Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0632167
Nº Convencional: JTRP00039114
Relator: AMARAL FERREIRA
Descritores: CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
DIREITOS
LOCATÁRIO
PENHORA
Nº do Documento: RP200604270632167
Data do Acordão: 04/27/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 668 - FLS 72.
Área Temática: .
Sumário: A expectativa, jurídica ao contrário da esperança, que tem mero conteúdo psicológico ou quando muito económico - é um simples esperar, prever ou admitir acontecimento futuro como mais ou menos provável, não possuindo conteúdo jurídico porque a lei não a rodeia de tutela especial, não adoptando providências tendentes a assegurar a sua efectivação -, é uma esperança fortalecida pela intervenção do legislador que procura abrir-lhe caminho criando condições para que se torne realidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO.

1. Nos autos de execução ordinária para pagamento de quantia certa, instaurados, no Tribunal da Comarca de Vila Nova de Famalicão, por “B………., S.A.” contra “C………., Ldª”, foi efectuada a penhora da expectativa de aquisição por parte da executada do veículo automóvel de matrícula ..-..-EU, decorrente da posição de locatária em contrato de locação financeira celebrado com “D………., S.A.” e registado na competente Conservatória do Registo Automóvel, encontrando-se a propriedade do veículo registada a favor da locadora.

2. Notificada, pelo solicitador de execução, da penhora, “D………., S.A.” informou nos autos que a expectativa de aquisição não existia na medida em que o contrato de locação financeira se encontrava em situação de incumprimento por parte da executada, pelo que a dita expectativa de aquisição já não existia.

3. Insistindo a exequente pela manutenção da penhora, essencialmente com o fundamento de que a proprietária do veículo não juntou qualquer documento comprovativo do incumprimento, ou demonstrativo da propositura da competente acção judicial com esse fundamento, o Tribunal ordenou a notificação de “D………., S.A.” para esclarecer se já havia notificado a resolução do contrato e juntar documento relativo a essa resolução.

4. Correspondendo a essa notificação, a notificada expressou nos autos que ainda não havia notificado a locatária da resolução do contrato “… na medida em que tem por norma, sempre e quando locatários seus se atrasam no pagamento de rendas, antes de resolver o contrato insistir pelo respectivo pagamento, dado assim oportunidade aos seus locatários de se «porem em dia» com os contratos”.

5. Proferido despacho a considerar que, face à vigência do contrato, se concluía que, na data da penhora (notificação) o direito ou a expectativa objecto dessa penhora existia, consequentemente mantendo a penhora, dele agravou “D………., S.A.” rematando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1ª: À penhora da expectativa de aquisições de direitos aplicam-se as disposições que no Código de Processo Civil se aplicam à penhora de créditos, face à norma ínsita no nº 1 do artº 860º A do Código de Processo Civil.
2ª: O ora recorrente negou a expectativa de aquisição que o Solicitador de Execução declarou penhorada, pelo que se impunha sempre decretar-se o cumprimento do disposto no artº 858º, nº 1, e seguidamente, nº 2 do Código de Processo Civil, o que nos autos se omitiu.
3ª: Logo o despacho recorrido é nulo, face ao disposto no artº 858º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e atento o preceituado no nº 1 do artº 201º do Código de Processo Civil.
4ª: Deve, assim, reconhecer-se, e como tal se declarar, a nulidade do despacho recorrido e, consequentemente, procedente e provado o presente recurso, desta forma se fazendo JUSTIÇA.

6. Não tendo sido oferecidas contra-alegações e proferido que foi despacho de sustentação, colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

1. Para a decisão do agravo releva a factualidade emergente do antecedente relatório que aqui se tem por reproduzida.

2. Perante as conclusões formuladas pela agravante (as quais, a par das razões de direito e das questões de oficioso conhecimento, delimitam o âmbito e objecto do respectivo recurso - artºs 660º, nº2, 664º, 684º, nº3 e 690º, nº1, todos do CPC, diploma a que pertencerão todos os demais preceitos a citar sem outra menção de origem), as questões suscitadas e colocadas à apreciação e decisão deste Tribunal são as de saber se deve manter-se a penhora da expectativa de aquisição de um veículo automóvel, por parte da executada/locatária por força do respectivo contrato de locação financeira, e se o despacho recorrido é nulo face ao disposto nos artºs 858º, nºs 1 e 2, e 201º, nº 1.

No caso dos autos, é pacífico que, por via da sua qualidade de locatária no correspondente contrato de locação financeira celebrado com a proprietária do veículo, dispõe a executada de uma expectativa (jurídica) de aquisição do veículo locado, findo o contrato e nas demais condições no mesmo estipuladas – neste sentido se pronuncia Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 8ª ed., pág. 239, apontando a posição do locatário no contrato de locação financeira como exemplo da possibilidade de penhora de expectativa de aquisição de bens determinados ao abrigo do disposto no citado artº 860º-A.
Àcerca dessa figura jurídica, escreve-se no Ac. deste Tribunal de 28/01/2002, Proc. 015136, www.dgsi.pt., louvando-se no ensinamento do Prof. Inocêncio Galvão Telles, obras aí citadas, que a expectativa, ao contrário da esperança, que tem mero conteúdo psicológico ou quando muito económico - é um simples esperar, prever ou admitir acontecimento futuro como mais ou menos provável, não possuindo conteúdo jurídico porque a lei não a rodeia de tutela especial, não adoptando providências tendentes a assegurar a sua efectivação -, é uma esperança fortalecida pela intervenção do legislador que procura abrir-lhe caminho criando condições para que se torne realidade.
Existem direitos cuja constituição ou aquisição é de gestação demorada. Essa gestação começa com um facto e finda com outro, porventura muito mais tarde. Há um processo de formação sucessiva, gradual. Só terminado o processo, percorrido o ciclo, o direito nasce ou é adquirido. Ora pode acontecer que a lei proteja no intervalo o interesse da pessoa a quem o direito se destina. Durante o estado de pendência, o interessado goza de uma expectativa no significado jurídico próprio da palavra”.
A expectativa é mais do que a esperança, porque beneficia de uma protecção legal traduzida em providências tendentes a defender o interesse do titular e a assegurar-lhe quanto possível a aquisição futura do direito, e menos do que o direito, porque este ainda não existe, é o seu germe, ou seu prenúncio ou guarda avançada, como que o direito em estado embrionário.
A expectativa representa uma situação jurídica imperfeita, germe de futura situação jurídica perfeita. Enquanto o direito está a formar-se a posição do interessado é esta, vista no seu conjunto. Mas a expectativa é acompanhada ou seguida de direitos menores, instrumentais, que precisamente permitem ao interessado agir concretamente neste ou naquele sentido em defesa do seu interesse. Não há um direito global, há direitos parcelares orientados em várias direcções e que são as vias de realização prática da tutela legal que eleva a esperança a expectativa como realidade jurídica.

Prescreve o nº 1 do artº 860º-A: que “À penhora de direitos ou expectativas de aquisição de bens determinados pelo executado aplica-se, com as adaptações necessárias, o preceituado nos artigos antecedentes acerca da penhora de créditos”.
Paralelamente, nos termos do disposto no artº 858º (integrado na Subsecção subordinada à epígrafe “Penhora de créditos”), “Se o devedor contestar a existência do crédito, são notificados o exequente e o executado para se pronunciarem, no prazo de 10 dias, devendo o exequente declarar se mantém a penhora ou desiste dela” (nº 1) e “Se o exequente mantiver a penhora, o crédito passa a considerar-se litigioso e como tal será adjudicado ou transmitido” (nº 2).
Tendo em conta que o nº 1 do artº 860º-A manda aplicar a este tipo de penhora, com as necessárias adaptações, o prescrito para a penhora de créditos, a penhora consiste na notificação ao outro sujeito da relação jurídica (no caso ao locador financeiro), de que o direito ou a expectativa de aquisição ficam à ordem do agente de execução, devendo ele declarar se um ou outra existem, em caso afirmativo o circunstancialismo que os envolvem, ou ainda que já se mostra incumprida a obrigação de que dependia a satisfação da sua pretensão (artº 856º, nº 2).

No caso dos autos, tendo a agravante sido notificada da penhora e efectuado a declaração a que se referem o nº 2 do artº 856º e o nº 1 do artº 858º, na sequência dessa declaração a exequente manteve a penhora, manutenção que foi acolhida no despacho agravado.
Daqui decorre, sem necessidade de outros considerandos, que não foi cometida a nulidade a que se refere o artº 201º, nº 1, enquanto nulidade processual resultante da omissão de um acto ou formalidade (no caso a inobservância da notificação da agravante) que a lei prescreva, com influência no exame ou na decisão da causa, já que não foi omitido o acto ou formalidade de notificação da agravante que, aliás, fez a declaração que lhe era permitido fazer, nulidade que, portanto, não ocorre pelo facto de o Tribunal ter mantido a penhora.

Passemos então à apreciação da segunda questão suscitada, que consiste em saber se devia ter sido mantida a penhora, como entendeu a decisão recorrida, ou se, como parece pugnar a recorrente ao remeter para o disposto no artº 858º, nº 2, a expectativa deveria passar a considerar-se litigiosa.
E, manifestando, desde já, concordância com o despacho agravado, expliquemos porquê.

A agravante “D………., S.A.”, declarando inicialmente que o contrato de locação financeira que celebrou com a executada se encontrava em situação de incumprimento por parte da executada e que, como tal, a expectativa de aquisição já não existia, notificada posteriormente para esclarecer se já tinha notificado a locatária da resolução do contrato e juntar documento relativo a essa resolução, expressou que ainda o não havia feito porque tem por norma, sempre e quando os locatários se atrasam no pagamento das rendas, antes de resolver o contrato, insistir pelo respectivo pagamento, dando assim oportunidade aos seus locatários de, usando a expressão que utilizou, se “porem em dia” com os contratos.
Ou seja, apesar da forma vaga e genérica como respondeu à notificação que lhe foi efectuada, e contraditoriamente à declaração inicial que fez de que já não existia a expectativa de aquisição penhorada, deixa subentender que ainda existia a possibilidade de a executada retomar o contrato de locação financeira e, como tal, quer na data em que foi efectuada a penhora, quer naquela em que fez a declaração, ainda existia a expectativa de aquisição do veículo, obviamente desde que a executada “se ponha em dia” com o contrato.
E, não interessando, porque não é objecto do recurso, apurar se essa expectativa de aquisição do veículo se vai manter, sempre se dirá que essa manutenção dependerá da circunstância de a executada cumprir o contrato de locação “pondo-se em dia”, ou até, eventualmente, de a exequente, substituindo-se à executada, proceder ao pagamento das rendas e indemnizações por esta em dívida no contrato de locação financeira que celebrou a agravante, nas mesmas condições que esta concedeu àquela.
Certo é que, nas datas em que a agravante fez as declarações, como delas próprias resulta, nomeadamente da segunda, a expectativa de aquisição do veículo por parte da executada ainda se mantinha, pelo que improcede o agravo.

III. DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao agravo e manter a decisão recorrida.
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Custas pela agravante.
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Porto, 27 de Abril de 2006
António do Amaral Ferreira
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão
Ana Paula Fonseca Lobo