Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0735962
Nº Convencional: JTRP00040860
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: ARRENDAMENTO RURAL
DIREITO DE PREFERÊNCIA
VALIDADE
Nº do Documento: RP200711220735962
Data do Acordão: 11/22/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA EM PARTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 738 - FLS. 166.
Área Temática: .
Sumário: I – Só um contrato de arrendamento rural plenamente válido poderá servir de fundamento ao exercício de um direito que o tenha como requisito (v. g., a preferência) ou a obstar ao exercício de um direito que o tenha como causa justificativa (v. g. como obstáculo à entrega da coisa na reivindicação), não bastando apenas a existência do mesmo.
II – É no momento da alienação que deve ter-se em consideração a existência, ou não, de um contrato válido de arrendamento para se aferir se deve, ou não, ser feita a comunicação ao arrendatário para a preferência, sendo nesse momento que este último tem de apresentar a existência do seu direito válido, não bastando que argumente que tem a base de facto do seu direito, que não diligenciou pela sua validade, pedindo a redução a escrito, mas que o pode ainda fazer.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Relatório.
No ……º juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila do Conde, B……………… e C………………. intentaram acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra D…………….. e E………………, Lda, pedindo a condenação destes a:
- Ver declarado que os autores são titulares do contrato verbal de arrendamento rural do prédio identificado no art. 1º da petição inicial desde 01.10.88;
- Ver declarado que tal contrato não foi reduzido a escrito por culpa dos réus;
- Ver declarado o direito de preferência dos autores na compra e venda do prédio arrendado a que se refere a escritura de compra e venda invocada no art. 1º da petição inicial contra o depósito do preço declarado.
Por fim, pedem que se declare que estão isentos do pagamento de Sisa ou, se assim não se entender, sejam notificados para, oportunamente, proceder ao depósito do preço da Sisa devida.
Alegaram, para o efeito, em resumo que:
- Em 01.10.88, por contrato verbal, pelo prazo de um ano, renovável, pela renda anual de 120 arrobas de milho seco, a pagar, em dinheiro, no final de cada ano agrícola, na casa da senhoria, foi-lhes dado de arrendamento, para exploração agrícola, o prédio rústico denominado F………………, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o nº 00414, inscrito na respectiva matriz sob os arts. 599 e 630;
- Apesar das constantes solicitações que fizeram, pessoal e verbalmente, para que esse contrato de arrendamento rural fosse reduzido a escrito nunca a ré D............................... o fez e sempre a isso se recusou;
- Por escritura pública de compra e venda, lavrada no dia 14.01.00, a ré D............................... vendeu à ré E..............................., Lda, pelo preço de 96.000.000$00, o referido prédio, sucedendo, porém, que a ré fez a alienação desse prédio sem dar conhecimento dessa intenção aos autores, que só tomaram conhecimento da venda, do preço e de quem era a compradora, no dia 29.06.00, por indicação de terceiros;
- De imediato, por carta de 04.07.00, o autor solicitou à ré D............................... a emissão de recibos das rendas pagas e que informasse a compradora da existência do contrato de arrendamento rural a fim de esta reduzir a escrito tal contrato, sendo que, na mesma data, dirigiu à ré E..............................., Lda, outra carta a solicitar a redução a escrito do contrato de arrendamento rural e que esta indicasse o local onde deveria ser assinado;
- A ré D............................... não deu qualquer resposta.
- Na sequência da resposta da ré E..............................., Lda, o autor insistiu junto da mesma pela redução a escrito do contrato de arrendamento rural;
- A ré E..............................., Lda, recusou-se a reduzir a escrito tal contrato;
A ré D………………… contestou, por excepção (1. arguindo a nulidade do contrato invocado pelos autores, visto que não foi reduzido a escrito e nunca foi notificada para o fazer, o que, além do mais, defende, determina a extinção da instância; 2. invocando a caducidade do direito de acção, pois a acção foi proposta 9 meses depois da escritura ter sido celebrada; 3. alegando que antes da outorga da escritura foram comunicadas aos autores as cláusulas do contrato, designadamente o preço real e a identidade da compradora, tendo, então, aqueles renunciado ao exercício do direito de preferência; 4. invocando a existência de abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, pois o autor sempre lhe disse que não iria preferir; 5. arguindo a existência de simulação de preço, pois o prédio foi vendido por 160.000.000$00 e não, como consta da escritura, por 96.000.000$00) e por impugnação, negando, parcialmente, os factos constantes da petição inicial.
A ré E..............................., Lda, contestou, por excepção, argumentando que aquando da celebração do contrato-promessa inquiriu a promitente vendedora no sentido de saber se era a própria ou outrem que fabricava o terreno, tendo, então, ficado a saber que a parte do prédio destinada a cultivo estava entregue a um terceiro e que o mesmo, não estando interessado na aquisição, se retiraria logo que efectuada a escritura, sendo certo que logo após a escritura ficou a saber que o referido terceiro tinha confirmado que iria libertar o campo; alegando que o autor jamais interpelou a vendedora para reduzir a escrito o pretenso arrendamento; defendendo que os autores, ainda que tivessem direito a exercer a preferência, não o podem fazer, pois o terreno foi comprado para a construção, certo que, de todo o modo, teriam de preferir pelo valor da venda, que foi feita por 160.000.000$00), e deduziu reconvenção, pedindo a condenação dos autores a pagarem-lhe a quantia de 78.904.590$00, acrescida dos juros, à taxa de 7%, desde a notificação, alegando, para tanto, em síntese, que, para além do preço (160.000.000$00), despendeu, ainda, com a aquisição do prédio as quantias de 1.081.090$00 com a escritura, 719.250$00 com a escritura de rectificação do preço, 304.250$00 com o registo predial e 12.800.000$00 com a Sisa.
Por óbito da ré D……………… realizou-se a habilitação de G………………. .
Proferido despacho saneador; seleccionada a factualidade assente e elaborada a base instrutória realizou-se o julgamento e foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e inútil a apreciação do pedido reconvencional formulado pela ré E..............................., Lda, e, em consequência, absolveu os réus dos pedidos.
O Autor solicitou a ampliação do pedido, em audiência de julgamento que foi indeferida pelo despacho de fls.480 e 481
Inconformado com esta decisão o Autor interpôs dela recurso de Agravo concluindo que:
Os recorrentes intentaram a presente acção, além do mais, apara exercerem o direito de preferência na compra e venda do prédio pelo preço declarado de 96.000.000$00;
Na contestação, os recorridos, além de negarem a existência do contrato de arrendamento rural de que os recorrentes são titulares, alegaram que o preço real da compra e venda era de 160.000.000$00; Posteriormente, vieram fazer prova dessa alegação, juntando uma escritura pública de rectificação do preço declarado agora de 160.000.000$00 conforme invocado;
No decorrer da audiência, os recorrentes ampliaram o pedido, declarando à cautela pretender exercer o mesmo direito de preferência pelo preço de 160.000.000$00 se tal vier a ser dado como provado;
Fizeram-no por entenderem que esse pedido é o desenvolvimento lógico, normal e até consequencial do pedido primitivo, cujo valor até foi escondido aos recorrentes;
Ao indeferir esse pedido o julgador violou o artigo 273° n° 2 do Cód. Proc. Civil.
Não houve contra alegações.
… …
Da sentença, o Autor, igualmente inconformado, veio interpor recurso de Apelação concluindo que:
a) Os recorrentes são titulares de um contrato verbal de arrendamento rural celebrado, em data indeterminada de 1988, com a 1ª R. D............................... da parte rústica prédio;
h) Por escritura de compra e venda a 1" R. vendeu à 2" R., em 14-01-2000, pelo preço de 96.000.000$00;
c) Nenhum dos RR. deu a conhecer aos AA. o negócio nem as condições;
d) Só em 29-06-2000 os AA. souberam desse contrato, apesar do seu contrato-promessa ter sido feito em Maio de 1999;
e) Para exercer o seu direito os AA. invocaram e provaram atempadamente os pressupostos para o exercício do seu direito;
1) Efectivamente avisaram e solicitaram a 1" R. para avisar a 2`" R. para reduzir o contrato verbal de arrendamento, apesar de esta vir na contestação negar a existência do contrato;
g) E notificaram a 2ª R. para reduzir o invocado contrato a escrito, por ser esta há vários meses a titular do prédio;
h) Apesar de saber da invocação do contrato e da sua existência a R. recusou fazê-lo;
i) Ora o Tribunal veio a "chancelar" tal contrato com o instituto da nulidade por falta de prova da alegação da solicitação de redução a escrito à 1" R., já que quanto à 2ª R. essa alegação e prova é irrelevante;
j) Porém, tal raciocínio e decisão é completamente errada;
k) Por um lado, à data da alienação está plenamente previsto a obrigatoriedade da redução a escrito do contrato;
1) Logo impendia sobre a 2ª R. a obrigação, tal como impendia sobre a 1ª R., à data da alienação, e quanto a esta a partir de 01-07-1999, a obrigação de notificar os AA. para reduzir a escrito o contrato, é o artigo 3° n° 1 da RAR que o impõe.
m) Por isso, o Tribunal violou não só o artigo 3° n° 1 e 36° n° 3 do Dec. Lei 385/88 de 25 de Outubro como, ainda, o artigo 12°, 286°, 344° e 416° do Cód. Civil;
n) E ao socorrer-se da simulação relativa para prejudicar o Estado e enganar terceiros, em perfeito conluio, contribuíram para que os recorrentes intentassem a presente acção;
o) Por isso foram tais RR., em qualquer circunstância, que deram causa à reconvenção que apresentaram e, por isso, sempre terão de suportar as custas, artigo 449° n° 2 al. a) do C.P.C.;
p) Em face do exposto, a acção deverá ser julgada totalmente procedente, com custas agravadas a suportar pelos recorridos, dada a censurabilidade do seu comportamento;
q) É que o tribunal a quo sempre violou os artigos 3° n° 1, 36° n° 3 do RAR, o artigo 12°, 286°, 344° e 416° do Cód. Civil, e, ainda. o artigo 449° n° al. a) do Cód. Proc. Civil.
Conclui que deve ser dado provimento ao recurso, julgando-se a acção procedente, com todas as consequências legais, ou se assim, não for, e subsidiariamente, julgar procedente e provado o pedido constante do agravo, por ser de Justiça.
Não houve contra alegações.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
… …
Fundamentação
A primeira instância deu como provado que:
a) D………………, por um lado, e H……………….., em representação da sociedade E..............................., Lda, por outro, declararam, por escrito, no dia 27 de Maio de 1999, a primeira prometer vender à representada do segundo, pelo preço de 160.000.000$00, o prédio rústico denominado F……………., sito no lugar ……………., da freguesia de ………….., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 00415 e inscrito na matriz rústica respectiva sob os 599 e 630 (alínea D) dos factos assentes);
b) Por escritura pública de compra e venda, lavrada no dia 14 de Janeiro de 2000, no 2º Cartório Notarial de Vila do Conde, no livro 160 D, a fls. 28 e segs., a ré D………………. declarou vender à ré E..............................., Lda, o prédio denominado F………………, de cultura, com a área de 28.600 m2, sito no lugar …………, da freguesia de ……………., do Concelho de Vila do Conde, descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho, sob o nº 00414, da freguesia de …………, com registo de transmissão a favor da vendedora pela inscrição G-Um, inscrito nos arts. 599 e 630 da matriz rústica respectiva, pelo preço de 96.000.000$00, declarando já ter recebido o preço (alíneas A) e B) dos factos assentes);
c) D………………., por um lado, e I………………., em representação da sociedade E..............................., Lda, por outro, declararam, por escritura pública, no dia 11 de Dezembro de 2000, rectificar a escritura referida em b) no sentido de ficar a constar que o valor da venda era de 160.000.000$00 e não de 96.000.000$00 como ficou consignado na mesma escritura (alínea D) dos factos assentes);
d) Em 13 de Janeiro de 2000, J……………….., na qualidade de gestor de negócios de E..............................., Lda, procedeu ao pagamento da quantia de 7.680.000$00, a título de Sisa, com referência a 96.000.000$00 (alínea F) dos factos assentes);
e) Em 05 de Dezembro de 2000, J……………….., na qualidade de gestor de negócios de E..............................., Lda, procedeu ao pagamento da quantia de 5.522.586$00, a título de Sisa, com referência a 64.000.000$00, diferença entre o preço declarado na sisa de 13.01.00 e o valor real de aquisição no montante de 160.000.000$00 (alínea F) dos factos assentes);
f) Em data não concretamente apurada do ano de 1988, por acordo verbal, pelo prazo de um ano, renovável, pela renda anual de 120 arrobas de milho seco, a pagar em dinheiro, no final de cada ano agrícola, na casa da senhoria, foi dada de arrendamento aos autores, para exploração agrícola, uma área não concretamente apurada do prédio identificado em b) correspondente à área de lavradio (resposta aos números 1 e 2 da base instrutória);
g) No dia 29 de Junho de 2000 os autores obtiveram fotocópia da escritura referida em b) (resposta ao número 9 da base instrutória);
h) Por carta, datada de 04.07.00, registada com aviso de recepção, o autor marido solicitou à 1ª ré a emissão de recibos das rendas pagas e que comunicasse à compradora para reduzir a escrito o contrato de arrendamento rural (resposta ao número 10 da base instrutória);
i) Na mesma data, dirigiu à 2ª ré outra carta registada com aviso de recepção a solicitar a redução a escrito do contrato de arrendamento rural e que esta indicasse o local onde deveria ser assinado, no prazo de 30 dias (resposta ao número 11 da base instrutória);
j) A 1ª ré não deu qualquer resposta e apenas a 2ª ré respondeu ao autor marido com a carta de 04.08.00 (resposta ao número 12 da base instrutória);
l) O autor marido respondeu à 2ª ré, por carta com a/r de 11.08.00, insistindo pela redução a escrito do contrato de arrendamento rural do prédio identificado em b) (resposta ao número 13 da base instrutória);
m) Em 08.09.00 o mandatário do autor enviou, por fax, à 2ª ré uma minuta do contrato de arrendamento rural, informando a ré de que ficava a aguardar, durante a semana seguinte, a comparência daquela para assinar o contrato (resposta ao número 14 da base instrutória);
n) A 2ª ré respondeu com carta datada de 08.09.00, posta nos CTT em 11.09.00 (resposta ao número 15 da base instrutória);
o) O autor marido respondeu à ré pelo fax de 13.09.00 (resposta ao número 16 da base instrutória);
p) A 2ª ré voltou a responder ao autor pela sua carta de 22.09.00, mas posta nos CTT em 25.09.00 (resposta ao número 17 da base instrutória);
q) Por carta datada de 25.09.00 o autor informou a 2ª ré de que a notificava para reduzir a escrito e assinar o contrato de arrendamento rural do prédio rústico, sito no ………………, ……………., inscrito na matriz sob os artigos 599 e 630, que tinha tido o seu início em 01.10.88 e que lhe tinha sido dado de arrendamento pelo prazo de um ano, renovável, pela renda anual de 120 arrobas de milho seco, por D. D………………….. e irmãos, comunicando, ainda, que, se até lá não fosse feito, designava o dia 06.10, pelas 09.00, para o fazer, no 2º Cartório Notarial de Vila do Conde (resposta ao número 18 da base instrutória);
r) A 2ª ré respondeu ao autor com a carta de 02.10.00, mas colocada nos CTT em 04.10.00 (resposta ao número 19 da base instrutória);
s) L…………………, segundo ajudante do Segundo Cartório Notarial de Vila do Conde, certificou que no dia 06 de Outubro de 2000, pelas nove horas, tinha comparecido naquele Cartório B..............................., o qual lhe declarou pretender realizar o reconhecimento de assinaturas no contrato de arrendamento rural, em que seria arrendatário do prédio rústico sito no lugar de ……., da freguesia de………, inscrito nos arts. 599 e 630 da matriz rústica respectiva, e do qual seria senhoria a firma E..............................., Lda, que havia sido notificada por carta registada, datada de 26.09.00, não tendo o reconhecimento chegado a realizar-se em virtude de a senhoria não ter comparecido naquele cartório, à hora marcada, nem se ter feito representar (alínea C) dos factos assentes);
t) Os autores são agricultores, fazendo dessa actividade a sua profissão, alimentam mais de 100 cabeças de gado bovino, com produção leiteira para venda e seu consumo (resposta ao número 7 da base instrutória);
u) Nos prédios de que são arrendatários os autores fazem plantação de milho, semeiam pastagens e/ou forragens, plantam batatas, aproveitam o feno, mato e outras espécies agrícolas aí produzidas (resposta aos números 5 e 6 da base instrutória);
v) Em data não concretamente apurada mas anterior a 14.01.00, a ré D…………………. informou o autor de que pretendia vender o prédio identificado em b) à ré E…………….., Lda (resposta ao número 20 da base instrutória);
x) O autor declarou que não estava interessado na aquisição do prédio identificado em b), independentemente do preço da venda (resposta ao número 21 da base instrutória);
z) O autor sabia que o preço pago pela 2ª ré à 1ª ré foi superior ao declarado na escritura identificada em b) e não inferior a 5.000$00 o m2 (resposta ao número 22 da base instrutória);
aa) A ré E..............................., Lda, é sociedade comercial, que tem como escopo social a importação de madeiras e exóticas e sua posterior transformação (alínea G) dos factos assentes);
bb) Tendo em vista aumentar o seu parque para depósito de madeiras, a ré E..............................., Lda, celebrou com a 1ª ré D............................... o contrato-promessa de compra e venda junto a fls. 66 e 67 dos autos, tendo por objecto os prédios referidos em b), pelo preço global de 160 milhões de escudos, nos termos e sobre as condições clausuladas no referido contrato-promessa (resposta ao número 24 da base instrutória);
cc) M……………….. faleceu no dia 04.04.77 (alínea E) dos factos assentes).
… …
Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do CPCivil), que neles se apreciam questões e não razões e que não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, a questão suscitada é a de saber se:
- relativamente ao Agravo, se deveria ser deferida a ampliação do pedido;
- quando à Apelação, se se verificam ou não os pressupostos para que os recorrentes pudessem exercer o direito de preferência e se outra não deveria ser a condenação nas custas
… …
O Autor, a fls. 479, numa das sessões de julgamento, requereu a ampliação do pedido no sentido de que “para a hipótese de não ser reconhecido o direito de preferência pelo valor da p.i., ou seja, o da escritura, pretender exercer tal direito para o caso do tribunal vir a declarar que o preço real da venda foi de 160.000 contos.
Porque se verifica que esta ampliação do pedido foi solicitada na previsão de ser reconhecido ao Autor o direito de preferência teremos de abordar por razões de ordem lógica em primeiro lugar o que se discute na Apelação porquanto se se mantiver a decisão do Tribunal a quo quanto á improcedência desse pedido de reconhecimento do direito de preferência ficará prejudicado o conhecimento do Agravo.
Da Apelação
A sentença decidiu a improcedência da acção não reconhecendo ao Autor o direito de preferência na alienação de um determinado prédio rústico, que invocava enquanto se dizia arrendatário, por entender que o contrato de arrendamento referido era nulo.
Sem questionar a matéria de facto dada por provada o recorrente conclui que alegou e provou os pressupostos da procedência da acção e isto porque:
- da matéria assente na sentença, nas alíneas h) a s) resulta que solicitou a redução a escrito do contrato de arrendamento à segunda Ré e esta se recusou a fazê-lo;
- à data da alienação estando prevista a obrigação da redução do contrato a escrito impendia sobre a 2ª Ré, adquirente, a obrigação de reduzir a escrito o contrato.
No essencial, diz a sentença recorrida que “ …sempre que a acção tenha como causa de pedir, ou faça parte desta, um contrato verbal de arrendamento, a falta de documento escrito deve ser suprida pela alegação de que a falta de tal documento é imputável à parte contrária, o que, “in casu”, se traduziu na alegação efectuada pelos autores no sentido de que solicitaram a redução a escrito do contrato verbal celebrado à ré D..............................., o que esta nunca fez.
Com tal alegação invoca-se a vigência de facto do contrato, vigência essa que, uma vez comprovada, se mantém até que seja declarada a nulidade daquele.
Não provada essa alegação, como ocorreu no caso em apreço, “quid juris?”
Como vimos, a nulidade opera “ipso jure”. A intervenção do Tribunal em face de um contrato nulo é meramente declarativa, limitando-se a comprovar a existência da nulidade.
(…) Em suma, no caso concreto, falha o primeiro dos pressupostos do direito de preferência invocado: a existência de um contrato de arrendamento rural susceptível de produzir efeitos jurídicos.
Para o direito, o acordo verbal apurado só revestiria significado se acompanhado das circunstâncias legalmente estabelecidas e acima enunciadas, que, a existirem, justificariam efectivamente o distinto tratamento legal.
Negada a própria existência do contrato de arrendamento rural, de negar é o direito de preferência daquele alegadamente emergente.
Convém, antes de finalizarmos, esclarecer que as comunicações efectuadas pelos autores, após a venda e a tomada de conhecimento da mesma por aqueles, à ré E………………, Lda, no sentido de reduzir a escrito o contrato não assumem qualquer relevância.
Na verdade, os requisitos necessários para o exercício do direito de preferência têm de estar preenchidos no momento em que ocorre a alienação, pois só assim se pode afirmar que o alienante praticou um facto ilícito consubstanciado na violação de um dos deveres a que na qualidade de obrigado à preferência estava sujeito.”
Na apreciação dos normativos aplicáveis observamos que o art. 3º do D.L 385/88 estabelece que os arrendamentos rurais são obrigatoriamente reduzidos a escrito (nº1); qualquer das partes tem a faculdade de exigir, mediante notificação à outra parte, a redução a escrito do contrato (nº3); a nulidade do contrato não pode ser invocada pela parte que, após a notificação, tenha recusado a sua redução a escrito (nº4).
Tendo em conta o conjunto destes dispositivos legais (e ainda o disposto no artº 35º, nº 5, que se dá por reproduzido) constata-se que o legislador quis que todos os contratos de arrendamento rural fossem reduzidos a escrito, sendo essa, aliás, a tendência legislativa que já vinha de pretérito (DL 201/75 e Lei 76/77).
O nº 1 do artº 3º tem carácter imperativo, não só para protecção das partes mas também tendo em vista o interesse público, como resulta do nº 2 do mesmo preceito, segundo o qual, o senhorio tem a obrigação de, no prazo de 30 dias, contados do contrato, entregar o original deste na repartição de finanças da sua residência habitual e uma cópia nos respectivos serviços regionais do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação.
Todavia, relativamente aos contratos verbais em vigor em 30.10.1988 (data da entrada em vigor da nova LAR), a obrigatoriedade de redução do contrato a escrito passou a vigorar apenas em 1 de Julho de 1989 (nº 3 do artº 36º).
Até essa data deviam pois as partes deste processo ter formalizado o ajuizado contrato verbal de arrendamento rural, que a partir daí era obrigatoriamente escrito.
Retira-se deste regime que a um contrato na sua origem válido porque embora não reduzido a escrito, no momento da sua celebração exigido (anterior à entrada em vigor da Lei do Arrendamento Rural – Dec.lei nº385/88, de 25 de Outubro) tal não era legalmente aplica-se-lhe o regime previsto no art.3º da Lei, com a consideração expressa no nº3 do art.36º - o novo regime previsto no art.3º da presente lei apenas se aplicará aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor a partir de 1 de Julho de 1989.
Em conclusão, no caso em estudo, é aplicável sempre o regime da LAR pois que celebrado quer antes da entrada em vigor desse diploma em 30 de Outubro de 88, quer celebrado em 1988, sempre se lhe aplicaria a mesma lei.
Numa exegese maior, o art. 3º da LAR ao estabelecer a obrigatoriedade da redução a escrito dos arrendamentos rurais determina que aqueles que não tenham sido assim celebrados se encontrem feridos desse vício mas, enquanto o celebrado aos a data da entrada em vigor da lei se encontra ferido de nascença, o celebrado antes dessa data e que era válido até aí, passa a estar ferido a partir desse momento, isto é, a própria lei lhe passa a atribuir um vicio que não possuía, dando-lhe o tempo até 30 de Junho de 1989 para se restabelecer, reduzindo-se a escrito, sob pena de passar a ser como todos os outros contratos de arrendamento celebrados depois da data da entrada em vigor da lei e não reduzidos a escrito.
Porque feridos desse vício, tais contratos não têm a virtualidade de poderem ser pressuposto de qualquer acção que seja, conduzindo necessariamente essa falta de prova do contrato (o escrito ) à extinção da instância, a menos que desde logo se alegue que a culpa é da parte contrária.
Num caso e noutro, porém, tais contratos não reduzidos a escrito, independentemente se terem sido celebrados antes ou depois da data da entrada em vigor da LAR, mantêm a todo o tempo - e sem qualquer limite de tempo - a possibilidade de se converterem em contratos válidos notificando qualquer das partes a parte contrária para proceder a essa redução a escrito, não podendo invocar a sua nulidade quem tenha recusado a redução a escrito, pois que só pode invocar a nulidade quem não foi notificado para reduzir o contrato a escrito ou naturalmente quem, tendo-o sido, a não recusou[1].
Assim sendo pode dizer-se, como no ac. do STJ de de 8/3/2007, que esta é uma nulidade atípica porque na nulidade típica o contrato e nulo a todo o momento e qualquer interessado pode pedir a declaração de nulidade; “e pode (deve) mesmo o tribunal declará-la oficiosamente (art.286º CCivil); a declaração da nulidade tem inexoravelmente efeito retroactivo, quer as partes queiram quer não e a qui, nesta nulidade por isso mesmo atípica, o contrato é nulo mas mantém a lei sempre em aberto a possibilidade de atingir (ou recuperar) a validade, bastando para tal impor à contraparte a obrigação de reduzir o contrato a escrito, obrigação a que esta não pode fugir. E, por outro lado, aquela das partes que se recusar a esta validação, não pode por si própria invocar a nulidade do contrato ... sujeitando-se assim à sua validade.
(…) E se se lhe chama “nulidade atípica” ( e não anulabilidade atípica ) é porque a LAR se encarrega de falar aqui em nulidade e não em anulabilidade.”
Este entendimento revela claramente que o legislador não está interessado em declarar a nulidade de contratos que, apesar de verbais e por isso nulos, regulam de uma forma efectiva o arrendamento fundiário, e não estabeleceu qualquer sanção para o não cumprimento do disposto no nº2 do art.3º mantendo sempre possível a possibilidade de tornar escrito o que escrito deve estar (mas ainda não está, apesar de existir), até ao último momento, o momento em que para exercer qualquer direito ou propor qualquer acção que tenha o arrendamento como elemento da causa de pedir a parte tenha de se munir de um exemplar do contrato, sem o qual nenhuma acção pode ser recebida ou prosseguir - nº5 do art.35º.
Em síntese, só um contrato de arrendamento plenamente válido poderá servir de fundamento ao exercício de um direito que o tenha como requisito (v.g. a preferência) ou a obstar ao exercício de um direito que o tenha como causa justificativa (v.g. como obstáculo à entrega da coisa na reivindicação) não bastando apenas a existência do mesmo.
Regressando agora ao caso em decisão, resulta dos factos provados a existência de um contrato verbal de arrendamento rural celebrado em data não concretamente apurada mas situada no ano de 1988 entre os Autores e a Ré D………………..
Como o terreno arrendado foi vendido por esta última a outrem, depois da data dessa venda os autores solicitaram á antiga senhoria que emitisse recibo das rendas que recebera; que notificasse o novo dono do terreno para reduzir a escrito o contrato de arrendamento e, na mesma data, os autores, escreveram à compradora do terreno solicitando que reduzisse a escrito o contrato de arrendamento celebrado coma Ré D............................... (a vendedora).
Reconhecidamente, os Autores à primeira Ré, com quem haviam celebrado o contrato de arrendamento, não solicitaram a redução a escrito do referido contrato (mas apenas a emissão dos recibos de renda, o que não é o mesmo) e à compradora, 2º Ré, fizeram a solicitação da redução a escrito do contrato.
Por isto a sentença, com economia de verbo, referiu que por um lado os autores não fizeram a solicitação da redução a escrito (a quem deviam) e que por outro lado, era irrelevante a solicitação que fizeram à compradora que não tinha celebrado o contrato e, sempre, porque os requisitos necessários para o exercício do direito de preferência têm de estar preenchidos no momento em que ocorre a alienação e essa solicitação foi feita depois.
Temos que, existia um contrato de arrendamento rural celebrado verbalmente em 1988, entre a primeira Ré e os autores e esse contrato foi persistindo no tempo sem que tivesse sido reduzido a escrito, podendo no entanto sê-lo nos termos do disposto no nº3 do art. 3º do D.Lei 385/88.
É pacífico que os Autores podiam pedir à primeira ré, aos seus representantes legais ou sucessores, por ter sido com ela que o celebraram, a redução a escrito do contrato sendo mester esclarecer e ter presente que esta redução a escrito está perspectivada, na acção, em função de ser pressuposto do exercício de um direito de preferência que a lei concede aos arrendatários.
Não se trata então, apenas, de reduzir a escrito um contrato de arrendamento rural celebrado verbalmente, para o tornar válido, o que os Autores pretendem é que depois de realizada, agora, essa redução a escrito do contrato que invocam, ela valha como pressuposto do exercício do direito de preferência que reclamam, relativamente à venda do terreno objecto do arrendamento, negócio esse que foi realizado antes da data em que os autores solicitaram qualquer redução a escrito do contrato.
Se existisse um contrato reduzido a escrito à data da celebração da compra e venda, ou se antes dessa data os autores tivessem já pedido a redução a escrito do contrato, dúvidas não existiriam de que essa venda teria de ser comunicada pela locadora/vendedora aos arrendatários para preferirem nela.
Ora, a inércia do arrendatário que não solicita a redução a escrito do contrato de arrendamento mas que continua na situação de arrendatário de facto, não é prejudicada pela venda, isto é, com este acto ele não vê extinta a sua situação e, por isso, a qualquer momento pode pedir o reconhecimento formal do contrato, com redução a escrito. Porém, a questão que nos importa responder não é esta mas sim uma outra, a de saber o que acontece quando a locadora de um arrendamento rural celebrado verbalmente sem que lhe tenha sido solicitada a redução a escrito, pretende vender o prédio. Se tem ou não de comunicar ao arrendatário de facto sem contrato escrito os termos da venda para que este possa preferir nela, ou não.
Consideramos que é no momento da alienação que deve ter-se em consideração a existência ou não de um contrato válido de arrendamento para se aferir se deve ou não ser feito a comunicação ao arrendatário para a preferência, até porque, como vimos anteriormente, é nesse momento que este último tem de apresentar a existência do seu direito válido, não bastando que argumente que tem a base de facto do seu direito, que não diligenciou pela sua validade, pedindo a redução a escrito, mas que o pode ainda fazer.
Se era a locadora/vendedora quem deveria comunicar a venda ao arrendatário e se nesse momento o contrato de arrendamento não é válido porque lhe falta ter sido reduzido a escrito, redução essa que ninguém solicitou até esse momento, é forçoso ter de concluir que aquela não estivesse obrigada a fazer a comunicação dos termos da venda para preferência a alguém que nesse momento, sendo um arrendatário de facto não o é de direito.
E se nesse momento não é arrendatário “de direito”não se pode protestar, como os recorrentes o fazem, que se vier a sê-lo posteriormente, por vir a pedir a redução a escrito, porque esta redução a escrito tem os precisos termos do contrato verbalmente realizado, nomeadamente o seu inicio de vigência, desse modo, pode vir a obter a nulidade da venda por omissão da comunicação para preferência.
Temos assim por serem coisas distintas o reconhecimento, com redução a escrito do contrato de arrendamento rural, feito de forma verbal, e que pode ser pedido, em principio, enquanto esse contrato durar e, por outro lado, o facto de esse pedido de redução ter de ser feito antes de ter sido realizada a venda do terreno arrendado, para que se possa exigir a efectivação direito de preferência. Isto é, o arrendatário rural que não tenha pedido a redução a escrito do seu contrato pode ainda fazê-lo enquanto a situação de facto de arrendamento durar, mas se o não tiver feito até momento anterior à da venda do terreno a outrem não poderá reclamar o direito de preferência porque é o momento da celebração do contrato de compra e venda aquele a que se deve reportar para efeitos de saber se alguma formalidade relativamente ao exercício da preferência foi omitida ou não.
Ora, se na data da compra e venda não existia um arrendatário formalmente reconhecido não havia necessidade de lhe fazer comunicação alguma e, ainda, se mais tarde o arrendatário vem a obter essa redução a escrito pedida em momento posterior ao da venda, não pode solicitar que essa venda seja dada sem efeito e lhe seja reconhecido a ele o direito de ser o proprietário porque embora a sua qualidade de arrendatário remonte ao momento da celebração verbal, os efeitos dali decorrentes não põem em causa os efeitos da venda celebrada pela locadora referente ao prédio objecto do arrendamento num momento em que o arrendatário não podia opor a existência de um contrato de arrendamento válido.
Acresce como argumento, para o fundado desta posição, que quando se celebra o contrato de arrendamento, mesmo que verbal, do conjunto de direitos e obrigações decorrentes da celebração e que formam o conteúdo típico do negócio e identificam os interesses da vontade de contratar, não consta o direito de preferência que é estranho àquele núcleo, o que quer dizer que ninguém celebra um contrato de arrendamento como se estivesse a celebrar uma espécie promessa de compra e venda, na perspectiva de poder vir a preferir um dia na compra daquele terreno. Arrenda-se para que se tenha o gozo temporário de uma coisa imóvel (arts. 1022 e 1023 do CC) e esse gozo é o mesmo qualquer que seja o senhorio que venha a suceder ao primitivo e ainda que nunca venha a ocorrer a venda em termos que permitam ao arrendatário preferir nos termos do art. 28 do D.L. 385/88.
Queremos com isto dizer que o facto de não se reconhecer aos recorrentes o direito de preferência é, na economia dos normativos regulam o arrendamento rural, questão independente e diversa daquela outra de eles poderem continuar a ser arrendatários do imóvel em virtude de serem arrendatários de facto e o contrato não estar declarado nulo, embora não se possa também considerar válido por não ter sido pedida a sua redução a escrito, questão não é suscitada no recurso.
Observe-se que a sentença recorrida embora tenha referido que a nulidade atípica decorrente da não redução a escrito do contrato de arrendamento rural é de conhecimento oficioso (o que é muito discutível) e que as rés não pediram a sua declaração, o tribunal a quo não declarou porém essa nulidade e limitou-se a “extrair as consequências que lhe são naturais” entendendo que a falta de redução a escrito nega a própria existência do contrato de arrendamento rural na data da compra e venda realizada e, assim, é de negar o direito de preferência daquele alegadamente emergente, o que na conclusão não merece censura.
Improcedem assim nesta parte as conclusões de recurso dos recorrentes por não se terem provado os pressupostos do direito de preferência, ou seja, que á data da compra e venda existia um contrato de arrendamento válido.
Os recorrentes fazem uma alusão ao abuso de direito por parte dos réus, embora sem a fazerem constar das conclusões de recurso.
Ora, o ac. do STJ de STJ 23-10-2007 no proc. 07A3090, a propósito de um caso em que o arrendatário sem arrendamento reduzido a escrito se pretendia opor à restituição do prédio pedida pelo locador em acção de reivindicação, e em que se havia determinado a extinção da instâcia por não ter sido exibido o contrato, determinou o prosseguimento desses autos e escreveu que “ (…) E se vier a provar-se a existência do contrato e o recebimento de rendas - que os AA. negam -, pode efectivamente chegar-se a uma das formas de abuso de direito que Menezes Cordeiro qualifica como enquadrada nas inalegabilidades formais, na medida em que é repugnante à consciência jurídica que alguém de boa fé se tenha aproveitado da inexistência de redução a escrito de um contrato se porventura se vier a provar que dele sempre se aproveitou, recebendo as rendas enquanto tal lhe trouxe só vantagens, passando a negar o contrato ou a invocar a sua nulidade quando se lhe afigura que do mesmo já as não recolhe”.
No que nos importa, poderia pretender-se retirar desta observação a confirmação da mencionada alegação de abuso de direito que os recorrentes fazem, defendendo que os Réus estavam impossibilitados de invocar a nulidade do contrato de arrendamento por vício de forma porque se comportaram de forma a criarem nos Autores uma expectativa factual, sólida, de que poderiam confiar na continuação e existência do contrato.
Embora os Réus não tenham pedido a declaração de nulidade do contrato de arrendamento verbal, esclarecemos desde já que no domínio das nulidades de forma a doutrina do abuso de direito remete para aquilo que se denomina de “inalegabilidades de nulidades formais”[2] e, como escreve Menezes Cordeiro a propósito da experiência alemã, onde a sua construção teórica surgiu “as primeiras decisões judiciais que instituíram a inalegabilidade de nulidades formais fizeram-no quando o A. causara directamente o vício na forma e, depois, pretendeu aproveitar-se dele. De seguida, porém, veio a requerer-se, apenas, a simples negligência do A., aquando da celebração do contrato. Por fim, a alegação de nulidades formais veio a ser coarctada, independentemente de qualquer culpa do A., quando, dadas as circunstâncias do caso, se constatasse que o provimento da nulidade iria atentar contra a boa fé.”.
Este entendimento não teve nunca, porém, a aquiescência da doutrina que sempre o entendeu contra legem, e que sempre chamou-se a atenção para a natureza absoluta das disposições que cominam formas necessárias para certas declarações negociais bem como das que, à inobservância das primeiras, associam a ilicitude defendendo que havendo dolo ou procedimento similar por uma das partes, com uma nulidade formal por resultado, poder-se-ia, quando muito, chegar a uma indemnização a arbitrar ao prejudicado, seja por culpa in contrahendo seja por prática delitual, atentatória, eventualmente, dos bons costumes.
E no domínio do da nossa legislação, Menezes Cordeiros é bem claro a afirmar que valem por inteiro as observações da doutrina alemã, mas não as da jurisprudência desse país, isto é, o facto o vicio de forma ser sindicável pelo tribunal demonstra, insofismavelmente, o haver, nela, uma situação externa indisponível, que transcende conjunções subjectivas de dolo ou procedimento similar[3].
Se a liberdade de actuação não deve ser actuada, manifestamente, contra a boa fé, os bons costumes ou o fim social ou económico que, ela própria tem, no que se refere aos bons costumes e ao fim social ou económico, nada pode ser alterado pela ocorrência de nulidades formais porque as funções, preconizadas pelas normas, para os direitos que atribuam, não são alteradas pelo envolvimento desses direitos em nulidades e, também, porque a existência de nulidades delineia uma relacionação especifica entre os intervenientes no contrato malogrado que determina uma leitura dos bons costumes mediante essa exigência normativa.
No que se refere à boa fé já pode contudo haver esse envolvimento.
O exercício de um direito que implique a alegação de nulidade formal pode ser abusivo por contrariar a boa fé[4], só que quem assim actue “pode incorrer em sanções em previsões de indemnizações ou outras conforme os efeitos práticos a ponderar. Não podem é face ao direito português, manter-se , por via directa da boa fé, os efeitos falhadamente procurados pelo acto nulo.”[5].
Assim, quando uma situação de invalidade de natureza de forma seja considerada como de origem censurável por, na sua génese, ter havido uma actuação contrária a regras jurídicas, incluindo a própria boa fé, pode argumentar-se a responsabilidade de indemnizar por ocorrência de culpa in contrahendo, ou por estarem constituídos os pressupostos da responsabilidade civil, mas não pode pretender-se que a nulidade não possa ser arguida e que o negócio nulo por omissão de forma se tenham por válido com base em qualquer abuso de direito.
Improcede assim, também, a invocação do abuso de direito realizada pelos recorrentes.
Em conclusão, porque à data da celebração da compra venda entre as rés não existia um contrato de arrendamento válido com os autores segundo os normativos aplicáveis nessa data, nem havia já sido pedida a redução do contrato de arrendamento a escrito, não havia lugar á comunicação aos autores para preferirem nessa venda.
A comunicação feita pelos Autores à primeira Ré para que emitisse recibos de renda e comunicasse à segunda Ré que reduzisse a escrito o contrato de arrendamento verbal, não constitui uma verdadeira solicitação feita a esta Ré de redução a escrito do contrato, nem tal, nesse momento, poderia permitir que se viesse a entender que com uma possível redução a escrito do contrato fosse ainda permitido anular a venda por omissão da comunicação dos termos da venda aos Autores.
A solicitação pelos Autores à segunda Ré no sentido de reduzirem o contrato de arrendamento verbal acordado com a primeira nem tal, não serve para que se possa permitir o entendimento de que com essa redução a escrito do contrato fosse ainda legalmente admissível anular a venda por omissão da comunicação dos termos da venda aos Autores.
A venda do terreno da primeira Ré à segunda Ré sem comunicação aos Autores dos termos do negócio para preferirem, existindo um contrato de arrendamento verbal, não válido nesse momento por não estar reduzido a escrito, não constitui qualquer abuso de direito.
… …
A Ré E………………. Lda. na sua contestação deduziu reconvenção pedindo a condenação dos Autores no pagamento de 78.904.509$00 dizendo que para além do preço de 160.000.000$00 despendeu outras despesas totalizando a quantia de 78.904.590$00.
Ora, analisando bem a reconvenção da Ré, concluímos de imediato que a soma das quantias que ela diz ter despendido com a transmissão da propriedade totalizam o valor de 14.904.459$00 e não os 78.904.590$00.
Para obtermos a lógica deste valor torna-se necessário ir fora da reconvenção e decifrar como a ele chegou a Ré o que é fácil porque, afinal, ambas as Rés confessam nas respectivas contestações que o preço foi de 160.000.000$00 e não o que haviam feito constar da escritura ou, seja 96.000.00$00
Com a reconvenção, à cautela et por cause, para o caso de a acção proceder queria a Ré reconvinte a quantia que diz ter de facto despendido como preço sem a simulação e bem assim os outros encargos.
Na sentença, o Tribunal a quo, porque considerou que a reconvenção só para o caso de o pedido dos Autores proceder se deveria apreciar, achou por bem considerar que “uma vez que o pedido dos autores improcede é manifesto que se tornou inútil a apreciação do pedido formulado pela Ré.
Os autores suportarão porque vencidos na acção o encargo do pagamento das custas respectivas - cfr. art. 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil – e suportarão, ainda, as custas da reconvenção, na medida em que a mesma foi introduzida na lide como dependência do pedido de reconhecimento do direito de preferência formulado pelos autores, pelo que serão estes a acarretar com a total responsabilidade tributária, funcionando aqui o critério da causalidade.”
Entendemos que nesta matéria a decisão recorrida não tem razão porquanto basta observar que foram as Rés quem veio introduzir a questão da simulação do preço, confessando que foi, afinal, de 160.000.00$00 e não de 96.000.000$00 declarados na escritura, juntando rectificação da escritura de compra e venda datada de 1 de Dezembro de 2000, mais de um ano depois da celebração da escritura rectificanda, posterior á data da propositura da acção e, até, á citação da primeira Ré.
Não cremos que sejam necessárias quaisquer considerações para que se possa e deva concluir que o pedido dos autores é estranho a esta confissão de simulação, e ao precavido pedido de reconvenção, pois que com este o que a Ré pretendeu acautelar foi o risco de vir a ser dada procedência à preferência pedida sobre o valor constante da escritura pública não rectificada e onde não figurava, por razões apenas do interesse da Reconvinte, a totalidade do montante do preço pago e omitido.
Dizer-se como a sentença o faz que os autores devem suportar as custas da reconvenção porque esta foi introduzida na lide como dependência do pedido de reconhecimento do direito de preferência formulado pelos autores, e assim existe uma causalidade, é esquecer por completo que a causalidade reside não no pedido dos autores mas exclusivamente na circunstância de as Rés haverem faltado à verdade na escritura pública relativamente ao preço e ter tido a Ré, depois, que vir rectificar essa falta de verdade num momento em que a acção já estava proposta.
Aliás, uma vez mais o repetimos, no corpo da petição de reconvenção a Ré nem sequer por expresso põe a parcela que corresponde à diferença entre o preço escriturado e o rectificado, o que tomamos por significativo da consideração que nessa parte não imputava aos autores a necessidade de formular o pedido reconvencional.
Assim, sem mais exercícios de rigor legal que a exuberância da realidade dispensa e por referência à declaração de inutilidade do pedido reconvencional estabelecida na sentença, considerando que no que se refere ao pedido reconvencional foi a Ré quem lhe deu causa e esta que deverá suportar as custas da inutilidade de tal pedido.
… …
Do Agravo
Porque a apreciação do agravo, como vimos anteriormente só tinha significado se a Apelação tivesse sido considerada procedente, em face da improcedência das conclusões da recorrente referentes ao pretendido exercício do direito de preferência, fica prejudicado o conhecimento do Agravo pois a apreciação da admissibilidade da ampliação do pedido implicava a própria procedência do pedido antes mesmo de ter sido ampliado, o que não foi julgado procedente.
… …
Decisão
Pelo exposto acorda-se em julgar parcialmente procedente a Apelação e em consequência alterar a sentença recorrida na parte em que condenou os autores nas custas do pedido reconvencional, determinando-se a condenação da Ré E……………….Lda. nas custas referentes ao pedido reconvencional, julgando no mais a Apelação improcedente e confirmando nessa parte a sentença recorrida.
Julgar prejudicado o conhecimento do Agravo perante em face da decisão proferida na Apelação.
Custas da Apelação pelos Apelantes e pela Apelada E…………….. Lda. na proporção dos respectivos decaimentos.

Porto, 22 de Novembro de 2007
Manuel José Pires Capelo
Ana Paula Fonseca Lobo
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão
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[1] Vd. Acs. STJ de 8/3/2007 no proc. 07B308, de 1/7/2003 no proc. 03A1771 e o de 09-11-2004 no proc. 04A3067 in dgsi.pt
[2] Vd. Menezes Cordeiro , Da Boa Fé no Direito Civil, vol. II, p. 771 e ss.
[3] Vd. Menezes Cordeiro, opus, cit. p. 793 a 795.
[4] A pessoa que celebre uma compra e venda conscientemente nula e venha, depois, perante o comprador, reivindicar a coisa, alegando a nulidade, poderá abusar, por desrespeito pela boa fé, não por alegar a alegar a nulidade, mas por exigir a coisa, isto é, um abuso de direito de propriedade e não da alegação da nulidade- M. Cordeiro. Op. Cit. P. 794
[5] Vd. Menezes Cordeiro, op. cit. p. 795.