Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0626174
Nº Convencional: JTRP00039829
Relator: MARIA EIRÓ
Descritores: JULGADOS DE PAZ
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RP200612050626174
Data do Acordão: 12/05/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 234 - FLS 46.
Área Temática: .
Sumário: I- Sendo a competência dos tribunais judiciais residual, a competência exclusiva dos julgados de paz significa que as matérias para as quais a lei lhes atribui a competência não podem ser apreciadas por outro tribunal.
II- Excluída a competência do julgado por ter sido requerida uma perícia, mesmo que a mesma venha a ser indeferida no Tribunal Judicial, não poderão os autos retornar ao julgado. Perdeu a competência, não volta a adquiri-la.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Relator – Maria Eiró.
Adjuntos – Anabela Dias da Silva e Lemos Jorge.
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B………. residente na R. ………., nº…, ….-… Porto demandou no Julgado de Paz do Porto C………., S.A. com sede na R. ………., nº…, ………. ….-… Porto pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 3.015,23 correspondente a 93 mensalidades.
Alega que cedeu o prédio, sito na R. .........., …, Porto, sua propriedade, à ré “C………., S.A.” que o usou até Julho de 2005, mediante o pagamento da verba mensal de 6500$00.
A ré não pagou.
Contestou a demanda impugnando os factos articulados pela demandante.
Alega que nunca utilizou o referido prédio, nem celebrou qualquer contrato com a autora.
Na audiência de julgamento foi requerida a junção aos autos de vários documentos. O Sr. Juiz de Paz considerou que era necessário tempo para estudo designou nova data para julgamento.
A demandada veio juntar requerimento de prova solicitando, além do mais, prova pericial aos factos nºs 6, 9 e 10 da contestação.
Por despacho de fls. 161 o Sr. Juiz declarou cessada a competência do Julgado de Paz e ao abrigo do disposto no art.59º, nº 3 da Lei 78/2001, de 13 de Julho, ordenou a remessa ao Tribunal de Pequena Instância Cível do Porto.
Por despacho de fls.166, o MMº Juiz do Tribunal de Pequena Instância Cível do Porto indeferiu a perícia à escrita da ré por entender que está em causa averiguar da existência ou não do contrato de arrendamento sendo irrelevante saber se esta utilizou ou não o prédio conforme o objecto da perícia solicitada. Acrescenta o despacho que quanto aos consumos de água e electricidade a demandada pode fazer a prova por documento.
Por fim o MMº Juiz ordenou a devolução dos autos ao Julgado de Paz.
Deste despacho interpôs recurso admitido e aceite como agravo.
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Conclui nas suas alegações:
1° - Em 31/08/2005, o requerente B………. deu entrada, no Julgado de Paz do Porto, de uma petição alegando ser proprietário de um prédio e que a agravante usou esse prédio, desde a data da sua constituição, em 11 de Novembro de 1997, até Julho de 2005, como escritório de representação, onde era recebida correspondência oficial e comercial, tendo, na altura, acordado com a agravante o pagamento mensal da quantia de 32,42 euros.
2º - A agravante apresentou a sua contestação onde refutou toda a matéria alegada e alegou factos tendentes à improcedência do pedido.
3° - As partes apresentaram os seus meios de prova sendo que a agravante requereu a PROVA PERICIAL.
4° - Sobre o seu requerimento de prova, foi proferido o seguinte DESPACHO:
"F/s. 158:
Foi requerida prova pericial: cessa a competência do Julgado de Paz do Porto. Nos termos do art.° 59.° n.° 3 da Lei n.° 78/2001, de 13 de Julho, remeta ao Tribunal de Pequena Instância Cível do Porto. Notifique."
5° - Remetidos os autos ao Tribunal de Pequena Instância Cível do Porto, foi por este proferido o douto despacho ora em crise.
6° - É sobre a decisão que ordena a devolução dos autos ao Julgado de Paz do Porto que a agravante não se conforma e por isso leva à apreciação de V. Exas..
7° - A competência para determinada acção determina-se pela causa de pedir e pedido formulado pelo autor.
8° - Ou seja, a competência do Tribunal em razão da matéria fixa-se em face da natureza da relação material apresentada em juízo pelo autor.
9° - O Autor desta acção alegou factos que, juridicamente, se qualificam no âmbito de um Contrato de Arrendamento para Comércio ou Indústria e terminou formulando o pedido de condenação da agravante ao pagamento da quantia de 3.015,23 euros.
10° - Analisadas as regras de competência em razão do objecto, do valor, da matéria e do território dos Julgados de Paz, admitimos que, no momento da instauração da acção, o Julgado de Paz do Porto era competente para julgar a apreciar esta acção.
11° - Segundo J. O. Cardona Ferreira, "Julgados de Paz, Organização, Competência e Funcionamento", Coimbra Editora, pág. 29, a competência material que o artigo-99-estabelece é fundamental e tipifica, em exclusividade, a competência material dos Julgados de Paz.
12° - Já Joel Timóteo Ramos Pereira, "Julgados de Paz, Organização, Trâmites e Formulário", pág. 56 e segs., considera que a competência material fixada no art. 9° é exclusiva aquando da instauração da acção, sendo obrigatória a interposição nos julgados de paz, uma vez que a parte não tem a faculdade de escolher entre a instauração de Julgado de Paz ou Tribunal Judicial.
13° - E, este Tribunal da Relação do Porto, seguindo a posição deste último autor, no Acórdão de 08-11-2005, in www.dgsi.pt. referiu isso mesmo dizendo "A competência material fixada no art. 9° do D.L. n.° 78/2001 de 13 de Julho é exclusiva aquando da instauração da acção, sendo obrigatório a interposição nos julgados de paz uma vez que a parte não tem a faculdade de escolher entre estes e o tribunal judicial."
14° - Mas a controvérsia nestes autos surge não no momento da instauração da acção mas sim já na pendência da mesma.
15° - É que a agravante aquando da apresentação dos seus meios de prova, requereu a PROVA PERICIAL.
16° - Nos termos do n.° 3 do artigo 59° da Lei n.° 78/2001, de 13 de Julho, "Requerida a prova pericial, cessa a competência do julgado de paz, remetendo-se os autos ao tribunal competente para aí prosseguirem os seus termos, com aproveitamento dos actos já praticados."
17° - Não obstante a competência inicial do Julgado de Paz do Porto para decidir a acção, este por despacho de fls. 158, TRANSITADO EM JULGADO, decidiu que CESSOU A SUA COMPETÊNCIA.
18°- Pelo que, o Julgado de Paz do Porto declarou-se INCOMPETENTE para conhecer o processo e, nessa medida, ordenou a remessa dos autos ao tribunal COMPETENTE, o Tribunal de Pequena Instância Cível do Porto.
19° - O Tribunal de Pequena Instância Cível do Porto conheceu do mérito do requerimento da prova pericial.
20° - Desde logo, ao fazê-lo, este Tribunal, implicitamente, declarou-se COMPETENTE para apreciar a matéria dos autos.
21° - E o Tribunal de Pequena Instância Cível do Porto é competente nos termos do artigo 66°, 68°, 70° e 74° do C.P.C..
22° - Não obstante, após a decisão de mérito sobre a admissibilidade da prova pericial, este Tribunal ordenou a devolução dos autos ao Julgado de Paz do Porto.
23° - Entendemos que o processo devia prosseguir no Tribunal de Pequena Instância Cível do Porto já que este assumiu a competência para o julgar e o Julgado de Paz do Porto declarou cessada a sua competência.
24° - Por outro lado, nos termos do n.° 3 do artigo 59° da Lei n.° 78/2001, de 13 de Julho, os autos devem permanecem no Tribunal para onde são remetidos para prosseguirem os seus termos, com aproveitamento dos actos já praticados.
25° - A própria letra da lei indica que o processo prossegue no Tribunal para onde foi remetido, independentemente da decisão que recair sobre a admissibilidade da prova pericial requerida.
26° - Da letra da lei não se extrai a conclusão de que o processo só se mantém no Tribunal para onde foi remetido se a prova pericial for admitida.
27° - Como já dissemos, o Julgado de Paz possui competência exclusiva para conhecer da acção mas apenas no momento da instauração da acção.
28° - Posteriormente, a competência pode ser transferida para outro Tribunal.
29° - A Procuradoria-Geral da República, no seu Parecer n.° 10/2005, de 17 de Agosto de 2005, chama a atenção para o facto de a ideia de exclusividade não ser pacífica pois, por exemplo, a mesma está arredada em duas normas do diploma, sendo elas os artigos 41° e 59°, n.° 3.
30° - Tal Parecer refere que tais normas favorecem a tese de que a competência dos julgados de paz é alternativa dos tribunais judiciais, pelo que os processos devem transitar para estes sempre que sejam suscitados incidentes processuais que o processo próprio daqueles não comporte ou seja requerida prova pericial.
31° - E esclarece, também, Joel Timóteo Ramos Pereira, Juiz de Direito, in "Alargamento dos Julgados de Paz", Pareceres, www.asjp.pt. que "Na verdade, os Julgados de Paz não constituem apenas meios alternativos de resolução de litígios, na medida em que lhes está atribuída competência (semi-) exclusiva, verificando-se certos pressupostos de competência. Na verdade, a competência dos julgados de paz em razão da matéria está plasmada no art.° 9.° da U P e atento o disposto no art.° 211° da Constituição e no art.° 66.° do CPC, a competência dos julgados de paz nessas matérias é semi-exclusiva, na justa medida em que a exclusividade é condicional:
- A competência dos julgados de paz nas matérias estatuídas no art.° 9.° da LJP, cujo valor não exceda a alçada do Tribunal de Primeira Instância é exclusiva aquando da instauração da acção, sendo obrigatória a interposição da providência nos julgados de paz, não tendo a parte a faculdade de escolher entre a instauração no julgado de paz e no Tribunal Judicial, na medida em que a competência deste é apenas quando a competência não pertença a outra ordem de jurisdição;
- Ainda que a competência seja exclusiva, de início, deixa de o ser a partir do momento em que seja alterado o valor da causa para valor superior à alçada do Tribunal Judicial de Primeira Instância, ou se/a suscitado um incidente da instância (art.° 41.° LJP) que implique a remessa do processo ao Tribunal Judicial." (O sublinhado é nosso).
32° - Ou seja, os Julgados de Paz têm competência material exclusiva mas no momento da instauração da acção.
33° - Posteriormente, os Julgados de Paz podem perder a competência que detinha por via do surgimento de um incidente ou da apresentação por alguma das partes de um requerimento para realização da prova pericial.
34° - E quanto se requer a prova pericial, refere ainda Joel Timóteo Ramos Pereira, Juiz de Direito, in "Alargamento dos Julgados de Paz", Pareceres, www.asjp.pt. que "É injustificável a manobra utilizada por uma parte para a remessa do processo ao Tribunal Judicial, apenas porque requer a realização de perícia. Com efeito, no actuai estádio da disposição legal, a simples formulação de requerimento para realização de perícia, implica a remessa automática do processo para o Tribunal Judicial de Primeira Instância (art.° 59°, n.° 3 da LJP), independentemente se a realização da perícia requerida é admissível, pertinente ou conveniente, assim como independentemente da apreciação pelo Juiz de Paz do objecto da perícia requerida. Sendo o processo remetido ao Tribunal Judicial de Primeira Instância, ainda que o Juiz de Direito indefira a realização da perícia, o processo continua a ser tramitado no Tribunal Judicial, assim deturpando o princípio da sujeição desse processo ao Julgado de Paz." (O sublinhado e negrito é nosso)
35° - Actualmente, a letra da Lei é clara e outro sentido não podia ter senão o de que, sendo o processo remetido ao Tribunal Judicial de Primeira Instância, ainda que o Juiz de Direito indefira a realização da perícia, o processo continua a ser tramitado no Tribunal Judicial.
36° - Ao estatuir que basta ser requerida a prova pericial para cessar a competência do Julgado de Paz, pretendeu o Legislador retirar ao Juiz de paz o poder para decidir do mérito desse requerimento e do consequente prosseguimento dos autos.
37° - Sendo requerida a prova pericial, esse processo seria subtraído ao Julgados de Paz por não se coadunarem com o espírito e princípios que presidiram aquando da sua criação, entre eles, o de simplicidade e rapidez.
38º - E o "processo deve manter-se no Tribunal Judicial de Primeira Instância pois voltando ao Julgado de Paz sempre poderia requerer-se, novamente, â prova pericial e, por não poder apreciar do mérito desse requerimento, cessava a sua competência sendo o processo, outra vez, remetido ao Tribunal Judicial competente.
39° - Já que ao Julgado de Paz, quando requerida a prova pericial, só lhe é permitido cessar a sua competência e enviá-lo ao Tribunal Judicial competente.
40° - Mas assim sim estaríamos a consagrar uma regra provocadora de morosidade com a qual este tipo de processos não podia pactuar.
41° - Por assim poder ser é que Joel Timóteo Ramos Pereira, Juiz de Direito, in "Alargamento dos Julgados de Paz", Pareceres, www.asip.pt.. sugere a alteração da lei dizendo que "Deverá, assim, ser alterado o referido preceito, apenas sendo admissível a remessa do processo ao Tribunal Judicial de Primeira Instância se a perícia for admitida pelo Juiz de Paz, mediante o controlo dos seus pressupostos de realização, mediante despacho passível de recurso pela parte contrária, de forma a evitar-se a prática de expedientes meramente dilatórios.
42° - De qualquer forma, actualmente, a letra e ratio da norma tal qual se encontra prevista é no sentido de que, sendo o processo remetido ao Tribunal Judicial de Primeira Instância, ainda que o Juiz de Direito indefira a realização da perícia, o processo continua a ser tramitado no Tribunal Judicial.
43° - Detendo, também, competência para julgar, não podia o Tribunal de Pequena Instância Cível do Porto ordenar a devolução do processo ao Julgado de Paz do Porto quando este já se declarou incompetente.
44º - Desta forma entendemos ser o Tribunal de Pequena Instância Cível do Porto o competente para julgar da matéria dos presentes autos.
45° - Ao decidir como decidiu, foram violados os artigos artigo 41° e 59° da Lei n.° 78/2001, de 13 de Julho e do artigo 66°, 68°, 70° e 74° do C.P.C..
Termos em que, revogando-se o douto despacho recorrido e proferindo-se Acórdão que declare competente o Tribunal de Pequena Instância Cível do Porto, ordenando aí o prosseguimento dos autos.
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Circunscrito, em principio, o objecto do recurso pelas conclusões das alegações (art. 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3 do C.P.C. a questão resume-se em saber:
1) Se a competência exclusiva dos julgados de paz ocorre só na data da propositura da acção.
2) Se requerida a prova pericial nos julgados de Paz e tendo sido declarada cessada a sua competência ao abrigo do art. 59º nº 3 da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho (L.J.P.) ocorre conversão desta competência para o tribunal judicial.
3) Ou, se indeferido o requerimento de prova pericial, após remessa ao tribunal judicial competente pode, de novo remeter-se os autos ao Julgado, reatando este a competência.

O DIREITO.
A Lei 78/2001, 13 de Julho (L.J.P.) consagrou os Julgados de Paz regulando a sua competência, organização, funcionamento e tramitação.
Os Julgados de Paz estão previstos na nossa lei fundamental. Dispõe o art.209º nº1 da C.R.P. que «podem existir tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz». Estes não pertencem, todavia, à categoria dos tribunais judicias uma vez que não estão contidos no nº 1 deste preceito.
Os seus princípios orientadores estão previstos no art.2º, 2º que dispõe «os procedimentos nos julgados de paz estão concebidos e são orientados por princípios de simplicidade, adequação, informalidade, oralidade e absoluta economia processual»- ex. destes princípios são os arts. 43º, 2 e 3 e 38º 1 e 2.
«Os julgados de Paz são estruturas de mediação e conciliação, em alternativa aos tribunais comuns, mas cujas, decisões, à semelhança das decisões dos tribunais arbitrais, têm a mesma força legal dos tribunais de 1ª instância»- Joel Timóteo Ramos Pereira, Julgados de Paz, Organização Trâmites e Formulários», pág. 35 (conf. Art.61º do diploma em análise).
De acordo com o art. 6º, 1 «a competência dos julgados de paz é exclusiva a acções declarativas» e «têm competência para questões cujo valor não exceda a alçada do tribunal de 1ª instância» (art.8º).
A competência em razão da matéria está prevista no art. 9º-conjunto de acções que englobam, o incumprimento de contratos e obrigações, direitos sobre móveis e imóveis, responsabilidade civil contratual e extracontratual, arrendamento urbano, exceptuando as acções de despejo.
Não queremos deixar de salientar, a propósito deste preceito, o que dispõe o art.9º nº 1 a), são da competência dos julgados de paz «acções destinadas a efectivar o cumprimento de obrigações, com excepção das que tenham por objecto prestações pecuniárias e de que seja ou tenha sido credor originário uma pessoa colectiva».
Segundo Lúcia Dias Vargas «a intenção desta excepção foi prevenir a “colonização”dos julgados de paz por parte das entidades que constituem os clientes mais assíduos dos tribunais judicias, isto é, as empresas que propõem acções de cobrança» - Julgados de Paz e Mediação. Uma nova face da justiça, pág. 125.
A competência territorial é fixada por regras gerais e específicas conforme prevêem os arts.11º a 14º.
A competência material fixada neste preceito é exclusiva aquando da instauração da acção, sendo obrigatória sua propositura nos Julgados de Paz. Esta competência exclusiva decorre do art. 18º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, Lei nº 3/99, de 13.01 (L.O.F.T.J.) que estabelece a competência dos tribunais judiciais nas “…causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.
Os julgados de paz são outra ordem jurisdicional conforme se infere do art. 209º,2 de Constituição da República Portuguesa, já referido, e art.211º nº1 desta Lei Fundamental e art. 66º do C.P.C..
Sendo, por isso, a competência dos tribunais judiciais residual, a competência exclusiva dos julgados significa que as matérias para as quais a lei lhes atribui competência não podem ser apreciadas por outro tribunal.
Revertemos, agora, ao caso dos autos.
Os julgados de paz do Porto são competentes para conhecer do pedido a que respeita o presente processo, arts. 9º, nº1 i) e 14º da L.J.P..
Requerida prova pericial pela ré, C………., S.A., o Sr. Juiz de paz ordenou a remessa dos autos ao Tribunal de Pequena Instância cível do Porto.
Neste tribunal após apreciação e indeferimento da requerida prova pericial, foi ordenado, por sua vez, e, de novo, a remessa dos autos ao julgado de paz.
Entende a recorrente que uma vez ordenada a remessa ao tribunal judicial, o julgado de paz deixa de ser competente.
Vejamos.
Na senda da simplicidade processual, atrás referida, os julgados de paz não são competentes para apreciar incidentes suscitados nos autos como decorre do art. 41º da L.J.P, «suscitando as partes um incidente processual o juiz de paz remete o processo para o tribunal judicial competente, para que siga os seus termos, sendo aproveitados os actos processuais já praticados», (conf.art.39º e 44º).
No mesmo enfiamento o art. 59º, 3 do diploma em causa dispõe «requerida a prova pericial, cessa a competência do julgado de paz, remetendo-se os auto ao tribunal competente para aí prosseguirem os seus termos, com aproveitamento dos actos já praticados».
O objectivo destes normativos é evitar actos dilatórios, não compagináveis com os referidos princípios de celeridade e simplicidade.
Ora, da análise destes preceitos podemos concluir, que o juiz de paz não tem poder de avaliar os requerimentos das partes e decidir da sua oportunidade e legalidade, isto é, não tem um controlo prévio dos pressupostos respectivos.
O requerimento para realização de perícia (ou qualquer incidente previsto nos arts.302º a 380ºdo C.P.C.) implica a remessa automática do processo para o tribunal judicial de 1ª instância.
Significa isto que este requerimento, por si só, independentemente de vir a ser ou não admitido, faz cessar a competência dos julgados de paz.
Este tribunal perde a sua competência, não podendo, por isso, e no caso de indeferimento do incidente ou perícia remeter-se o processo, de novo, para que os autos prossigam os seus termos, reatando o julgado de paz a sua competência.
A própria lei refere que os autos prosseguem os seus termos, com aproveitamento dos actos já praticados, mas frise-se, no tribunal competente.
E, este tribunal é o que seria competente se não existisse o julgado de paz.
Estes tribunais tiveram como objecto a dejudicialização de certas causas pelo que se as partes suscitarem estes incidentes convertem a competência dos julgados de paz na competência dos tribunais judiciais, iludindo, ao fim e ao cabo, a finalidade para que foram criados. Daí que Joel Timóteo Ramos Pereira na sua obra “Julgados de Paz, organização, Trâmites e Formulários” defende que urge alterar estes dispositivos no sentido do juiz de paz ter um controle prévio sobre tais requerimentos.
Daqui se infere também que a competência exclusiva se verifica, como supra referimos, no momento da propositura da acção, e não, já, no decurso do processo.
Em conclusão, com o requerimento a solicitar a perícia a ré “C………., S.A.” fez com que o julgado de paz perdesse a sua competência. Competência que Cardona Ferreira denomina como competência funcional, “Julgados de Paz Organização e Funcionamento, pág. 58.
Atento o exposto, e na procedência das alegações dá-se provimento ao agravo e revoga-se o despacho recorrido.
Custas pela autora.

Porto, 5 de Dezembro de 2006
Maria das Dores Eiró de Araújo
Anabela Dias da Silva
Albino de Lemos Jorge