Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0726381
Nº Convencional: JTRP00040938
Relator: GUERRA BANHA
Descritores: EXECUÇÃO
NOTIFICAÇÃO DO EXECUTADO
PRESUNÇÃO
Nº do Documento: RP200801080726381
Data do Acordão: 01/08/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 261 - FLS. 37.
Área Temática: .
Sumário: 1. Na venda a realizar em acção executiva, por propostas em carta fechada, o executado tem o direito de assistir ao acto de abertura das propostas e de ser ouvido sobre a sua aceitação.
2. Não tendo o executado constituído mandatário, a notificação para tal acto é feita ao próprio executado através de carta registada remetida para o local da sua residência ou para o domicílio escolhido para a receber.
3. Esta notificação presume-se realizada no terceiro dia posterior ao registo ou no primeiro dia útil seguinte quando aquele o não seja, ainda que a carta tenha sido devolvida.
4. Esta presunção pode ser ilidida pelo notificando, desde que prove que a notificação não foi efectuada, ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que não lhe são imputáveis.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Agravo n.º 6831/07-2
1.ª Secção Cível
NUIP ………/05.1TJVNF-A
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto


I

1. Nos autos de acção executiva para pagamento de quantia certa que correm termos no …….º Juízo de Competência Cível de Vila Nova de Famalicão com o NUIP ……./05.1TJVNF-A, em que é exequente B……………, S.A., e executados C………….. e D………….., por requerimento de 06-02-2007, a fls. 46-48, a executada C…………… foi arguir a nulidade da venda da fracção autónoma designada pela letra «L» do prédio urbano sito na Rua …………, n.º…., ….., freguesia de…….., concelho de Vila Nova de Famalicão, descrita na competente Conservatória do Registo Predial sob o n.º 01074-L e inscrita na matriz predial urbana daquela freguesia sob o art. n.º 4244-L, com o fundamento de que não havia sido notificada do despacho que designou dia, hora e local para a abertura das propostas, modalidade fixada para a referida venda.

Ouvida a solicitadora de execução, disse que “a executada C………………. foi notificada da data de abertura de propostas, por carta registada para a morada onde foi citada. O expediente foi devolvido pelos serviços postais com a indicação «Não Atendeu», «Não reclamado», mas não deixando de produzir efeitos (art. 254.º, n.º 3)”. Juntando aos autos “dois envelopes e cópias de notificação”, de que constam cópias certificadas a fls. 53-56.

Ouvida a exequente sobre o mesmo requerimento, pronunciou-se no sentido de que a executada/requerente foi regularmente notificada do despacho que designou dia, hora e local para a abertura das propostas e, por isso, deveria ser indeferida a arguida nulidade,

Por despacho certificado a fls. 71-72, o Sr. Juiz indeferiu a arguida nulidade, com os fundamentos seguintes:

«C……………… veio … arguir a nulidade da venda por ter sido omitida a sua notificação.
A exequente pronunciou-se no sentido de que não foi omitida tal formalidade e a venda é válida.
A Solicitadora de Execução juntou a fls. 179, 180, 181, 182 e 183, comprovativo de ter expedido carta registada notificando-a do dia e hora da abertura de propostas. As cartas foram enviadas por correio registado para a morada onde a executada foi citada e que a mesma indica na procuração que passou a favor do seu ilustre advogado.
Consequentemente, porque na altura a executada ainda não tinha constituído mandatário e a carta foi enviada para a morada onde fora citada, considera-se a mesma notificada apesar da carta ser devolvida como "não reclamada" − cfr. art. 255.º, n.º 1, do CPC, que remete para o estabelecido quanto a notificações aos mandatários e o previsto quanto a estes no art. 254.º, n.º 3, do mesmo diploma.
Nestes termos, julgo improcedente a arguição da nulidade da venda por omissão de notificação da executada.»

2. A executa C………….., não se conformando com essa decisão, recorreu para esta Relação, recurso que foi admitido como agravo, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo (fls. 77).

Da sua alegação relativa a este agravo, a agravante extraiu as conclusões seguintes:

1. O presente recurso vem interposto do despacho que julgou improcedente a arguição da nulidade da venda por omissão de notificação da executada e condenou a mesma nas custas de tal incidente.

2. Instaurada a Execução Comum (Sol. Execução) n.º ……./05.1TJVNF que corre termos pelo ….º Juízo de competência cível de Vila Nova de Famalicão, foi desde logo nomeado à penhora a fracção autónoma designada pela letra "L", que constitui a casa de morada de família da aqui agravante.

3. A execução prosseguiu os seus termos legais, tendo sido determinada a venda de tal imóvel, mediante propostas em carta fechada.

4. A executada, aqui agravante, não foi notificada do despacho que designava dia e hora para abertura de propostas em carta fechada (ao abrigo dos disposto no art. 876.º n.º 2 do C.P.C.), formalidade essencial da dita demanda executiva e que nela teve influência, pois, tal preterição determinou a realização da venda do imóvel aqui em consideração.

5. Isto porque, no dia designado para tal diligência, a executada, aqui agravante, não estando presente, foram abertas as propostas apresentadas e o bem adjudicado.

6. Ora, se a executada já havia sido citada na presente execução, por carta registada com A/R, a notificação do despacho que designou dia e hora para abertura de propostas em carta fechada deveria ter tido lugar através de carta registada, para a mesma indicada morada.

7. A anulação da venda por força da preterição de formalidade prevista na lei, nos termos do artigo 201°, remete para o regime geral da nulidade dos actos, e que só a produz se a irregularidade cometida puder influir no exame ou na decisão da causa.

8. E esta norma do art. 201.º do C.P.C. contenta-se que tal causa hipotética ou virtual, possa ter influência no exame ou na decisão da causa, sendo que no caso em apreço a falta cometida foi susceptível de atingir tal desiderato.

9. Pois, no caso, a venda anunciada, o foi por propostas em carta fechada e teve lugar nesse dia em que a executada não se encontrava presente (note-se que a mesma não pôde optar por estar ou não presente) como a lei lhe permitia; por via dessa falta de notificação não terá podido procurar compradores interessados de forma a conseguir melhor preço, pagar a dívida ou conseguir remir o bem;

10. Ora, tal falta de notificação da executada, aqui agravante, foi susceptível de ter influência na decisão da referida causa, tendo-se cometido desta forma uma nulidade relevante, que, nos termos do disposto no artigo 201.º e 909.º n.º 1 alínea c) do C.P.C. determina a anulação dos termos subsequentes, designadamente, ficando a venda sem efeito; pois tivesse estado presente a executada em tal diligência, a venda não se teria concretizado.

11. Foi junto aos autos executivos pela agente de execução, um requerimento mediante o qual se procurou comprovar que foi notificada a executada do dia e hora de abertura de propostas, mediante cartas enviadas por correio registado para a morada onde a executada foi citada.

12. Porém, tal expediente foi devolvido pelos serviços postais, com a indicação de "não atendeu", "não reclamado", pelo que, assim tendo sucedido, … não há qualquer possibilidade, de e com certeza absoluta, afirmar que no dia e hora em que o funcionário dos serviços postais, efectuou a distribuição de tal notificação (marcação de diligência para abertura de propostas em carta fechada) que a aqui agravante não se encontrava na sua residência, ou alguém, que por ela pudesse receber tal notificação, tanto mais que se trata da sua casa de morada de família.

13. A entrega postal não foi efectivamente concretizada, nem mesmo ocorreu qualquer tentativa para a sua realização.

14. Diariamente, são realizadas milhares de entregas postais, o que por si só determina o cometimento de irregularidades, que bem podem ter ocorrido no caso presente,

15. Desde logo, porque o distribuidor postal se tivesse enganado quanto número da porta a entregar o serviço, ou mesmo quanto ao andar a efectivar a distribuição e por isso mesmo ter colocado a aposição "não atendeu" que a executada, aqui agravante, por tal engano, nunca chegou a ter acesso.

16. Para além de que, e porque existe uma constante movimentação nos serviços de entrega postal, pode ter ocorrido o facto do distribuidor desconhecer o local da entrega, e por isso não a ter realizado, ou sequer tentado a sua concretização e por isso ter colocado a menção de "não atendeu", o que não seria de estranhar, para facilitar a sua actuação, demonstrativa, de serviço cumprido, junto do respectivo superior hierárquico.

17. O que, sempre pode ter acontecido mesmo tratando-se do distribuidor habitual da zona, que até por motivos de ordem pessoal, não podendo realizar a distribuição aqui em consideração, omitindo aqueles ao seu superior hierárquico, bem pode ter preterido a entrega e no respectivo serviço ter apontado a menção "não atendeu".

18. Aliás, por motivos que também se podem prender com o atraso do serviço, pois também os distribuidores têm horários a cumprir, não ter sido possível a deslocação à morada da executada, a aqui agravante, e assim se ter optado pela não efectivação da realização da mesma e daí a aposição de "não atendeu".

19. Por todas estas razões, não é fiável a aposição de “não atendeu” e consequentemente da “não reclamado”, tanto mais que a executada, aqui agravante, sempre, e até tal data, havia recepcionado todas as notificações que lhe foram remetidas no âmbito da execução referida.

20. É evidente, que se tivesse sido correctamente realizado o serviço postal aqui em consideração, a executada, aqui agravante teria, pessoalmente, procedido ao seu levantamento junto dos CTT, até porque sempre recebeu e nunca recusou o recebimento de qualquer notificação relacionada com a apontada demanda executiva.

21. Não pode a justiça acomodar-se com tais comportamentos e ficar prejudicada a aqui agravante, por irregularidades que não lhe podem ser imputáveis, tanto mais que se trata da sua casa de morada de família.

22. Termos em que não se pode considerar que executada, aqui agravante, tenha sido notificada para a diligência de abertura de propostas em carta fechada quando a missiva para tal efeito veio a ser devolvida com a aposição de "não atendeu" e ainda "não reclamada".

23. O despacho recorrido violou o disposto nos artigos 886.º-A, 876.º n.º 2, 893.º n.º 1, 201.º e 909.º n.º 1 alínea c), todos do Código de Processo Civil, bem assim os princípios inerentes à certeza e segurança jurídicas que devem subsistir em qualquer demanda judicial, especialmente, quando se trata de assegurar o direito à habitação da agravante, e que no caso ficam prejudicadas com o despacho que se pretende "expulsar" da nossa ordem jurídica.

2.1. Contra-alegou a exequente, concluindo:

1) Em 28-Nov-2006 a recorrente foi notificada do dia, hora e local da diligência de abertura de propostas em carta fechada para aquisição do bem imóvel objecto de venda.

2) Notificação efectuada por meio de carta registada para a morada onde a recorrente foi citada.

3) Apesar de não ter sido recepcionada pela executada e ter sido devolvida à Sr.a Solicitadora de Execução com as indicações "Não recebida" e "Não reclamada" a notificação considera-se efectuada, nos termos do disposto nos arts. 255.º/1, 254.º/2, 3 e 4 CPC, no dia 04-Dez.

4) A presunção estabelecida no art. 254.º/2 CPC é uma presunção ilidível, o que a recorrente não logrou fazer com factos e provas concretas.

5) A recorrida sabe − pela pessoa do seu mandatário, que ambos os executados tinham conhecimento da data, hora e local da venda, uma vez que os mesmos entraram em contacto com o escritório da Exequente no sentido de pretenderem evitar a venda do imóvel apresentando uma solução extrajudicial do litígio.

6) A presença da recorrente da venda não teria influenciado de forma decisiva no decorrer da mesma, tal qual a mesma veio a ocorrer.

7) Pelo contrário a recorrida, que é também adquirente do imóvel, despendeu já várias quantias por força da aquisição do imóvel, confiando na validade e regularidade da instância executiva.

8) Pelo que deve a certeza e segurança processuais ser preservadas.

2.2. O Sr. Juiz manteve o despacho agravado.

3. A única questão a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela recorrente, que delimitam o objecto do recurso (arts. 684.º, n.º 2 e 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), consiste em apreciar se deve ou não considerar-se regularmente notificada a recorrente do dia, hora e local designados para a abertura das propostas com vista à venda do imóvel penhorado nos autos e, na hipótese de se confirmar que não ocorreu a sua notificação em termos regulares, se tal omissão ou irregularidade dá lugar à anulação da venda realizada sem a presença da executada.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II

4. Com interesse para a apreciação do objecto deste agravo, os autos revelam a seguinte factualidade:

1) Em 27-11-2006, a solicitadora de execução remeteu à executada C……………, por meio de registo postal, a carta certificada a fls. 53, notificando-a de que “foi fixado o dia e hora adiante indicado para a abertura das propostas de venda dos bens penhorados: Dia: 18 de Dezembro de 2006; Hora: 14:00; Local: Juízos de Competência Cível de Vila Nova de Famalicão”.

2) A referida carta foi remetida para a mesma morada onde a referida executada tinha sido citada para a execução, sita na Rua ……., n.º…, ...º direito, em ……., 4760-306 Vila Nova de Famalicão (fls. 53 e 61-66).

3) A mesma carta foi devolvida à solicitadora de execução com os seguintes dizeres escritos e rubricados pelo carteiro: “AVISADO … Não entrega no Domicílio por: Não Atendeu Hora 10:00 Data 30-11-2006” e “Não Reclamada” (fls. 54).

4) À data, a executada C…………… não estava representada no processo por mandatário, que só posteriormente, em 06-02-2007, constituiu e juntou aos autos a respectiva procuração (fls. 49).

É perante esta factualidade que importa apreciar se deve, ou não, considerar-se a recorrente regularmente notificada para a diligência da venda do bem penhorado.

5. O Sr. Juiz considerou no despacho recorrido que a notificação à executada, ora recorrente, foi realizada segundo o que se encontra estabelecido no art. 254.º, n.º 1, do Código de Processo Civil para as notificações aos mandatários, para que remete o disposto no n.º 1 do art. 255.º do mesmo código relativamente às notificações a efectuar às partes, ou seja, através de carta registada para o local do seu domicílio, onde já tinha sido citada, presumindo-se feita a notificação no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, independentemente de a carta ser devolvida, nos termos das disposições dos n.ºs 3 e 4 do art. 254.º do Código de Processo Civil.

Cremos que esta decisão corresponde rigorosamente ao que dispõem as normas legais que se referem a esta matéria e são aqui aplicáveis, e, por isso, só pode merecer a nossa concordância.

Assim, importa começar por dizer que, embora a presença da executada ao acto de abertura das propostas não seja considerada por lei essencial e muito menos indispensável, a lei confere-lhe o direito de assistir e tomar posição nas decisões que devam ser proferidas sobre a venda, designadamente quando esta decorrer na modalidade de propostas em carta fechada, a que alude o art. 886.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil.

Neste sentido, dispõe o n.º 1 do art. 893.º do Código de Processo Civil que as propostas são abertas na presença do juiz, “devendo assistir à abertura o agente de execução e podendo a ela assistir o executado, o exequente, os reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender e os proponentes”. Faz-se notar que, diferentemente do que sucede em relação à presença do solicitador de execução, em que a lei usa a expressão “devendo assistir”, para acentuar a relevância essencial da sua presença no acto da abertura das propostas, tanto mais que lhe compete elaborar o auto de abertura e aceitação das propostas (art. 899.º do Código de Processo Civil), em relação à presença do executado, como do exequente e dos reclamantes, a lei usa a expressão “podendo a ela assistir”, como se tratando de uma mera faculdade dos próprios, que a exercem ou não, sem afectação da regularidade e da normalidade do acto.

No seguimento lógico dessa conceptualização normativa, o n.º 1 do art. 894.º do Código de Processo Civil dispõe que, imediatamente após a abertura das propostas, ou depois de efectuada a licitação ou o sorteio a que houver lugar, “são as propostas apreciadas pelo executado, exequente e credores que hajam comparecido; se nenhum estiver presente, considera-se aceite a proposta de maior preço, sem prejuízo do disposto no n.º 3”. O que quer dizer que, o executado, decidindo assistir ao acto e encontrando-se presente, tem o direito de ser ouvido sobre a aceitação ou não das propostas.

Não restam, pois dúvidas, de que a executada tinha o direito de estar presente ao acto de abertura das propostas e de ser ouvida sobre a sua aceitação. E, por isso, tinha que ser notificada do dia, hora e local da sua realização.

Questiona-se, então: como deveria realizar-se esta sua notificação?

6. Neste aspecto, a recorrente não diverge do despacho recorrido.

Considerando que, então, a executada não estava representada por mandatário judicial, as formalidades a cumprir nesta notificação são as previstas no art. 255.º do Código de Processo Civil. Que, por sua vez, remete para “os termos estabelecidos para as notificações aos mandatários”, previstos no art. 254.º do mesmo código.

Assim, sob a epígrafe “Notificações às partes que não constituam mandatário”, dispõe o n.º 1 do art. 255.º do Código de Processo Civil: “Se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações ser-lhe-ão feitas no local da sua residência ou sede ou no domicílio escolhido para o efeito de as receber, nos termos estabelecidos para as notificações aos mandatários”.

Às formalidades a observar nas notificações aos mandatários refere-se o art. 254.º do mesmo código, que dispõe no seu n.º 1: “Os mandatários são notificados por carta registada, …, podendo ser também notificados pessoalmente pelo funcionário quando se encontrem no edifício do tribunal”.

Da conjugação das duas normas legais decorre que as notificações às partes que não tenham constituído mandatário são feitas por carta registada remetida para o local da sua residência ou domicílio escolhido para as receber, podendo também ser notificados pessoalmente pelo funcionário quando se encontrem no edifício do tribunal.

Neste caso, os elementos dos autos revelam que o solicitador de execução, a quem cabia cumprir essa tarefa, enviou à recorrente carta registada para a morada onde tinha sido citada para esta execução e que era também a sua residência familiar, como a própria reconhece, notificando-a do dia, hora e local da abertura das propostas. Assim cumprindo integralmente as formalidades prescritas naqueles preceitos legais.

Sucede que essa carta foi devolvida ao solicitador de execução pelo motivo de que, primeiro, quando o carteiro se dirigiu à morada da executada para lha entregar pessoalmente, esta “não atendeu”; depois porque, tendo o carteiro deixado aviso na sua caixa do correio para que fosse levantar a carta nos serviços postais, dentro do prazo ali fixado, a executada não a foi levantar.

O Sr. Juiz considerou, e bem, que perante este circunstancialismo e não tendo a executada demonstrado, com factos e provas concretas, que o não recebimento da notificação não lhe era imputável, presume-se efectuada no terceiro dia posterior ao do registo, nos termos das disposições dos n.ºs 3, 4 e 6 do art. 254.º do Código de Processo Civil.

Efectivamente assim é.

Prescreve aquele n.º 3 que “a notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja”. O n.º 4 acrescenta que “a notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido”, desde que a remessa tenha sido feita … para o local da residência ou o domicílio escolhido. Nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, “juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere o número anterior”.

Ora, a carta remetida à executada foi endereçada para a morada onde antes havia sido citada e onde a própria residia. Pelo que a notificação se presume efectuada no terceiro dia posterior ou no primeiro dia útil seguinte.

Trata-se, é certo, de uma presunção ilidível. Mas o preceito do n.º 6 do mesmo artigo estabelece que esta presunção só pode ser ilidida pelo notificado, desde que prove que “a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis”. É que, mesmo aceitando que a executada pudesse não estar em casa no momento em que ali se dirigiu o carteiro, este deixou-lhe aviso no receptáculo postal, para que fosse levantar a carta nos serviços postais da área, dentro de um prazo de alguns dias. O que não fez.

E contra isto o que diz a executada?

No requerimento em que arguiu a nulidade, a fls. 46-48, não disse rigorosamente nada para ilidir aquela presunção. Apenas invocou que não foi notificada. Como se da parte do tribunal, ou, neste caso, do solicitador de execução, nenhuma diligência tivesse sido feita.

Quando confrontada com a carta e demais documentos que lhe foram remetidos e tinham sido devolvidos, juntos aos autos pela solicitadora de execução a fls. 52-54, a executada limitou-se a dizer que “a ser verdade que tal expediente foi devolvido pelos serviços postais … tal notificação não pode produzir efeitos nos termos do prescrito no n.º 3 do art. 254.º do Código de Processo Civil” porque “a aqui executada não havia constituído mandatário”.

Ora, como vimos, a presunção contida no n.º 3 do art. 254.º do Código de Processo Civil é também aplicável às notificações efectuadas às partes que não tenham constituído mandatário. De modo que a executada, em vez de tentar provar que o não recebimento da carta não lhe podia ser imputável, como lhe impõe o preceito do n.º 6 do referido art. 254.º, para ilidir aquela presunção, tentou antes iludir aquele ónus, no sentido de que não se mostra efectuada a sua notificação e que isso basta. Mas não basta.

Nas alegações do presente agravo a recorrente já parece admitir a aplicação daquela presunção (pelo menos não a exclui), mas, para a ilidir, limita-se a divagar sobre meras conjecturas, vaga e abstractas, do tipo: “não há qualquer possibilidade, de e com certeza absoluta, afirmar que no dia e hora em que o funcionário dos serviços postais efectuou a distribuição de tal notificação … que a aqui agravante não se encontrava na sua residência, ou alguém, que por ela pudesse receber tal notificação, tanto mais que se trata da sua casa de morada de família”; “Diariamente, são realizadas milhares de entregas postais, o que por si só determina o cometimento de irregularidades, que bem podem ter ocorrido no caso presente”; “Desde logo, porque o distribuidor postal se tivesse enganado quanto ao número da porta a entregar o serviço, ou mesmo quanto ao andar a efectivar a distribuição”; “… pode ter ocorrido o facto do distribuidor desconhecer o local da entrega, e por isso não a ter realizado, ou sequer tentado a sua concretização e por isso ter colocado a menção de "não atendeu", o que não seria de estranhar, para facilitar a sua actuação, demonstrativa, de serviço cumprido, junto do respectivo superior hierárquico”.

Ora, como já se disse supra, o preceito do n.º 6 do art. 254.º do Código de Processo Civil impõe ao notificado o ónus de provar que a notificação não foi efectuada “por razões que lhe não sejam imputáveis”.

Não pode constituir razão não imputável ao notificado, susceptível de ilidir a presunção legal de notificação, a alegação de uma mera possibilidade de engano por parte do carteiro quanto ao número da porta, do prédio ou do andar, mas tão só a prova de que o carteiro se enganou. O que se aplica, por identidade de razão, a qualquer outra hipotética causa que seja invocada. Porque é necessário que a causa seja real, e não meramente hipotética ou virtual.

E, portanto, não tendo a recorrente indicado nenhuma causa real, concreta, estranha à sua pessoa, para o não recebimento da carta registada que lhe foi enviada, não pode afastar-se a presunção legal de recebimento da dita carta nem, consequentemente, considerar-se ilidida a presunção de notificação a que aludem os n.ºs 3 e 4 do art. 254.º do Código de Processo Civil.

E, deste modo, só pode concluir-se pela notificação regular da executada.

7. Sumariando:

1) Na venda a realizar em acção executiva para pagamento de quantia certa, na modalidade de propostas em carta fechada, o executado tem o direito de assistir ao acto de abertura das propostas e de ser ouvido sobre a sua aceitação (arts. 893.º, n.º 1, e 894.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

2) Para o efeito, tem que ser notificado do dia, hora e local da abertura das propostas.

3) Não tendo constituído mandatário, a notificação é feita ao próprio executado, segundo as formalidades prescritas nos arts. 255.º, n.º 1, e 254.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ou seja, através de carta registada remetida para o local da sua residência ou para o domicílio escolhido para as receber, entendendo-se como tal a morada onde foi citado, se, entretanto, outra não for indicada.

4) A notificação feita nestes termos presume-se realizada no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte quando aquele o não seja, ainda que a carta tenha sido devolvida.

5) Esta presunção pode ser ilidida pelo notificado, desde que prove que a notificação não foi efectuada, ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não são imputáveis.

6) Não ilide aquela presunção a mera alegação de que o não recebimento da carta pode ter-se devido a hipotético erro ou engano do carteiro no número da porta, do prédio ou do andar, ou a outra qualquer causa meramente hipotética, mas tão só a prova de que esse erro ou engano foi efectivamente cometido e foi causa do não recebimento da carta.


III

Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo.

Custas pela agravante (art. 446.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe tenha sido concedido (fls. 35-38).


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Relação do Porto, 08-01-2008
António Guerra Banha
Anabela Dias da Silva
Maria do Carmo Domingues