Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0514520
Nº Convencional: JTRP00038701
Relator: MACHADO DA SILVA
Descritores: COLIGAÇÃO ACTIVA
VALOR DA CAUSA
Nº do Documento: RP200601160514520
Data do Acordão: 01/16/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL.
Área Temática: .
Sumário: No caso de coligação activa voluntária, o valor da causa a atender para efeitos de alçada é o de cada uma das acções coligadas pelos diversos autores, e não a soma dos valores dessas individualizadas pretensões.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

1. B........, C......., D......, E....., intentaram a presente acção, com processo comum, contra F......, Lda., pedindo o pagamento das seguintes quantias:
a) ao A. B......, as quantias de € 384,00, € 188,76, € 41,60, respectivamente a título de diferenças salariais, de subsídio de refeição e de subsídio de transporte, no montante total de € 614,36;
b) à 2ª A. C......, as quantias de € 775,68; € 188,76; € 41,60, respectivamente a título de diferenças salariais, de subsídio de refeição e de subsídio de transporte, no montante total de € 1.006,04;
c) ao 3º Autor D......., as quantias de € 918,48, € 188,77, € 41,60, respectivamente, a título de diferenças salariais, de subsídio de refeição e de subsídio de transporte, no montante total de € 1.148,84; e
d) ao 4º Autor E...., as quantias de € 918,44; € 188,76; € 41,60, respectivamente, a título de a título de diferenças salariais, de subsídio de refeição e de subsídio de transporte, no montante total de € 1.148,84, tudo no valor global de € 3.918,08,
mais pedindo os AA. a condenação da R. a cumprir os contratos individuais de cada A., no tocante aos seus direitos e regalias.
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Contestou a R., sustentando que o acordo invocado pelos AA. na petição, anteriormente celebrado entre os AA. e a empresa que então assegurava os serviços de limpeza no Aeroporto do Porto, não a vinculava.
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Findos os articulados, foi de imediato proferida decisão, foi a acção julgada procedente e, consequentemente, condenada a Ré a pagar a cada um dos Autores B......, C....., D....., e E....., as quantias supra discriminadas em 1. e a cumprir, relativamente a todos eles, o conteúdo do acordo de 27.10.2002 entre a "G....., Lda." e o H..... e os trabalhadores colocados no Aeroporto do Porto.
Mais foi a Ré condenada, como litigante de má fé, na multa de quatro UC.
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Inconformada com esta decisão dela recorreu a R., formulando as seguintes conclusões:
1. A sentença recorrida é nula por falta de especificação de fundamentos de facto e de direito, omissão, excesso de pronúncia e por condenar em objecto diverso do pedido.
2. O processo é nulo por não ter sido designada audiência de partes.
3. A douta sentença recorrida, ao conhecer do pedido e decidir do mérito da causa, no despacho saneador violou o disposto nos arts. 61º, nº2 do CPT e 510º, nº2, b) do CPC, bem como os princípios do dispositivo e do contraditório.
4. Só deve conhecer-se do pedido no despacho saneador se o processo contiver, seguros, todos os elementos que possibilitam decisões segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito e não somente aqueles que possibilitam a decisão de conformidade com o entendimento do juiz do processo.
5. Ora tendo a Recorrente impugnado diversos factos e documentos, indicado meios de prova e suscitado outras questões nunca poderia o processo ser decidido antes de se possibilitar essa prova.
6. Nem antes do julgamento pois a Recorrente podia sempre carrear para os autos mais provas, até a audiência de julgamento, devendo também o tribunal ter em consideração todos os factos que pudessem surgir, mesmo no decurso do processo ou da produção de prova.
7. A decisão da causa ao ser efectuada em conformidade apenas com o entendimento do juiz do processo, quanto à determinação das questões suscitadas pelas partes, violou as garantias da Recorrente.
8. O Tribunal a quo conheceu do mérito da causa sem que o processo estivesse devidamente instruído, e numa causa que não é simples.
9. A douta sentença recorrida considerou como assente diversa matéria que foi impugnada especificadamente pela Recorrente.
10. Os factos assentes sob os números 2 a 9 e 14 a 16, foram impugnados pela Recorrente e não são do seu conhecimento pessoal.
11. Por outro lado a decisão recorrida não teve em consideração diversos dos factos que foram alegados pela Recorrente e tinham interesse para a boa decisão da causa, como foi o caso do alegado sob os arts. 12º a 16º, 28º, 35º e 36º da contestação.
12. A Recorrente foi condenada em objecto diverso do pedido.
13. Nunca o alegado acordo de empresa celebrado entre os Recorridos, a sua anterior empregadora e um sindicato poderia ser considerado transmitido para a Recorrente, por via da cláusula 17a do CCT.
14. Um acordo de empresa que não foi depositado nem publicado no BTE, não pode ser considerado como fonte de direito, nem a Recorrente condenada a cumpri-lo.
15. Por outro lado esse acordo visava uma situação diferente da que foi transmitida à Recorrente, pelo que nunca lhe seria oponível.
16. A Recorrente determinou a remuneração dos Recorridos de acordo com a carga horária por estes prestada.
17. À Recorrente competia definir o modo de organização do trabalho por turnos dos Recorridos.
18. A Recorrente não litigou de má-fé, nem impugnou documento que fosse do seu conhecimento pessoal.
19. Mostram-se violadas as disposições dos arts. 456º, 490, nº3, 510º, nº2 b), 661º, nº1 e 668º, nº1 do CPC, art. 55º e 61º, nº2 do CPT, , art. 7º, do D.L. 519-C1/79, 170º, 263º, 552º e 581º do CT, art. 27º da LDT e cláusula 17' do CCT para o sector das limpezas.
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Os Autores responderam ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, suscitando, ainda, como questão prévia que não devia ser admitido o recuso interposto pela Ré.
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Nesta Relação, a Ex.ma Sr.ª Procuradora da República emitiu o seu douto parecer no sentido de não ser admitido o recurso da R., salvo no tocante à questão da litigância de má fé, questão em que devia ser concedido provimento.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. Factos provados (na 1ª instância):
1º- Todos os Autores encontravam-se em 1/9/2002 ao serviço de "G......", para lhe prestarem trabalho sob as suas ordens e direcção, nos seus clientes.
2º- Tendo sido colocados no Aeroporto do Porto, em Pedras Rubras, Concelho da Maia.
3º- O 1º B..... e o 4º E..... .
4º- A 2º A., C....., como trabalhadora de limpeza.
5º- O 3º A., D....., como lavador de vidros
6º- Todos no regime de horário completo e no turno das 23h /07h.
7º- Em 27 de Outubro de 2000, a G....., LDA, então a empresa adjudicatária da limpeza do Aeroporto do Porto celebrou com o H...... e os trabalhadores colocados no Aeroporto de Porto um acordo pelo qual estes, tendo em conta o regime de laboração contínua, não poderiam cumprir mais de quatro dias consecutivos de trabalho que seriam sempre seguidos de dois dias de folga cláusula 2ª, nº1 e do Acordo junto de fls. 16/22, que se dá aqui inteiramente por reproduzido.
8º- Nos termos do nº 2 da citada cláusula 2ª, o cumprimento do horário de trabalho, nos termos previstos no número anterior considera-se para todos os efeitos, legais ou convencionais, como prestação de trabalho a tempo inteiro.
9º- Todos os Autores aderiram a esse horário de trabalho e mantiveram intactos os salários correspondentes ao trabalho prestado a tempo inteiro.
10º- Em 1.9.2002, o Aeroporto de Porto adjudicou à R. F..... os serviços de limpeza das suas instalações.
11º- Nessa data os Autores transitaram para a Ré, que os recebeu como seus trabalhadores em 1 de Setembro de 2002.
12º- A Ré manteve-os a laborar 4 dias consecutivos de trabalho seguidos de dois dias de folga com o pagamento integral do salário correspondente ao tempo de trabalho a tempo inteiro.
13º- Por cartas de 6 de Dezembro de 2002 dirigidas aos Autores, juntas de fls. 37/39, e se dão aqui inteiramente por reproduzidas, a R., invocando que o Acordo celebrado entre a G....., os trabalhadores do Aeroporto seu Sindicato não se transferira nos termos da cláusula 17ª e 37ª do CCT, entendeu não aplicá-lo a partir dessa data.
14º- Como os Autores recusaram a proposta de alargamento do horário, a R. passou a descontar-lhes mensalmente um dia de trabalho, a partir de Janeiro de 2003 em diante até ao presente.
15º- A R. não desconta esse dia nos subsídios de férias e de Natal aos Autores.
16º- Deste modo, a R. descontou a cada um dos autores as seguintes quantias:
a) 1ºAutor: B......:
2003 - 3meses x € 37,84 = € 113,52,
2004 - 7meses x € 38,64 = € 270.48,
total € 384,00.
O A. esteve de baixa de Abril de 2003, inclusive até Maio, inclusive, de 2004.
b) 2ª Autora: C......:
2003 – 12 meses x € 32,00 = € 384,00,
2004 – 12 meses x € 32,64 = € 391,68,
total € 775,68,
c) 3º Autor: D.....:
2003 – 12 meses x € 37,84 = € 454,08
2004 – 12 meses x € 38,64 = € 463,68
total € 918,48,
d) 4º Autor: E......:
2003 – 12 meses x € 37,84 = € 454,08
2004 – 12 meses x € 38,64 = € 463,68
total € 918,48.
17º- Nos termos do Acordo supra descrito, para os trabalhadores do Aeroporto do Porto, incluindo os aqui AA., o subsídio de alimentação é actualizado anualmente na mesma percentagem que for acordada, aquando da revisão do CCT do sector, para o aumento do subsídio de alimentação contratual, arredondada para a meia dezena de escudos imediatamente superior (nº2 da Cláusula 7ª) e o valor do subsídio de transporte é indexado ao valor do passe "L" Lisboa e será actualizado sempre que este o seja (nº2 da Cláusula 8ª)
18º- A R. recusa-se a proceder às referidas actualizações, continuando os Autores a receber € 1,58 de subsídio de alimentação e € 20,65 de subsídio de transporte.
19º- Os Autores continuam a cumprir o horário de 4 dias consecutivos seguidos de dois dias de folga.
20º- A R. recebeu da G..... a relação dos seus trabalhadores no Aeroporto do Porto por ofício de 2 de Setembro de 2002, com a expressa descriminação dos seus horários.
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3. Questão prévia:
Alegam os Autores, ora recorridos, que intentaram coligadamente a presente acção, tendo, cada um, pedido a condenação da Ré nas seguintes quantias:
- O B......, em € 614,36;
- A C......, em € 1.006,04;
- O D....., em € 1.148,84;
- O E......, em € 1.148,84.
Daí o valor da acção ser de € 3.918,08.
Ora, para efeito de recurso, conta só o valor do pedido de cada um dos Autores. Assim, e uma vez que cada um dos pedidos não excede o valor da alçada do tribunal de 1ª instância, a sentença é irrecorrível.
Cumpre, assim, reexaminar a admissibilidade do recurso uma vez que quer o despacho que admitiu o recurso no tribunal recorrido quer o despacho inicial do relator são susceptíveis de serem alterados por este tribunal superior, agora em conferência – cfr. art. 687º, nº 4, do CPC.
Concorda-se, no essencial, com tal argumentação – cfr., entre outros, ac. STJ, de 11.12.2003, proc. nº 03S2049: "No caso de coligação activa voluntária, o valor da causa a atender para efeitos de alçada é o de cada uma das acções coligadas pelos diversos Autores, e não a soma dos valores dessas individualizadas pretensões".
No caso em apreço, o valor da causa considera-se definitivamente fixado a partir da data em que foi proferida a sentença – art. 315º, nº 3, do CPC.
A alçada dos tribunais de 1ª instância é de € 3.740,98 (art. 24º, nº 1, da Lei nº 3/99, de 13/1, na redacção introduzida pelo DL nº 323/2001, de 17/12).
Dispõe o nº 1 do art. 678º do CPC que "só é admissível recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunal".
Assim sendo, considerando o valor de cada uma das causas coligadas, o recurso interposto pela Ré apenas é admissível na parte em que foi condenada como litigante de má fé, uma vez que, como decorre do nº 3 do art. 456º do CPC, "independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé".
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- Litigância de má fé.
Como vem sendo pacificamente entendido nesta Relação, na sequência também do acórdão do Tribunal Constitucional, nº 289/2002, de 03.07.2003, in DR, nº 262, de 13.11.2002, II Série, a condenação como litigante de má fé deve ser precedida de discussão contraditória, em obediência ao disposto no art. 3º, nº 3, que proíbe as decisões-surpresa.
Por isso, quando não tenha sido objecto de discussão entre as partes, designadamente em alegação que preceda a decisão, deve o tribunal, antes de a proferir, proporcionar o contraditório, ouvindo, nomeadamente a parte contra a qual tem a intenção de proferir a condenação como litigante de má fé".
No caso concreto, a Ré não foi previamente ouvida, pelo que não se pôde defender da imputação oficiosa de má fé em que foi condenada.
Houve pois violação do contraditório pelo que, nesta parte, a apelação merece provimento.
Acresce que, no caso, nem sequer se justificava tal condenação, na medida em que a R., na contestação, no tocante ao acordo celebrado em 27.10.2000, constante dos pontos nºs 7 a 9, supra transcritos, no qual não interveio, limitou-se apenas a expor a sua convicção jurídica de o mesmo não a vincular.
Tal convicção jurídica não foi acolhida pela sentença recorrida, mas daí, só por si, não resulta que tal conduta da R. seja suficientemente dolosa ou negligente para uma condenação como litigante de má fé.
Finalmente, mesmo admitindo-se a litigância de má fé da R., devia ter sido cumprido o disposto no art. 458º do CPC, o que não sucedeu, tendo sido, sem mais, condenada a recorrente.
Em consequência, procedem, nesta parte, as conclusões da recorrente.
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4. Atento o exposto, e decidindo:
Acorda-se em conceder provimento ao recurso na parte relativa à condenação da Ré como litigante de má fé, assim revogando, nessa parte, a decisão recorrida, não tomando conhecimento da parte restante do recurso, por este ser inadmissível.
Custas por recorrente e recorridos, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 2/3 e 1/3, respectivamente.
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Porto, 16 de Janeiro de 2006
José Carlos Dinis Machado da Silva
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa