Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0730232
Nº Convencional: JTRP00040029
Relator: SALEIRO DE ABREU
Descritores: PROCESSO PARA APRESENTAÇÃO DE COISAS OU DOCUMENTOS
PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES
INDEFERIMENTO LIMINAR
Nº do Documento: RP200701310730232
Data do Acordão: 01/31/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 704 - FLS 65.
Área Temática: .
Sumário: O processo especial previsto no art. 1476º do Código de Processo Civil – apresentação de coisas ou documentos – não se destina a condenar o demandado na prestação de informações de que o requerente alegue ter necessidade para defesa dos seus interesses.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
B………. intentou processo especial, nos termos previstos no artº. 1476° e sgs. do C.P.C., contra C………. DE V.N. DE FAMALICÃO, alegando, em síntese, que:
- É sócio da requerida, tendo-se auto suspendido em meados de 2006.
- Em 4 de Abril de 2002 realizou-se um importante acto eleitoral, ao qual concorreram duas listas, sendo que o requerente fazia parte da lista B, que venceu tal acto.
- O acto eleitoral foi impugnado judicialmente por um associado do C………., afecto à lista A.
- Na sequência, decorreram dois processos judiciais, os quais originaram despesas várias, no total de € 724,35.
- Foi acordado entre um Grupo de 22 (G 22), que fazia parte da lista B, que todas as despesas a que as acções judiciais dariam lugar seriam a suportar e a dividir equitativamente por todos.
- Apenas 8 elementos pagaram a sua quota-parte.
- O A. desconhece, em concreto, quem são os elementos faltosos, de quem o A. pretende reclamar o que cada um deve (€ 32).
- Os respectivos elementos de identificação encontram-se nos arquivos informáticos do C………., que este, porém, se recusa a fornecer ao A..

Concluiu pedindo que seja proferida decisão no sentido de a Requerida ser obrigada a apresentar em Tribunal, em prazo a fixar, os nomes completos, moradas actualizadas e telefones de todos os 22 elementos que constituem a lista B do acto eleitoral de 4.4.2002, que constem dos arquivos informáticos da R..

O requerimento inicial foi liminarmente indeferido.

Inconformado, o A. interpôs o presente recurso de agravo, tendo rematado a respectiva alegação com as seguintes
Conclusões:

1. O A. pretende obter da R. uma informação (nome, morada e telefones dos 2 elementos da Lista B) constante de um documento informático (lista de sócios) que está na posse da R.;
2. Para exercer um direito de crédito sobre os mesmos;
3. A R. é terceira em relação à relação jurídica substancial e de fundo;
4. Mas é a única detentora e possuidora desses elementos e documentos informáticos;
5. O legislador dos arts. 573º a 575º do CC e 1476º do CPC não faz depender a prestação da informação ou apresentação de documento do facto de o seu detentor ou possuidor ter uma relação directa com quem invoca esse interesse legítimo;
6. A melhor doutrina e interpretação sobre os art.s em questão vai neste sentido, tanto mais que o art. 573 refere-se claramente a “... e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias”.

Pede que se revogue o despacho recorrido, fazendo-se prosseguir a lide.

Não foram apresentadas contra-alegações.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II.
Como se constata pela análise do requerimento inicial, o A. lançou mão do processo especial previsto no art. 1476º e segs. do CPC.
Ora, segundo este normativo, "Aquele que, nos termos e para os efeitos dos artigos 574° e 575° do Código Civil, pretenda a apresentação de coisas ou documentos que o possuidor ou detentor lhe não queira facultar justificará a necessidade de diligência e requererá a citação do recusante para os apresentar no dia, hora e local que o juiz designar".

O citado art. 1476º reporta-se, pois, apenas aos artigos 574° e 575° do Código Civil, e não também ao art. 573º, agora invocado pelo apelante.
Ora, dispõe o artº. 574°, n°1 do C.C.: "Ao que invoca um direito, pessoal ou real, ainda que condicional ou a prazo, relativo a certa coisa, móvel ou imóvel, é lícito exigir do possuidor ou detentor a apresentação da coisa, desde que o exame seja necessário para apurar a existência ou o conteúdo de direito e o demandado não tenha motivos para fundadamente se opor à diligência".
O art. 575º manda aplicar à exibição de documentos o disposto no artigo anterior.

Como se constata pela leitura destes preceitos, está em causa o direito à apresentação de coisas ou de documentos.
E como escreveram P. Lima e A. Varela, CC anotado, I, 2ª ed., 514, “para o exercício do direito de apresentação de coisa móvel ou imóvel deve o requerente ter um interesse legítimo baseado num direito real ou pessoal relativo a essa coisa, isto é, (...) a informação deve ser precisa para se apurar a existência ou o conteúdo do direito invocado”.

Para o exercício do direito à apresentação de coisas, a lei estabelece dois requisitos: em primeiro lugar, a necessidade da exibição para o apuramento da existência ou do conteúdo de um direito do requerente relativo a essa coisa; e, em segundo lugar, que o detentor não tenha motivos fundados para se opor à apresentação dela.
Quanto à apresentação de documentos, é necessário que “o requerente tenha um interesse jurídico atendível no exame deles”, como estatui o art. 575º.

Ora, como se escreveu no despacho posto em crise, “analisada a situação em apreço, verifica-se que a mesma não se amolda no conteúdo do artigo, pois que o requerente não solicita da requerida alguma coisa ou algum documento, mas sim que a mesma indique os nomes e moradas de determinadas pessoas”.
Ao fim e ao cabo, o que o requerente pretende é que a requerida lhe preste determinada informação.
O art. 573º do C.C. (que, porém, e como já se referiu, não está abrangido pelo campo de aplicação do art. 1476º do CPC) dispõe que "A obrigação de informação existe sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias".
Por vezes, é a própria lei quem estabelece em preceitos especiais a obrigação de prestar informações (v. g., quando obriga a informar sobre o estado de um objecto ou quando obriga o mandatário, o gestor de negócios ou o tutor à prestação de contas).
Uma tal obrigação pode também ser fixada convencionalmente pelas partes.
No entanto, para além dessas disposições ou estatuições casuísticas, "entendeu-se conveniente formular em termos gerais uma regra expressa, aliás de acordo com o princípio da boa fé. Assim, está obrigado a prestar informações sobre a existência ou o conteúdo de um direito todo aquele que se encontre em situação de o fazer, contanto que as dúvidas do respectivo titular sejam legítimas " (Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6ª ed, pág. 693).
Será de realçar que, para que exista obrigação de informação, “é preciso sempre que o requerente tenha dúvida fundada acerca da existência ou conteúdo do direito, o que constitui uma séria limitação à faculdade conferida neste artigo” (P. Lima e A. Varela, ob. cit., 513).
Ora, no caso sub judice, o requerente não tem qualquer dúvida sobre a existência ou conteúdo do seu alegado direito de crédito. E se não sabe quem são os respectivos sujeitos passivos, tal desconhecimento apenas a si é imputável.

III.
Em face do exposto, nega-se provimento ao agravo, mantendo-se o despacho recorrido.
Custas pelo agravante.

Porto, 31 de Janeiro de 2007
Estevão Vaz Saleiro de Abreu
Gonçalo Xavier Silvano
Fernando Manuel Pinto de Almeida