Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0550527
Nº Convencional: JTRP00037872
Relator: ORLANDO NASCIMENTO
Descritores: TELEMÓVEL
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP200504040550527
Data do Acordão: 04/04/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Área Temática: .
Sumário: I- O art. 10º, nº1, da Lei nº 23/96, de 26/7, relativo à prestação de serviço de telecomunicações móveis - telefone móvel - ao reportar-se - "Ao direito de exigir o pagamento do preço de serviço prestado..." refere-se, apenas à exigência de pagamento.
II- Tal exigência é feita com a apresentação ao utente, do documento de liquidação, no qual se fixa também o prazo de pagamento.
III- Na ausência de pagamento, o crédito titulado por esse documento prescreverá no prazo de cinco anos, estabelecido pelos arts. 310º, al. g) e 306º, nº1 do Código Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação do Porto

1. RELATÓRIO

B..............................,S.A. instaurou procedimento de Injunção relativo a Obrigação Emergente de Transacção Comercial contra, C..................., LDA, pedindo que esta lhe pague a quantia de € 8.769,53 relativa a contrato de serviço telefónico, acrescida de € 1.874,6 de juros vencidos e vincendos até integral pagamento.
Notificada, a requerida deduziu oposição dizendo, em síntese, que a requerente lhe prestou serviços de 15/6/2001 até 29/8/2001 pelo que, nos termos do art.º 10.º da Lei n.º 23/96 de 26/7, o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de 6 meses após a sua prestação. A oponente foi notificada em 27/6/2003, pelo que o direito da requerente exigir o pagamento das facturas já prescreveu. Mais refere que em 5.6.2001 a B................ procedeu á interrupção do serviço sem aviso prévio, pelo que não são devidos os serviços pedidos após 5/6/2001.
A requerente respondeu à excepção dizendo que a prescrição invocada pela requerida tem natureza presuntiva e não se verificou.

O Tribunal conheceu da excepção da prescrição no despacho saneador, julgando-a procedente e absolvendo a requerida do pedido.

Inconformada, apelou a requente pedindo a revogação do saneador-sentença recorrido e a condenação da apelada no pedido, ou se assim se não entender, ordenando-se o prosseguimento dos autos com a organização da matéria de facto assente e da base instrutória, formulando as seguintes conclusões:
1.ª A prescrição prevista no art.º 10.º n.º 1, da Lei 23/96, de 26 de Julho, tem natureza presuntiva e não extintiva;
2.ª O prazo de 6 meses aludido na mesma Lei refere-se, tão só, ao direito/dever de o prestador de serviços de telecomunicações móveis - telefone móvel - enviar a factura com o preço dos serviços prestados no mês, e não o de exigir judicialmente o crédito pelo serviço prestado;
3.ª Enviada a factura, dentro daquele prazo de seis meses após a prestação do serviço, o direito de exigir o pagamento do preço dos serviços prestados pelos operadores de SMT (telecomunicações móveis terrestres), prescreve no prazo de cinco anos, nos termos da alínea g) do alto 310.º do Código Civil;
d) O crédito da apelante, ao contrário do decidido no douto saneador-sentença sob recurso, não prescreveu.
e) Foram violados os comandos legais contidos no alto 9.º n.º 4, do Dec. Lei n.º 381-A/97, de 30 de Dezembro, (regime de acesso à actividade de operador de redes públicas de telecomunicações, e de prestador de serviços de telecomunicações de uso público), e no art.º 10.º 1, da Lei 23/96, de 26 de Julho, (regime de protecção do utente de serviços públicos essenciais), a contrario, bem como o disposto no alto 310.º al. g), do Código Civil.
A apelada contra-alegou pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

2. FUNDAMENTAÇÃO

A) OS FACTOS
Os factos considerados pelo Tribunal a quo como provados e com relevo para a decisão são os seguintes:
1) A A. e a R. celebraram um contrato de prestação de serviço móvel terrestre em 19/2/2001 com aquisição de equipamento, conforme doc. de fls. 52 e 53 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
2) A A. juntou facturas de serviços prestados á Ré com datas de 15/6/2001, 10/7/2001, 31/7/2001, 29/8/2001, que não foram pagas na data do seu vencimento, que totalizam € 8.769,53.

B) O DIREITO APLICÁVEL

O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto á matéria dos autos e quanto ao objecto do recurso, é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 660.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso).
Atentas as conclusões das alegações supra descritas, as questões submetidas ao conhecimento deste Tribunal, pela apelante, consistem em saber se: (a) a prescrição prevista no art.º 10.º n.º 1, da Lei 23/96, de 26 de Julho, tem natureza presuntiva ou extintiva; (b) o prazo prescricional de seis meses estabelecido nesse preceito é o prazo para exigir o pagamento dos serviços, pela apresentação da factura respectiva, após o que se aplica o prazo prescricional de cinco anos estabelecido pelo art.º 310.º, al. g) do C. Civil, como pretende a apelante, ou se é o prazo para exigir judicialmente o pagamento (como decidiu o Tribunal a quo).
Vejamos.
Quanto à primeira questão, a saber, se a prescrição prevista no art.º 10.º n.º 1, da Lei 23/96, de 26 de Julho, tem natureza presuntiva ou extintiva, pese embora a abalizada opinião doutrinal citada pela apelante, não vislumbramos fundamento para afirmarmos que o estabelecimento da prescrição nesta matéria (serviços públicos essenciais como o serviço de telefone) se funda na presunção de cumprimento.
O instituto da prescrição, tal como se encontra consagrado nos art.ºs 300.º e seguintes do C. Civil, tem natureza extintiva da obrigação a que respeita sendo que, completada a mesma, o beneficiário tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (art.º 304.º, n.º 1 do C. Civil).
As prescrições fundadas na presunção de cumprimento, que têm um regime jurídico próprio estabelecido nos art.ºs 312.º a 315.º do C. Civil, são as estabelecidas nos art.ºs 316.º e 317.º do C. Civil. Se tivesse sido propósito do legislador aditar-lhes a prescrição estabelecida em matéria de serviços públicos essenciais como o serviço de telefone, sendo o mesmo pleno conhecedor do ordenamento jurídico em que exerce a sua actividade, tê-lo-ia dito expressamente ou “com um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, na terminologia do art.º 9.º, n.º 2 do C. Civil, o que não fez. E não vislumbramos argumento interpretativo, de entre os critérios de interpretação estabelecidos no art.º 9.º, do C. Civil, nomeadamente quanto à mens legis a que a seguir nos referiremos, que nos permita defender a natureza presuntiva de tal prescrição. A prescrição estabelecida em matéria de serviços públicos essenciais, como o serviço de telefone, tem natureza extintiva como decidiu a primeira instância, improcedem nesta parte as conclusões da apelação.

Quanto à segunda questão, se o prazo prescricional de seis meses estabelecido no art.º 10.º n.º 1, da Lei 23/96, de 26 de Julho se reporta ao prazo para exigir o pagamento dos serviços, pela apresentação da factura respectiva, após o que se aplica o prazo prescricional de cinco anos estabelecido pelo art.º 310.º, al. g) do C. Civil ou se reporta ao prazo para exigir judicialmente o pagamento.
Dispõe o art.º10.º, n.º 1 da Lei n.º 23/96 de 26 de Julho que “O direito de exigir o pagamento do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação”.
Por sua vez, o art.º 310.º, al. g) do C. Civil, dispõe que “Prescrevem no prazo de cinco anos quaisquer outras prestações periodicamente renováveis”, começando esse prazo a correr quando o direito puder ser exercido (art.º 306.º, n.º 1 do C. Civil).
A Lei n.º 23/96, pela sua própria génese, ao introduzir normas vinculantes dos contraentes nos contratos de adesão a que se reporta, prossegue o escopo de defesa do contraente débil - o utilizador. O que importa é saber se, em face desse escopo, a mens legis terá sido aquela que é apontada na decisão em recurso, que se louva no comentário de Calvão da Silva, in RLJ, 132.º, pág. 156, a saber, que prescreva no prazo de seis meses o direito a exigir judicialmente o pagamento do serviço prestado.
Tendo em atenção os critérios interpretativos consagrados no art.º 9.º do C. Civil, bem se percebe que o legislador tenha fixado o prazo de seis meses para que as entidades prestadoras dos serviços públicos exijam o pagamento desses serviços. A certeza e a segurança jurídicas não se compadecem com uma longa pendência de liquidação e exigibilidade relativamente a tais serviços, que são de prestação continuada, a qual colocaria o cidadão, consumidor - obrigatório, numa posição ainda mais frágil para se defender de exigências de pagamentos não devidos. E também se não compadecem com a natureza presuntiva da prescrição do direito de crédito correspondente, a qual não acautelaria o cidadão consumidor contra uma liquidação demorada do seu pretenso débito. Mas, esta ratio legis, já não procede quando se interpreta o preceito no sentido de que ele se reporta ao direito a exigir judicialmente o pagamento. Uma tal interpretação, quanto a nós, prossegue um fim contrário ao pretendido pela mens legis, já que esta visa a defesa do contraente débil, mas não do contraente relapso, como será o caso daquele que não procede ao pagamento após lhe ser apresentado o respectivo documento de liquidação e no prazo aí fixado. Uma tal interpretação, conduzindo ao efeito perverso de colocar o prestador do serviço em constante sobressalto, não para melhorar os seus serviços de liquidação, expurgando-os dos erros que tanto prejudicam o cidadão consumidor, mas para se defender dos inadimplentes, não respeita a regra de bom senso interpretativo contida no art.º 9.º, n.º 3 do C. Civil, quer quanto à solução legislativa consagrada, quer quanto à forma de expressão do seu pensamento.
Entendemos, pois, que art.º 10.º, n.º 1 da Lei n.º 23/96 ao reportar-se “Ao direito de exigir o pagamento do preço de serviço prestado...” se refere, tão só, a isso mesmo, ou seja, à exigência de pagamento. Essa exigência é feita com a apresentação do documento de liquidação, no qual se fixa também o prazo de pagamento. Na ausência de pagamento, o crédito titulado por esse documento prescreverá no prazo estabelecido pelos art.ºs 310.º, al. g) e 306.º, n.º 1 do C. Civil.
Atento o facto supra descrito em 2) da matéria de facto e tendo o requerimento de injunção dado entrada em 18/07/2003, os créditos de que a requerente se arroga titular ainda não prescreveram.
Procedem, pois, nesta parte, as conclusões da apelante devendo revogar-se a sentença recorrida para que o Tribunal a quo, fixada a matéria de facto, a substitua por outra na qual considere o agora decidido quanto à excepção de prescrição deduzida pela apelada.

3. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revogando-se a sentença recorrida para que o Tribunal a quo, fixada a matéria de facto, a substitua por outra na qual considere o agora decidido quanto à excepção de prescrição deduzida pela apelada.

Custas pela apelada.

Porto, 04 de Abril de 2005
Orlando dos Santos Nascimento
José António Sousa Lameira
José Rafael dos Santos Arranja