Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0744109
Nº Convencional: JTRP00040750
Relator: ERNESTO NASCIMENTO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
COIMA
PAGAMENTO VOLUNTÁRIO
Nº do Documento: RP200711140744109
Data do Acordão: 11/14/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 288 - FLS 46.
Área Temática: .
Sumário: O nº 4 do art. 175º do Código da Estrada, interpretado no sentido de que o pagamento voluntário da coima pelo mínimo impede o arguido de discutir a prática da contra-ordenação, não é inconstitucional.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

I. 1. O arguido B………., não concordando com a decisão da Direcção Geral de Viação, através da qual foi condenado, na sanção acessória de 60 dias de inibição de conduzir, pela prática de uma contra-ordenação ao disposto no artigo 103º/1 do Código da Estrada, impugnou judicialmente tal decisão, que, por sua vez, veio a merecer a seguinte sentença:

“I. Relatório
Nestes autos de recurso de contra-ordenação veio o arguido B………., residente na ………., …, São João da Madeira, impugnar a decisão da Direcção Geral de Viação, Delegação de Aveiro, mediante a qual lhe foi aplicada coima no valor de 120,00 euros, em virtude de no dia 5/11/2005, quando conduzia um veículo automóvel, não ter dado passagem a um peão que efectuava a travessia da passadeira destinada a peões, o que constitui contra-ordenação grave nos termos conjugados do disposto nos artigos 103°/1 e 145º/1 alínea i) do Código da Estrada aprovado pelo D.L. 114/94, de 2 de Maio, na versão introduzida pelo D.L. 44/2005, de 23/2.
Nas suas alegações de recurso o arguido põe em causa que haja praticado a infracção que lhe vem imputada, tendo embora pago a coima aplicada, e pede subsidiariamente a suspensão da execução da sanção acessória de inibição da condução que foi também aplicada pela decisão administrativa.
Realizou-se audiência de julgamento com observância de todas as formalidades legais.
A instância é válida e regular.
II. Fundamentação de facto
A. Factos Provados
Com relevo para a boa decisão da causa, resultam provados os seguintes factos:
Em 5/11/2005, pelas 20.07H, o recorrente conduzia o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-TO na ………., em São João da Madeira, no sentido norte-sul, quando, chegado a uma passadeira destinada a peões ali colocada, não cedeu passagem a um peão que já se encontrava a efectuar a travessia da mesma.
Foi, nessa sequência, levantado auto de contra-ordenação e aplicada coima de 120,00 euros, que o arguido pagou.
Foi-lhe ainda aplicada por decisão da Direcção Geral de Viação a sanção acessória de inibição da condução pelo período de 60 dias.
Do Registo Individual do Condutor respeitante ao arguido consta uma contra-ordenação estradal muito grave, praticada em 19/11/2003, consistente em condução com excesso de velocidade superior em mais de 60 Km/h ao limite legal, tendo-lhe sido aplicada, além da coima, sanção acessória de inibição da condução durante 60 dias.
O arguido é administrador da “C………, S.A.” e da “D……….”, auferindo €1300 a €1500 mensais em média; utiliza diariamente na sua actividade profissional o veículo automóvel que conduz por todo o país, visitando as lojas daquelas empresas.
B. Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa.
C. Motivação
A nossa convicção baseou-se essencialmente no conjunto dos documentos juntos aos autos, com especial relevo para o auto de contra-ordenação de fls. 3, o qual faz fé em juízo até prova em contrário, nos termos previstos no art. 170º/3 do Código da Estrada, e bem assim o documento comprovativo do pagamento da coima aplicada, de fls. 4, e o Registo Individual do Condutor respeitante ao recorrente e que consta de fls. 5.
Relevaram ainda as declarações do recorrente quanto à sua actividade profissional e rendimentos auferidos, confirmadas pelas duas testemunhas inquiridas em audiência de julgamento, E………. e F………., ambos colegas de trabalho do recorrente.
Fundamentação de direito
Pese embora o recorrente haja questionado no respectivo recurso a prática por si da contra-ordenação que lhe está imputada, a verdade é que não podia já fazê-lo na medida em que efectuou o pagamento da coima aplicada, desse modo a aceitando e cumprindo, pondo, assim, fim ao correspondente processo contra-ordenacional nessa parte.
Apenas foi deixada em aberto a questão relativa à também por si requerida suspensão da execução da sanção acessória de inibição da condução, a qual pode ser objecto do presente recurso de impugnação nos termos previstos no art. 141º do Código da Estrada.
No entanto, e melhor compulsados os autos, constatamos que o recorrente não reúne as condições objectivas requeridas pela lei para poder beneficiar de tal suspensão.
Com efeito, o arguido praticou uma contra-ordenação grave ao não ceder passagem a um peão que efectuava a travessia da passadeira a ele destinada – artigos 103º/1 e 145º/1, i), ambos do Código da Estrada, aprovado pelo D.L. 114/94, de 3/5, na redacção introduzida pelo D.L. 44/2005, de 23/2, diploma ao qual pertencem todos os normativos doravante citados sem designação de proveniência.
A este tipo de contra-ordenação são aplicáveis a coima como pena principal mas também a sanção acessória de inibição de conduzir por determinado período de tempo que pode ir de um mês a um ano – art. 147º do mesmo Código da Estrada.
Dispõe, porém, o art. 141º/1 do Código da Estrada que pode ser suspensa a execução da sanção acessória aplicada a contra-ordenações graves no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal faz depender a suspensão da execução das penas, desde que se encontre paga a coima, nas condições previstas nos números seguintes.
São elas, essas condições, as seguintes:
- se o infractor não tiver sido condenado, nos últimos 5 anos, pela prática de crime rodoviário ou de qualquer contra-ordenação grave ou muito grave, a suspensão pode ser determinada pelo período de 6 meses a um ano – nº 2 do citado art. 141º;
- se o infractor, nos últimos 5 anos, tiver praticado apenas uma contra-ordenação grave, a suspensão pode ainda ser determinada pelo período de 1 a 2 anos, devendo neste caso ser condicionada, singular ou cumulativamente:
a) à prestação de caução de boa conduta;
b) ao cumprimento do dever de frequência de acções de formação, quando se trate de sanção acessória de inibição de conduzir;
c) ao cumprimento de deveres específicos previstos noutros diplomas legais – nº 3 do mesmo art. 141º.
Ou seja, verificamos que tendo o recorrente praticado nos últimos 5 anos, mais concretamente há cerca de 3 anos, uma contra-ordenação classificada legalmente como muito grave, não pode legalmente beneficiar da possibilidade de lhe ser suspensa a execução da sanção de inibição da condução que lhe foi aplicada.
Nesta conformidade, não só improcede o recurso por não poder o arguido nesta fase, depois de ter pago a coima aplicada, discutir a verificação da infracção, como também por não reunir ele as condições objectivamente previstas na lei para beneficiar de uma suspensão da execução da sanção de inibição da condução que lhe veio ainda a ser aplicada.

IV. DECISÃO:
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se em duas UC.´s a respectiva taxa de justiça, artigos 93º/3 e 94º/3 e 4, todos do D.L. 433/82, de 27/10, e 87º/1,c) do Código das Custas Judiciais.
Comunique à Direcção Geral de Viação.
Notifique e deposite”.

I. 2. Inconformado, novamente, agora com esta decisão, interpôs o arguido recurso para este Tribunal, sustentando as seguintes conclusões:

1. A sentença recorrida considerou que o arguido não podia discutir a prática da contra-ordenação que lhe foi imputada por ter pago voluntariamente a respectiva coima.
2. Porém, a sentença recorrida não fundamenta juridicamente esse entendimento, nomeadamente com recurso a qualquer norma legal que o determine.
3. Assim, a sentença recorrida é nula, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 379°/1 a) e 374°/2 do Código de Processo Penal (ex vi do artigo 41°/1 do Regime Geral de Contra-Ordenações).
4. Por outro lado, admitindo a hipótese da sentença recorrida se ter estribado no artigo 175º/4 do Código da Estrada, então fez a mesma uma incorrecta interpretação do sentido e alcance de tal preceito legal.
5. Com efeito, de acordo com esse dispositivo legal, o pagamento voluntário da coima não impede o arguido de apresentar a sua defesa, limitando-a apenas à gravidade da infracção e à sanção acessória aplicável.
6. Deste modo, não conhecendo da questão suscitada pelo arguido quanto à prática ou não da contra-ordenação que lhe foi imputada - pelo menos para apuramento do modo concreto como a mesma se deu para efeitos de aferição da respectiva gravidade e da adequação da sanção acessória aplicada -, a sentença recorrida incorreu na nulidade prevista no artigo 379°/1 c) do Código de Processo Penal.
7. Em qualquer caso, o artigo 175°/4 do Código da Estrada, é inconstitucional, por violação dos artigos 20°/1 e 4 e 32°/1 e 10 da Constituição da República Portuguesa, pelo menos quando interpretado no sentido de que as limitações do direito de defesa do arguido, no caso de prévio pagamento voluntário da coima, se estendem ao recurso de impugnação judicial.
8. Sem prescindir ainda, o arguido podia, pelo menos, questionar a gravidade da infracção que lhe foi imputada e a aplicação da sanção acessória em que foi condenado.
9. Para isso, a posição sustentada pelo arguido no seu requerimento de recurso, quanto ao modo como os factos ocorreram, tinha de ser considerada, valorando-se a respectiva prova.
10. Ora, a infracção cometida pelo arguido só pode ter sido aquela prevista e punida no artigo 103°/2 e 4 do Código da Estrada, sendo certo que a determinação da norma legal fundamentadora da condenação do arguido é sempre sindicável em sede de recurso.
11. Porém, o arguido não praticou uma contra-ordenação grave ou, pelo menos, os factos dados como provados são insuficientes para a caracterizar como tal.
12. Com efeito, qualificação como grave da contra-ordenação prevista no artigo 103º/2 do Código da Estrada não é automática, sendo necessário aferir, em face dos factos concretos, se a mesma integra a previsão do artigo 145°/1 i) do Código da Estrada.
13. Ora, como se não bastasse, a prova produzida pelo arguido a este respeito não foi valorada por se ter entendido, erradamente, que extravasava o âmbito admissível do recurso.
14. De outro modo, além do mais, o arguido teria podido demonstrar que a sua infracção fora de pequena gravidade e que a sanção acessória adequada, a ser devida, se devia ficar pelo mínimo.
15. Assim, se mais não for, o julgamento deve ser repetido, nos termos das disposições combinadas dos artigos 410°/2 a) e 426°/1 do Código de Processo Penal.
16. Face ao exposto, a sentença recorrida deve ser anulada ou, ao menos, revogada.

I. 3. Respondeu o Digno Magistrado do MP, na 1ª instância, concluindo que,
1. O que o arguido pretende é beneficiar do "melhor de dois mundos", ou seja, ter pago a coima pelo mínimo, como o fez, e depois discutir se praticou ou não a contra-ordenação que a gerou.
2. Tendo o arguido sido condenado, nos últimos 5 anos, mais precisamente há cerca de 3 anos, numa contra-ordenação classificada como muito grave, não se descortina como pretende beneficiar da possibilidade de lhe ser suspensa na execução a sanção de inibição da condução que lhe foi aplicada.
3. Conforme resulta dos factos em que assentaram tanto a decisão proferida pela respectiva entidade administrativa como a decisão do Tribunal "a quo", o arguido acha-se incurso na prática da contra-ordenação p. e p. pelo artigo 103°/1, do Código da Estrada, sendo que a mesma é grave (conforme resulta do disposto no artigo 145°/1, aI. i), do Código da Estrada), e a que corresponde, a título de sanção acessória a inibição de conduzir entre o mínimo de um mês e o máximo de dois anos - conforme o disposto no artigo 147°/1 e 2 do Código da Estrada.
4. Dado que do registo individual de condutor do arguido consta a prática de uma contra-ordenação muito grave, há menos de 3 anos, o mesmo tem de considerar-se reincidente, nos termos e para os efeitos estatuídos no artigo 143° do Código da Estrada, pelo que o limite mínimo da sanção acessória é elevado para o dobro. Assim, a sanção acessória a aplicar ao arguido deveria fixar-se entre o mínimo de 2 e o máximo de 24 meses.
5. Em face de tudo o anteriormente exposto e salvo melhor opinião, deve a douta sentença recorrida ser integralmente confirmada.

II. Subidos os autos a este Tribunal a Exma. Sra. Procuradora Geral Adjunta pugnou pela manutenção do decidido, defendendo a improcedência do recurso, pois que, como este tribunal vem uniformemente decidindo, cfr, Ac,s de 25.3.2007, no processo 0740433, de 14.3.2007, no processo 0647091, de 10.1.2007, no processo 0645886 e de 19.7.2006, no processo 0644050, o pagamento voluntário da coima, pelo mínimo, nos termos do disposto no artigo 172º do Código da Estrada, implica conformação com a prática da contra ordenação.

No cumprimento do estatuído no artigo 417º/2 C P Penal, nada mais foi acrescentado.

Seguiram-se os vistos legais.

Teve lugar a audiência, com observância de todo o legal formalismo.

Cumpre agora apreciar e decidir.

III. Fundamentação

III. 1. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da motivação, que se versar sobre matéria de direito, devem conter os elementos determinados no artigo 412º/2 C P Penal, se versar sobre matéria de direito, como é o caso.
As conclusões da motivação do recorrente, embora não respeitem adequadamente as imposições processuais, permitem, não obstante, identificar as questões submetidas à cognição deste Tribunal, e delimitar ainda assim o objecto do recurso - que se referem por ordem de precedência metodológica, que não pela ordem com que são enunciadas nas conclusões.
São as seguintes as questões que as conclusões da motivação permitem identificar:

1. saber se a sentença é nula, quer, por não indicar a norma em que se fundamenta o entendimento de que não podia o recorrente discutir os factos, quer por não ter conhecido de questão suscitada pelo recorrente, apuramento do modo como se passaram os factos, para efeitos de aferição da sua gravidade e adequação da sanção acessória;
2. saber se se verifica o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
3. saber se, na hipótese da sentença recorrida se ter estribado no artigo 175º/4 do Código da Estrada, foi feita uma incorrecta interpretação do sentido e alcance de tal preceito legal;
4. saber se o artigo 175°/4 do Código da Estrada, é inconstitucional.

Sem prejuízo do conhecimento, oficioso, dos vícios enumerados no artigo 410º/2 do CPP, o presente recurso é, obrigatoriamente, restrito à matéria de direito, nos termos previstos no art. 75º do Regime Geral das Contra Ordenações, aprovado pelo Decreto Lei 433/82, com as alterações posteriormente introduzidas através dos Decretos Lei 356/89 e 244/95 e da Lei 109/01.

III. 2. Vejamos então, as nulidades da sentença.

O quadro fáctico que se nos depara, resumidamente, é o seguinte:
ao recorrente foi levantado auto de contra-ordenação, por factos aí desde logo qualificados como susceptíveis de integrar a previsão da contra-ordenação ao disposto no artigo 103º/1 C Estrada, no dia 5/11/2005, porquanto conduzindo um veículo automóvel, não deu passagem a um peão que efectuava a travessia da passadeira destinada a peões.
O recorrente pagou, entretanto, voluntariamente, a coima pelo mínimo.
Posteriormente, foi condenado por decisão da Direcção Geral de Viação, na sanção acessória de 60 dias de inibição de conduzir, pela prática da dita contra-ordenação, com a qual não concordou e apresentou recurso de impugnação judicial, pondo em causa que haja praticado a infracção e pediu se decretasse a suspensão da execução da sanção acessória.
Recurso que foi julgado improcedente e cuja decisão suscitou a apresentação do presente recurso.
Do registo individual do condutor, consta que o arguido foi já condenado por uma contra-ordenação estradal muito grave, praticada em 19/11/2003, consistente em condução com excesso de velocidade superior em mais de 60 Km/h ao limite legal, tendo-lhe sido aplicada, além da coima, sanção acessória de inibição da condução durante 60 dias.
Por sua vez, o quadro legal, pertinente, é o seguinte:
o artigo 103º C Estrada, (diploma a que pertencerão todas as normas doravante invocadas, sem menção de origem) que rege sobre os cuidados a observar pelos condutores, dispõe, no seu nº. 1, que, “ao aproximar-se de uma passagem de peões assinalada, em que a circulação de veículos está regulada por sinalização luminosa, o condutor, mesmo que a sinalização lhe permita avançar, deve deixar passar os peões que já tenham iniciado a travessia da faixa de rodagem”
Por sua vez o nº, 4 dispõe que, “quem infringir o disposto nos nºs. anteriores é sancionado com coima de € 120 a € 600”.
No artigo 145º alínea i) prevê-se como contra-ordenação grave, “ … o desrespeito pelo trânsito de peões nas passagens para o efeito assinaladas”.
As contra-ordenações graves são sancionáveis com coima e com sanção acessória, artigo 138º/1.
A sanação acessória consiste na inibição de conduzir, artigo 147º/1 e tem a duração mínima de 1 mês e máxima de 1 ano, no que se refere às contra-ordenações graves, nº. 2.
É sancionado como reincidente o infractor que cometa contra-ordenação cominada com a sanção acessória, depois de ter sido condenado por outra contra-ordenação ao mesmo diploma legal ou seus regulamentos, praticada há menos de 5 anos e também sancionada com sanção acessória, artigo 143º/1.
Nos termos do nº. 3, no caso de reincidência, os limites mínimos de duração da sanção acessória previstos para a respectiva contra-ordenação são elevados para o dobro.
Dispõe o artigo 141º,
nº. 1, que “pode ser suspensa a execução da sanção acessória aplicada a contra-ordenações graves, no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução da pena, desde que se encontre paga a coima, nas condições previstas nos nºs. seguintes”.
Nº. 2, que “se o infractor não tiver sido condenado, nos último 5 anos, pela prática de … contra-ordenação grave …, a suspensão pode ser determinada pelo período de 6 meses a 1 ano”.
Nº. 3, que “a suspensão pode ainda ser determinada, pelo período de 1 a 2 anos, se o infractor, nos últimos 5 anos, tiver praticado apenas uma contra-ordenação grave, devendo nesse caso, ser condicionada, singular ou cumulativamente:
a) prestação de caução de boa conduta;
b) ao cumprimento do dever de frequência de acções deformação, quando se trate de sanção acessória de inibição de conduzir;
c) ao cumprimento de deveres específicos previstos noutros diplomas legais.

Deste enquadramento, surge desde logo, patente, que se não entende, como o recorrente vem agora defender que a infracção por si cometida, só pode ter sido aquela prevista e punida no artigo 103°/2 e 4 do Código da Estrada.
Como resulta do auto de contra-ordenação e da decisão recorrida, sempre se entendeu, expressamente, que os factos pelos quais o recorrente foi condenado, integravam o nº. 1 do artigo 103º.
Não se vê como surge agora a dúvida, na mente do recorrente e, muito menos a afirmação de que só pode ter sido condenado, nos termos do nº. 2.
O arguido foi condenado por, chegado a uma passadeira destinada a peões, não cedeu passagem a um peão que já se encontrava a efectuar a travessia da mesma.
A esta infracção, dado que o recorrente não pode deixar de ser considerado como reincidente, como foi expressamente invocado, de resto, corresponde a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 2 meses a 1 ano.
Foi esta de resto a sanção acessória que lhe foi aplicada.
Da mesma forma, dado que a condenação anterior foi por contra ordenação muito grave, fica desde logo, liminarmente, afastada a possibilidade de se poder decretar, agora, a suspensão da execução da sanção acessória, pela qual vem, condenado.
Em resumo, foi o recorrente sancionado, dentro da moldura abstracta, no seu limite mínimo legal.
Daí que, nenhuma censura dirigiu, nessa parte à decisão recorrida.
Na decisão recorrida, entendeu-se que uma vez que o recorrente havia procedido ao pagamento da coima, desse modo a aceitando e cumprindo, não podia questionar no respectivo, de impugnação judicial, a prática dos factos, tendo, nessa parte, colocado fim ao correspondente processo contra-ordenacional.
Nenhuma norma legal foi expressamente invocada.
O próprio recorrente entendeu que a norma só poderia ser a constante do artigo 175º/4, que defende foi erradamente interpretada, sendo, de resto, ainda, na sua opinião, inconstitucional, pelo menos quando interpretada no sentido de que as limitações do direito de defesa do arguido, no caso de prévio pagamento voluntário da coima, se estendem ao recurso de impugnação judicial.
A sentença deve conter “as disposições legais aplicáveis”, artigo 374º/3 alínea a) C P Penal, aplicável por força do artigo 41º/1 RGCO.
Por seu lado dispõe o artigo 379º/1 a) C P Penal, que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no artigo 374º/2 e 3 alínea b).
Dispõe o artigo 380º/1 C P Penal, que fora dos casos previstos no artigo anterior, o tribunal procede oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença, quando não tiver sido observado ou não tiver sido observado integralmente o disposto no artigo 374º.
O nº. 2 dispõe que se já ativer subido recurso da sentença, a correcção é feita, quando possível, pelo tribunal competente para conhecer do recurso.
A existência do requisito da menção das disposições legais aplicáveis, prende-se, naturalmente, com o dever de fundamentação das decisões judiciais, com consagração constitucional, artigo 205º e o facto de, desta forma, se permitir, com clareza, impugnar, em sede de recurso, no que ao caso interessa, a integração, a aplicação e a interpretação das normas jurídicas.
O recorrente entendeu perfeitamente, quer o sentido, quer o alcance, do a este propósito decidido, apesar, de o tribunal não ter citado a norma, concreta.
Aquela omissão não é susceptível de gerar a nulidade da sentença e pode aqui e agora ser corrigida, fazendo-se aditar na decisão recorrida, na parte referente à fundamentação de direito, no fim do 1º parágrafo, o seguinte:
“cfr. artigos 172º/1 e 5 e 175º/4 do Código da Estrada”.
Defende o recorrente que o tribunal a quo interpretou esta última norma, no sentido de impedir o arguido que procedeu ao pagamento voluntário da coima, de apresentar a sua defesa, que não fosse restrita à gravidade da infracção e à sanção acessória aplicável.
Da correcta interpretação desta norma, resulta, que o arguido que paga voluntariamente a coima, não pode colocar, depois em causa a prática dos factos, negando-os, mas, tão só, se pode defender, no tocante à gravidade da infracção e à sanção acessória.
Este pagamento voluntário, traduz uma conformação com os factos relativos à contra-ordenação, cfr. Ac. deste Tribunal de 11.03.98, no site da dgsi.
Admitir-se que o arguido, começasse por pagar a coima pelo mínimo, para depois vir discutir a verificação da contra-ordenação, traduzir-se-ia, em termos práticos, no total subversão do sistema legalmente consagrado.
Isto dado que a possibilidade legal de liquidação da coima pelo mínimo, traduz-se na contrapartida concedida, pelo ordenamento jurídico, ao arguido que se conforma com a prática da infracção, renunciando à possibilidade de discutir a sua existência, sem embargo de lhe ser sempre admissível impugnar a sanção acessória, a sua medida ou os termos em que foi fixada.
Nem se diga que assim fica prejudicado o direito de defesa do arguido. A opção é sempre sua: ao efectuar o pagamento voluntário, com o benefício de o ser pelo montante mínimo, da moldura abstracta, está a renunciar à discussão da existência da infracção e tudo o mais que não se reporte à gravidade da infracção e à sanção acessória.
Se, porventura, quiser discutir a existência da infracção, quiser discutir questões processuais, então não procederá ao pagamento voluntário e discutirá a verificação da contra-ordenação, no aspecto substantivo, quer a regularidade e validade do processo, no aspecto adjectivo, usufruindo de todas as garantias que a lei lhe concede.
O que não pode, seguramente, é, desde logo, à partida, através da liquidação pelo mínimo, garantir a impossibilidade de agravamento da coima, mercê da proibição da “reformatio in pejus”, consagrada no artigo 72º-A do RGCO, para depois discutir a verificação da infracção, ou a regularidade do auto de notícia, cfr. neste sentido Ac. deste Tribunal de 19.7.2006, no site da dgsi.
O que significa, que o arguido sempre se pode defender - assente a qualificação da infracção, pois que a lei a comina, desde logo, de grave ou de muito grave, à partida – quanto ao contexto e consequências da infracção, elementos, naturalmente, a ponderar e com repercussão, de relevo, na determinação da medida concreta da sanção acessória.
O afirmar-se que quem pagou a coima não pode discutir a prática da contra-ordenação, apenas pode pretender significar que não pode, depois, vir colocar em causa a prática dos factos naturalísticos que a integram, que não pode vir, depois negar a prática dos mesmos factos e não, que não possa produzir prova sobre a concreta gravidade da infracção, reportada às suas consequências ou falta delas - melhor dizendo – o que sempre constitui elemento importante, a ser ponderado aquando da determinação da medida concreta da sanção acessória.
Recorde-se que o recorrente aquando da interposição do recurso de impugnação judicial, mostrou a sua irresignação, através das seguintes conclusões, (que como é consabido por todos, delimitam o âmbito do conhecimento do tribunal que dele vai conhecer):
1. a execução da sanção acessória colocaria em perigo o seu posto de trabalho;
2. é bom condutor;
3. não praticou a infracção de que vem acusado, pois que o início da travessia pelo peão na passadeira coincidiu com o momento em que o arguido já se encontrava a atravessar a mesma;
4. pagou voluntariamente a coima e,
5. pugna pela suspensão da execução da sanção acessória, ainda que com a prestação de caução de boa conduta.
Perante esta defesa, dado o pagamento voluntário da coima e o facto de o arguido ter sido sancionado no patamar mínimo da moldura correspondente à sanção acessória, tivesse o tribunal de 1ª instância a possibilidade de rejeitar o recurso por manifestamente improcedente e concerteza, tê-lo-ia feito.
Como tal não é possível, cfr. artigo 63º RGCO, o tribunal de 1ª instância não atentando, que perante o quadro que se lhe deparava, a inquirição de testemunhas era um acto inútil e poderia, deveria, o recurso ser decidido por mero despacho, designou dia para a audiência.
Realizada esta veio a constatar que afinal não podia valorar o depoimento das testemunhas que o arguido arrolara, dada que lhe estava vedado defender-se, negando a prática dos factos.
A entender-se como o recorrente diz que se decidiu na decisão recorrida – foi impedido de se defender no tocante à gravidade da infracção e no tocante à sanção acessória - então, estaríamos, indubitavelmente, perante uma incorrecta interpretação do sentido e alcance da norma contida no artigo 175º/4.
No entanto, como vimos já, o recorrente, então, defendeu-se, negando a prática dos factos, o que lhe estava processualmente vedado, dado o pagamento que fizera voluntariamente da coima.
Foi nesta parte que se decidiu não valorar os depoimentos das testemunhas, por forma, a, ainda que tardiamente, impedir-se que com eficácia se defendesse negando a prática dos factos.
No restante, os depoimentos poderiam ser valorados, não obstante a sua patente inutilidade, dado que a medida concreta da sanção acessória, aplicada pelo mínimo, não poderia, naturalmente, ser menos gravosa.
O arguido entendeu então, apenas defender-se negando a prática dos factos e pugnando pela suspensão da execução da sanção acessória.
Ali não o podia fazer e aqui não tinha qualquer hipótese de êxito.
A consequência, que o recorrente retira e outra não se podia, fundadamente extrair, é a de que ao não ter sido valorada a prova produzida por se haver entendido que a mesma não era legalmente admissível, ficou impedido de questionar a gravidade da infracção e a aplicação da sanção acessória em que foi condenado, (melhor os fundamentos e critérios, que a determinaram).
Se a prova arrolada tinha por objecto tal facto e não a prática dos factos em si mesmo, o que apenas pode ser aferido pelo teor do recurso de impugnação e tal dali se não evidencia, deveria ter sido produzida e atendida e devidamente valorada.
O não ter sido feito este julgamento, nesta hipótese, no entanto, não se enquadra, como pretende o recorrente na invocada nulidade, de omissão de pronúncia. O tribunal a quo pronunciou-se sobre todas as questões que lhe foram apresentadas pelo recorrente, quer “a suspensão da execução da sanção acessória, quer o facto de ter colocado em causa que haja praticado a infracção que lhe vem imputada” sic.
O que o Tribunal a quo decidiu foi, julgar improcedente o recurso, afastando, quer, a possibilidade de suspensão da execução da sanção acessória, quer o facto de conhecer, sequer, a alegação de o arguido ter colocado em causa a prática da infracção, julgando a defesa, reportada a tal questão, como inadmissível.
Nada ficou por conhecer e decidir, de entre as razões invocadas pelo recorrente. Coisa diversa é que tenham sido atendidas ou que o julgamento que sobre elas recaiu, haja sido conforme com o ordenamento jurídico.
Em concreto, defende o recorrente que ficou impedido de demonstrar que a sua infracção fora de pequena gravidade e que a sanção acessória adequada, a ser devida, se devia ficar pelo mínimo.
Mas, como vimos já, o recorrente foi sancionado pelo mínimo, pela autoridade administrativa. Nenhuma sanção menos gravosa ou forma de execução menos gravosa, lhe poderia ter sido aplicada.
Não obstante impugnou judicialmente a decisão da autoridade administrativa. Apesar de aqui se não ter valorado a prova, por se entender que era inadmissível, por versar sobre a prática dos factos, cuja prática, o recorrente pretenderia negar, a sentença confirmou a decisão da autoridade administrativa.
Isto é, a violação do seu direito de defesa, porventura mal expresso ou direccionado, ou mal interpretado pelo tribunal a quo, por não ponderação da prova que produziu, que se teve como inadmissível, nenhuma repercussão teve em sede de decisão final.
A ponderação dos depoimentos das testemunhas que arrolara, vulgarmente designadas de testemunhas de defesa ou abonatórias, não poderia ter conduzido a decisão de conteúdo diverso, menos gravosa, daquela que foi, então, proferida. A decisão tinha que ser forçosamente a mesma: não podia ser mais grave, salvo violação da proibição de reformatio in pejus e não podia ser menos grave, por que foi mantida a decisão da autoridade administrativa que aplicara o mínimo de tempo legal, a título de sanção acessória.
Tivesse o recorrente, então, expressado na motivação do recurso de impugnação a sua discordância quanto à gravidade da infracção e quanto à sanção, sem a misturar com a negação da prática dos factos e outra teria que ser a decisão do tribunal, não sendo, então, permitido invocar que o recorrente se não podia defender quanto a essa matéria, por ter pago voluntariamente a coima.
Só que não aconteceu assim. O que se passou foi que o recorrente entretanto alertado pela decisão do tribunal a quo em não valorar a prova produzida por o objecto da mesma extravasar do âmbito do recurso, veio agora inflectir a sua posição, defendendo, em tese, porque o caso concreto conduz a conclusão diversa, que foi impedido de produzir prova, ou não ter sido esta valorada, sobre a gravidade da infracção e sobre a sanção acessória, matérias, qualquer delas, que o próprio recorrente, não abordou, na sua motivação, assim estando excluídas, do conhecimento por parte do tribunal a quo.
Como é igualmente consabido, o objecto dos recursos é a decisão recorrida e não a questão por esta julgada. Com o recurso abre-se somente uma reapreciação dessa decisão, com base na matéria de facto e de direito de que se serviu ou podia servir a decisão impugnada, pré-existente, pois, ao recurso.
Não, é, pois, lícito invocar questões novas que não tenha sido objecto das decisões recorridas.
Questão nova é assim, indubitavelmente, a que o recorrente agora e só agora, suscita, de que foi impedido de produzir prova sobra a gravidade da infracção e sobre a sanção acessória, o que não esteve presente aquando da apresentação do recurso de impugnação e esteve mesmo longe do alcance que lhe emprestou, constatado no teor das conclusões então apresentadas.
Assim, igualmente, se não verifica a apontada nulidade da omissão de pronúncia, nem qualquer outra, que tenha influência no mérito da causa.
III. 3. O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
O recorrente conclui pela verificação deste vício, pelo facto de no seu entendimento, ao não ter sido valorada a prova por si produzida, por se ter entendido, “erradamente”, que extravasava o âmbito admissível do recurso, o que o impossibilitou de demonstrar que a sua infracção fora de pequena gravidade e que a sanção acessória adequada, a ser devida, se devia ficar pelo mínimo.
Ora este não é o enfoque do alegado vício.
Qualquer uma das situações referidas no artigo 410º/2 C P Penal, traduz-se sobretudo em deficiências na construção e estruturação da decisão e ou dos seus fundamentos, maxime na sua perspectiva interna, não sendo por isso o domínio adequado para discutir os diversos sentidos a conferir à prova.
Dispõe o artigo 410º/2 C P Penal, que “mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum:
a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada …”
Assim, os vícios do art. 410 nº 2 do CPP, têm forçosamente de resultar do texto da decisão recorrida na sua globalidade, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo possível, para a sua demonstração, o recurso a quaisquer elementos que sejam externos à decisão, “designadamente, a declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo no julgamento”, cfr., entre outros, Ac. do STJ 19/12/1990, in BMJ 402º, 232.
Os vícios do artigo 410º/2 C P Penal não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em julgamento e a convicção que o tribunal firmou sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inserto no artigo 127º C P Penal.
Acrescenta-se, ainda, no Ac. do STJ de 13/7/2005, proferido no processo nº 2122/05, “neste aspecto, o que releva, necessariamente, é a convicção que o tribunal forme perante as provas produzidas em audiência, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função do controlo ínsita na identificação dos vícios do artigo 410º/2 C P Penal, a convicção pessoalmente formada pelo recorrente e que ele próprio alcançou sobre os factos”.
Ocorrerá insuficiência da matéria de facto provada, alínea a) do nº. 2 do artigo 410º, quando da factualidade vertida na decisão em recurso, se colhe que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo de condenação ou de absolvição.
A insuficiência da matéria de facto há-de ser de tal ordem que patenteie a impossibilidade de um correcto juízo subsuntivo entre a materialidade fáctica apurada e a norma penal abstracta chamada à respectiva qualificação, mas apreciada na sua globalidade e não em meros pormenores, divorciados do contexto em que se descreve a sucessão de factos imputados ao agente.
“A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada supõe que os factos provados não constituem suporte bastante para a decisão que foi tomada, quer porque não permite integrar todos os elementos materiais de um tipo de crime, quer porque deixem espaços não preenchidos relativamente a elementos essenciais à determinação da ilicitude, da culpa ou outros necessários para a fixação da medida da pena. A insuficiência significa, por outro lado, que não seja também possível uma decisão diversa da que foi tomada; se não for o caso, os factos podem não ser bastantes para constituir a base da decisão que foi tomada, mas permitir suficientemente uma decisão alternativa, mesmo de non liquet em matéria de facto. Por fim, a insuficiência da matéria de facto tem de ser objectivamente avaliada perante as várias soluções possíveis e plausíveis dentro do objecto do processo, e não na perspectiva subjectiva decorrente da interpretação pessoal do interessado perante os factos provados e as provas produzidas que permitiram a decisão sobre a matéria de facto”, cfr. entre outros, o citado Ac. do STJ de 13/7/2005.
Como é bom de ver o facto de na sua tese o recorrente ter visto não ser valorada prova, que reputa de importante para a aplicação e determinação da medida da sanção acessória, não tem a virtualidade de fazer surgir o apontado vício.

III. 4. A inconstitucionalidade da norma contida no artigo 175º/4 Código da Estrada.
Entende o recorrente que, pelo menos quando interpretada no sentido de que as limitações do direito de defesa do arguido, no caso de prévio pagamento voluntário da coima, se estendem ao recurso de impugnação judicial, contraria o disposto nos artigos 20°/1 e 4 e 32°/1 e 10 da Constituição da República Portuguesa.
O artigo 20º, que prevê o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, dispõe no seu nº. 1, que “a todos é assegurado o aceso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos” e o nº. 4 dispõe que, “todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão emprazo razoável e mediante processo equitativo”.
Por sua vez, o artigo 32º, que prevê as garantias em processo penal, dispõe no seu nº. 1, que “o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso” e o nº. 10, que “nos processos de contra-ordenação … são assegurados ao arguido os direitos de audiência e de defesa”.
Cremos que se o recorrente não podia estruturar a sua defesa que não fosse restrita à gravidade da infracção e à sanção acessória, no processo administrativo, por maioria de razão, estava impedido de o fazer em sede de recurso de impugnação.
Qual será a razão de ser da norma contida no nº. 4 do referido artigo 175º, que constitui o cerne da questão?
“Cada vez mais, nos dias de hoje, se deve estabelecer uma relação entre a lei e a vida. Ora, esta relação é inicialmente efectuada aquando da feitura da própria lei e, posteriormente, na fase de interpretação. No entanto, quando pretendemos buscar o sentido último, a razão de ser de um preceito normativo, não devemos buscá-lo apenas dentro do sistema jurídico. Deverá ter um papel primordial, na busca do sentido que cabe a cada preceito, toda a complexidade da vida com o seu sistema desordenado, pois foi esta, em última instância, quem pretendeu algo de muito determinado, específico e realista, daquele preceito. Foi para responder àquele problema que a norma foi criada.
Será assim, a partir desta duplicidade lei/vida que se tem que analisar a norma, tendo em conta não só o momento actual, mas também todos os momentos precedentes que de alguma forma condicionaram a norma e o actual modo de ser desta, assim como o momento futuro que hoje já se adivinha e que também, de certa forma, nos vai condicionando”, cfr Helena Moniz in O crime de falsificação de documentos, 228/9.
Naturalmente que esta norma tem subjacente a ideia, resultante das regras da experiência comum, de que num processo desta natureza, aquele que paga, que se responsabiliza pelo pagamento da coima, o faz por admitir ser ele o responsável pelos factos, pretendendo, desse modo obviar à prática de ulteriores actos processuais, colocando termo ao processo, se aquela for a única sanção aplicável ao caso e desse modo, beneficiando da possibilidade, porventura, atractiva, de poder pagar a coima pelo mínimo.
Quem adopta este comportamento, fá-lo, seguramente, neste pressuposto.
Não sendo plausível que alguém assuma a responsabilidade pela prática de factos, que não levou a cabo, designadamente no âmbito de um processo sancionatório, pode-se concluir que quem paga o faz por reconhecer ser a responsável pelos ditos factos.
Se o não for, diz-nos, igualmente a experiência e a realidade da vida, de que não nos podemos divorciar, concerteza, que não disponibiliza o auto, que contém os elementos imprescindíveis para ser efectuado o pagamento, a outrem, para que este vá pagar, em seu nome.
Seguramente que identifica, se puder e souber, o autor dos factos, para que contra ele seja instaurado o procedimento contra-ordenacional, o que prejudica o prosseguimento do seu processo, até que aquele fique decidido, com a responsabilização da pessoa que havia identificado.
Isto é o que faz a normalidade, a generalidade das pessoas, de qualquer estrato social e independentemente da condição económica e do grau de conhecimentos e habilitações académicas.
Isto é o que o legislador, legitimamente espera, com base na realidade da vida, da normalidade das pessoas, do bom pai de família, do vulgar destinatário das normas jurídicas.
A conclusão extraída pelo legislador, impedindo aquele que paga a coima voluntariamente, de vir depois, no processo administrativo ou em sede de recurso de impugnação judicial, dizer que não foi o responsável pela contra-ordenação, não é susceptível de violar, como afirma a recorrente, o princípio constitucional da presunção da inocência.
Situação, deveras, semelhante, mas que se coloca a outro nível, aqui sem qualquer acto concludente por parte do alegado infractor, surge a propósito do artigo 170º/3 Código da Estrada, atribuir fé em juízo, ao auto de notícia levantado e assinado, quanto aos factos presenciados pelo autuante, naturalmente, até prova em contrário.
No nosso caso, estamos perante um acto inequívoco, de onde o legislador retirou consequências: o infractor pagou a coima voluntariamente, reportada ao auto que lhe fora levantado.
Atento o exposto, não se vislumbra nem o recorrente para tal fornece qualquer contributo, que o facto de o arguido que paga voluntariamente a coima estar impedido de apresentar defesa que não seja a restrita à gravidade da infracção e à sanção acessória aplicável, colida com o direito ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva e designadamente, o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos no âmbito de um processo equitativo e com direito a decisão em prazo razoável, que é do que trata, em última análise a norma contida no artigo 20º.
Como da mesma forma, não se vislumbra que na mesma situação se mostre violado o seu direito de defesa, de audiência ou de recurso, que é do que trata a norma contida no artigo 32º.
Quem recorre não se pode limitar a proclamar, muito menos, a sugerir ou aventar hipóteses de violações normativas, erros de julgamento, vícios da decisão.
Tem obrigatoriamente, até pelo princípio da lealdade, probidade e honestidade, a que está vinculado, de fazer a crítica das soluções para que propendeu a decisão de que recorre, aduzindo os motivos do seu inconformismo, a base jurídica em que se apoia e o caminho que deveria ter sido percorrido ou que haverá a percorrer.
Não basta alvitrar a violação das normas constitucionais, necessário era afirmar e tentar demonstrar, a razão, o sentido, o fundamento de tal afirmação.

Daqui somos a concluir que o recurso, delimitado pelas conclusões enunciadas pelo recorrente, está votado ao insucesso.

IV. Dispositivo

Nestes termos e com os fundamentos mencionados, acorda-se em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B………., confirmando-se a decisão recorrida.

Condena-se o recorrente, porque decaiu, totalmente, no pagamento da taxa de justiça, que se fixa em 5 UC,s, artigos 92º e 93º/3 do RGCO e 87º/1 alínea b) C. das Custas Judiciais.

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1º signatário.

Porto, 14 de Novembro de 2007
Ernesto de Jesus de Deus Nascimento
Olga Maria dos Santos Maurício
Jorge Manuel Miranda Natividade Jacob
Arlindo Manuel Teixeira Pinto