Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0354457
Nº Convencional: JTRP00036300
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: EMBARGO DE OBRA NOVA
TRIBUNAL COMPETENTE
ACTO DE GESTÃO PÚBLICA
Nº do Documento: RP200311100354457
Data do Acordão: 11/10/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J ESPINHO 1J
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: I - É em função da relação jurídica material e do pedido, tal como são configurados pelo autor, que se afere da competência material de certo tribunal.
II - Se, em execução de deliberação municipal, for colocado na via pública um estaleiro de suporte à execução de obras, da qual resultam danos para os donos de estabelecimentos comerciais, e se estes pretenderem deles ser ressarcidos, devem recorrer à jurisdição administrativa, por ser esta a materialmente competente.
III - A decisão municipal com o conteúdo referido exprime acto de gestão pública.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

No Tribunal Judicial da comarca de ......... (.. Juízo Cível) E........., Lda. e outros intentaram o presente procedimento cautelar de embargo de obra nova contra, o Município de ..........., representado pela Câmara Municipal de ........., invocando, além do mais, o facto dos requerentes explorarem estabelecimentos comerciais cuja actividade se caracteriza por comércio a retalho (comércio tradicional) e cuja rentabilidade ficará inviabilizada pela localização do estaleiro da obra que o requerido leva a cabo no mercado desta cidade, visto que o acesso aos respectivos estabelecimentos fica drasticamente reduzido e com nenhum parque de estacionamento por perto.
Peticionam assim que se notifique o requerido para suspender imediatamente a obra que está a levar a cabo na Rua ... entre as Ruas .. e .. na parte do estaleiro a construir em ...........
A esta pretensão opôs-se o requerido, articulando com utilidade, por um lado, estar-se perante questões exclusivas de foro jurídico-administrativo, e por outro lado não existir matéria indicada para uma acção e pedido principal que justifique o procedimento cautelar e o sustente, sendo evidente que falta aos requerentes a legitimidade para o efeito. Acresce que a obra em causa não é susceptível de ser embargada nos termos do art° 414° do CPCivil e sempre seria desproporcionado o enorme prejuízo que resultaria para o Município da paragem das obras, atentos os hipotéticos e vagos prejuízos aflorados pelos requerentes.

Foi proferida decisão onde se indeferiu a pretensão dos requerentes.

Não concordando com a referida decisão, os requerentes dela interpuseram recurso de agravo, formulando nas respectivas alegações, as pertinentes e seguintes conclusões:

1. Impõe-se analisar as posições jurídicas subjectivas dos particulares em face da Administração para determinar o significado destas categorias jurídicas e, por conseguinte, o alcance substancial da tutela prevista e o foro competente, sendo certo que a entidade pública actua como se de um particular se tratasse e o foro competente é o comum e portanto, o Tribunal a quo
2. A Câmara Municipal, na relação jurídica controvertida não actua com nenhum ius imperii e nenhum poder de autoridade, característica própria para definir as relações jurídicas controvertidas e
3. Portanto a Câmara Municipal despida do seu poder de autoridade, é para todos os efeitos um particular, e o Tribunal comum deve conhecer esta questão e não o foro administrativo.
4. Torna-se necessário e conveniente pensar o mundo jurídico em termos de relação jurídica controvertida, e não apenas, como se fazia tradicionalmente, a partir de categorias de actividade da Administração e na relação jurídica em causa a Câmara não tem qualquer prerrogativa a mais que os agravantes. - ou seja estão em igualdade de circunstâncias perante a lei - veja-se aliás, que nem aqui há um beneficio da execução prévia, elemento caracterizador da relação publico administrativa.
5. A própria requerida aceita que o regulamento municipal admite a ocupação temporária da via publica por parte de particulares promotores imobiliários tal como esta o está a fazer - vide art. 28 da oposição.
6. Por outro lado, o Ex.mo Juiz a quo teria a possibilidade de decidir de outra forma, pois como é sabido não estaria adstrito à providência acautelar que os Requerentes intentaram, sendo legitimo alterar a providência e mesmo adaptar o processado desta acautelando os interesses dos requerentes, e ao decidir como decidiu violou o artº 391º nº 2 do CPCivil.
7. Ao decidir como decidiu, o Exmo. Senhor Juiz "a quo" não teve em conta a interpretação constitucionalmente consagrada de que se deve ver a posição relativa das partes em confronto para aferir o tipo de relação jurídica, violando, assim, o principio da competência dos tribunais, em razão da matéria.
8. Por outro lado, a decisão do Exmo. Juiz a quo, mesmo assim, ainda teria de ser outra porquanto, reza o artº 3º do Código de Processo Civil: - "o Juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o principio do contraditório ( ...)" e decidir sem que as partes tenham tido possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
9. E o nº 4 desse normativo refere ainda que: "às excepções deduzidas no último a articulado admissível, pode a parte contrária responder (...) no início da audiência final" e como no presente procedimento, não há lugar a qualquer articulado superveniente após a oposição da Requerida, pelo que a única oportunidade dos ora agravantes deduzirem a sua resposta era na data da inquirição das testemunhas, que não chegou sequer a ser agendada.
10. Ou seja, o Ex.mo Juiz a quo também não deu cumprimento ao principio do contraditório, consagrado constitucionalmente e que o artigo citado é uma emanação.
11. Acresce ainda que, entre a data da notificação e a decisão que se impugna não mediaram os 10 dias, prazo que a lei indica como mínimo, para praticar actos processuais, como este, e sendo assim,
12. os agravantes vêm o seu direito de preparar a defesa às excepções completamente coarctado, o que consubstancia uma nulidade absoluta e insuprível que interferiu na boa decisão da causa e, portanto,
13. Tal formalidade não pode ser dispensada, mesmo que a decisão e a convicção do Exmo. Juiz a quo fosse a mesma, mas teria que ter dado o direito de defesa aos agravantes
14. Por outro lado, e atendendo que a marcação da inquirição das testemunhas seria um acto inútil, então o Ex.mo Juiz a quo deveria ter notificado os agravantes para deduzirem a defesa às excepções e, então, após decidir.
15. Desta forma, na interpretação dada ao artº. 3 do CPC viola o artº. 20º n. 1 da Constituição da Republica Portuguesa, uma vez que nega aos agravantes a defesa dos seus direitos e interesse legítimos.
16. Estando também em contradição com os princípios norteadores de todas as normas processuais relativas ao principio do contraditório e da igualdade das partes os quais constam das disposições fundamentais do CPC, sendo que o último tem consagração constitucional no art.º 13º (principio da igualdade) no qual se diz que todos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
17. Ter-se o entendimento que o acto de defesa às excepções por parte dos Agravantes é desnecessário, resulta claramente que o seu direito de defesa não se encontra; garantido, uma vez que estes não o exerceram!!!
18. Há aqui (tendo em conta que a requerida não se defendeu das excepções invocadas e que a decisão vai no sentido de dar provimento a uma das concepções) há uma desigualdade de armas, o que também a Convenção Europeia dos Direitos dos Homens.

Houve contra alegações, onde se concluiu pela confirmação do decidido.

O Mmo. Juiz “a quo” sustentou a decisão proferida.

Colhidos os vistos há que decidir
II. FUNDAMENTOS

A) Os factos a considerar para efeito da decisão do recurso são aqueloutros mencionado no relatório elaborado, que aqui nos dispensamos de repetir.

B) Apreciação dos factos e sua qualificação

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artºs. 684º nº 3 e 690º nº 1 e 3 ambos do CPCivil.

II. 1. As questões a resolver consistem em saber se: (1) o litígio em causa reporta-se a uma relação jurídico-administrativa, e como tal a defesa dos interesses arrogados dever-se-á efectivar através dos meios previstos na lei de processo administrativo, sendo os Tribunais comuns incompetentes para apreciar a aludida questão; (2) foi negado aos agravantes a defesa dos seus direitos e interesses, deixando de se observar e fazer cumprir o principio do contraditório; (3) o Tribunal "a quo" deveria ter alterado a providência requerida de molde a acautelar os interesses dos requerentes.

II. 2. Da competência (ou falta dela) dos Tribunais comuns para apreciar a questão debatida nos autos (1)
Um dos pressupostos processuais relativos ao Tribunal é a competência.
Para que possa decidir sobre o mérito ou fundo da questão é imprescindível que o Tribunal perante o qual a acção foi proposta, seja competente.
O requisito da competência resulta do facto de o poder jurisdicional ser repartido, segundo diversos critérios, por numerosos Tribunais. Cada um dos órgãos judiciários, por virtude da divisão operada a diferentes níveis, fica apenas com o poder de julgar num circulo limitado de acções e não em todas as acções que os interessados pretendam submeter à sua apreciação jurisdicional.
É para a delimitação do poder jurisdicional de cada Tribunal que existem regras de competência.
No plano interno, o poder jurisdicional começa por ser dividido por diferentes categorias de Tribunais, de acordo com a natureza da matéria das causas.
A competência em razão da matéria, que ora nos interessa, distribui-se por diferentes espécies ou categorias de Tribunais que se situam no mesmo plano horizontal, sem nenhuma relação de hierarquia entre elas.
Na base da competência em razão da matéria está o principio da especialização, com o reconhecimento da vantagem de reservar para órgãos judiciários diferenciados o conhecimento de certos sectores do Direito, pela vastidão e pela especificidade das normas que os integram - Cfr. Prof. A. Varela, Manual do Processo Civil, 2ª ed. / 207 e ss.
Os Tribunais judiciais constituem a regra dentro da organização judiciária.
Dentro da vasta categorias dos Tribunais judiciais, sucede, porém, que a lei distingue ainda, no tocante à competência em razão da matéria, entre tribunais de competência genérica e tribunais de competência especializada, além de admitir os tribunais de competência especifica.
Como seria impossível determinar em pormenor as atribuições de todos os tribunais, achou por bem o legislador, utilizar o sistema de fixar a competência dos tribunais especiais, deixando para os tribunais comuns, causas que não estivessem incluídas na jurisdição daqueles, conforme supra já enunciamos, o que aliás, flui do direito adjectivo civil - artº 66º CPCivil e a um nível mais elevado o artº 213º da Constituição da República Portuguesa.
Para se fixar a competência do tribunal em razão da matéria, atende-se à natureza da relação jurídica material, em debate, segundo a versão apresentada em juízo. A estrutura da relação jurídica que ora apreciamos contende com o facto dos requerentes explorarem estabelecimentos comerciais cuja actividade se caracteriza por comércio a retalho (comércio tradicional) e cuja rentabilidade, alegadamente ficaria inviabilizada pela localização do estaleiro da obra que o requerido leva a cabo no mercado da cidade de ........, visto que o acesso aos respectivos estabelecimentos fica drasticamente reduzido e com nenhum parque de estacionamento por perto. Assim, peticionam os requerentes que se notifique o requerido para suspender imediatamente a obra que está a levar a cabo na Rua .. entre as Ruas .. e .. na parte do estaleiro a construir em ..........
Perante a aludida relação jurídica material, em debate, atenta a versão apresentada em juízo, dever-se-á questionar se se trata de uma relação jurídica-administrativa ou uma mera relação jurídica privatística, porque determinante, como veremos, para aferir do Tribunal competente.
O acto alegadamente praticado pelo requerido Município de ........., qual seja, colocação do estaleiro da obra do Mercado Municipal de ........., levada a cabo na Rua .. entre as Ruas .. e .., perturbando o acesso aos respectivos estabelecimentos, porque ocupando parte das aludidas Ruas, gera danos patrimoniais aos requerentes, pela diminuição das receitas proporcionadas pelo desenvolvimento das respectivas actividades comerciais, poder-se-á considerar um acto de gestão pública?
Vejamos.
"Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes da relações jurídicas administrativas e fiscais" - art. 212º nº3 da Constituição da República Portuguesa.
A jurisdição administrativa é exercida pelos tribunais administrativos, definidos como órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, incumbindo-lhes, na administração da justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas - art.ºs 1º e 3º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto Lei nº 129/84, de 27 de Abril.
Distribuindo esta competência pelos diversos tribunais administrativos, estabelece a lei que compete aos tribunais administrativos (de círculo) conhecer, entre outras, das acções sobre responsabilidade civil do Estado, dos demais entes públicos e dos titulares dos seus órgãos e agentes por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, incluindo acções de regresso - art. 51º nº 1 h) do mesmo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Todavia, encontram-se excluídos da jurisdição administrativa os recursos e as acções que tenham por objecto, entre outras, as questões de direito privado, ainda que qualquer das partes seja pessoa de direito público - art. 4º nº 1, f) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
A competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de outra matéria. Fora do âmbito da jurisdição administrativa é aplicável o disposto na lei de processo civil - art.ºs 1º e 4º nº 4 da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho.
A responsabilidade civil extracontratual do estado e demais pessoas colectivas públicas no domínio dos actos de gestão pública rege-se pelo disposto no Decreto-Lei nº 48.051, de 21/11/67, em tudo que não esteja previsto em leis especiais
Como já adiantamos, a presente questão reside em saber se o acto deve ser considerado como acto de gestão pública ou como acto de gestão privada. Assim, se for considerado acto de gestão pública, ele será materialmente da competência dos tribunais administrativos - art.º 212º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e art. 51º nº 1 h) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Se for considerado acto de gestão privada, materialmente competentes serão os tribunais judiciais comuns - art. 211º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, art. 4, nº 1, f) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e art. 66 do CPCivil.
Eis, portanto, o fulcro da questão - o acto integra a gestão pública ou gestão privada.
Na doutrina, os Prof. Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, vol. III, 4ª edição, 510/511) definem, em geral, os actos de gestão privada como "aqueles que, embora praticados pelos órgãos, agentes ou representantes do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, estão sujeitos às mesmas regras que vigorariam para a hipótese de serem praticados por simples particulares. São actos em que o Estado ou a pessoa colectiva pública intervém como um simples particular, despido do seu poder público. Tratando-se de actos de gestão pública, a responsabilidade daquelas entidades deve naturalmente obedecer a princípios muito diferentes, visto se admitir a responsabilidade do Estado pela prática de actos lícitos (...) e nem sempre se conceder ao Estado e demais pessoas públicas o direito de regresso (...)".
O Prof. Vaz Serra, em anotação aos acórdãos do STJ de 16/05/69 e 19/5/75, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 103º, 350/351, e 110/315, respectivamente, seguiu idêntico critério quanto ao saber se o acto se integra, ou não, numa actividade de direito público - "se ele se compreende numa actividade de direito privado duma pessoa colectiva pública, da mesma natureza da actividade de direito privado desenvolvida por um particular, o caso é de acto praticado no domínio dos actos de gestão privada; se, pelo contrário, o acto é praticado no exercício de um poder público, isto é, na realização de função pública, mas não nas formas e para a realização de interesses de direito civil, o caso é de acto praticado no domínio dos actos de gestão pública".
O Prof. Marcello Caetano (Manual de Direito Administrativo, tomo II, 8ª edição, 1134) ensinava que "deve entender-se por gestão pública a actividade da Administração regulada pelo Direito Público e por gestão privada a actividade da Administração que decorra sob a égide do Direito Privado". Para, logo a seguir, concretizar que "como o Direito Público que disciplina a actividade da Administração é quase todo composto por leis administrativas, pode dizer-se que reveste a natureza de gestão pública toda a actividade da Administração que seja regulada por uma lei que confira poderes de autoridade para o prosseguimento do interesse público, discipline o seu exercício ou organize os meios necessários para esse efeito".
Como facilmente retiramos dos aludidos ensinamentos, não encontramos, grandes divergências, na doutrina, quanto à questão em debate.
Assim.
Os actos praticados pelo Estado ou por pessoas colectivas públicas serão de gestão pública ou de gestão privada em função da natureza do regime jurídico a que estejam subordinados: de gestão pública se sujeitos ao direito público, de gestão privada se sujeitos ao direito privado. E estarão sujeitos a um ou outro ramo de direito, conforme a natureza do próprio acto.
Idêntica posição assume a nossa jurisprudência - entre outros, vejam-se os acórdãos do Tribunal de Conflitos, de 15/11/81, no BMJ nº 311-195, de 10/12/87, com anotação do Prof. Afonso Queiró, na RLJ, ano 121-237, e de 31/05/01, proferido no Conflito Negativo de Jurisdição nº 368; Acórdão do STJ de 04/03/97, na CJ/STJ, ano V, tomo I, 125, onde se pode ler que: "os tribunais administrativos só dirimem litígios emergentes das relações jurídicas administrativas, e nunca questões de direito privado; daí que o embargo de obra nova que envolva só questões de direito privado seja da competência dos tribunais comuns", bem como, Acórdãos STJ. de 24/01/2002, 17/02/2002 e de 9/07/2002, apud, http://www.dgsi.pt
Em síntese, poderemos afirmar que o critério determinante não será, propriamente, saber quem pratica o acto, ou a omissão, mas qual a natureza do acto.
Colocadas estas noções elementares, atentemos à situação sub iudice para bem dirimir sobre a bondade da decisão recorrida que indeferiu liminarmente a providência cautelar.
Nos termos da Lei 169/99 de 18 de Setembro - artºs 64º nº 1 u), nº 2 f) nº 5 a) e nº 7 a) e b) - a Câmara Municipal de ........, enquanto órgão executivo do Município de ..........., tem competência especifica na área do trânsito e circulação de peões e veículos, e estacionamento destes o que nos leva a concluir que aquela entidade, aqui requerida, actua com "ius imperii", actua como autoridade, de tal sorte que, na aludida situação as partes estão numa relação de supra/infra ordenação.
Ora se os requerentes pretendem responsabilizar o Município de .......... por danos resultantes daquela alteração de trânsito (ocupação de parte de Ruas da cidade de ........ por virtude de uma obra também levada a cabo pela Autarquia (Remodelação e cobertura do Mercado da cidade) temos que o alegado acto gerador de eventual responsabilidade civil é inequivocamente um acto de gestão pública, caracterizado este nos termos observados.
Qualificado o acto do Município, temos que e como bem salienta o Mmo. Juiz "a quo" que pretendendo os requerentes sindicar um acto de gestão pública do requerido, alegadamente gerador de danos patrimoniais pela diminuição das receitas proporcionadas pelo desenvolvimento das respectivas actividades comerciais - em face da perturbação que o estaleiro da obra causa ao nível do acesso aos respectivos estabelecimentos - nesta fase através do embargo da obra referida, devem fazê-lo no foro administrativo, designadamente através da interposição de uma acção de responsabilidade civil do Estado - cfr. art.° 51° n° 1, al. h), do ETAF aprovado pelo Dec. Lei 129/84 de 27 de Abril.
O foro materialmente competente define-se em função da natureza do acto atacado, de gestão pública ou de gestão privada, sendo que no caso em debate a gestão, neste caso, é pública, quer atenta a entidade que a realiza (a requerida actua como pessoa colectiva pública), quer a natureza do objecto (obra pública de remodelação do mercado municipal), quer os fins tidos em vista (prosseguimento do interesse público consistente na melhoria das condições de vida dos munícipes).
Por outro lado, só a solução aqui adoptada (competência material do foro administrativo, porque a providência requerida consiste na não realização de uma obra de interesse público determinada pela autoridade administrativa competente) se compagina com a regra do art. 414º do CPCivil, qual seja a de que as obras do Estado e das demais pessoas colectivas públicas e das entidades concessionárias de obras ou serviços públicos não podem ser embargadas, quando o litígio se reportar a uma relação jurídico-administrativa, caso em que a defesa dos direitos ou interesses lesados se efectuará através dos meios previstos na lei de processo administrativo contencioso.
Porque assim entendemos, o Tribunal "a quo" bem andou ao considerar que o Tribunal comum não podia conhecer e dirimir o litígio apresentado, razão pela qual indeferiu a pretensão dos requerentes, socobrando as conclusões aduzidas pelos recorrentes.

II. 3. Sobre o principio do contraditório e adequação da providência requerida de molde a acautelar os interesses dos requerentes (2) (3)
Chegados à conclusão de que o Tribunal comum não tem competência para apreciar a questão sob análise, e como tal a pretensão devia ser indeferida, como efectivamente foi logo em 1ª Instância, temos que as presentes questões que nos propusemos analisar ficam prejudicadas - artº 660º CPCivil.

III. DECISÃO

Por todo o exposto, e de harmonia com as disposições legais citadas, os juízes que constituem este Tribunal acordam em negar provimento ao agravo interposto, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelos requerentes/agravantes
Notifique.
Porto, 10 de Novembro de 2003
António José Santos Oliveira Abreu
António Augusto Pinto dos Santos Carvalho
António de Paiva Gonçalves