Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00033639 | ||
| Relator: | FONSECA RAMOS | ||
| Descritores: | PRIVILÉGIO CREDITÓRIO EXTINÇÃO FALÊNCIA CRÉDITO DA SEGURANÇA SOCIAL HIPOTECA LEGAL | ||
| Nº do Documento: | RP200201070151621 | ||
| Data do Acordão: | 01/07/2002 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recorrido: | 2 J CIV BARCELOS | ||
| Processo no Tribunal Recorrido: | 250-Q/99 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO. | ||
| Área Temática: | DIR CIV - DIR OBG. | ||
| Legislação Nacional: | CPEREF93 ART152. DL 103/80 DE 1980/05/09 ART10. CCIV66 ART704. | ||
| Sumário: | A abolição dos privilégios creditórios de certas entidades. no processo de declaração de falência do devedor, abrange os créditos da Segurança Social que estejam garantidos por hipoteca legal. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto Recorrente: Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, Delegação de ........ Recorrida: Massa Falida de “C........., Ldª”. 1) - “C............., Ldª” requereu, pelo Tribunal Judicial de ............ a aplicação de uma medida de recuperação ao abrigo do regime previsto no DL. 123/93, de 23.4. 2) - Por sentença de 12.5.2000 – transitada em julgado – foi declarada a falência da sociedade requerente. 3) - Aberto o concurso de credores foram reclamados os créditos identificados na sentença de fls. 53 a 64, que aqui se dão por reproduzidos. 4) - Nenhum dos créditos reclamados foi impugnado. 5) - Entre os credores reclamantes conta-se o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, Delegação de ....., ex-Centro Regional de Segurança Social do ......, que reclamou créditos garantidos por hipoteca legal, a saber: I- pelo valor de 137.758.668$00, constituída sobre imóvel sito em ........, descrito na Conservatória do Registo Predial de ......... sob o nº........./........, registada sob a Ap..../.........; II- pelo valor máximo de 11.664.895$00, constituída em 13.9.1999, para garanta de contribuições vencidas e juros de mora registada, sobre o mesmo imóvel - Ap. ..../....... 6) - Na sentença recorrida, que graduou os créditos reconhecidos e fixou a data da falência, em 12.5.2000, foi decidido que a extinção geral de privilégios operada pelo art. 152º do CPEREF abarca também as hipotecas legais, pelo que os créditos do IGFSS foram graduados como créditos comuns , ou seja, sem beneficiarem daquela garantia. *** Inconformada com o assim sentenciado recorreu o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social que, alegando, formulou as seguintes conclusões:A) - Para garantia do seu crédito a título de contribuições e de juros de mora, recorrente constituiu validamente, em 6 de Janeiro de 1998 e em 19 de Setembro de 1999, duas hipotecas legais sobre o único imóvel da credora, que entretanto veio a ser declarada falida; B) - A hipoteca legal, devidamente constituída e registada, é um direito real de garantia que concede ao credor hipotecário o direito a ser pago preferencialmente sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo; C) - O Meritíssimo Juiz, na douta sentença de graduação e de verificação de créditos recorrida, incluiu o crédito do recorrente na graduação geral dos créditos sobre a falida, desatendendo a preferência legal que as hipotecas legais conferem ao seu crédito. D) - Nos termos do artigo 200° do C.P.E.R.E.F. o Juiz, na sentença de verificação e de graduação dos créditos, deverá proceder a uma graduação especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia na qual deveria incluir o crédito do Instituto de Gestão Financeira, garantido que estava, o mesmo, por duas hipotecas legais; E) - O artigo 152°, 1a parte do C.P.E.R.E.F., assim como as disposições preambulares que a este artigo se referem, apenas se refere à causa legítima de preferência estabelecida pelos privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e instituições de segurança social; F) - Não pode o intérprete estender de tal forma o conceito de privilégios creditórios, conceito que usa no seu sentido próprio: técnico- jurídico, de forma a abarcar outros direitos aos quais a lei reconhece preferência no concurso de credores, partindo-se de uma subespécie de preferências para se abarcar a totalidade das mesmas, quando o legislador expressamente só se quis referir aos primeiros; G) - Tal raciocínio viola as regras de interpretação estabelecidas no art. 9°, n.° 3 do Código Civil, exorbitando o sentido próprio da lei, caindo numa interpretação extensiva, senão mesmo ab-rogante ou revogatória, quando se trata de uma norma restritiva de natureza excepcional. H) - Na douta sentença que ora se recorre, o Meritíssimo Juiz não fez, entre os créditos reclamados pelo ora recorrente, a distinção daqueles que se tendo vencido no decurso do processo de recuperação de empresas e de falência continuam a gozar de privilégio creditório, por força da 2ª parte do artigo 152° do C.P.E.R.E.F., graduando-os na graduação especial. I)- Assim o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” na douta sentença de verificação e de graduação dos créditos, ao graduar o crédito do recorrente violou os artigos 9°, nº3, 604° e 686° todos do Código Civil, assim como os artigos 152° e 200° do C.P.E.R.E.F.. *** Não houve contra-alegações.Colhidos os vistos legais, cumpre decidir tendo em conta que a matéria de facto relevante é a que antes se deixou vertida, sob os itens 1) a 6) e que aqui se tem por reproduzida. Fundamentação: A questão objecto do recurso, delimitada pelo teor das conclusões da apelante consiste em saber se, declarada a falência, os créditos da vulgarmente designada “Segurança Social” garantidos por hipoteca legal, perdem o direito de ser graduados preferencialmente por se lhes aplicar o preceituado no art. 152º do CPEREF - que aboliu os privilégios da Segurança Social, tal como os do Estado e Autarquias Locais. Na sentença recorrida perfilhou-se a interpretação de que - “Não teria sentido o legislador extinguir uns privilégios e deixar outros, tendo em conta que o privilégio em questão encontra-se estabelecido na lei conjuntamente com outros. Acresce que o referido art. 152º do CPEREF não estabelece qualquer diferenciação entre as diversas formas pelas quais os créditos das entidades ali referidas (nas quais se enquadra a Segurança Social) se encontram garantidos”. Daí que tivesse aplicado o regime do preceito legal citado aos créditos do reclamante/recorrente, graduando-os sobre o imóvel hipotecado, como créditos comuns. “Privilégio creditório - é um direito conferido a certos credores, de serem pagos, em atenção à natureza dos seus créditos, de preferência a outros credores (P. Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, nota ao art. 733.°)”. “Privilégios creditórios - esta garantia especial das obrigações tem apenas em vista assegurar determinadas dívidas que, por sua natureza, se encontram especial-mente relacionadas com certos bens do devedor, justificando-se, portanto, que sejam pagas de preferência a quaisquer outras, até ao valor dos mesmos bens (Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4ª ed.-674). Podem ser mobiliários e estes gerais ou especiais e imobiliários (sempre especiais) de acordo com a natureza dos bens sobre que recaem (ob. cit., 676)”. A definição legal de privilégio creditório contem-se no art. 733º do Código Civil: “Privilégio creditório é a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente de registo, de serem pagos com preferência a outros”. O citado Código reconhece-os em duas espécies: os mobiliários e imobiliários – art. 735º. Os créditos por contribuições devidas à segurança social gozam, nos termos dos arts. 10º e 11º do DL. 103/80, de 9 de Maio, daquelas duas espécies de privilégio. “Os privilégios mobiliários gerais não têm natureza de garantias reais das obrigações, impedindo, consequentemente, o exercício do direito de sequela contra o possuidor dos bens onerados” – Ac. do STJ, de 13.10.1990 , in BMJ 400-600. “As hipotecas legais resultam directamente da lei sem dependência da vontade das partes, e podem constituir-se desde que exista a obrigação a que servem de segurança” – art. 704º do Código Civil. Os créditos da segurança social, além de outras garantias consignadas nos arts. 10º a 13º do DL. 103/80, gozam de hipoteca legal sobre os imóveis existentes no património dos empregadores. O art. 152º do CPEREF – DL. 132/93, de 23.4 - estabeleceu: “Com a declaração de falência extinguem-se imediatamente, passando os respectivos créditos a ser exigidos como créditos comuns, os privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social, excepto os que se constituírem no decurso do processo de recuperação da empresa ou da falência” – versão do DL. 315/98, de 20.10, em vigor desde 20 de Novembro, que, em relação à versão inicial do DL. 132/93, (CPEREF) de 23.4, apenas aditou o inciso final. A declaração de falência, por si só, retira o privilégio de que gozavam os créditos elencados naquele normativo que passaram a ser considerados créditos comuns. A “ratio legis” de tal preceito visou estabelecer uma certa paridade entre os credores comuns (privados) e os, diríamos públicos, do devedor que conduzia a duas consequências perversas: a) - os titulares de créditos privilegiados, seguros da sua supremacia, em termos de graduação dos créditos com os deles concorrentes, pouco motivados estariam para dar o seu contributo para a recuperação de empresas em situação quase-falimentar; b) - o facto de existirem os privilégios - agora banidos - contribuía para que os credores comuns se deixassem apoderar de desalento sabendo, como sabiam, que raramente algo para si sobraria, após o pagamento daqueles credores, pelo que, também por aí, o esforço de viabilização de empresas em crise se frustrava. Impôs tal normativo uma espécie de “solidariedade económico-social” aos entes estaduais/públicos - de que antes estavam desonerados - chamando-os a arcar, também, com os inconvenientes da situação crítica das empresas. Sendo realidades diversas, os privilégios creditórios e a hipoteca legal, avultando desde logo, o facto de aqueles não serem objecto de registo e esta o ser, o que assim, pela via da publicidade registral constitui uma indicação aos agentes e económicos acerca da situação jurídica dos prédios, coloca-se a questão de saber se é “legítimo” incluir no regime legal do art. 152º a que aludimos, o regime das hipotecas legais de que beneficiam os créditos da segurança social. A propósito do tema que nos ocupa, os tratadistas Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in “Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência Anotado”, 3ª edição, pág.404 ponderam: “O preceito deixa no olvido as hipotecas legais. Cumpre explicar o alcance desta omissão, que levantou divergências mas sobre o qual o legislador entendeu por bem não se pronunciar na revisão do Código, como devia, a nosso ver, ter feito. Atenta a acima referida ratio legis do preceito, deve entender-se, por paridade de razão, que lhes é aplicável o regime do preceito, extinguindo-se imediatamente com a declaração da falência as hipotecas atribuídas como garantia de créditos das entidades nele referidas. A não ser assim, estaria o legislador a retirar com uma das mãos o que dava com a outra. E essa não foi decerto, a sua intenção, como decorre de várias reflexões e trabalhos preparatórios do Código, entre os quais se pode apontar o estudo de Antunes Varela, “A recuperação das empresas economicamente viáveis em situação financeira difícil”, in R.L.J., Ano 123, nºs 3794 e segs., págs. 203 e seguintes. Ainda no sentido do texto, parece alinhar Lima Guerreiro, “Os Créditos Fiscais”,, cit., págs. 12 e 13, embora o ponto em questão não seja directamente tratado. Mais explícita a anotação que este Autor, em conjunto com Norberto Severino, faz no “Código dos Processos Especiais”, cit., págs. 153 e, sobretudo, 185”. Esta interpretação não mereceu o aplauso do douto Ac. do STJ, de 3.3.1998, in BMJ 475-548, com o fundamento essencial de que o art. 152º do CPEREF não se refere às hipotecas legais e que, se o legislador entendeu incentivar os entes públicos a lutarem pela viabilização das empresas, não o quis fazer a qualquer preço. A questão é, como antes dissemos, de interpretação da “ratio legis” do preceito. Abolir os privilégios creditórios de que beneficiava, “in casu”, a segurança social e manter a preferência resultante da hipoteca legal é, no fundo manter tudo na mesma, porquanto não se “protegendo” o crédito pela via dos privilégios creditórios, dava-se-lhe tratamento de favor, pela via da hipoteca legal, que não deixa de ser um “benefício” que a lei, directamente, atribui aos créditos previdenciais. A “ratio legais” do preceito – art. 152º do CPEREF - não tem na sua base a ideia de proteger outros credores mas empenhar na recuperação das empresas, os entes a quem tal normativo “retirou” os privilégios. A ser esta, como claramente nos parece ser, a razão de tão inovador preceito, o argumento baseado na diferença conceptual, entre o regime dos privilégios e o da hipoteca legal, mormente o facto desta estar sujeita a registo e aqueles o não estarem, não assume qualquer relevo. Mais que razões meramente formais importa o elemento racional ou teleológico da lei, ou seja, o fim visado pelo legislador. No caso em apreço impõe-se interpretar extensivamente o preceito do art. 152º do CPEREF de modo a nele ser incluída a hipoteca legal de que beneficiam as entidades nele aludidas. Há identidade de razão entre o regime consagrado para os privilégios creditórios e o da hipoteca legal tendo em conta os fins prosseguidos pelo legislador ao abolir aqueles. Estamos perante um caso em que a letra da lei ficou aquém do seu espírito, havendo identidade de razões para retirar os privilégios creditórios aos credores a que se refere o art. 152º citado, e desconsiderar a hipoteca legal de que beneficiam que, em substância a ser atendida, frustaria a intenção legislativa. A razão de ser da hipoteca legal é a mesma que está na génese da atribuição de privilégios creditórios a certos créditos pois que tem por base “... A necessidade especial de assegurar o cumprimento de certos créditos em atenção à qualidade dos credores (o Estado e demais pessoas colectivas) à posição do credor face ao devedor - art. 705º c) – ou à natureza da dívida”- Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. II, 5ª edição, pág.551. No caso “sub-judice”, os créditos do apelante, no total de cerca de 147 milhões de escudos, perderiam a “vantagem” da graduação como privilégio imobiliário mas, por via da hipoteca legal, acabariam por “recuperar” tal vantagem, ou seja, o privilégio que o legislador não quis que tivessem. Finalmente, importa afirmar que a restrição contida na parte final do art.152º, emergente da redacção do DL. 315/98, - “excepto se os que se constituírem no decurso do processo de recuperação de empresa ou de falência” - se não aplica no caso em apreço. Com efeito, tal regime apenas se aplica aos processos iniciados após o seu regime de vigência, e não à data da declaração da falência. Decisão: Nestes termos acorda-se negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida. Sem custas por delas estar isenta o recorrente. Porto, 7 de Janeiro de 2002 António José Pinto da Fonseca Ramos José da Cunha Barbosa José Augusto Fernandes do Vale |