Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0031752
Nº Convencional: JTRP00031260
Relator: MÁRIO FERNANDES
Descritores: COMPENSAÇÃO DE DÍVIDA
FACTO EXTINTIVO
DECLARAÇÃO
Nº do Documento: RP200102150031752
Data do Acordão: 02/15/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 1 J CIV OLIVEIRA AZEMÉIS
Processo no Tribunal Recorrido: 503-B/99
Data Dec. Recorrida: 06/14/2000
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Área Temática: DIR PROC CIV - PROC EXEC.
DIR CIV - DIR OBG.
Legislação Nacional: CPC95 ART813 G.
CCIV66 ART848 N1 ART854.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1987/10/06 IN BMJ N370 PAG496.
Sumário: A superveniência da compensação, como facto extintivo de uma obrigação resultante de sentença condenatória, não pode aferir-se pelo momento da declaração da compensação, sob pena de o ónus da apresentação da excepção na contestação não ter qualquer significado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

1. RELATÓRIO.
“M...... & Ca. Ld.ª”, com sede na Rua......, n.ºs --, .....,
veio deduzir embargos de executado, por apenso à execução de sentença condenatória que lhe foi movida por
Albino......, residente no Lugar......, ......, .......,
pedindo se declare que o crédito exequendo se encontra extinto por compensação, assim devendo a embargante-executada ser absolvida do pagamento do que vem reclamado naquela acção executiva.
Para o efeito, alega que é credora do embargado-exequente pela quantia de 12.427.455$00, titulada por 4 livranças no valor global de 10.251.366$00, em que figura como avalista das mesmas aquele embargado, livranças essas de que é legítima portadora por via de endosso e que não foram pagas até ao presente;
argumenta ainda que, através de notificação judicial avulsa, realizada em 25.6.99 na pessoa do embargado, procedeu à compensação do crédito exequendo – liquidado à data da instauração da execução em 3.900.682$00 de capital e 1.766.650$00 de juros vencidos – daí que deva considerar-se extinto esse crédito exequendo e sustado o processo executivo.
Notificado o embargado para os termos do processo, veio o mesmo contestar os embargos, aduzindo que o invocado crédito da embargante, a existir, reporta-se a data anterior à propositura da respectiva acção em que foi reconhecido o crédito exequendo, o que determina que inexista fundamento para ser considerada a aludida compensação;
acrescenta que o eventual crédito da embargante se encontra prescrito, o endosso é nulo por ser parcial, para além de as referidas livranças chegaram à posse da embargante por conluio entre a beneficiária das mesmas – “U......” – e aquela, no intuito de causarem um prejuízo ao embargado.
Findos os articulados foi proferido despacho saneador em que se conheceu do mérito dos embargos, sendo julgados improcedentes, fundamentando-se, no essencial, essa improcedência na circunstância de não se encontrarem reunidos os dois requisitos exigidos na al. g), do art. 813, do CPC, ou seja, a superveniência do facto extintivo da obrigação exequenda e sua comprovação por documento.
Do assim sentenciado, veio a interpor recurso de apelação a embargante, tendo apresentado alegações em que concluiu da forma que se segue:
- A sentença recorrida considerou que o «facto extintivo» a que se reporta a al. h), do art. 813, do CPC, o qual se tem de verificar após o encerramento da discussão, consistiria no endosso dos títulos invocados pela ora recorrente, quando procedeu à compensação;
- Porém, trata-se de raciocínio inexacto, posto que o facto «extintivo ou modificativo» é a compensação a que a ora recorrente procedeu, ao levar a efeito a notificação judicial avulsa em que exprimia essa pretensão (art. 848, n.º 1, do CC), o que ocorreu em 25.6.99 – ou seja, após o trânsito em julgado da sentença dada à execução;
- Por outro lado, a ora recorrente podia, como pôde, proceder à compensação tão só após o trânsito em julgado da decisão dada á execução pelo recorrido – inclusivamente face ao facto de o crédito do recorrido sobre ele apenas ficar definido e concretizado após o trânsito em julgado da respectiva sentença condenatória: até lá apenas existiria um crédito litigioso e, como tal, incerto e indefinido;
- Pelo que assistia, como assiste, ao ora recorrente o direito de apenas proceder à compensação do seu crédito sobre o recorrido após estabelecida e determinada a exigibilidade dessa dívida deste sobre aquela – ou seja, encontrar-se tal dívida plenamente definida por via do trânsito em julgado da sentença;
- O decretado no Ac. do STJ, de 27.1.89, in BMJ 383-501 assenta ao caso dos autos como uma luva por medida: «A compensação só pode servir como fundamento de oposição, por embargos, à execução baseada em sentença, quando seja posterior ao encerramento da discussão na acção em que foi proferida a sentença executada e se prove documentalmente»;
- A compensação ocorreu, assim, em data posterior à do trânsito em julgado da sentença, pelo que o “facto extintivo” se verificou posteriormente ao encerramento da discussão e a mesma encontra-se comprovada documentalmente;
- Ainda que se admitisse como rigoroso o raciocínio da decisão recorrida, a decisão não seria correcta, por em absoluto prematura: ao considerar que o «facto extintivo» da obrigação seria o endosso, a decisão centra-se na circunstância de dele não constar a respectiva data – para apurar se ele se teria verificado após o encerramento da discussão, ponderando que a respectiva prova apenas se poderia fazer por documento;
- Ora, sempre a ora recorrente poderia na fase da prova juntar documento que ateste e comprove a data do endosso – art. 523, n.º 2, do CPC;
- Nem se diga que tal data não fora alegada pela embargante na sua petição, posto que, por um lado, essa data constaria do documento e, como tal, teria de ser tomada em conta pelo tribunal, face ao princípio da aquisição processual (art. 515, do CPC) e, por outro, se assim não se entendesse, sempre lhe assistiria a faculdade de fazer constar dos autos tal data por via da alteração ou correcção do seu articulado na audiência preliminar a que houvesse lugar (art. 508, n.º 1, al. b) e n.º 2);
- A decisão, por ter violado as mencionadas normas, deve ser revogada e substituída por outra que decrete a procedência dos embargos ou, em última análise, o prosseguimento dos autos para apuramento da matéria de facto que se entenda ser ainda relevante.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre tomar conhecimento do mérito da apelação, sendo que a instância mantém a sua validade.
2. FUNDAMENTAÇÃO.
Vejamos, antes de tudo, a matéria de facto que foi tida em conta pela 1.ª instância para a decisão tomada, a saber:
- Por sentença proferida nos autos principais, a ora embargante foi condenada a pagar ao embargado a quantia de 3.900.682$00, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos às taxas sucessivas de 10% e 7% ao ano até integral pagamento;
- Tal decisão transitou em julgado;
- A embargante promoveu a notificação judicial avulsa do embargado em 25/6/99, a qual consta de fls. 4 a 7 dos presentes autos;
- Por via daquela notificação judicial avulsa a embargante declarou proceder à compensação do crédito do embargado resultante da sentença com o que ela embargante sobre ele detém, decorrente da qualidade de portadora de 4 Livranças:
.Livrança emitida em 7.1.88 e vencida em 7.1.97, do valor de. 4.500.000$00 subscrita por “Albino......, Ld.ª” e avalizada pelo embargado e mulher deste;
. Livrança emitida em 12.4.88 e vencida em 12.4.97, do valor de 3.751.366$00;
. Livrança emitida em 27.5.88 e vencida em 27.5.97, do valor de l.400.000$00;
. livrança emitida em 15.11.88 e vencida em 15.11.97, do valor de 600.000$00.
Face às conclusões apresentadas pela apelante, em causa está saber, para efeito do disposto no art. 813, al. g), do CPC, a que momento deve atender-se para aquilatar da superveniência da compensação, por forma a funcionar como excepção ou causa impeditiva da obrigação exequenda.
Na sentença recorrida foi entendido não poder a apelante beneficiar da compensação do seu eventual crédito com o crédito exequendo, por a dívida resultante das livranças de que aquela é portadora terem data de vencimento anterior ao encerramento da discussão na acção principal que reconheceu o aludido crédito exequendo, sendo que tão pouco vem documentada a data em que ocorreu o endosso das aludidas livranças a favor daquela.
Por sua vez, a apelante entende que a superveniência da compensação deve reportar-se à data em que deu a conhecer ao apelado a sua pretensão em ver compensado o seu aludido crédito – através da mencionada notificação judicial avulsa ocorrida em 25.6.99 – já após ter sido proferida a sentença no processo principal (21.4.99), em que foi reconhecido o crédito do apelado, quanto é certo que a declaração de compensação apenas poderia ter sido efectuada após o trânsito da sentença que reconheceu o crédito do apelado, por até aí este último ser litigioso.
Acrescenta ainda que, mesmo a obter acolhimento a tese de que não constava dos ditos documentos – livranças – a data em que se deu o endosso a seu favor e que o momento a atender para averiguar da dita superveniência era o momento em que aquele (endosso) terá ocorrido, sempre o poderia documentar até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, assim sendo prematura a decisão tomada no saneador-sentença.
Analisemos.
Estando em causa nos autos a oposição a execução de sentença condenatória por motivo substancial e que, para os termos do art. 813, al. g), do CPC, se poderá fundar em
“Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento”,
teremos de ponderar que, conforme resulta deste normativo, para poder funcionar esse facto extintivo ou modificativo necessário se torna a verificação cumulativa de dois requisitos: que o facto seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento.
Um das causas de extinção das obrigações é a compensação, a qual funciona “ex voluntate” e não “ex lege”, através de declaração compensatória (art. 848, n.º 1, do CC), verificando-se a compensação de créditos desde o momento em que se tornam compensáveis (art. 854, do CC).
Pretende-se, então, saber em que medida pode precludir a possibilidade de se invocar esse facto extintivo da obrigação na situação como a que se discute nos autos, em que foram deduzidos embargos a execução de sentença condenatória.
Escreve Anselmo de Castro que “... exigem, todavia, os fins do caso julgado que o direito que foi declarado valha e possa ser executado nos precisos termos em que ficou definido, com o que é incompatível oposição à execução por compensação de contracrédito anterior”.
Para o caso de que nos ocupamos e por forma a poder operar a compensação, a superveniência desta última determina-se pelo momento em que se verificam as condições de compensabilidade dos créditos.
E o critério a atender passa por saber se o efeito extintivo ou modificativo podia ter sido provocado pelo interessado até ao encerramento da discussão da acção declarativa ou se tal efeito não podia ter-se produzido nessa acção, dado ainda não estarem reunidas as condições para a sua produção.
Assim, no caso de ter estado ao alcance do executado provocar esse efeito extintivo ou modificativo na acção declarativa, funciona a regra de preclusão decorrente dos limites temporais do caso julgado, não podendo aquele efeito ser invocado na acção executiva; enquanto, se a possibilidade de produzir esse efeito for posterior ao encerramento da discussão, já não existe preclusão e tal efeito pode ser obtido através de embargos de executado – v. neste sentido Teixeira de Sousa, in Acção Executiva Singular”, págs. 170 a 171 e Lebre de Freitas, in “A Acção Executiva”, 2.ª ed., pág. 147.
Deste enunciado é possível retirar a ilação de que a superveniência da compensação, como facto extintivo de uma obrigação resultante de sentença condenatória, não pode ser aferida pelo momento da declaração da compensação, sob pena de que - utilizando as palavras de Teixeira de Sousa - “... então nenhum significado teria o ónus de apresentação da excepção na contestação, pois o réu poderia sempre vir a torná-la superveniente proferindo a declaração compensatória posteriormente ao termo do prazo de contestação ou do encerramento da fase de discussão e julgamento. Por isso, a superveniência da compensação determina-se pelo momento em que se verificam as condições de compensabilidade dos créditos...” – in BMJ 328-113, bem assim o Ac. do STJ, de 6.10.87, in BMJ 370-496.
Daqui resulta que não pode ser acolhida a tese da apelante ao defender que a superveniência do facto extintivo, configurado este na compensação invocada, deve ser aferida pelo momento em que deu a conhecer ao apelado a declaração de compensação – 25.6.99 – através da falada notificação judicial avulsa – v. também sobre esta problemática Vaz Serra que parece defender tese diferente da que se acaba de expor ao escrever que “... o que, no caso de compensação, extingue o crédito não é a situação de compensação (compensabilidade dos créditos), mas a declaração de compensação, e, portanto, se esta for posterior ao encerramento da discussão no processo declarativo, tanto basta para poder ser oposta pelo devedor-executado ao credor-exequente.”, in RLJ, Ano 105, pág. 52, no seu estudo “Algumas questões em matéria de compensação no processo”.
Aliás, também é insubsistente a razão aduzida pela mesma apelante de que só pôde proceder à compensação após o trânsito em julgado da decisão proferida na aludida acção principal, por o crédito do embargado ser litigioso.
Na verdade, pela circunstância de o crédito do embargado ainda não se encontrar reconhecido no momento inicial em que foi reclamado na acção principal tal não era impeditivo a que a aqui embargante tivesse usado do direito potestativo de pretender a eventual compensação do seu crédito com o que fosse reconhecido ao embargado, para tanto bastando defender-se por excepção, fazendo operar a mesma a título subsidiário e para o caso de proceder o crédito do embargado.
E, salvo melhor entendimento, a tal constatação não se opõe o que vem estipulado nos arts. 847, 848 e 853, todos do CC, ao estabelecerem os requisitos em que pode funcionar a compensação legal, pois que se é exigível a existência de dois créditos recíprocos para, entre o mais, funcionar a dita compensação, também é verdade que a existência desses créditos podem vir a comprovar-se na respectiva acção declarativa, sem que tenham de estar já reconhecidos antecipadamente e fora dessa acção onde pode ser efectivada a compensação – v., a este respeito, a posição defendida por Vaz Serra no estudo supra referido “Algumas questões ...”, in RLJ, Ano 104, págs. 373 a 374 e Ano 105, págs. 4 a 5.
Apesar dos considerandos acabados de expender continua de pé saber se o contracrédito da embargante era anterior ou não ao encerramento da discussão na acção em que foi proferida a sentença exequenda.
Do que vem alegado pela apelante na petição de embargos não resulta o momento em que a embargante se tornou titular das mencionadas livranças e assim titular de um crédito sobre o embargado, apenas resultando que aquelas tiveram o seu vencimento durante o ano de 1997 (de Janeiro a Novembro), desconhecendo-se em que altura foram objecto de endosso a seu favor.
Ora, competia à apelante ter alegado e comprovado documentalmente tal circunstância, pois que, como supra referimos, um dos requisitos para a oposição com o fundamento estabelecido na al. g), do art. 813, do CPC é que o facto extintivo seja posterior ao encerramento da discussão no processo declarativo.
Existe total omissão na alegação desse requisito por parte da embargante e da documentação junta não é possível ultrapassar essa omissão.
A propósito desta questão, aduz a apelante que tal omissão sempre poderia ser suprida na fase da prova ou então na audiência preliminar a que houvesse lugar.
Não nos parece que esta argumentação possa ter acolhimento por forma a conduzir à procedência da pretensão da recorrente.
Vejamos.
A nosso ver, a apelante omite factos ou, pelo menos, os alegados e os que resultam da documentação junta são insuficientes para conduzir ao reconhecimento da verificação do mencionado requisito de superveniência do seu crédito, para assim fazer funcionar o fundamento de oposição previsto na aludida al. g), do art. 813, do CPC.
E, diante dessa omissão ou insuficiência - sendo que não pode colher a superveniência do crédito da apelante por referência ao momento da declaração da compensação – então o pedido formulado terá de naufragar, como consequência directa e necessária daquelas – v., a propósito e para idênticas situações, Alberto dos Reis, in “Comentário ao Código Processo Civil”, vol. II, pág. 372.
E também não faz sentido referir que a todo o tempo – aquando da fase da prova ou da correcção do seu articulado na audiência preliminar – poderia ultrapassar essa falta de concretização do momento do endosso, posto que os autos, na altura de ser proferido o despacho saneador, forneciam já os elementos necessários a que se conhecesse do mérito da causa para os termos do art. 510, n.º 1, al. b), do CPC, não sendo obrigatória a realização da audiência preliminar, a qual foi dispensada pelo tribunal “a quo”, ao abrigo do disposto no art. 508, n.º 1, al. b), do CPC.
De tudo quanto se acaba de expor parece resultar que a situação factual descrita e alegada pela embargante não reúne as condições necessárias para ser atendida como fundamentação para oposição à execução instaurada, já que não pode, como vem pretendido, ser integrada na previsão de existência de um facto extintivo superveniente para os termos do art. 813, al. g), do CPC.
3. CONCLUSÃO.
Pelo que se acaba de expor, decide-se julgar improcedente a apelação, assim se confirmando a sentença recorrida.
Custas em ambas as instâncias a cargo da apelante.
Porto, 15 de Fevereiro de 2001
Mário Manuel Baptista Fernandes
Leonel Gentil Marado Serôdio
Norberto Inácio Brandão