Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3581/13.5TBSTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
PROMOÇÃO DA CONSTITUIÇÃO E FUNCIONAMENTO DA ARBITRAGEM
LEGITIMIDADE
REQUERIMENTO
Nº do Documento: RP201312183581/13.5TBSTS.P1
Data do Acordão: 12/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Apenas o expropriado ou o titular de um direito de indemnização por força do ato expropriativo em causa (interessado, nos termos definidos no art. 9º do C.E.) tem legitimidade para requerer que a promoção da constituição e funcionamento de arbitragem passem a caber ao juiz, nos termos previstos no nº3 do art. 42º do C.E..
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 3581/13.5TBSTS.P1 – Apelação

Relator: Maria João Areias
1º Adjunto: Maria de Jesus Pereira
2º Adjunto: Maria Amália Santos

Acordam no Tribunal da Relação do Porto (2ª Secção):

I – RELATÓRIO
O Município … veio remeter a tribunal o presente processo de expropriação, respeitante à execução do “Projeto de Requalificação das Margens Ribeirinhas do Rio Ave – Parque das Azenhas”, alegando, em síntese:
declarada a utilidade publica no DR do dia 30 de Outubro de 2012, e na sequência das conversações mantidas com diversos proprietários dos prédios abrangidos pelo projeto em causa, foi adquirida, por via do direito privado, a grande maioria das parcelas necessárias à execução do referido projeto, à exceção das parcelas ns. 3, 11, 18, 24B, 26 e 29;
atendendo à urgência do processo, o Município …, em 28 de janeiro de 2013, tomou posse administrativa daquelas parcelas;
não tendo sido possível adquirir pela via do direito privado as referidas parcelas, requer, ao abrigo do disposto no nº2 do art. 42º do Código das Expropriações, a constituição do Tribunal Arbitral.
Pelo juiz a quo foi proferido o seguinte despacho:
“A Câmara Municipal …, veio instaurar o presente processo de expropriação, alegando, em suma, que não conseguiu adquirir pela via do direito privado as parcelas aludidas a fls. 01, nem por acordo na sequência do acto expropriativo.
Assim, como a expropriação revela carácter urgente, remeteu os autos ao tribunal nos termos do disposto no artº 42º, nº 2 do C.E..
Vejamos.
Preceitua o artº 39º, nº 1 do C.E. que "É aberto um processo de expropriação com referência a cada um dos imóveis abrangidos pela declaração de utilidade pública."
Acresce que dispõe o artº 42º, nº 3 do mesmo diploma legal que " O disposto nas alineas b), c), d) e e) do número anterior depende de requerimento do interessado (...)".
In casu, não se mostra cumprido qualquer destes dispositivos, porquanto não foi aberto um processo por cada parcela, nem foi promovida a arbitragem nos termos do disposto no artº 42º, nº 1 do C.E., como deveria, por não existir qualquer causa que implicasse dar uso ao nº 2 do mesmo normativo.
Neste jaez, indefere-se liminarmente a presente expropriação.
Custas a cargo da requerente.
Notifique.”
Inconformada com tal decisão, a entidade expropriante dela interpõe recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões:
1. O Município … solicitou a constituição da arbitragem, nos termos do art. 42º, nº2 do C.E., alegando para tal que foi atribuído carater urgente ao processo expropriativo e não logrou alcançar um acordo relativamente ao quantum indemnizatório.
2. O art. 38º do CE determina que, na falta de acordo, o valor da indemnização é fixado por arbitragem.
3. Não obstante a arbitragem dever ser, em princípio, promovida pela entidade expropriante (nº1 do art. 42º do CE), já não será assim no caso de ter sido atribuído caracter urgente à expropriação – cfr., al. e), do nº2 do art. 42º do mesmo Código.
4. Em face deste enquadramento factual e jurídico, à entidade expropriante, parte legítima e interessada, não restava outra solução senão requerer a constituição da arbitragem nos termos em que o fez.
5. Competindo ao Juiz de Direito da Comarca da situação dos bens exercer as funções da entidade expropriante quanto à constituição e funcionamento (promoção) da arbitragem, caberia a este tribunal ordenar a abertura de um processo por cada um dos imóveis – carecendo igualmente de fundamento a segunda das razões invocadas para o indeferimento liminar: não ter sido aberto (pela entidade expropriante) um processo por cada parcela.
6. Sendo certo que nada obsta a que a entidade expropriante apresente um só requerimento para constituição da arbitragem relativo a vários bens quando os mesmos estão abrangidos por uma única declaração de utilidade pública.
7. O despacho recorrido padece de erro na interpretação das normas jurídicas aplicáveis à situação sub iudice, razão pelo qual deve ser revogado e, em consequência, admitido o requerimento apresentado.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpridos que foram os vistos legais, há que decidir.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., arts. 635º, nº4, e 639º, do Novo Código de Processo Civil[1], as questões a decidir seriam as seguintes:
1. Se a constituição e funcionamento da arbitragem deve ser promovida pelo tribunal.
2. Em caso afirmativo, se deveria ter sido instaurado um processo relativamente a cada uma das parcelas.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
1. Se a constituição e funcionamento da arbitragem deve ser promovida pelo tribunal.
Dispõe o artigo 42º do Código das Expropriações:
Promoção da arbitragem
1. Compete à entidade, ainda que seja de direito privado, promover, perante si, a constituição e funcionamento da arbitragem.
2. As funções da entidade expropriante referidas no número anterior passam a caber ao juiz de direito da comarca do local da situação dos bens ou da sua maior extensão em qualquer um dos seguintes casos:
(…)
e) Nos casos previstos nos arts. 15º e 16º.
f) (…)
3. O disposto nas alíneas b), c), d) e e), do número anterior depende de requerimento do interessado, decidindo o juiz depois de notificada a parte contrária para se pronunciar no prazo de 10 dias.
4. Se for ordenada a remessa ou a avocação do processo, o juiz fixa prazo para a sua efectivação não superior a 30 dias, sob pena de multa até 10 unidades de conta, verificando-se atraso não justificado.
A arbitragem assume natureza de primeira instância jurisdicional inserida na fase administrativa, tendo sido instituída com o fim de tentar uma conciliação entre a entidade expropriante e o expropriado, evitando-se as demoras de um processo judicial.
Na falta de acordo quanto ao montante da indemnização é este apurado por arbitragem, suscetível de recurso para os tribunais judiciais (art. 38º, do CE).
Como tal, e em regra, a implementação da fase da expropriação litigiosa, por via da constituição e funcionamento da arbitragem, compete sempre à entidade beneficiária da expropriação, ainda que ela seja de direito privado. No âmbito de tal incumbência, a entidade beneficiária da expropriação deve solicitar ao tribunal da relação a designação dos árbitros que hão de constituir o tribunal arbitral.
Constituirão fundamento para que a arbitragem decorra perante o juiz, as situações elencadas nas alíneas a) a f), do nº2 do artigo 42º.
Pretende a apelante que a situação em apreço se encontra nas situações previstas na al. e) do nº2, da citada norma, relativamente às quais se prevê que, excecionalmente, as funções da entidade beneficiária da expropriação, referidas no ponto 1, passem a caber ao juiz de direito da comarca do local do bem em causa.
As situações previstas na referida al. e) – casos previstos nos arts. 15º e 16º – referem-se à atribuição de caracter urgente à expropriação e à expropriação urgentíssima.
Contudo, nos casos previstos nas als. b) a e), as funções de constituição e funcionamento da arbitragem só passam a competir ao juiz sob requerimento do “interessado” (nº3 do art. 42º).
Segundo a Apelante, também ela é um interessado com legitimidade para efeitos do nº3 do art. 42º.
Temos aqui que discordar do apelante.
O artigo 9º do Código das Expropriações define o conceito de “interessados” para efeitos deste Código, dispondo a tal respeito o nº1 de tal norma:
Para os efeitos deste código, consideram-se interessados, além do expropriado, os titulares de qualquer direito real ou ónus sobre os bens a expropriar os arrendatários de prédios rústicos ou urbanos”.
Ou seja, apenas o expropriado ou o titular de um direito a indemnização por força do ato expropriativo em causa, terá legitimidade para requerer a remessa ou a avocação do processo para o tribunal nesta fase, ao abrigo do disposto no nº3 do art. 42º[2].
O que se compreende, face aos motivos que se encontrarão na base da atribuição de tal faculdade – o que se pretende é assegurar os direitos do expropriado nas expropriações urgentes ou urgentíssimas, atendendo à circunstância de que a declaração de urgência implica a autorização de posse administrativa e dispensa de certas formalidades[3].
E note-se que, ainda que requerida pelo interessado/expropriante, a transferência pontual das referidas competências está ainda dependente da audição da parte contrária e de decisão do juiz, exigindo-se, como tal, a invocação por parte do interessado de um motivo atendível para tal transferência de poderes, prevista a título excecional.
Como refere Elias da Costa, em regra o processo expropriativo é conduzido pela entidade expropriante que se encontra, todavia, obrigada a cumprir as normas legais do C.E., que o regulamentam, sendo que a violação destas por parte da entidade expropriante pode implicar que o procedimento da expropriação seja avocado: “O legislador, claramente, pretendeu evitar a inércia da entidade expropriante ou a ocorrência de irregularidades no processo expropriativo. Pelo que, deferida a avocação, só deverá ser promovida a arbitragem pelo tribunal caso ainda não se tenha realizado, ou quando ocorram irregularidades quanto à sua constituição e funcionamento[4]”.
O que não se encontra prevista é a transferência, pura e simples, de tais atribuições para o tribunal judicial, e muito menos a requerimento da entidade expropriante, como simples meio de se libertar de tais funções.
Competindo à entidade expropriante promover a constituição e funcionamento da arbitragem, arbitragem que se não mostra ainda realizada, a remessa dos autos para tribunal é absolutamente extemporânea, confirmando-se o despacho de indeferimento liminar proferido pela 1ª instância, ficando prejudicada a 2ª questão levantada pela apelante nas suas alegações de recurso.
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a suportar pela apelante.

Porto, 18 de Dezembro de 2013
Maria João Areias
Maria de Jesus Pereira
Maria Amália Santos
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[1] Tratando-se de ação instaurada após a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, será este o aplicável.
[2] A favor de tal entendimento, se pronuncia, embora indiretamente, Pedro Elias da Costa, ao afirmar, em anotação a tal norma que “o interessado pode requerer ao juiz de direito da comarca do local da situação do bem ou da sua maior extensão a avocação do procedimento, passando a promoção da constituição e do funcionamento da arbitragem a pertencer ao tribunal, caso o juiz decida nesse sentido, depois de ouvir a entidade expropriante” – “Guia das Expropriações por Utilidade Pública”, 2ª ed. Almedina, pág. 136.
[3] Conferindo a posse administrativa imediata, consagra-se a inexigibilidade da tentativa de aquisição dos bens por via do direito privado e da audiência prévia dos proprietários e demais interessados – artigos 20º e 11º, do CE.
[4] Obra citada, págs. 238 e 239.
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V – Sumário elaborado nos termos do art. 713º, nº7, do CPC.
1. Apenas o expropriado ou o titular de um direito de indemnização por força do ato expropriativo em causa (interessado, nos termos definidos no art. 9º do C.E.) tem legitimidade para requerer que a promoção da constituição e funcionamento de arbitragem passem a caber ao juiz, nos termos previstos no nº3 do art. 42º do C.E..

Maria João Areias