Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00040247 | ||
Relator: | DIAS CABRAL | ||
Descritores: | SEGREDO DE JUSTIÇA DIREITOS DE DEFESA DO ARGUIDO | ||
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Nº do Documento: | RP200704180741433 | ||
Data do Acordão: | 04/18/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | LIVRO 260 - FLS 355. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | O arguido, ao ser interrogado nos termos do artº 141º do CPP98, tem que ser informado dos factos imputados, mas não das provas contra ele recolhidas. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto. Os arguidos B………., C………., D………. e E………., devidamente identificados nos autos, interpuseram recurso dos despachos que, em primeiro interrogatório de arguido detido, “impediram o acesso às peças processuais e meios de prova que fundamentaram a aplicação dessa mesma medida de coacção, bem como, não declarou a nulidade da revista e apreensões e impôs aos arguidos a medida de coacção de prisão preventiva”, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões: 1. Não foi dado acesso aos recorrentes às peças processuais e meios de prova que fundamentaram e impuseram - no entendimento do tribunal a quo - da prisão preventiva, nem que, permitissem aferir da legalidade dos actos praticados; 2. Ora, salvo o devido respeito e melhor opinião, para além de o Tribunal a quo não ter considerado o disposto no nº 5 do art. 86º do Código Processo Penal, o qual permite à autoridade judiciária que preside à fase processual respectiva dar ou ordenar ou permitir que seja dado conhecimento a determinadas pessoas do conteúdo de acto ou de documento em segredo de justiça, se tal se afigurar conveniente ao esclarecimento da verdade, como era o caso, é também nosso entendimento que a própria interpretação que o Tribunal a quo fez das normas por si invocadas - 141°, nº 4 e 89° nº 2 do Código Processo Penal - é inconstitucional, uma vez que atenta contra as mais elementares garantias de defesa constitucionalmente plasmadas no art. 32° da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente o direito de defesa, e de recurso, que não podem ser coarctadas sob pena de o direito a impugnar o despacho que aplica a medida de coacção ser eminentemente formal; 3. Acresce que também essa decisão violou e viola os princípios do contraditório e do acesso aos tribunais, na medida em que a representante do Ministério Público - que se configura opositor da tese sustentada pelo arguido, nomeadamente quanto à nulidade da revista invocada e quanto à desadequação e desproporcionalidade da medida de coacção de prisão preventiva - dispõe de um livre e incondicional acesso aos autos; 4. Acresce que, tendo esses autos e diligências sido determinantes e não tendo o aqui recorrente acesso aos mesmos não teve nem podia ter, no entendimento do tribunal a quo, sequer acesso aos autos de reconhecimento e auto de notícia, detenção e revista cuja legalidade pôs em causa, não pode formar o seu próprio juízo quanto a legalidade dos procedimentos e cumprimento da lei por parte dos órgãos de polícia criminal, nem quanto à bondade da própria decisão que deseja pôr em crise, nem contrapor os argumentos que entenda poderem abalar os fundamentos da decisão, porque desconhece em absoluto os autos e peças processuais relativas ao alegado crime dos autos e a outros crimes que agora também são imputados aos aqui arguidos; 5. Aliás os aqui recorrentes desconhecem em absoluto sequer se alguma vez foram suspeitos nesses processos citados pela Ilustre Procuradora e Mma. Juiz durante o primeiro interrogatório, nem sequer foram, cm momento algum do primeiro interrogatório, por esta última, confrontados com os factos que são imputados nesses processos cujos crimes foram alegadamente praticados noutras circunstâncias de tempo e lugar, que não a dos crimes dos autos. Mas mesmo assim foram os mesmos valorados nomeadamente "documentos relativos ao NUIPC ../07.5GALSD e ../07.9 GALSD" - e foi indiciada a sua prática por todos os arguidos, sem que os arguidos se pudessem defender. Mais permitiu a sua valoração - ao tribunal a quo - concluir pela existência de "um premente perigo da continuação da actividade criminosa”. 6. Termos e fundamentos por que, em provimento do presente recurso, deve a decisão proferida ser revogada e, em consequência. ser facultado ao recorrente o requerido acesso aos autos quanto a todos os elementos probatórios indiciários necessários à sua defesa, designadamente os que fundamentaram a aplicação da prisão preventiva; 7. Pelas razões supra invocadas a apreciação da regularidade das detenções, das revistas e apreensões encontra-se prejudicada porque os recorrentes não tiveram acesso aos respectivos autos, pelo que para além de reiterarem os fundamentos por si invocados no primeiro interrogatório judicial que aqui dão por reproduzidos para todos os efeitos legais, apenas reiterarão que não foram detidos em flagrante delito ou quase flagrante delito, e as revistas foram levadas a cabo ao arrepio das formalidades legais, nomeadamente do disposto nos arts. 174° e 175º do Código Processo Penal, bem como, a subsequente busca no veículo automóvel e posteriores apreensões, as quais também foram realizadas à margem da lei do regime dos artigos 174° e segts do Código Processo Penal; 8. Sem prescindir, e salvo melhor opinião, é quase gritante a inexistência de quaisquer elementos sérios ou factos de relevo que façam acreditar que eles são idóneos e bastantes para imputar a todos os arguido a responsabilidade por todos os crimes imputado ou para em sede de julgamento os mesmos virem a ser condenados; 9- Acresce que se afigura não existir perigo de continuação da actividade criminosa porque nem sequer não há quaisquer indícios seguros e inequívocos que os arguidos ou todos os arguidos praticaram de forma continuada, durante um período de tempo, crimes de roubo ou que era essa a actividade a que se dedicavam e obtinham os seus rendimentos; 10. Acresce que salvo o devido respeito nada nos autos permite, em concreto, concluir pela existência de efectivo perigo de perturbação da ordem e tranquilidades públicas, nem os argumentos invocados pela Mma. Juiz relativos às condições sócio-económicas dos arguidos permite concluir, como a Ilustre Magistrada Judicial concluiu, terem qualquer efeito directo ou "subsequente" na perturbação da ordem e tranquilidades públicas; 11. Mais acresce que três dos arguidos apenas têm 17 anos de idade e outro 21 anos, são maioritariamente de etnia cigana, são primários, e residem - a arguida E………. apenas há algumas semanas - num bairro social de Felgueiras. Recebem o arguido F………. e G………. e o arguido até há pouco tempo trabalhava na construção civil e a arguida E………. estudava. E os arguidos B………. e H………. têm uma filha de 3 anos de idade - facto não considerado pelo Tribunal a quo, a qual carece urgentemente da presença dos pais, uma vez que sempre e unicamente viveu com estes. 12. Por último sempre se dirá que a PRISÃO PREVENTIVA É UMA MEDIDA DE COACÇÃO COM FIM CAUTELAR E DE SEGURANÇA E NÃO COM FIM DE MEDIDA PUNITIVA ADIANTADA, COMO SE AFIGURA SER O CASO DOS AUTOS. 13 Disposições violadas: As referidas supra e nomeadamente os artigos 85°, 89º, 141º, 174° a 178°, 191°, 193°, n.º 2, 202° nº 1 al. a), 204° al. c) e 211° do Código Processo Penal e artº 32° da Constituição da República Portuguesa. * * * Respondeu o M.º P.º defendendo o não provimento do recurso. Foi proferido despacho de sustentação. A Exmª Procuradora Geral Adjunta acompanhou aquela resposta. Cumprido o nº 2 do artº 417º do Código de Processo Penal (CPP), não houve resposta. * * * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Dos autos resultam os seguintes factos com interesse para a decisão: Conforme consta dos autos de 1º interrogatório judicial de arguidos detidos, cuja acta não foi posta em causa, a Mmª Juiz expôs aos recorrentes os factos que lhe eram imputados e advertiu-os que sobre aqueles não eram obrigados a responder, assim como os informou “sobre os direitos e deveres processuais referidos no artº 61º do Cód. Proc. Penal”. Os recorrentes não prestaram declarações sobre os factos que lhe eram imputados; Dada a palavra ao Mº. Pº. este, após enumerar os que considerava indiciados e os crimes que integravam, entendeu que os recorrentes deveriam aguardar os ulteriores termos do processo em prisão preventiva; Dada a palavra ao defensor dos arguidos por este foi arguida a nulidade dos reconhecimentos efectuados pela O.P.C., alegada a não existência de flagrante delito e que as revistas e apreensão do veículo eram ilegais. Considerou “desproporcional, desadequado e desnecessário” a aplicação de uma medida de coacção privativa da liberdade e requereu que lhe “sejam facultadas cópias de todas as peças processuais que fundamentaram a aplicação da medida de coacção que venha a ser aplicada”; Após o Mº. Pº. se ter pronunciado o mandatário dos arguidos requereu: 1 - o acesso ao auto de notícia elaborado pelo OPC, uma vez que na promoção que antecede foram referidos factos para alegar o alegado quase flagrante delito, dos quais os arguidos não têm em concreto conhecimento; 2- depois de reconhecido o citado auto e no uso do direito do contraditório o Mandatário dos arguidos requer que lhe seja dada a palavra para se pronunciar sobre os factos supra referidos." Pela Mmª Juiz foi proferido o seguinte despacho: Dispõe o art.º 141°, n.° 4 do C.P.Penal, que o Juiz no 1º interrogatório judicial de arguido detido informa o arguido, além do mais, dos motivos da sua detenção, comunica-lhos e expõe os factos que lhe são imputados. Por sua vez dispõe o art.º 89°, n.° 2 do C.P.P. que quando o M° P° não tiver ainda deduzido acusação o arguido só pode ter acesso a auto na parte respeitante a declarações prestadas e a requerimentos e memoriais por ele apresentados, bem com a diligências de prova a que pudessem assistir. Da conjugação das citadas normas legais e tendo a nosso ver sido dado conhecimento aos arguidos dos factos que lhes eram imputados e designadamente das circunstancias que rodearam as suas detenções, o requerido acesso ao auto de notícia por parte do Il. Mandatário dos arguidos carece, a nosso ver, de fundamento legal e como tal não poderá deixar de ser indeferido. Notifique. No uso da palavra o mandatário dos recorrentes disse: Sem prescindir do direito ao recurso, salvo o devido respeito, o despacho antecedente viola as garantias do processo crime constitucionalmente consagrado no art.º 32° do CRP bem como o direito de aferir da legalidade das diligências de prova e conhecer integralmente os factos que lhe são imputados e os meios de prova que sustentam a aplicação de uma medida de coacção que se não forem conhecidos não permitirão aos arguidos porem em crise os mesmos." A Sr.ª Juiz proferiu o seguinte despacho: Uma vez que nada mais foi requerido pelo Il. Mandatário dos arguidos e os argumentos por si aduzidos já foram tidos em conta no despacho que antecede, nada mais há a ordenar no que à requerida consulta ao auto de notícia respeita, sem prejuízo obviamente dos arguidos exercerem em tempo ao seu direito ao recurso. Isto posto, passamos de imediato e a título de questão prévia a apreciar a primeira das questões suscitadas pelo Il. mandatário dos arguidos aquando do uso da palavra para se pronunciar quanto às medidas de coacção a aplicar aos arguidos. Alega o Il. requerente que requereu e lhe foi negada pela signatária o acesso aos autos de reconhecimento pessoal que constam dos autos. Ressalvado o devido respeito por diferente opinião, tal alegação não espelha o que efectivamente se passou no decurso do presente interrogatório. Senão vejamos, no intervalo que mediou entre a saída de um dos arguidos e a entrada de outro no gabinete onde decorreram os interrogatórios judiciais, o Il. Mandatário dos arguidos informalmente e dirigindo-se à ora signatária questionou-a sobre o tipo de reconhecimentos que haviam sido efectuados dizendo-lhe que queria requerer o acesso aos mesmos. Da mesma forma informal com que havia sido feita a pergunta, a signatária informou o I1. Mandatário que, tal como tinha dado a conhecer aos arguidos que já tinham sido ouvidos até então, nos autos constavam autos de reconhecimento pessoal efectuados por diversos ofendidos no âmbito dos vários inquéritos em que os arguidos se mostram indiciados pela prática de ilícitos criminais. Nessa sequência, e como resulta da presente acta, nada foi requerido pelo Il. Mandatário, pelo que também não recaiu qualquer despacho no que ao acesso aos autos de reconhecimento juntos ao processo respeita. Assim sendo, não se vislumbra fundamento legal e fáctico para que venha alegar que lhe foi negado o acesso aos autos de reconhecimento. Não obstante o que fica dito, sempre se acrescentará que ao abrigo das disposições legais citadas no anterior despacho, a ter sido requerida a consulta dos autos de reconhecimento, a mesma teria sido objecto de despacho de indeferimento. Isto posto, passar-se-á agora a analisar a invocada nulidade dos autos de reconhecimento efectuados, por desrespeitarem o disposto no art.º 64°, n.° 1, al. c) do C.P.P.. Efectivamente, todos os arguidos ouvidos em sede de 1° interrogatório são menores de 21 anos de idade. Tal circunstância determina, nos termos da citada norma legal, que os arguidos sejam obrigatoriamente assistidos por defensor em qualquer acto processual. Por sua vez, comina o artº 119°, al. c) do C.P.P. com nulidade insanável a ausência do defensor do arguido no casos em que a lei exigir a respectiva comparência. As nulidades insanáveis devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento e determinam a nulidade do acto praticado em desrespeito das imposições legais. Lamentavelmente, não obstante terem sido respeitadas as formalidades a que alude o art.º 147° do C.P.P., o OPC que procedeu à realização dos autos de reconhecimento pessoal juntos aos autos não deu cumprimento ao disposto no art.º 64°, n.° 1, al. c) do mesmo diploma legal. Tal, pelos fundamentos acima alinhados, determina que se considerem nulos os autos de reconhecimento pessoal de fls. 67 a 80. Quanto à detenção dos arguidos, afigura-se-nos ressalvado o devido respeito por diferente opinião que a mesma é válida e legal, porque efectuada ao abrigo das disposições conjugadas dos art.°s 254°, al. a), 255°, n.° 1, al. a) e 256°, todos do C.P.Penal. Com efeito, os arguidos foram interceptados pelo OPC pouco tempo depois de terem sido praticados os factos a que alude o auto de notícia de fls. 3 e ss, perto do local em que foi encontrado o veículo Nissan ………., referenciado pelos ofendidos nestes autos como tendo sido utilizado na prática dos factos participados. Acrescente-se apenas no que a este particular respeita que, ainda que assim não fosse, e se considerasse a detenção fora de flagrante delito, a mesma continuava a ser legal e válida atento o disposto no art.° 257°, n.° 2 al. a) do C.P.P., tendo em conta a natureza do crime participado nos autos. Valido a apreensão dos objectos que constam a fls. 82, no auto de apreensão elaborado, ao abrigo do disposto no art.º 178° do C.P.P. Indiciam fortemente os autos que os arguidos praticaram, em co-autoria os factos descritos na promoção que antecede, e que a aqui dou nessa parte por integralmente por reproduzida, por razões de brevidade, e para todos os efeitos legais. Acrescenta-se apenas no que aos factos respeita que os arguidos relativamente aos factos ocorridos no dia 15 de Janeiro de 2007, só não lograram apropriar-se dos bens do ofendidos por razões alheias à sua vontade, e que agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, sabendo serem ilícitos os seus comportamentos. Apurou-se ainda que os arguidos B………. e D………. são casados entre si e nenhum dos arguidos tem antecedentes criminais por crimes contra o património. Os factos tidos por fortemente indiciados e aqui acima se fez referência assentaram na conjugação dos elementos de prova recolhidos no processo, conjugados entre si e analisados à luz das regras da experiência comum. Foram assim valorados o auto de notícia de fls. 3 a 7, os autos de declarações a fls. 8 e 11, os autos de fls. 13, 14, 15, 16 e 17, bem assim o documento de fls. 34, e autos de notícia de fls. 35 a 39, 44 e 45, 49 a 57, 58 a 66, e bem assim os documentos fotográficos de fls. 41 a 43, 46 e 47. A estes acrescem ainda o auto de apreensão a que já se fez referência a fls. 82 e os autos de queixa, e documentos relativos ao NUIPC ../07.5GALSD e ../07.9 GALSD, expediente de que deverá ser tirada cópia e junta aos presentes autos. Dos referidos elementos de prova resulta que os quatro arguidos, ora usando o veículo Nissan ………., matrícula ..-..-NF, ora usando o veículo matrícula CX-..-.., cujos documentos foram encontrados na posse do arguido B………., se vêm dedicando, pelo menos desde o início do mês de Janeiro do corrente ano à prática de factos criminosos reconduziveis ao tipo legal de roubo ou roubo na forma tentada, ameaçando para o efeito as suas vítimas com a prática de crimes de ameaça/ofensa à integridade física, com vista a determinar que estes lhe entreguem, dessa forma, os bens materiais que possuam. É o que resulta de forma clara dos autos de declarações de fls. 8 e 11 no que respeita ao processo ../07.OGALSD, no que respeita ao NUIPC ../07.5GALSD das declarações prestadas pelo ofendido desses autos I………., que tinha já apresentado queixa pelo roubo do seu telemóvel de marca Motorola, que pelo IMEI do mesmo se verifica corresponder ao telemóvel na posse do arguido B………. aquando da sua detenção. O mesmo acontecendo no NUIPC ../07.9GALSD em que é queixoso J………., que referiu lhe ter sido roubado o telemóvel de marca Samsung cujo IMEI corresponde ao que foi encontrado na posse do arguido B………. . Pese embora os autos de reconhecimento pessoal, por questões que se prendem com a nulidade dos mesmos não possam, a nosso ver, ser considerados mesmo em sede indiciária, a verdade é que os ofendidos já tinham descrito os arguidos, pelo nº e raça e o veículo por eles utilizado no cometimento do crime a que respeita o inquérito ../07.OGALSD, o que associado ao facto de os arguidos terem assumido serem eles que se deslocavam na referida viatura Nissan ………., tendo até identificado o local exacto onde a mesma se encontrava, cria a forte convicção de que foram os arguidos os autores dos factos participados nestes autos e bem assim nos restantes NUIPC's a que já se fez referência. Acresce ainda a curiosidade do auto de denúncia de fls. 49, em que o pai da arguida E……….. vem participar o desaparecimento da sua filha, alegando que tal se deve ao facto de a mesma ter um relacionamento amoroso com indivíduo de etnia cigana e ao facto de a mesma ter diversos processos pendentes para ser constituída como arguida por roubo por meio de esticão. Por outro lado, não tendo os arguidos apresentado qualquer justificação para terem em seu poder os telemóveis e os documentos do veículo matrícula CX-..-.., objectos estes relativamente aos quais tinham já sido apresentadas queixas pelo seu roubo, outra conclusão, pelo menos nesta fase não podemos retirar que não seja a de que os arguidos entraram na posse de tais objectos pela prática dos já enumerados factos criminosos, integradores de crimes contra o património. Quanto às condições pessoais dos arguidos e à ausência de antecedentes criminais relevaram as declarações que os arguidos prestaram aquando das respectivas identificações. Tais factos integram a prática pelos arguidos, em co-autoria material e em concurso, de dois crimes de roubo na forma tentada, no que respeita aos factos que deram origem ao processo ../07.OGALSD e três crimes de roubo consumado, sendo um deles relativo ao processo ../07.5GALSD e dois deles relativos ao processo ../07.1GALSD. Esta qualificação jurídica é a que para nós resulta por ora fortemente indiciada, sendo certo que atendendo ao número de participações crime em que os arguidos estão referenciados como autores dos factos criminosos, diligências ulteriores de investigação, permitirão, o que desde já se indicia suficientemente dos autos, que alguns desses factos venham a integrar a prática pelos arguidos de crimes de roubo agravado, a que se referem os art.ºs 210°, nº 2, b), do C. Penal, por referência ao art.º 204°, n.° l, al. h) e n.° 2, al. g) também do C. Penal. Tais factos fortemente indiciados são puníveis em abstracto com a pena de prisão prevista no art.º 210°, n.° 1 do C. Penal, de um a oito anos, e no que respeita aos roubos tentados com a moldura que resulta da atenuação imposta pelos art.°s 22° e 23° do C. Penal, sendo certo que é ainda precoce nesta sede fazer referência à atenuação especial prevista pelo regime dos jovens delinquentes, atentas as idades dos arguidos, nos termos expressamente previstos no D.L. 401/82, de 23/09, uma vez que não temos elementos que nos permitam concluir perla verificação, desde já, dos pressupostos de aplicação da atenuação especial prevista no citado diploma legal. Feita a qualificação dos factos indiciados, bem como a justificação e fundamentação dessa mesma indiciação, cumpre agora determinar se aos arguidos deve ou não ser aplicada qualquer medida de coacção além dos TIR, já prestados, e , em caso afirmativo, qual. Os arguidos não têm antecedentes criminais pelo menos por factos idênticos aos dos autos e estão todos desempregados, desconhecendo o Tribunal o modo de subsistência dos mesmos. São todos de jovem idade. O dolo com que actuaram os arguidos é intenso, uma vez que actuaram sempre em conjugação de esforços entre os quatro, o modo de execução do crime agrava a responsabilidade dos arguidos, uma vez que eram usados veículos automóveis nos quais se faziam transportar, o que facilitava o cometimento dos crimes e a respectiva fuga; a ilicitude dos factos até agora apurados é a nosso ver de grau médio em função dos objectos que foram roubados e considerando a violência empregue. O factos indiciados foram praticados num curto período de tempo com dispersão territorial e com violência inusitada tendo em consideração além do mais as idades dos arguidos e o facto de tudo indicar terem sido estas as primeiras vezes que praticaram factos deste tipo. Parece-nos assim manifesto, já que nenhuma justificação se antevê para a actuação dos arguidos, existir um premente perigo da continuação da actividade criminosa, tanto mais que as respectivas situações sócio-económicas apontam no sentido da actividade criminosa ser o seu sustento, com subsequente perturbação da ordem e tranquilidade públicas. que os crimes pelos quais os arguidos se mostram indiciados acarretam não só para as vítimas dos mesmos, mas também para a sociedade em geral. Para a prevenção de tais perigos é insuficiente a aplicação de qualquer outra medida de coacção que não a de prisão preventiva, a qual para além do mais, é proporcional à gravidade dos factos praticados e às sanções que previsivelmente virão a ser aplicadas aos arguidos. Quanto ao facto de serem jovens e não terem antecedentes criminais, afigura-se-nos que são elementos a considerar em sede de julgamento e para a determinação da medida da pena que eventualmente lhes venha a ser aplicada, não contendendo a nosso ver com as especiais exigências cautelares que o caso impõe e a que acima se fez referência. Assim ao abrigo das disposições conjugadas dos art.ºs 191°, 193°, 196°, 202°, n.º 1, al. a) e 204°, al. c), todos do C. P. P. determino que os arguidos aguardem os ulteriores termos processuais cumulativamente sujeitos às seguintes medidas de coacção: Termo e Identidade e Residência, já prestados nos autos; e Prisão Preventiva. Passe os competentes Mandados de Condução dos arguidos ao E. P. Cumpra o art.° 194º, n.° 3 do C.P.P. Notifique. *** Quanto ao requerido pelo Il mandatário dos arguidos quanto à questão de lhe serem facultadas cópias dos elementos de prova que sustentam a aplicação aos arguidos da medida de coacção aplicada, face ao que já se deixou exposto a propósito do acesso do Il. mandatário dos arguidos aos autos de reconhecimento, que o mesmo terá direito, nos termos do art.º 89° n.° 2 do C.P.P., a consultar o presente auto de interrogatório judicial, tendo em conta que os arguidos não prestaram declarações no inquérito, e que os autos de reconhecimento pessoal em que os arguidos também foram intervenientes foram declarados nulos, o que deverá ocorrer da forma prescrita pelo citado artº 89º, nº 2 do C.P.P..Notifique. Se bem entendemos as conclusões da motivação de recurso as questões a decidir são: acesso às “peças processuais e meios de prova” que fundamentam a aplicação da prisão preventiva; legalidade das detenções, revistas e apreensões; indícios para aplicação da medida de coacção de prisão preventiva e sua adequação. 1ª questão. Como resulta do nº 1 do artº 86º do CPP, na fase de inquérito a regra que predomina é a da exclusão da publicidade do processo, ficando sujeito ao segredo de justiça (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 4ª ed., V I, pág. 87/88). O segredo de justiça está constitucionalmente consagrado no artº 20º nº 3 da CRP e tem como sua justificação harmonizar, dentro do possível, as finalidades da realização da justiça e da descoberta da verdade material, da protecção perante o Estado dos direitos fundamentais das pessoas e do restabelecimento, tão rápido quanto possível, da paz jurídica posta em causa pelo crime e a consequente reafirmação da validade da norma violada. Como escreveu Maria João Antunes, in “O Segredo de Justiça e o Direito de Defesa do Arguido Sujeito a Medida de Coacção – Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias”, págs 1237/1238, «na impossibilidade de harmonização integral destas finalidades, o critério residiu na compressão mútua das finalidades em conflito, de modo a que de cada uma se salvasse, em cada situação, o máximo conteúdo possível, optimizando os ganhos e minimizando as perdas axiológicas e funcionais, de forma a atribuir a cada uma a máxima eficácia possível, arredando um critério que assentasse numa validação da finalidade preponderante à custa da de menor hierarquia; finalidades e critério de superação de um conflito inevitável que são, por seu turno, notas necessárias e irrecusáveis do processo penal de um Estado de direito democrático, o qual encontra concretização adequada numa estrutura acusatória integrada por um princípio de investigação; pois onde se dê guarida a um só dos valores conflituantes, em detrimento de todos os restantes, aí estará um sinal seguro – salvo se estiver em jogo a intocável dignidade da pessoa humana – de uma solução antidemocrática e totalitária; bem se podendo afirmar ... que a realização simultânea das finalidades apontadas ao processo penal e a obtenção do seu equilíbrio, em caso de conflito, constituem o atractivo e a dificuldade deste ramo do direito». No caso dos autos, considerando o que da acta consta, já que a mesma não foi posta em causa (sendo irrelevante o que informalmente se terá, ou não, passado), o JIC, como o impõe o artº 141º, nº 4 do CPP, conheceu dos motivos da detenção dos arguidos, comunicou-lhos e expôs-lhes os factos que lhe eram imputados. Na fase em que se encontrava o processo os arguidos apenas podiam ter conhecimento de conteúdo de acto processual a que tenham o direito ou o dever de assistir (artºs 86º, nº 4, al. a) e 89º, nº 2 do CPP), o que não acontecia com o pretendido. Conforme já decidimos no ac. de 27/2/02, proferido no recurso 1297/01 (in www.dgsi.pt), «Em nenhuma das alíneas do nº 1 daquele artº 61º se impõe que, durante o inquérito, se dê conhecimento ao arguido da prova contra ele conseguida. Ao ser ouvido como arguido deverá ser informado dos factos que lhe são imputados, mas nada obriga que seja informado da prova recolhida. «Nos termos do artº 32º, nº 5 da CRP, estão subordinados ao princípio do contraditório a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar. A lei processual penal não determina que a aquisição de prova em inquérito esteja sujeita ao princípio do contraditório e bem se compreende que assim seja. Sendo a fase de inquérito uma fase onde prevalece o segredo de justiça que, em parte, visa proteger a aquisição da prova, não se compreenderia a comunicação dela, nesta fase, ao arguido. «Sempre o arguido poderá oferecer provas e requerer diligências para demonstrar a sua não responsabilidade dos factos que lhe são imputados na queixa (artº 61º, nº 1, al. f) do CPP)». Também nos parece ser evidente a não aplicabilidade do nº 5 do artº 86º do CPP. Se os arguidos, no uso de um direito, decidiram não prestar declarações como é possível fundamentar o imperativo legal “se tal se afigurar conveniente ao esclarecimento da verdade”?. A decisão recorrida não violou qualquer preceito legal, nomeadamente os artºs 86º, 89º, 141º do CPP e 32º da CRP. 2ª questão. Os recorrentes consideram que as detenções foram efectuadas fora de flagrante delito ou quase flagrante delito e que as revistas, buscas e apreensões são nulas. Consideram que o não acesso aos autos os impede de apreciar “da regularidade das detenções, das revistas e apreensões”, mas “reiterarão que não foram detidos em flagrante delito ou quase flagrante delito”. Nos termos dos nºs 1 e 2 do artº 256º do CPP é considerado como flagrante delito todo o crime que está a ser cometido, se acabou de cometer e nos casos em que o agente for, logo após o crime, perseguido por qualquer pessoa ou encontrado com objectos ou sinais que mostrem claramente que acabou de o cometer ou nele participar. Conforme resulta claramente dos autos os ofendidos imediatamente a seguir à tentativa de assalto dirigiram-se à autoridade policial a relatar a ocorrência e, de seguida, a autoridade foi na perseguição dos recorrentes, detive-os, procedeu à revista dos mesmos e apreendeu o veículo interveniente na tentativa de assalto e os objectos relacionados com os crimes. Perante tais factos não existe qualquer dúvida que as detenções foram efectuadas em flagrante delito e, consequentemente, todas as revistas, busca no veículo e apreensões são válidas. Como decidimos no ac. de 16/5/01, proferido no processo 1433/07 (in www.dgsi.pt) “No caso de flagrante delito por qualquer dos crimes referidos na al. a) do nº 4, não é necessária a comunicação da diligência e a sua validação. Quando exista flagrante delito, seja qual for o crime, desde que punido com pena de prisão, estas diligências podem ser efectuadas pelo órgão de polícia criminal e não necessitam de validação pelo juiz de instrução.” De acordo com o artigo 174º, é possível efectuar busca a “lugar reservado e não livremente acessível ao público”, desde que tal busca cumpra e obedeça às formalidades prescritas nos artigos 174° e 176° do Código de Processo Penal. Assim, a busca no veículo automóvel, que se deve ter como lugar reservado e zona de reserva da vida privada, por se ter verificado na situação enunciada na al. c) do nº 4 do artigo 174° do Código de Processo Penal, podiam os órgãos de polícia criminal proceder à realização de tal busca. As detenções, revistas, apreensões e busca obedeceram ao legalmente estatuído não se verificando violação do disposto nos artºs 174º, 175º e 178º, todos do CPP. 3ª questão. Discordam os recorrentes da medida de coacção imposta, pugnando por uma medida de coacção não privativa da liberdade. Em face do artº 27º da Constituição da República Portuguesa e do artº 202º, nº 1, al. a) do C. P. P. só deve recorrer-se à prisão preventiva quando houver fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos e as demais medidas se revelarem inadequadas e insuficientes. Nenhuma medida de coacção, com excepção do termo de identidade e residência, poderá ser aplicada se, em concreto, se não verificar, nos termos do artº 204º do C. P. P.: «a) Fuga ou perigo de fuga; b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa». Os recorrentes impugnam a falta de indícios da prática de 5 crimes de roubo e que a medida de coacção de prisão preventiva não é a adequada e proporcional, não ocorrendo qualquer dos perigos referidos naquele artº 204º. Em nosso entender os recorrentes não têm qualquer razão. Concordamos inteiramente com o bem elaborado despacho recorrido, nomeadamente no que respeita aos indícios da prática dos crimes, pelo que nos limitamos a transcrever o aí referido: «Dos referidos elementos de prova (enunciados no despacho recorrido) resulta que os quatro arguidos, ora usando o veículo Nissan ………., matrícula ..-..-NF, ora usando o veículo matrícula CX-..-.., cujos documentos foram encontrados na posse do arguido B………., se vêm dedicando, pelo menos desde o início do mês de Janeiro do corrente ano à prática de factos criminosos reconduzíveis ao tipo legal de roubo ou roubo na forma tentada, ameaçando para o efeito as suas vítimas com a prática de crimes de ameaça/ofensa à integridade física, com vista a determinar que estes lhe entreguem, dessa forma, os bens materiais que possuam. É o que resulta de forma clara dos autos de declarações de fls. 8 e 11 no que respeita ao processo ../07.OGALSD, no que respeita ao NUIPC ../07.5GALSD das declarações prestadas pelo ofendido desses autos I………., que tinha já apresentado queixa pelo roubo do seu telemóvel de marca Motorola, que pelo IMEI do mesmo se verifica corresponder ao telemóvel na posse do arguido B……….. aquando da sua detenção. O mesmo acontecendo no NUIPC ../07.9GALSD em que é queixoso J………..a, que referiu lhe ter sido roubado o telemóvel de marca Samsung cujo IMEI corresponde ao que foi encontrado na posse do arguido B………. . «Pese embora os autos de reconhecimento pessoal, por questões que se prendem com a nulidade dos mesmos não possam, a nosso ver, ser considerados mesmo em sede indiciária, a verdade é que os ofendidos já tinham descrito os arguidos, pelo nº e raça e o veículo por eles utilizado no cometimento do crime a que respeita o inquérito ../07.OGALSD, o que associado ao facto de os arguidos terem assumido serem eles que se deslocavam na referida viatura Nissan ………., tendo até identificado o local exacto onde a mesma se encontrava, cria a forte convicção de que foram os arguidos os autores dos factos participados nestes autos e bem assim nos restantes NUIPC's a que já se fez referência. «Acresce ainda a curiosidade do auto de denúncia de fls. 49, em que o pai da arguida E………. vem participar o desaparecimento da sua filha, alegando que tal se deve ao facto de a mesma ter um relacionamento amoroso com indivíduo de etnia cigana e ao facto de a mesma ter diversos processos pendentes para ser constituída como arguida por roubo por meio de esticão. Por outro lado, não tendo os arguidos apresentado qualquer justificação para terem em seu poder os telemóveis e os documentos do veículo matrícula CX-..-.., objectos estes relativamente aos quais tinham já sido apresentadas queixas pelo seu roubo, outra conclusão, pelo menos nesta fase não podemos retirar que não seja a de que os arguidos entraram na posse de tais objectos pela prática dos já enumerados factos criminosos, integradores de crimes contra o património.». Toda a prova vai no sentido de que os quatro recorrentes tiveram intervenção nos 5 crimes de roubo fortemente indiciados. Também estamos em perfeita sintonia com o despacho recorrido no que se refere à existência de, em concreto, se verificarem os perigos de continuação da actividade criminosa e da perturbação da ordem e tranquilidade públicas. Cada um dos crimes de roubo consumado é punido com pena de prisão até 8 anos e cada um dos tentados até 6 anos e 4 meses (artºs 210º, nº 1, 23º e 73º do CP) e foram cometidos durante um curto período de tempo, sempre praticados na mesma forma e com utilização de grande violência. Por outro lado, nenhum dos arguidos trabalha ou aufere rendimentos suficientes para a sua subsistência e não demonstraram qualquer arrependimento, em nada contribuindo para a descoberta da verdade. Perante tal circunstancialismo é manifesto que o perigo de continuação da actividade criminosa se verifica. O crime de roubo é daqueles que mais insegurança causa, com o natural retraimento da livre circulação das pessoas em locais públicos, o que tem aumentado de forma preocupante principalmente nas pequenas povoações. A libertação dos arguidos, que praticaram vários destes crimes, não deixaria de causar ainda maior insegurança, com a normal perturbação da ordem e tranquilidade públicas. Decorre do exposto que a opção pela medida de coacção de prisão preventiva, tendo cobertura legal, é a única adequada e proporcional ao caso, não tendo a decisão recorrida violado qualquer preceito legal, nomeadamente os artºs 191.º, 193.º, nº 2, 202.º, nº 1, al. a), 204.º al. c) e 211º do C. P. P., pelo que não merece qualquer censura. DECISÃO Nesta conformidade, acordam os juízes desta Relação em, negando provimento aos recursos, confirmar os despachos recorridos. Taxa de justiça: seis (6) Ucs, a cargo de cada recorrente. Porto, 18 de Abril de 2007. Joaquim Rodrigues Dias Cabral Isabel Celeste Alves Pais Martins David Pinto Monteiro |