão foi o arguido submetido a julgamento na presença de uma defensora que nenhum acto podia praticar visto que ele tinha retirado eficácia a todo e qualquer acto que ela praticasse?
6 - Por que razão foi o arguido violentado psicologicamente com um processo e um julgamento iníquo, no seguimento do anterior processo, também ele iníquo e ilegal?
7 - Por que razão foi o arguido condenado?»

Ainda que depois se faça uma referência sintetizada ao que, na perspectiva do recorrente, será a ignorância das diversas testemunhas ouvidas sobre o objecto do processo por referência a um cassete e respectivas rotações, não traduz essa actividade uma impugnação de facto em termos processualmente aceitáveis ou consequentes, nem a resposta a qualquer das perguntas acima referidas obviamente se inclui no seu objecto.

III – 5.6.) Importa finalmente indagar se os factos considerados apurados na sentença recorrida integram, ou não, o crime de denúncia caluniosa pelo qual o arguido foi condenado.

De harmonia com o tipo objectivo prevenido no 365.º, n.º 1, do Cód. Penal, as modalidades de acção que traduzem as condutas típicas objecto desta norma incriminatória (denúncia caluniosa), são o denunciar e o lançar suspeita “por qualquer meio” sobre alguém.
Para o Prof. Costa Andrade, aliás, cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, Tomo III, pág.ªs 530/1, de uma certa maneira, aquelas expressões serão mesmo equivalentes - “a sua autonomia no desenho da infracção resulta, por isso, normativamente redundante (…)” -, razão pela qual nas considerações que depois tece para a caracterização do conceito de lançar suspeita (afora o aspecto mais formal implicado na denúncia), expressamente estende a sua validade a esta última modalidade de acção.

Segundo o mesmo autor, «lançar suspeita significa a comunicação de factos susceptíveis de (ou: idóneas a) criar, reforçar ou desviar (para outra pessoa) a suspeita da prática de um acto de ilícito contra o qual deva ser instaurado procedimento criminal persecutório.
Explicitando melhor: a comunicação tem de ter factos por conteúdo. Não relevam para o efeito as meras opiniões, conclusões pessoais, juízos de valor ou qualificações jurídicas. Não está, contudo, excluída a possibilidade de os factos serem enunciados sob formulações jurídicas que na linguagem corrente valem como asserções de factos: “roubou”, “burlou”, (…) etc. Ponto é que as formulações jurídicas assumam no contexto em que são utilizados o significado de enunciados de factos concretos ou concretamente referenciáveis».

Porém, com este enunciado, volvemos a um problema recorrente destes autos, que é o da descrição desses mesmos factos não ter sido individualizada ou concretizada na acusação e depois na sentença, mas antes ter sido objecto de mera remissão para a própria denúncia.

Seguramente que este modo de proceder encontra explicação óbvia na circunstância de aquele documento espraiar-se por 38 páginas e não menos que 346 artigos e no peso material que a sua reprodução comporta.
No que respeita ao despacho de arquivamento este problema já não assume a mesma relevância, porque a parte que interessa está basicamente transcrita.

III - 5.7.) Julgamos que ninguém hoje em dia questionará, que a sentença, tal como a acusação, são peças processuais que devem valer por si mesmas, na sua inteligibilidade e compreensão.
Veja-se que em relação à primeira, os próprios vícios constantes do art. 410.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, são aferidos pelo texto da decisão em si mesma, ainda que combinada com as regras da experiência comum, isto já para não mencionar a circunstância incontornável de existirem preceitos no mesmo diploma a cominar com a sanção da nulidade, a ausência dos respectivos elementos factuais (cfr. art. 374.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3).

É também inquestionável que a sentença (já que o problema da acusação está neste momento precludido), deveria ter pelo menos evidenciado os factos mais significativos e elucidativos constantes daquele primeiro documento.
Neste domínio, na jurisdição cível, em que o problema assume pelo menos outra acuidade estatística, é Jurisprudência estabelecida que não pode considerar-se como fixação da matéria de facto “a simples remissão para documentos juntos ao processo, mesmo que sejam dados por reproduzidos, se nada se explicitar quanto ao conteúdo dos mesmos” - por todos conferir o Ac. do STJ de 02/04/1992, no processo com n.º convencional JSTJ00015191, consultável no endereço electrónico www.dgsi.pt/jstj.

É claro que em bom rigor não estamos aqui perante uma ausência absoluta de facto, tradutora de uma não enumeração enquanto tal, já que na sentença sempre diz que: “No dia 04 de Janeiro de 2002, o arguido apresentou na Procuradoria-Geral Distrital do Porto, sita no Campo Mártires da Pátria, nesta cidade e comarca, uma queixa-crime contra o Dr. G………., Procurador - Adjunto junto do Tribunal Judicial de Braga e os outros Procuradores do Ministério Público que contribuíram para a ilegal tramitação do processo …/01, do ..º juízo; o Dr. H………., à data dos factos Mmo Juiz de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Braga; a Dra I………., Mma Juíza de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Braga; o Dr. J………., Advogado; a Dra L………., Mma Juíza do ..º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga e o Dr. D………. e C………., imputando-lhes factos susceptíveis de se subsumirem aos tipos legais de crime denegação de justiça, associação criminosa, associação terrorista e abuso de poder, previsto e punido, respectivamente, pelos artigos 369.º, 299.º, 300.º e 382.º, todos do Código Penal.”
Em todo o caso, a amplitude da remissão efectuada, como acima se referiu, contende com a definição da própria modalidade de acção típica que é objecto de punição, que assim permanece externa à decisão final.

Não queremos com isto significar que importe efectuar a reprodução integral da mencionada denúncia – por exemplo, o circunstancialismo conexo com o problema do loteamento, em si mesmo, é perfeitamente redutível à sua informação genérica, da mesma maneira que pode ser condensada muita da prolixa alegação produzida, transcrevendo-se apenas algumas das suas afirmações mais emblemáticas ou decisivas.

O local próprio para o fazer, é quanto a nós, o facto provado sob o n.º 1, aproveitando-se o campo aberto pela afirmação genérica da sua reprodução, para utilizando-se uma qualquer expressão idónea (v.g. “designadamente”, “nomeadamente”), se continuar aquela ilustração/concretização.
Porém se se tivesse consignado as notas mais impressivas da referida denúncia no exame crítico, ou mesmo em sede de aplicação dos factos ao direito (já que a reprodução operada também aí os permitia tornar presentes), teríamos aceite essa solução e preconizaríamos um outro sentido decisório.

É que nessa perspectiva, ao mesmo nível que a enumeração dos factos, na consideração do problema, tal como o vemos nesta Relação, afigura-se-nos existir concomitantemente, e com o devido respeito, alguma deficiência na fundamentação emprestada pela sentença recorrida, posto que aceitemos que este seja um “processo ingrato” para os Colegas da 1.ª Instância.
Com efeito, se lermos aquela na sua integralidade, para além dos tipos legais imputados e da menção de que afinal a queixa revestirá algo de insólito e sem a menor verosimilhança, no fundo fica-se sem saber porque razões o arguido imputa às pessoas em questão os crimes de denegação de justiça, associação criminosa, associação terrorista e abuso de poder.
O mesmo é dizer, não cumpre aquela a função intraprocessual de permitir o conhecimento do processo lógico ou racional que conduziu à referida decisão, fonte da sua nulidade, ainda que com tradução essencialmente parcial (art.ºs 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. a), do Cód. Proc. Penal), a qual se mostra invocada, posto que de forma não totalmente linear.

Se se tivesse dito, por exemplo, que na sequência de disputas múltiplas, algumas com tradução judicial em torno de um loteamento de domínios rústicos sitos na freguesia de ………., na cidade de Braga, na qual o arguido se afirma patrimonialmente prejudicado, aquele por entender não ser admissível o que chamou de “segunda acusação” que o Ministério Publico acompanhou, quando não o havia feito em relação a uma primeira que havia sido deduzida, logo acoimou o respectivo magistrado de ter “promovido o processo contra direito”, da mesma maneira que o respectivo Sr. Juiz de Instrução Criminal, “por haver considerado sanada a respectiva nulidade”.
Igual imputação dirigiu à Mm.ª Juiz Sr.ª I………., que sucedeu àquele no processo, por ter considerado que a questão não podia ser reexaminada, por o respectivo despacho “ter transitado em julgado”.
Ou o Dr. J………., Defensor Oficioso do arguido, por não haver tomado nenhuma iniciativa processual para isso obstar, ou o Dr. D………. (aqui recorrido), por como patrono do ofendido C………., ter deduzido essa segunda acusação “com o objectivo de colmatar a nulidade invocada”, “advogando contra lei expressa e promovendo expediente dilatório prejudicial para a correcta aplicação da lei ou descoberta da verdade”, em arrepio ao art. 78.º da OA.

Ora os senhores Magistrados referidos, segundo o arguido, terão decidido daquela maneira, porquanto formaram uma entidade criminógena com o objectivo de exercer “competências legislativas”, maxime alterando o art. 285.º do Cód. Proc. Penal, e “promulgando” interpretações que lhe são desconformes.
Chama-lhe mesmo, “o grupo anti-legislador de Braga”, a que o ofendido C………. e os demais Ilustres Causídicos acima nomeados se terão associado.
Sobre esse grupo, “dúvidas não restam ao denunciante de que existem entre todos os denunciados, laços muito fortes que os obrigam a actuar de concerto, formando um grupo solidário”.
Aliás, aquele constitui “um perigo abstracto de perturbação da paz pública”, que “revela um estado de calamidade na justiça portuguesa”.

E de tal maneira, que o “cidadão que não integra tal associação sai obrigatoriamente prejudicado de qualquer processo em que seja réu, autor, ofendido ou arguido, se tiver pela frente dois ou mais “irmãos”, não hesitando sequer o recorrente em apontar que os mesmos estão até unidos «pela regra maçónica do “auxílio mútuo obrigatório em todos os conflitos da vida civil”», espraiando-se depois na revelação dos perigos concretos de tal associação…

É assim que no Tribunal de Braga “existe um bloqueio inconstitucional que prejudica a parte da população indefesa, que não tem formação jurídica”, sendo que está na mente dos denunciados “uma enorme maquinação dirigida à subversão do Estado de Direito.”
Donde a imputação do crime de sabotagem, e do crime que lhe está na base – o de terrorismo, já que (sic) “a intenção terrorista dá origem a um tipo de ilícito autónomo contra a paz pública”.

A tudo junta largas citações normativas, por vezes mesmo Doutrinais, terminado após a imputação dos crimes referidos por pedir a instauração de inquérito contra os denunciados e a prossecução pela Ordem dos Advogados das alegadas infracções praticadas pelos mencionados Causídicos.

Ora a esta luz, a decisão teria outra evidência.

Porém competirá ao Tribunal Criminal do Porto suprir a deficiência ora encontrada, considerando-se prejudicado a partir deste ponto, o conhecimento da questão colocada sobre a subsunção jurídica dos factos e das que lhe possam ser subsequentes.

Nesta conformidade:

IV – Decisão.

Nos termos e com os fundamentos indicados, acorda-se nesta Relação:

- Em não tomar conhecimento do recurso interposto a fls. 523 e segt.s dos autos.
- Na procedência parcial do recurso interposto da decisão final pelo arguido B………., anular a sentença proferida pelo ..º Juízo Criminal do Porto, de modo a que, nos termos acima preconizados, melhor se especificarem e concretizarem os factos imputados pelo recorrente na denúncia que traduz o documento junto de fls. 49 a 88 dos autos, e que constituem o substrato dos crimes de denegação de justiça, associação criminosa, associação terrorista e abuso de poder cuja prática denunciou.
- Considerar prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas por este recurso.

Pelo seu decaimento parcial, pagará aquele 4 (quatro) UCs de taxa de justiça, de harmonia com o preceituado nos art.ºs 513.º e 514.º do CPP e 87.º, n.º 1, al. b), do CCJ.

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1.º signatário.

Porto, 11 de Abril de 2007
Luís Eduardo Branco de Almeida Gominho
Custódio Abel Ferreira de Sousa Silva
Ernesto de Jesus de Deus Nascimento
Arlindo Manuel Teixeira Pinto