Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0730569
Nº Convencional: JTRP00040098
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
NATUREZA DA OPOSIÇÃO
INCIDENTES DA INSTÂNCIA
VALOR DA CAUSA
OMISSÃO
CONSEQUÊNCIAS
Nº do Documento: RP200702220730569
Data do Acordão: 02/22/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 707 - FLS 152.
Área Temática: .
Sumário: I - Diversamente da contestação da acção declarativa, a oposição à execução, constituindo, do ponto de vista estrutural, algo de extrínseco à acção executiva, toma o carácter de uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executiva e (ou) da acção que nele se baseia, daí que o requerimento de oposição equivalha à petição inicial da acção declarativa, a que deve aplicar-se o art. 467° do Código de Processo Civil, devidamente adaptado, devendo conter menção do valor da causa.
II - A oposição à execução, no que respeita ao seu valor, deve ser tratada como incidente da instância à semelhança do que ocorre com os embargos de terceiro, sendo-lhe aplicável o disposto nos arts. 313°, n°l, e 316º do Código de Processo Civil.
III - Assim o valor da oposição é o da execução a que respeita, salvo se tiver realmente valor diverso deste (art. 313°, n° l); se, porém, o opoente não indicar o valor, entende-se que aceita o valor dado à execução (art. 316°, n°1).
IV - Se no requerimento de oposição não foi indicado, expressamente, qualquer valor, deve ter-se como aceite o valor dado à execução.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
B………. veio deduzir oposição à execução que lhe é movida por C………., S.A..

Concluiu pela procedência da oposição, com fundamento na nulidade do contrato de crédito que celebrou com a exequente e na revogação deste contrato.
Sem prescindir, deduziu incidente para prestação de caução, indicando como valor a caucionar o valor da execução.

No despacho liminar foi ordenada a notificação da executada para indicar o valor da oposição, sob pena de operar o disposto no art. 314º nº 3 do CPC.
Seguidamente, e por a executada não ter indicado o valor da causa no prazo fixado, foi julgada extinta a instância com fundamento na disposição legal referida.

Discordando desta decisão, dela interpôs recurso a opoente, de agravo, tendo apresentado as seguintes

Conclusões:
1. A oposição à execução é uma figura processual dependente de uma acção executiva em curso, de existência eventual, e cujo processado representa um desvio da tramitação normal, típica, daquela.
2. Por conseguinte, reveste as características de incidente da instância executiva.
3. O valor processual do incidente é, por regra, o da causa a que respeita.
4. A falta de indicação do valor da causa, na petição de oposição, tem o significado de o oponente aceitar o valor da acção executiva de que é dependência.
5. Ainda que assim se não entendesse, certo é que a utilidade económica imediata do pedido, na oposição à execução, é igual à utilidade económica imediata da própria execução.
6. Daí que o valor da oposição seja o mesmo que o da respectiva execução.
7. Assim, a falta de indicação do valor da causa, na petição de oposição à execução, deve conduzir, por recta interpretação, a que lhe seja atribuído o mesmo valor da execução, sem que tal omissão constitua entrave ao prosseguimento da oposição.
8. A decisão de ordenar a extinção da instância de oposição, por falta de indicação do valor da causa, viola as disposições dos arts. 302°, 305°, 313° - n° 1 e 316° - n° 1, todos do C. Proc. Civil.
Termos em que deve ser revogado o despacho aqui recorrido, fixando-se, em consequência, o valor da oposição em € 21.580,27, por ser este o valor da execução e ordenar-se o prosseguimento dos autos.

A agravada apresentou contra-alegações concluindo pelo não provimento do recurso.
O Sr. Juiz sustentou a sua decisão.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.

Questões a resolver:

Trata-se de decidir se na oposição à execução a falta de indicação de valor tem por consequência a absolvição da instância, prevista no art. 314º nº 3 do CPC.

III.

Os elementos a considerar são apenas os que constam do relatório precedente, decorrentes da tramitação processual.

IV.

Na decisão recorrida teve-se em consideração a norma do art. 314º nº 3 do CPC[1], que dispõe: quando a petição inicial não contenha a indicação do valor e, apesar disso, haja sido recebida, deve o autor ser convidado, logo que a falta seja notada e sob a cominação de a instância se extinguir, a declarar o valor (...).
A recorrente sustenta, porém, que a oposição à execução constitui um incidente da instância, sendo-lhe aplicável a norma do art. 316º nº 1, segundo a qual, se a parte que deduzir qualquer incidente não indicar o respectivo valor, entende-se que aceita o valor dado à causa (...).

Alberto dos Reis afirmava que a oposição por simples requerimento ou por embargos – e especialmente esta – tem a configuração e exerce o papel de acção declarativa enxertada no processo de execução. Segue-se daqui que o requerimento de oposição e a petição de embargos equivalem a uma petição inicial para acção declarativa[2].
Após a Revisão de 95, continuou a entender-se que os embargos de executado constituíam acções declarativas, estruturalmente autónomas, porém instrumental e funcionalmente ligadas às acções executivas – nelas correndo por apenso – pelas quais o executado pretendia impedir a produção dos efeitos do título executivo[3].

A reforma da acção executiva, operada pelo DL 38/2003, de 8/3, não alterou, na sua vertente substancial (sentido e função) a figura da oposição à execução[4].
Diversamente da contestação da acção declarativa, a oposição à execução, constituindo, do ponto de vista estrutural, algo de extrínseco à acção executiva, toma o carácter de uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executiva e (ou) da acção que nele se baseia[5].

A oposição à execução constitui, assim, em rigor, uma acção declarativa estruturalmente autónoma.
Por isso, o requerimento de oposição equivale à petição inicial da acção declarativa, a que deve aplicar-se o art. 467º, devidamente adaptado[6].
Como tal, e como aí se prevê, deve conter a indicação do valor da causa – nº 1 al. f).

Será de ponderar, porém, que a oposição constitui também, como afirmámos, uma acção declarativa ligada instrumental e funcionalmente à acção executiva em que se enxerta.
Na sua dinâmica, é uma fase eventual da acção executiva, garantindo ao executado a defesa contra a pretensão do exequente; a oposição corresponde ao exercício do direito de defesa face a essa pretensão.
A oposição tem um valor próprio, correspondente à sua utilidade económica – art. 305º nº 1. Mas esta coincide com o valor da execução ou, se não a abranger na totalidade, com o valor da parte a que a oposição se refere. Pode ser igual ou inferior, mas não superior ao valor da acção[7].

Perante estas características, parece desajustada, revelando excessivo rigor formal, a consequência a que chegou a decisão recorrida para a falta de indicação de valor na oposição.
É certo que tal consequência é a que se encontra prevista para a falta de indicação de valor na petição inicial da acção, se a parte não corresponde ao convite formulado para suprir essa falta – art. 314º nº 3.
Visa-se aí, porém, o caso normal da petição inicial de uma acção, em que tal indicação se revela indispensável para a determinação da competência do tribunal, da forma de processo comum e da relação da causa com a alçada (art. 305º nº 2).
Relevância que não se verifica em toda a extensão em relação ao requerimento de oposição.

Por outro lado, apesar de a oposição ter valor próprio, este é sempre delimitado pelo valor da execução, dependendo deste, apenas podendo ser igual ou inferior.
A autonomia da oposição consubstancia-se e é resultado da sua tramitação declarativa, pautada, por isso mesmo, pelos princípios que enformam o processo declarativo, designadamente os princípios da igualdade e do contraditório (diferentemente do que sucede na acção executiva em que, por estar em causa a realização coerciva de uma pretensão, a posição processual do executado conhece algumas restrições)[8].
Será de realçar, porém, como é revelado pela própria denominação – oposição à execução – a estreita conexão e dependência funcional – a oposição visa atacar o título e/ou a acção em que este assenta, correndo por apenso a esta – que se estende à sua utilidade económica e valor.

O Direito, como afirma Menezes Cordeiro[9], não estatui em abstracto: ele pretende a prossecução de determinados objectivos, em termos de efectividade; daí o primado da teleologia e a ponderação das consequências da decisão como um dos elementos da moderna teoria interpretativa.
No caso, o valor da oposição é aferido, nos termos gerais, pela utilidade económica desta. Mas esse valor é delimitado pelo valor da execução.
Nas normas dos arts. 305º e segs não se prevê um regime específico para a fixação do valor da oposição à execução, diferentemente do que ocorre para efeito de custas.
Daí que, pelas particularidades de regime que deixámos enunciadas, se nos afigure mais razoável e adequado que a oposição à execução seja tratada, no que respeita ao seu valor, como incidente da instância[10] – à semelhança, aliás, do que ocorre com os embargos de terceiro[11] – sendo-lhe aplicável o disposto nos arts. 313º nº 1 e 316º.

Devendo considerar-se para este efeito como incidente, o valor da oposição é o da execução a que respeita, salvo se tiver realmente valor diverso deste (art. 313º nº 1)[12]; se, porém, o opoente não indicar o valor, entende-se que aceita o valor dado à execução (art. 316º nº 1).
No caso, uma vez que no requerimento de oposição não foi indicado expressamente qualquer valor, deve ter-se como aceite o valor dado á execução.

De qualquer modo, mesmo que não se subscrevam as razões que acima explanámos, afigura-se-nos que, no caso, o teor do requerimento de oposição conduz a idêntica conclusão.
É que, a final, a opoente deduziu incidente de prestação de caução, nos termos e para efeitos do disposto no art. 818º nº 1, isto é, para obter a suspensão da execução. E indicou que o valor a caucionar é o valor da execução, o que significa que a oposição respeita a toda o objecto da execução.
Daí que fosse de concluir, sem excessivo esforço, parece-nos, ser aquele também o valor da oposição.

Procedem, por conseguinte, as conclusões do recurso.

V.

Em face do exposto, no provimento do agravo, revoga-se a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir, considerando-se como valor da oposição o valor da execução.
Custas pela agravada.

Porto, 22 de Fevereiro de 2007
Fernando Manuel Pinto de Almeida
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
Mário Manuel Baptista Fernandes

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[1] Como todos os preceitos adiante citados sem outra menção.
[2] Processo de Execução, Vol. 2º, 48. Cfr. também Anselmo de Castro, Acção Executiva singular, 2ª ed., 276 e Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª ed., 250; e os Acs. do STJ de 15.3.60, BMJ 95-170, de 22.2.79, BMJ 284-142 e da Rel. de Coimbra de 21.1.86, CJ V, 1, 37.
[3] Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum, 150 e 151; Lebre de Freitas, Aplicabilidade do art. 486º nº 2 do CPC à dedução de embargos de executado, em Estudos Sobre Direito Civil e Processo Civil, 537 e 538.
[4] As alterações incidiram nos efeitos e tramitação, para além do próprio nome – cfr. Paula Costa e Silva, As Garantias do Executado, em A Reforma da Acção Executiva, Themis, ano IV, nº 7, 204 e 205.
[5] Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 4ª ed., 188; Paulo Pimenta, Acções e incidentes declarativos na dependência da execução, em A Reforma da Acção Executiva, Thémis, Ano V, nº 9, 73.
[6] Lebre de Freitas, CPC Anotado, Vol. 3º, 324.
[7] Cfr. Teixeira de Sousa, A Acção Executiva Singular, 180; Ac. da Rel. de Coimbra de 9.2.88, BMJ 374-546 e da Rel. do Porto de 18.5.95, em www.dgsi.pt.
[8] Cfr. Paulo Pimenta, Ob. Cit., 56.
[9] Tratado de Direito Civil Português, I, Tomo I, 82.
[10] Teixeira de Sousa, Ob. Cit., 163 e 180, afirma mesmo que os embargos de executado constituem um incidente da execução; são processos declarativos incidentais da acção executiva.
[11] Cfr. Lebre de Freitas, CPC Anotado, Vol. 1º, 554. Como refere este Autor – Enxertos Declarativos no Processo Executivo, Estudos cits., 642 e 643 – os embargos de terceiro aparecem mais vocacionados para continuarem a ter o tratamento de acção declarativa do que o incidente para o qual aponta a sua nova sistematização (entre os incidentes da instância e, mais concretamente, ao lado da oposição em processo declarativo).
[12] É este também o regime aplicável para efeito de custas – art. 6º nº 1 j) do CCJ: na oposição à execução (considera-se como valor) o do processo em que foi deduzida ou, se for parcial, o da respectiva parte.