Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0552005
Nº Convencional: JTRP00038007
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
DESERÇÃO
DESPACHO
NOTIFICAÇÃO
OMISSÃO
NULIDADE
Nº do Documento: RP200505020552005
Data do Acordão: 05/02/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: I - O despacho recorrido ao, de uma assentada, declarar interrompida e deserta a instância, sem que antes tivesse notificado o exequente de que estava a correr o prazo para interrupção da instância, violou a lei, porque desrespeitou a defesa processual daquele e proferiu “decisão-supresa”.
II - A notificação omitida da interrupção da instância, tem uma função informativa – n°2 do art.228° do Código de Processo Civil – e, nesse caso, era obrigatória.
III - Enferma de nulidade o despacho que, não observando o referido em I) e II) declara extinta a instância por deserção.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I) – B.......... instaurou em 30.9.1997, pelo Tribunal Judicial da Comarca de .......... – .. Juízo – execução ordinária para pagamento de quantia certa, contra:

- C...........

- D...........

Alegou em resumo.

- o exequente é dono e legítimo portador do cheque de nº001, no valor de 720.000$00, do Banco X.........., datado de 3/1/1997, sacado por E.........., que apresentado a pagamento não foi pago por falta de provisão, como resulta do carimbo aposto no seu verso;

- a sacadora E.......... veio a falecer, no estado de solteira, sucedendo-lhe, como únicos e universais herdeiros, os ora executados, seus irmãos.

Conclui pedindo a citação deles, na qualidade de únicos e universais herdeiros de E.........., para pagarem ao exequente o valor do cheque – 720.000$00 – e juros vencidos de 29.000$00 e vincendos, à taxa legal, até integral pagamento, ou nomearem a penhora bens livres e suficientes, seguindo-se os ulteriores termos.

II) – Em 17.7.1997 foi citado o co-executado D.......... .

III) – Por carta registada de 15.9.1997 o mandatário do exequente foi notificado da não citação do co-executado C.......... e, ainda, para requerer o que tivesse por conveniente, sem prejuízo do disposto no art. 51º do CCJ – fls. 18.

IV) – Em 3.3.2000 foi o processo remetido à conta, que foi elaborada, no dia 8 seguinte, tendo após pertinente notificação, o exequente pago custas no valor de 11.000$00, no dia 29.3.2000 – cfr. fls. 19 a 21.

V) – Em 27.4.2000 foi exarado o seguinte despacho – “Aguardem os autos o impulso processual do exequente”, despacho que não foi notificado às partes.

VI) – Em 17.9.1997 foram apensados à execução, Embargos de Executado, deduzidos por ambos os executados, que não requereram a prestação de caução.

VII) – Por despacho de fls. 23 a 24, exarado nos autos de execução, em 15.1.2004, afirmou-se que a execução, por ausência de impulso processual do exequente, esteve parada mais de seis anos, sendo de lhe imputar negligência, pelo que se achava não só interrompida, como também deserta a instância, o que foi expressamente declarado.
***

Inconformado recorreu o exequente/embargado que, alegando, formulou as seguintes conclusões:

1. O despacho de fls. 22, de 27.4.2000, não foi notificado ao exequente o que o impossibilitou de controlar concretamente o processo executivo;

2. A falta de notificação constitui nulidade que fere (de nulidade) todo o processado posterior;

3. O facto dos embargos estarem pendentes longos anos por motivos alheios ao exequente criou a mesma convicção em relação à execução, o que foi reforçado pela ausência de notificações;

4. Não foi proferido qualquer despacho prévio a declarar interrompida a instância executiva;

5. A deserção da instância pressupõe uma declaração prévia da interrupção e sua notificação para que o exequente possa acautelar os seus interesses, o que não ocorreu, e não seja vítima das delongas da justiça;

6. A pendência dos embargos, ainda não decididos, mais justificava rigorosa observância de todas as fases processuais;

7. O aliás douto despacho em apreço ao declarar simultaneamente a interrupção e a deserção violou o disposto nos artigos 285º e 291º do Código de Processo Civil.

8. E houve também violação do disposto no artigo 259º do Código de Processo Civil que constitui nulidade prevista no artigo 201º.

Pelo exposto declarando-se apenas interrompida a instância executiva farão, como sempre, inteira Justiça.

Não houve contra-alegações.

Os autos foram mandados remeter, pelo Senhor Juiz, a esta Relação.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir tendo em conta que os factos relevantes são os que antes referimos sob os itens I) a VII) que aqui se dão por reproduzidos.

Fundamentação:

A questão objecto do recurso, delimitada pelo teor das conclusões do recorrente que, em regra, balizam o âmbito do recurso, consiste, essencialmente, em saber se não tendo sido proferido qualquer despacho a determinar a interrupção da instância, poderia ser declarada interrompida e deserta.

Como antes dissemos, trata-se de execução para pagamento de quantia certa, embargada sem que os executados tivessem prestado caução, pelo que a marcha da execução sempre prosseguiria, apesar da oposição por via dos embargos – art. 818º, nº1, do Código de Processo Civil – que consigna que o recebimento dos embargos não suspende a execução, a menos que o embargante requeira e preste caução.

É certo que os embargos têm tido demorada tramitação pelo facto de ter sido requerido exame à letra e assinatura para averiguar da genuinidade da assinatura da sacadora do cheque exequendo, diligência requerida pelos executados.

Não tendo os embargos, mau grado as suas vicissitudes, interferido com os termos da execução, que não foi suspensa, competiria ao exequente o respectivo impulso processual, tanto mais que o executado, que não foi citado na execução, deduziu embargos o que implícita o ter assegurado o conhecimento de que não só contra si tinha sido movido o processo executivo, como dele se defendeu, o que vale por dizer que tudo se passou como se tivesse sido citado.

Foi pela inércia do exequente, ante a notificação de que um dos executados não havia sido citado, que o processo esteve parado por mais de três meses, razão pela qual foi remetido à conta, tendo o exequente pago as custas devidas, nos termos do art. 51º do CCJ ao tempo vigente.

Após o pagamento das custas pelo exequente foi ordenado que o processo aguardasse o impulso processual do exequente, despacho este que não lhe foi notificado na pessoa do mandatário constituído.

O agravante vê, em tal omissão, nulidade processual mas, a nosso ver, sem razão.

A nulidade processual consiste num desvio processual que só é relevante se influir no exame ou decisão da causa, já que a falada omissão não constitui qualquer das nulidades principais que são as que resultam de infracção dos arts. 193º, 194º, 198º, 2ª parte, e arts. 199º e 200º do Código de Processo Civil.

Ademais, o exequente, sabendo que o processo tinha sido remetido à conta, por inércia sua em promover os termos da execução, não poderia ignorar, até por ter Advogado constituído, que lhe competia promover os termos do processo, não existindo qualquer nulidade na omissão da notificação do despacho que ordenou que os autos aguardassem o impulso processual do exequente, pois, se já fora com a sanção das custas, “punido” com a sua inércia, descabido seria novo “aviso”.

Questão a merecer diferente tratamento parece-nos ser a da não prolação de despacho mandando aguardar o decurso do prazo de interrupção da instância e notificar tal despacho ao exequente, pois que a partir da notificação do despacho que decretasse a interrupção da instância, contar-se-ia o prazo de deserção do art. 291º, nº1, do Código de Processo Civil.

Deveria ter sido proferido tal despacho e notificado ao exequente e, persistindo ele na sua inércia [a interrupção da instância por mais de um ano], o prazo a correr seria o conducente à deserção da instância [mais de dois anos] [O Acórdão da Relação de Évora de 12.3.1998, in BMJ 475-799, decidiu: “A instância só pode considerar-se deserta cinco anos depois da notificação do despacho que a considerou interrompida, dado que a interrupção da instância não opera automaticamente pelo decurso do prazo, mas tão-só através do despacho que a decrete, o qual só vigora a partir da sua notificação, caso não haja recurso que suspenda a sua vigência”. O Código de Processo Civil após a Reforma de 1995/96 encurtou tal prazo de cinco para dois anos após a interrupção.] – art. 291º do Código de Processo Civil, após a Reforma de 1995/96, – e, consequentemente, a sua extinção nos termos do art. 287º c) do Código de Processo Civil.

O despacho recorrido ao, de uma assentada, declarar interrompida e deserta a instância, sem que antes tivesse notificado a parte de que estava a correr o prazo para interrupção e deserção, violou a lei, porque desrespeitou a defesa processual do exequente e proferiu decisão-supresa – art. 3º, nº3, do Código de Processo Civil.

No Acórdão do STJ, de 12.1.1999, in BMJ 483-167, sentenciou-se:

“No tocante à interrupção da instância, e apesar de o artigo 285° do Código de Processo Civil o não dizer expressamente, também tem de ser proferido despacho judicial que se pronuncie sobre a verificação ou não de negligência das partes na falta de andamento do processo ou sobre a caducidade do direito de propor a acção em juízo, nos termos do artigo 332º do Código Civil…”.

Como se escreveu, a certo trecho, no Ac. da Relação de Évora, de 17.11.1998, in CJ, Ano XXIII, Tomo V, pág. 265:

– “De igual modo, a interrupção da instância supõe um despacho judicial, na medida em que nela está suposto um juízo sobre a diligência das partes na prossecução do processo e sobre a duração da paragem, atentas ainda as consequências da mesma resultantes em sede da subsistência de direitos sujeitos a caducidade e prescrição (art. 332º, nº2 do C. Civil).
Por outras palavras, impõe-se uma aferição judicial sobre os motivos da paragem do processo e, designadamente, se esta é imputável, ou não, a negligência das partes para que a mera paragem objectiva da tramitação processual não imputável a qualquer das partes não se transforme automaticamente em interrupção da instância e os direitos que pelo processo se pretendem fazer valer não se extingam…”.

A notificação omitida da interrupção da instância tem uma função informativa [“E corrente classificar as notificações em convocatórias (ou para comparência) e informativas (para comunicação ou conhecimento), consoante visem chamar o destinatário a intervir em certo acto (diligência ou audiência) ou a dar-lhe conhecimento da prática dum acto ou da ocorrência de determinado facto (Alberto dos Reis “Comentário” II, ps. 592-593; Manuel de Andrade “Noções” 115; Anselmo de Castro, DPC, III, p. 84; Antunes Varela, “Manual” 266-267) …”. – cfr. “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, pág. 441, Lebre de Freitas-João Redinha-Rui Pinto] – nº2 do art.228º do Código de Processo Civil – e, nesse caso, era obrigatória.

Temos, assim, que o despacho em causa, sobretudo ao julgar deserta a instância violou a lei por, a montante dele, não ter sido proferido, em tempo útil, despacho notificando o exequente de que a instância se considerava interrompida.

Decisão:

Nestes termos, acorda-se conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que declare interrompida a instância executiva, despacho de que será notificado o exequente.

Sem custas.

Porto, 2 de Maio de 2005
António José Pinto da Fonseca Ramos
José da Cunha Barbosa
José Augusto Fernandes do Vale