Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0622564
Nº Convencional: JTRP00039865
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: SERVIDÃO
EXTINÇÃO
Nº do Documento: RP200612120622564
Data do Acordão: 12/12/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: LIVRO 235 - FLS. 63.
Área Temática: .
Sumário: I- As servidões não aparentes não podem ser constituídas por usucapião; uma vez constituídas, se os sinais desaparecem ou não existem na actualidade, não desapareceu o direito antes constituído.
II- Se se colocam dúvidas sobre o “modo” de exercício da servidão, deve o intérprete servir-se destes dois princípios fundamentais: satisfação das necessidades normais e previsíveis do prédio dominante; menor prejuízo para o prédio serviente.
III- No juízo sobre a desnecessidade da servidão, a par da inutilidade para o prédio dominante, deve ponderar-se se os interesses postergados do prédio dominante são atendíveis, ou seja, se a servidão, a manter-se, se revela de escassa utilidade para o dominante.
IV- Recai sobre o requerente da extinção da servidão por desnecessidade o ónus da prova da viabilidade de eventuais obras e de que o incómodo e dispêndio advenientes da alteração não são excessivos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto*

Os Factos
Recurso de apelação interposto na acção com processo sumário nº…../00, do …º Juízo da Comarca de Marco de Canaveses.
Autores – B…………. e C…………. e esposa D………….. .
Réus – E…………. e mulher F………….

Pedido
A – Que se reconheça o direito de propriedade da herança sobre os prédios identificados no artº 7º da P.I.
B – Que se reconheça que sobre o prédio identificado no artº 14º está implantada uma servidão de passagem a favor do prédio da herança identificado na al.a) do artº 7º, com as características referidas nos artºs 33º a 39º.
C – Que se condenem os RR. a destruir o muro referido no artº 23º, numa extensão nunca inferior a 2,5m., de modo a permitir aos AA. a passagem com carro de bois ou tractor.
D – A destruir as beiradas referidas nos artºs 43º e 44º.
E – A pagar aos AA. a quantia de Esc. 75.000$00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais resultantes da destruição do penedo e escadas, referidos no artº 16º.
F – A retirar os ferros referidos no artº 47º.
G – A retirar os tubos referidos no artº 53º.
H – A restituir aos AA. a parcela de terreno identificada no artº 57º, nomeadamente destruindo o muro referido no artº 56º, na extensão correspondente à referida parcela e recolocando, no local em que se encontravam, os marcos referidos no artº 58º.
I – A colocar essa parcela no estado em que se encontrava antes da construção do referido muro, nomeadamente retirando a terra, lenha e outros objectos referidos no artº 59º.
J – A pagar aos AA. a quantia de Esc. 90.000$00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais derivados da queda de árvores referidas no artº 60º.
L – A se absterem de passar pelo prédio da herança identificado na al.a) do artº 7º.
M – A se absterem de colocar quaisquer veículos automóveis ou outros objectos junto à entrada referida nos artºs 51º e 52º ou por qualquer outro modo impedir ou perturbar o exercício pelos AA. do direito de propriedade sobre os prédios identificados no artº 7º e do direito de servidão de passagem referido nos artºs 33º a 39º.
N – A pagar aos AA. indemnização pelos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais causados àqueles e derivados das suas condutas ilícitas referidas, cuja liquidação se relega para execução de sentença.
O – A pagar aos AA., a título de sanção pecuniária compulsória a quantia de Esc. 10.000$00 por cada dia de atraso no cumprimento das prestações a que foram condenados na douta sentença a proferir e a contar do trânsito em julgado da mesma.
Pedido Reconvencional Subsidiário
A – Que seja julgada extinto por desnecessidade o direito de servidão de passagem alegado nos artºs 33º a 39º da P.I., sobre o identificado prédio dos RR.
B – Subsidiariamente, que seja judicialmente declarada a mudança de tal servidão, devendo a mesmo ser deslocada para o local a que se refere o artº 138º da Contestação, ou seja, se processe através da rampa situada a Norte do prédio dos RR. e do prédio identificado no artº 7º al.a) da P.I. e pelo interstício situado entre os dois beirais onde antes assente no solo existia o penedo.

Tese dos Autores
Como herdeiros, na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de G…………, são donos de um prédio urbano sito no lugar ……, da freguesia …….. e ……, do concelho de Marco de Canaveses, prédio que confronta, pelo Nascente, com um prédio dos RR., denominado H…………...
Em Julho de 99, os RR. construíram um muro de vedação entre os ditos prédios, deixando nesse muro uma abertura com portão; também destruíram um penedo e umas escadas nele assentes, no prédio dos AA. e, com esses actos, passaram a ter acesso à via pública através do prédio dos AA.
Tais actos impossibilitam também os AA. de exercer o seu direito de passagem sobre o prédio dos RR., com carro de bois, tractor ou a pé, como sempre fizeram, através de caminho delimitado, há mais de trinta anos.
Os RR. ampliaram ainda um beiral, cravaram dois ferros na eira, colocam veículos automóveis no traçado do prédio dos AA. que usam para o acesso à via pública, impedindo os AA. de entrar no respectivo prédio, vêm escoando águas, através de tubos, directamente para os prédios dos AA. e construíram o muro de vedação tendo ocupado uma parcela do prédio dos AA., arrancaram marcos, dois pinheiros e um eucalipto.

Tese dos Réus
Impugnam a tese dos Autores.
Nunca os AA. ou antepossuidores do respectivo prédio fizeram passagem sobre o prédio dos RR., até porque aqueles têm um confortável acesso à via pública.

Sentença
Na sentença proferida pela Mmª Juiz “a quo”, a acção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, decidido:
a) Declarar que os autores são titulares do direito de propriedade incidente sobre os prédios identificados no ponto b) da factualidade provada e condenar os réus a reconhecer esse direito de propriedade e abster-se de praticar quaisquer actos que diminuam ou impeçam o exercício daquele direito, nomeadamente passando por eles;
b) - Condenar os réus a restituírem aos autores os aludidos prédios no estado em que se encontravam, designadamente destruindo as beiradas que colocaram no seu beiral numa largura de 29 cms e destruindo o muro de vedação junto à extrema Nascente do seu prédio, por forma a restituir aos autores a faixa de terreno com a área de 17,5 m2, assinalada no levantamento de fls. 114 com traços contínuos;
c) Declarar que sobre o prédio identificado em c) e a favor do primeiro dos identificados em b) está constituída uma servidão de passagem a pé, com carro de bois e tractor deste prédio até ao caminho público, com cerca de dois metros de largura, e condenar os réus a destruir o muro que implantaram na parte Poente do seu prédio, por forma a permitir o exercício daquela servidão;
d) Condenar os réus na sanção pecuniária compulsória de €50 por cada acto de violação do consignado em a) deste dispositivo;
e) Absolver os réus dos restantes pedidos.
Julgo totalmente improcedentes por não provados os pedidos reconvencionais deduzidos e em consequência absolver os autores/reconvindos do peticionado.

Conclusões do Recurso de Apelação dos Réus (resenha)
1 – Apenas se tendo provado o que consta das respostas aos artºs 24º, 25º, 31º-B e 31º-C da Base Instrutória, continua sem se saber o percurso pelo qual se exercia a servidão, donde jamais poderia ter sido reconhecido o direito.
2 – A resposta dada ao artº 24º da B.I. é obscura não esclarecendo qual o percurso utilizado e antes alegado nos artºs 86º a 89º da Contestação (omissos à Base Instrutória); tal percurso teria de ser mais curto, até ao momento em que se verificou a alteração ao caminho público.
3 – A decisão não esclarece sobre se os sinais visíveis e permanentes são actuais, pelo que será necessário aditar à B.I. matéria de facto alegada na Contestação, com vista ao total esclarecimento sobre a existência da servidão.
4 – Encontra-se assente (artº 42º da B.I.) e é reconhecido pelos AA. que o primeiro dos prédios da herança destes tem acesso directo à via pública, de largura, aliás, no seu ponto mais estreito, superior ao do anterior caminho que havia no prédio dos RR., o que consubstancia o fundamento previsto no artº 1569º nº2 C.Civ. para a extinção da servidão por desnecessidade.
5 – Não integrou a Base Instrutória, e devia ter integrado, a matéria alegada nos artºs 122º a 128º da Contestação, nos quais se alega o prejuízo que causaria ao prédio dos RR. o reconhecimento da servidão, sobre esse mesmo prédio, a favor do prédio dos AA.
6 – Da circunstância de se ter respondido “não provado” ao quesito 46º da B.I., onde se perguntava da existência de um acordo com os AA. para a realização de tais obras, não resulta provado o contrário (que os RR. realizaram tais obras de forma ilícita); aliás, a resposta a esse quesito deve ser alterada.
7 – Os pontos 11 e 17 da sentença (respostas aos quesitos 20º e 21º) foram incorrectamente julgados, o que se comprova pelas fotografias juntas em audiência e pelo auto de inspecção ao local, que nada observaram no local, mesmo destruído, bem como por depoimentos testemunhais recolhidos em audiência; a tais quesitos deve ser respondido “provado que o novo acesso é mais curto em distância ao caminho público”.
8 – O reconhecimento de uma servidão de passagem pelo prédio dos RR., quando o prédio dos AA. passou a ficar com acesso à via pública por forma mais facilitada, mais curta em distância, em melhores condições (com largura superior ao antigo caminho), apenas com sacrifício de um penedo, que nada vale, ao contrário do prédio dos RR. que assim ficaria devassado com a passagem de terceiros e substancialmente menos valioso, corresponderia ao exercício de um direito manifestamente desproporcional, atendendo ao fim social e económico desse direito, pelo que sempre consubstanciaria abuso de direito – artº 334º C.Civ.

Por contra-alegações, os Réus defendem a confirmação do decidido.

Factos Considerados Provados em 1ª Instância
a) No dia 19 de Novembro de 1991, no Cartório Notarial de Marco de Canaveses, foi celebrada escritura pública de habilitação com o teor que consta do documento de fls. 9 e 10, aqui dado por reproduzido para todos os efeitos legais, através da qual os autores foram notarialmente reconhecidos como únicos e universais herdeiros de G………….. (A).
b) Em nome de G……….. e sob os artigos 610, 346 e 333, encontram-se inscritos na Repartição de Finanças os seguintes prédios:
- prédio urbano, sito em ……….., composto de casa agrícola de dois pavimentos, a confrontar do Norte e Poente com I……….., Sul com J…………. e Nascente com caminho e o próprio, com a superfície coberta total de 92 m2;
- prédio rústico denominado “L………….”, sito em …….., composto de cultura, oliveiras, videiras, pastagem e dependências agrícolas, a confrontar de Norte com M………….. e caminho, de Nascente com N…………, de Sul com caminho e Poente com M………… e Caminho, com a área de 1800 m2;
- prédio rústico denominado “O………….”, composto de cultura, oliveiras, ramada, videiras, pinhal, pastagem e mato, a confrontar de Norte com P………. e outros, de Nascente com Q……….., de Sul com R………… e de Poente com S………… e outros, com a área de 7,3920 hectares (B).
c) O primeiro dos prédios identificados em b) confronta a nascente com o prédio denominado “H………..”, sito em ………., ……… e ……., cuja aquisição por compra se encontra registada na C. R. Predial, a favor dos réus, sob a ficha número 989/100397, inscrito na matriz sob o art. 347, conforme documento de fls. 54 a 56, aqui dado por reproduzido (C).
d) Os réus colocam veículos automóveis na extrema Norte do primeiro dos prédios aludidos em b), onde este confronta com o caminho, impedindo os autores de entrar no seu prédio (D).
e) Em Julho de 1999, os réus colocaram, no segundo prédio referido em c), três tubos de escoamento de água, que permitem a queda das águas desse prédio nos dois primeiros aludidos em b) (E).
f) Os réus construíram um muro de vedação junto à extrema nascente do prédio identificado em c), onde este confronta com o terceiro dos referidos em b), construção essa que ocorreu em 1999 e com a qual os réus ocuparam uma faixa de terreno do terceiro dos prédios identificados em b), com a área de 17,5 m2, assinalada no levantamento de fls. 114 com traços contínuos (F, 35º e 36º).
g) Existe uma eira no primeiro dos prédios referidos em b) e no referido em c) (G).
h) O primeiro dos prédios referidos em b) confronta de um dos lados com caminho público (I).
i) A herança de G……….. encontra-se por partilhar (2º).
j) Os autores, por si e antecessores, cultivam erva, batatas, milho e vinho nos prédios identificados em b), aí secam e armazenam cereais, há mais de 30 anos, ininterruptamente, à vista de todos e sem oposição de ninguém, pacificamente, ignorando lesar interesses de outrem e com a convicção de exercerem um direito correspondente ao de proprietário (3º a 10º).
l) No primeiro dos prédios identificados em b) encontra-se implantado um beiral de rés-do-chão e sótão aproveitado, para acesso ao qual – segundo andar - se encontravam umas escadas apoiadas num penedo existente no solo, penedo este situado na extrema Nascente do primeiro dos prédios aludidos em b) (11º a 13º).
m) Tal penedo encontrava-se encostado a um beiral existente no prédio identificado em c) (14º).
n) Nesse penedo, os autores e antecessores colocavam o centeio antes da respectiva malha (15º).
o) As eiras mencionadas em g) situam-se em frente dos beirais referidos em l) e m) (16º).
p) A eira situada no primeiro dos prédios aludidos em b) era delimitada por uma linha recta dada pelo alinhamento da parede do beiral referido na resposta ao quesito 14º, com uma rachadela existente no muro (17º).
q) No decurso dessa linha recta, os réus, em 1999, construíram um muro de vedação e deixaram nele uma abertura, onde colocaram um portão com um metro de largura (18º e 19º).
r) Os réus destruíram parte do penedo e das escadas aludidas em l), em consequência do que os autores passaram a aceder ao sótão do beiral referido em l) com maior dificuldade (20º e 21º).
s) Os réus, desde a altura referida em q), passaram a aceder ao primeiro dos prédios mencionados em b), através do portão referenciado em q) (23º).
t) No prédio descrito em c) existia um caminho com a largura de cerca de dois metros, desde o primeiro dos prédios descritos em b) e até ao caminho público, por onde os autores passavam a pé, com carro de bois e tractor, há mais de 30 anos, com a convicção de exercer um direito próprio de passagem no local, pacificamente, à vista de todos e sem oposição de ninguém, ignorando lesar interesses de outrem e ininterruptamente (24º a 31º).
u) Devido à existência do penedo referido em m) sempre que os autores pretendiam entrar e sair do seu prédio com carro de bois, de tractor e a pé faziam-no através do caminho referido em t) (31º-A).
v) O referido caminho configurava-se de margens bens delimitadas, de trilho e leito bem definidos (31º-B)
x) E era através desse caminho que tinham acesso do seu prédio à via pública e vice-versa, sempre que precisavam de se deslocar ao mesmo ou de transportar cereais e outros produtos ou alfaias agrícolas de e para o seu prédio (31º-C).
z) Em consequência da construção do muro referido em q), os réus não podem aceder ao caminho identificado em t), v), x) e z) (32º).
aa) Os réus procederam à ampliação do beiral aludido em m) e colocaram-lhe beiradas, situadas no primeiro dos prédios descritos em b), ocupando dele cerca de 29 cm e toda a extensão do beiral (32º e 33º).
bb) O primeiro dos prédios referidos em b) tem acesso à via pública nas traseiras do beiral, acesso este que foi rasgado pelos réus no local onde existe o penedo entre ambos os beirais, com a largura de, no ponto mais estreito, de cerca de 2,10 metros (42º, 44º e 45º).

Fundamentos
As questões colocadas pelo presente recurso são as seguintes:
- alteração da resposta ao quesito 46º da Base Instrutória; alteração das respostas aos qq. 20º e 21º, no sentido de se responder “provado que o novo acesso é mais curto em distância ao caminho público”;
- saber se, não se tendo demonstrado qual o concreto tracto de terreno por onde a servidão invocada pelos AA. era exercida, sobre o prédio dos RR., se podia ter sido reconhecido tal direito, a favor do prédio dos AA.;
- também os autos não esclarecem se os sinais visíveis e permanentes invocados, relativos ao exercício da servidão são actuais, pelo que o direito não podia ter sido reconhecido aos AA.;
- saber se, sobre ambos esses pontos, se encontrava alegada matéria de facto na Contestação que deveria ter sido contemplada na Base Instrutória;
- encontrando-se assente que o primeiro dos prédios da herança tem acesso directo à via pública, de largura até superior ao do anterior caminho que havia no prédio dos RR., se tal consubstancia o fundamento previsto no artº 1569º nº2 C.Civ. para a extinção da servidão por desnecessidade; em caso afirmativo, se a matéria alegada nos artºs 122º a 128º da Contestação, nos quais se alega o prejuízo que causaria ao prédio dos RR. o reconhecimento da servidão, sobre esse mesmo prédio, a favor do prédio dos AA., deveria ter integrado a Base Instrutória;
- actuação em abuso de direito dos AA.
Apreciaremos tais questões seguidamente.

I
No quesito 46º perguntava-se: “O segundo Autor marido acordou e concordou que os RR. retirassem o penedo aludido em 44 e que, pelas traseiras dos dois beirais fizessem uma rampa para acesso à eira, com o minitractor pertencente ao primeiro, acesso este de e para o caminho público, que serviria também para os RR. terem acesso a pé ao seu prédio e à via pública?”
A resposta dada em 1ª instância foi “não provado”.
Pretendem os RR. modificar tal resposta, por via dos depoimentos das testemunhas T………. e U………. .
A primeira porque declarou que o 2º autor marido “passava por lá todos os dias”, a segunda porque referiu que o 2º autor marido “assistiu às obras e não se opôs”.
Ora, parece que as referidas testemunhas se pronunciaram sobre matéria não quesitada – uma coisa é passar pelo local, assistir às obras, outra diferente é concordar com essas mesmas obras e, ainda menos, ter nelas acordado, no sentido de um eventual encontro de vontades com os RR.
Também a falta de oposição explícita, desacompanhada de outras manifestações factuais e extraídas do domínio da vontade dos AA., não implica concordância, nem é capaz de acarretar “acordo”, mesmo tácito.
Improcede a requerida alteração à resposta dada ao quesito.
Nos quesitos 20º e 21º perguntava-se se os RR. “destruíram o penedo e as escadas aludidas em 12” e se, em consequência disso, “os AA. deixaram de poder aceder ao beiral descrito em 11”.
As respostas foram restritivas: “provado que os RR. destruíram parte do penedo e das escadas aludidas na resposta ao artº 12º” (20º) e que “em consequência disso, os AA. passaram a aceder ao sótão do beiral referido em 11º com maior dificuldade”.
Pretende-se que essa matéria seja dada como “não provada”, acrescentando-se “que o novo acesso é mais curto em distância ao caminho público”.
Ora, afaste-se desde já a possibilidade de esclarecimento pretendida, na medida em que de forma alguma se pode dizer que tenha cabimento no âmbito da matéria quesitada.
O excesso na resposta conduziria a que a mesma se tivesse por não escrita ou não pudesse ser levada em conta na elaboração da decisão – por todos, Ac.R.C. 23/4/91 Bol.406/736, Ac.R.P. 16/12/91 Bol.412/555 e Ac.R.C. 12/1/88 Bol.373/613.
Por outro lado, os RR. esgrimem com a apurada existência de escadas entre os beirais, quando o próprio auto de inspecção não refere mais do que a existência, no local, de “um degrau constituído por uma pedra apoiada em outras pedras, as quais por sua vez se encontram apoiadas numa massa granítica”; as próprias testemunhas, maxime V………., afirma que “não existiam escadas; para subir havia um buraco e uma pedra comprida por cima do penedo”.
Ora, não é outra coisa que se apurou em julgamento, pois, como esclarecedoramente fundamentou o Mmº Juiz “a quo” (fls. 145) “é perfeitamente visível a configuração dos beirais, a existência da massa granítica entre ambos e as pedras sobre ela colocadas, formando umas escadas”.
Portanto, quando se alude a escadas no quesito, e na respectiva resposta, deve entender-se que existiram (e foram parcialmente destruídas) “pedras colocadas sobre um penedo que formavam umas escadas”.
Escadas rectius “série de degraus para subir ou descer, dispostos em plano inclinado” (J.P. Machado, Grande Dicionário, vol.IV), seja qual for a natureza, o material ou a perfeição de tal dispositivo.
Ora, que existiu uma destruição, no mínimo parcial, dessas existências, vem reconhecido pelos RR. desde logo nos artºs 69º, 70º e 77º da Contestação.
Aliás, neste mesmo artº 77º os RR. reconhecem que, no local, existiam escadas, porque, dizem, aí “as escadas se mantiveram”.
Daí também que se não possa justificar a modificação das respostas dadas aos quesitos 20º e 21º.

II
Os Apelantes invocam a falta de actualidade dos sinais como facto passível de denegar aos AA. o direito de passagem que lhes foi reconhecido.
A questão da “actualidade” irreleva, porém, para o efeito pretendido, embora se deva notar que os quesitos e respectivas respostas se reportam sempre ao que “existia” no local, e não ao que “existe”.
O que o artº 1548º C.Civ. estabelece é que as servidões “não aparentes” (as que se não revelam por sinais visíveis e permanentes) não podem ser constituídas por usucapião.
Uma vez constituídas por usucapião, e os RR. não impugnam a parte da sentença relativa ao reconhecimento do decurso do prazo usucapiativo, nem requereram alteração da matéria de facto quanto aos sinais que, de acordo com a resposta ao quesito 24º, “existiam” no local, apenas há que reconhecer a respectiva constituição.
E se os sinais desaparecem, ou não existem, na actualidade, não desaparece o direito já constituído por usucapião, constituído uma vez decorrido o prazo respectivo.
Aliás, vem provado que os AA. não têm exercido a passagem por lhes ser actualmente impossível, por facto dos RR., pelo que não é de estranhar que o trilho, de margens bem delimitadas (q. 31º-C), tivesse agora desaparecido, desaparecimento que, de resto, na perspectiva almejada pelos RR., também não logrou uma prova positiva.
Quanto à questão de não vir provado um trajecto determinado do trilho, dentro do prédio dos RR.
A questão deve colocar-se nos seguintes termos: sabe-se que o caminho por onde se exercia a servidão constituía o acesso do prédio dos RR. à via ou caminho público.
E sabe-se que o direito se encontra constituído, com os contornos provados na acção. Daí que a alegação relativa ao facto de não se ter demonstrado “qual o concreto trajecto do caminho” in situ, não venha a bulir com o direito reconhecido.
Isto posto, podem colocar-se dúvidas sobre o concreto “modo” de exercício da servidão, isto é, sobre o teor qualitativo dos actos de utilização que o dono do prédio se encontra legitimado a praticar – v.g., a concreta direcção em que a passagem deve ser exercida (ut Ac.R.P. 18/6/98 Col.III/207).
Nestes casos, somos chamados ao comando do artº 1565º nº2 C.Civ., onde se estabelece que, em caso de dúvida quanto à extensão ou ao modo de exercício da servidão, deve o intérprete obedecer aos seguintes dois princípios fundamentais: a) satisfação das necessidades normais e previsíveis do prédio dominante; e b) menor prejuízo para o prédio serviente.
Assim, asseguradas as necessidades do prédio dominante para os fins a que a servidão se encontra adstrita (acesso à via pública, de pé e carro), deve preferir-se a que menor dano cause ao dono do prédio serviente e não a que maior vantagem proporcione ao titular do prédio dominante (P. de Lima e A. Varela, Anotado, III-artº 1565º).
Todavia, esse é um problema de exercício do direito, que não do seu reconhecimento ou consagração, única matéria que se encontrava em causa no pedido.
Os RR. invocam também que, face à alteração do trajecto do caminho público, na actualidade, o trajecto da passagem, onerará hoje mais, por via de um traçado maior, o prédio serviente.
Mais uma vez, o alegado não afecta o reconhecimento da existência de uma servidão de pé e carro, constituída a favor do prédio dos AA., sobre o prédio dos RR., para acesso do prédio daqueles AA. ao caminho público.
A servidão mantém-se reconhecida, na sua essência, e cumpre ao proprietário do prédio serviente não estorvar o respectivo exercício, ainda que, por facto dos RR. ou por facto de terceiro (os RR. invocam até um acordo a que chegaram com a autarquia) a passagem deva agora ser feita por um trajecto mais longo – artº 1568º nº1 1ª parte C.Civ.
Daí que perguntas directas sobre o alegado nos artºs 86º a 89º da Contestação irrelevassem para a sorte dos pedidos formulados.

III
Concentrando-nos agora sobre a questão de se encontrarem, ou não, demonstrados os requisitos necessários à extinção da servidão, por desnecessidade.
Nos termos do artº 1569º nº2 C.Civ., as servidões constituídas por usucapião serão judicialmente declaradas extintas, a requerimento do proprietário do prédio serviente, desde que se mostrem desnecessárias ao prédio dominante.
Ora, na interpretação do conceito de desnecessidade, encontra-se estabelecida a doutrina segundo a qual a referida desnecessidade “corresponde a uma falta de justificação objectiva para a manutenção de um encargo com o prédio serviente, atenta a inutilidade ou escassa utilidade que a existência de servidão representa para o prédio dominante; este juízo de proporcionalidade deve ser encontrado na ponderação das circunstâncias concretas de cada caso” (ex abundanti, Ac.R.C. 6/12/05 Col.V/24).
Ou seja, a par da inutilidade para o prédio dominante, deve ponderar-se se os interesses postergados do prédio dominante são atendíveis (se a servidão, a manter-se, se revela de escassa utilidade para o dominante) – ut Ac.R.C. 10/5/05 Col.III/9.
Porém, atento o disposto no artº 342º nº1 C.Civ., recai sobre o requerente da extinção da servidão por desnecessidade o ónus de prova da viabilidade de eventuais obras e de que o incómodo e dispêndio advenientes da alteração não são excessivos; de outra banda, por argumento de maioria de razão relativamente ao que se encontra previsto para a mudança de servidão (artº 1568º C.Civ.), que o custo das eventuais obras não pode deixar de ser da responsabilidade do prédio serviente, aquele que ficará beneficiado – cf. Ac.R.C. 28/9/04 Col.I/21.
Ora, os RR. alegaram (artºs 122º a 128º da Contestação) terem removido o penedo existente no intervalo entre os dois beirais.
Existe, ao contrário do afirmado nas alegações de recurso, matéria de facto extraída desses artigos da Contestação, matéria essa que integrou a Base Instrutória nos quesitos nºs 42º a 46º.
Porém, para além de se ter provado apenas que o penedo existente no intervalo entre os dois beirais apenas foi parcialmente removido – qq. 20º e 21º, também não conseguiram os RR. provar o que vinha alegado no artº 122º da Contestação (de que se mostrava necessário, para o acesso ao prédio dos Apelados, a pé e por carro, que fosse rasgada uma rampa em tudo idêntica à que foi traçada pelos Apelantes para o respectivo prédio) – cf. resposta negativa ao quesito 43º.
Na verdade, apenas se provou que o prédio dos AA. tem acesso à via pública nas traseiras do beiral, acesso este que foi rasgado pelos réus no local onde existe o penedo entre ambos os beirais, com a largura de, no ponto mais estreito, de cerca de 2,10 metros (42º, 44º e 45º).
Assim, não se conhece nem se a passagem invocada para o caminho público se exerceria sobre o prédio dos AA./Apelados, nem o alcance do dispêndio ou do incómodo que, para esses AA., resultaria dessa passagem.
Tendo os RR. cumprido o respectivo ónus de alegação, não cumpriram o respectivo ónus de prova, pelo que a acção não poderia proceder neste ponto, tal como se julgou na instância recorrida.
Note-se que os RR./Apelantes não impugnaram a parte da decisão em crise na qual se decidiu pela improcedência da peticionada (em reconvenção) mudança da servidão, para o trajecto que se poderia desenrolar pelo acesso aberto por eles próprios RR., no espaço entre beirais.
Não se tendo logrado provar os requisitos da desnecessidade da servidão, muito menos se poderiam ter provado quaisquer elementos integradores da figura do abuso de direito (artº 334º C.Civ.), no caso concreto (ut Ac.R.P. 20/12/88 Bol.382/542).
Para mais, as alterações efectuadas nos prédios ficaram a dever-se a facto dos RR., que não a facto dos AA.

Resumindo a fundamentação:
I - O excesso na resposta ao facto perguntado conduz a que essa resposta se tenha por não escrita ou não possa ser levada em conta na elaboração da decisão.
II – As servidões “não aparentes” (as que se não revelam por sinais visíveis e permanentes - artº 1548º C.Civ.) não podem ser constituídas por usucapião; uma vez constituídas, se os sinais desaparecem, ou não existem, na actualidade, não desapareceu o direito antes constituído.
III – Se se colocam dúvidas sobre o “modo” de exercício da servidão, v.g., a concreta direcção em que uma certa passagem deve ser exercida, nos termos do comando do artº 1565º nº2 C.Civ., deve o intérprete obedecer aos seguintes dois princípios fundamentais: a) satisfação das necessidades normais e previsíveis do prédio dominante; e b) menor prejuízo para o prédio serviente.
IV – Nos termos do artº 1569º nº2 C.Civ., no juízo sobre a desnecessidade da servidão, a par da inutilidade para o prédio dominante, deve ponderar-se se os interesses postergados do prédio dominante são atendíveis, ou seja, se a servidão, a manter-se, se revela de escassa utilidade para o dominante.
V - Recai sobre o requerente da extinção da servidão por desnecessidade o ónus de prova da viabilidade de eventuais obras e de que o incómodo e dispêndio advenientes da alteração não são excessivos - artº 342º nº1 C.Civ.

Com os poderes conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República Portuguesa, decide-se neste Tribunal da Relação:
Julgar improcedente, por não provado, o recurso interposto, confirmando-se integralmente a sentença recorrida.
Custas pelos Apelantes.

Porto, 12 de Dezembro de 2006
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
Albino de Lemos Jorge
António de Antas de Barros