Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
653/11.4TBPVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
DENÚNCIA DE CONTRATO
PRÉ-AVISO EM FALTA
RENDAS EM DÍVIDA
Nº do Documento: RP20120604653/11.4TBPVZ.P1
Data do Acordão: 06/04/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTºS 25º E 59º DO NRAU
Sumário: I - A denúncia do contrato de arrendamento é uma declaração receptícia, pelo que apenas se torna eficaz na data em que a carta que a contém é recebida pelo senhorio.
II - O arrendatário está obrigado a pagar as rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta, tendo ainda em consideração que a denúncia produz efeitos no final de um mês do calendário gregoriano.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação
Proc. 653/11.4TBPVZ.P1

Sumário
I – A denúncia do contrato de arrendamento é uma declaração receptícia.
II – Na data em que a apelante enviou a carta comunicando a denúncia do contrato, estava já em vigor o NRAU - Novo Regime do Arrendamento Urbano - aprovado pela Lei 6/2006 de 27/2, aplicando-se à denúncia do contrato de arrendamento dos autos, as normas nele previstas (cfr art. 26º e 59º nº 1 e 3 do NRAU).
III – Por isso, a ré estava sujeita à observância de um pré-aviso de 120 dias para a denúncia do contrato.
IV – Feita a denúncia por carta recebida em 05/07/2010, os seus efeitos produziram-se no fim de Novembro do mesmo ano, estando a ré obrigada ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta.
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Acordam os Juízes na 5ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I – Relatório
B… instaurou acção declarativa sob a forma de processo sumário contra C…, S.A., pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe:
a) as rendas vencidas, referentes aos meses de Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2010, correspondentes ao período de pré-aviso em falta, acrescidas de mora, indemnização igual a 50% do que for devido, no montante global de 5.718,90 euros;
b) a quantia de 2.250,00 euros, a título de indemnização, para reconstrução do muro, que foi destruído pela ré, e para repavimentar o chão/pavimento do logradouro, sito na parte da frente do indicado imóvel;
c) Juros vincendos, à taxa legal, sobre as quantias supra-indicadas, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Alegou, em síntese:
- é proprietária e legítima possuidora de um prédio urbano sito no … ou Rua …, n.º ., freguesia de …, Póvoa de Varzim;
- em 07/03/2001, foi celebrado contrato de arrendamento entre a sociedade D…, Ldª e a Ré, para aí ser instalado um stand de vendas, local onde a referida actividade foi efectuada até Novembro de 2010;
- tal contrato foi celebrado pelo prazo de cinco anos, terminando, o mesmo, no dia 06/03/2006, sendo o referido prazo automaticamente prorrogável por períodos iguais e sucessivos de cinco anos, renovação que aconteceu; mediante renda mensal a pagar no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito e que no ano de 2010 era de 953,15 €;
- a Autora sucedeu ao anterior proprietário e adquiriu a qualidade de senhoria em Dezembro de 2009;
- no dia 08/07/2010 a Ré entregou o indicado imóvel e chaves à Autora, declarando, unilateralmente, que queria pôr termo ao contrato de arrendamento em vigor;
- antes do dia 08/07/2010, a ré não comunicou à autora que ia abandonar ou sair do arrendado, não cumprindo assim qualquer pré-aviso, pelo que estão por pagar as rendas, ou uma indemnização, relativas ao período de pré-aviso em falta, no valor de 5.718,90 €, correspondente a 120 dias, (4 rendas), acrescidos de indemnização igual a 50% do que for devido;
- a Ré destruiu o muro exterior que separava o prédio do passeio público e danificou o pavimento exterior do logradouro;
- a construção de um muro e a colocação do pavimento exterior iguais, tem um custo actual não inferior a 2.250,00 €.
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A Ré contestou, alegando, em resumo:
- comunicou à A. a sua intenção de denunciar o contrato por carta remetida em 1 de Julho de 2010, tendo liquidado a renda de Julho na sua íntegra, sendo, por essa via, a data de término do contrato, o dia 31 de Julho de 2010;
- o contrato de arrendamento outorgado era para comércio e previa na cláusula terceira que seriam aplicáveis as disposições constantes nos artigos 117.º e ss. do regime de arrendamento urbano, sendo de duração limitada nos termos do art. 98.º, n.º 2 do RAU;
- pelo que tendo a R. enviado a comunicação da denúncia do contrato de arrendamento em 1 de Julho de 2010 e o contrato cessado em 31 de Julho de 2010, por corresponder ao último dia com renda paga, foi cumprido um prazo de pré-aviso de 30 dias;
- logo, a R. apenas incumpriu o prazo global de 60 (sessenta) dias assistindo-lhe a esse título nos termos do art. 1098, n.º 3 do Código Civil a quantia máxima de € 1.906,30 € correspondente a duas rendas de pré-aviso em falta;
- não é devida qualquer indemnização para reconstrução do muro pois no contrato ficou a Ré autorizada a realizar todas as obras e adaptações necessárias ao normal desenvolvimento da sua actividade;
- mas a ser devida tal indemnização terá a Ré direito ao reembolso dos encargos com as benfeitorias e por isso alega a compensação entre o valor destas e o valor das rendas e das obras para reconstrução do muro.
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A Autora respondeu à contestação, dizendo, em resumo:
- só recebeu a carta da Ré a comunicar a intenção de denunciar o contrato em 05/07/2010;
- aplica-se o novo regime do arrendamento urbano;
- a denúncia, sendo uma declaração receptícia só produz efeitos depois de recebida, indicando o nº 2 do art. 1098º do Código Civil que produz efeitos no final do mês do calendário gregoriano, ou seja, 31/07/2010;
- a demolição do muro não é uma obra necessária ao desenvolvimento da actividade da Ré.
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Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença em que se decidiu:
«condeno a ré C…, SA, no pagamento à autora B… a quantia equivalente às rendas vencidas no período de pré-aviso correspondentes aos meses de Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2010, ou seja, € 3.812,60 (três mil oitocentos e doze euros e sessenta cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal até efectivo e integral pagamento;
b) condeno a mesma ré a pagar à autora a quantia de € 2.250,00 (dois mil duzentos e cinquenta euros), a título de indemnização, para reconstrução do muro, que foi destruído pela ré, e para repavimentar o chão/pavimento do logradouro, sito na parte da frente do indicado imóvel, quantia essa acrescida de juros vincendos, à taxa legal, sobre tal quantia desde a citação até efectivo e integral pagamento;
c) absolvo a ré do restante pedido.».
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Inconformada, apelou a Ré, e tendo alegado formulou as seguintes conclusões:
I. Resultou provado que Recorrente e Recorrida celebraram em 7 de Março de 2001 um contrato de arrendamento para fim comercial de duração limitada.
II. Que em 1 de Julho de 2010 a Recorrente remeteu à Recorrida uma comunicação mediante a qual aludiu “denunciar” o contrato de arrendamento.
III. Que as disposições legais aplicáveis ao aludido contrato de arrendamento são as constantes nos art. 98º a 101º do RAU, aplicável por remissão do art. 117º do mesmo normativo legal.
IV. Que por essa via é ao presente contrato aplicável o art. 100º, n.º 4 que dita que “o arrendatário pode denunciar nos termos previstos no número 1, bem como revogar o contrato, a todo o tempo, mediante comunicação escrita a enviar ao senhorio, com a antecedência mínima de 90 dias sobre a data em que operam os seus efeitos”.
V. Que contabilizados 90 dias a contar de 1 de Julho de 2010, data da expedição da comunicação nos termos do n.º 4 do art. 100º do RAU, que correspondem ao pré-aviso legalmente devido, obtemos como data de produção de efeitos o dia 29 de Setembro de 2010 (sendo certo que se poderá reportar para o fim do mês do calendário gregoriano), data em que o contrato se deverá considerar definitivamente extinto.
VI. Assim a carta da Recorrente, datada de 01/07/2010, dando por revogado o contrato, a partir de 30 de Setembro do mesmo ano, nada tem que ver com a denúncia legalmente prevista; e, porque regularmente declarada, operaria validamente a extinção do vínculo contratual pelo arrendatário.
VII. Pelo que, e tendo resultado provado que a renda relativa ao mês de Julho se encontrava paga (conforme alegado pela Recorrida no art. 15º da petição inicial e com doc. comprovativo junto aos autos pela mesma), deveria a Recorrente apenas ser condenada no pagamento das rendas vencidas no período de pré-aviso correspondentes aos meses de Agosto e Setembro de 2010 no valor total de € 1.906,30 (€ 953,15 x 2 meses).
VIII. Que foi ainda a Recorrente condenada a pagar à Recorrida a quantia de € 2.250,00 (dois mil, duzentos e cinquenta euros) para ressarcimento pela demolição de um muro exterior igual ao que existia no locado e a colocação do pavimento exterior sem furos e buracos, igual ao que ali estava.
IX. Que o contrato de arrendamento outorgado entre as partes previa de forma expressa e inequívoca na Cláusula 7ª que à Recorrente, arrendatária, “fica desde já autorizada a realizar no local arrendado todas as obras e adaptações que se mostrem necessárias ao normal desenvolvimento da sua actividade comercia, não podendo no entanto exigir qualquer indemnização pelo valor das mesmas, nem evocar qualquer direito de retenção findo que seja o prazo do contrato”.
X. Que apesar de a Recorrida ter autorizado a Recorrente a fazer no locado obras de beneficiação e de adaptação à actividade a que se destinava, veio peticionar o valor relativo à reconstrução do muro, a mesma (na pessoa do primitivo senhorio).
XI. Que, como dispôs o Supremo Tribunal de Justiça, “Tendo o senhorio e o inquilino convencionando que este não seria indemnizado pelo valor das obras e benfeitorias autorizadas ou efectuadas no locado e que passariam a pertencer ao imóvel, dispensado ficou este último, no termo do arrendamento, da obrigação de repor o locado no estado em que se encontrava à data da sua celebração ou de suportar o custo da reposição realizada pelo primeiro. Não é, por isso, ilícita a recusa do inquilino de operar a mencionada reposição, por se não traduzir na violação de alguma obrigação decorrente do contrato de arrendamento, pelo que o senhorio não tem o direito de lhe exigir indemnização.”
Nestes termos, e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente por provado e, em consequência, deve a sentença recorrida ser revogada e em consequência ser proferida decisão que:
1. Absolva a Recorrente no pagamento à Recorrida da quantia equivalente às rendas vencidas no período de pré-aviso correspondentes aos meses de Outubro e Novembro de 2010, acrescida de juros de mora à taxa legal até efectivo e integral pagamento;
2. Absolva a Recorrente no pagamento à Recorrida da quantia de € 2.250,00 (dois mil duzentos e cinquenta euros), a título de indemnização, para reconstrução do muro, que foi destruído pela Recorrente, e para repavimentar o chão/pavimento do logradouro, sito na parte da frente do indicado imóvel, quantia essa acrescida de juros vincendos, à taxa legal, sobre tal quantia desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Fazendo-se deste modo Justiça.
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Não foi apresentada contra-alegação.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 684º nº 3, 685º-A nº 1 e 660º nº 2 do CPC), pelo que as questões a decidir são estas:
- se há contradição na matéria de facto
- qual a lei aplicável à cessação do contrato de arrendamento
- quantas rendas está a recorrente obrigada a pagar
- se é devida indemnização para reconstrução do muro e para repavimentação do logradouro
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III – Fundamentação
A) Na sentença recorrida vem dado como provado:
1. A autora é proprietária e legítima possuidora de um prédio urbano ou casa, destinada a actividades económicas, composta por rés-do-chão, andar, sótão e logradouro, o rés-do-chão é composto por uma divisão e cozinha, duas casas-de-banho, e garagem, sendo que o andar é composto por uma divisão e uma casa de banho, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 1023, e descrita na conservatória do registo predial sob o artigo 2094, com a área total de 198,00 metros quadrados, com a área de implantação do edifício de 113,00 metros quadrados, sita no … ou Rua …, n.º ., freguesia de …, ….-… Póvoa de Varzim.
2. A autora adquiriu o indicado bem imóvel, por partilha judicial, em inventário aberto por óbito dos seus pais, e registou-o a seu favor em 16/12/2009.
3. A ré é uma sociedade que tem por objecto a indústria de construção civil, a realização de empreitadas de obras públicas, a venda de imóveis, a revenda dos imóveis adquiridos para esse fim, sendo que, desde 2001 até 2010, a ré teve no concelho da Póvoa de Varzim um empreendimento imobiliário, que promoveu, designado comercialmente por “E…”.
4. Em 07/03/2001, foi celebrado contrato de arrendamento entre a sociedade D…, Ldª e a ré, tendo por objecto o imóvel identificado no artigo primeiro desta petição, para efeito de aí ser instalado um stand de vendas junto aos autos de fls. 14 a 17 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
5. O locado foi destinado a local de promoção e vendas de bens imóveis da ré, “stand de vendas”.
6. O contrato teve o seu início no indicado dia 07/03/2001, e foi celebrado pelo prazo de cinco anos, terminando, o mesmo, no dia 06/03/2006, sendo o referido prazo automaticamente prorrogável por períodos iguais e sucessivos de cinco anos, renovação que aconteceu.
7. Foi acordada a renda mensal de 150.000$00 escudos, convertida para euros, passou para o valor de 748,19 euros, durante o primeiro ano de vigência, a pagar no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito, a pagar no local a indicar pelo senhorio.
8. A autora adquiriu o indicado imóvel por partilha judicial, por óbito dos seus pais e sucedeu ao anterior proprietário em Dezembro de 2009, adquirindo assim a qualidade e posição de senhoria, no indicado contrato.
9. Depois de a autora ter comunicado à ré a sua posição de senhoria, a partir de Dezembro de 2009, as rendas passaram a ser-lhe pagas, na sua residência.
10. Após os sucessivos e legais aumentos de renda, à data da extinção do contrato e para o ano de 2010, a renda mensal era de 953,15 euros.
11. O referido contrato de arrendamento foi participado às finanças.
12. No dia 08/07/2010, pelas 15 horas, a ré entregou o indicado imóvel à autora e entregou as respectivas chaves, declarando que queria pôr termo ao contrato de arrendamento em vigor.
13. A autora assinou o auto de recepção das chaves e do imóvel, logo aí declarando a autora que: “foram entregues as chaves, sem prejuízo do recebimento das rendas devidas pelo pré-aviso em falta”.
14. No mês de Novembro de 2010 a ré retirou o painel publicitário, sito no exterior do indicado imóvel, no logradouro sito na parte da frente do mesmo, virado para a rua.
15. A ré pagou rendas à autora até ao mês de Julho de 2010, pagamento do mês de Julho feito em Junho de 2010.
16. Antes do indicado dia 08/07/2010, a ré não informou nem comunicou à autora, nem verbalmente, nem por escrito, indicando-lhe que ia abandonar ou sair do arrendado, com a antecedência de 120 dias.
17. A ré destruiu e removeu o muro exterior, que separava o imóvel do passeio público, muro que se situava em frente ao passeio e o acompanhava em toda a sua extensão e danificou o pavimento exterior do logradouro, tendo feito aí variadíssimos buracos e furos, designadamente para colocar a sua publicidade em painéis.
18. A construção de um muro exterior igual ao que aí estava e a colocação do pavimento exterior sem furos nem buracos, igual ao que aí estava, tem um custo actual não inferior a 2.250,00 euros.
19. A ré entregou a fracção sem o muro exterior que separava o passeio do logradouro e com vários furos e buracos no pavimento do logradouro, da entrada do imóvel em questão, não tendo resultado tal destruição do muro, os buracos e furos no pavimento de uma utilização prudente e não foram causadas pelo desgaste do tempo.
20. A autora é casada em 1ªs núpcias no regime de comunhão de adquiridos e reside com o marido na …, n.º …, …, ….–… V. N. Famalicão e têm aí a sua única residência diária e habitual, sendo essa a sua casa de morada de família.
21. A R. comunicou à A. a sua intenção de denunciar o contrato por carta remetida em 1 de Julho de 2010, cfr. teor de fls. 34 que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
23. O contrato de arrendamento outorgado, que era para comércio, previa na cláusula terceira que seriam aplicáveis as disposições constantes nos artigos 117.º e ss. do regime de arrendamento urbano, sendo de duração limitada nos termos do art. 98.º, n.º 2 do RAU.
24. A. A. poderia ter retirado o painel, tendo interpelado a R, na pessoa do seu mandatário, para retirar tal painel.
25. O imóvel em apreço estava abandonado há vários anos e pelo interesse da R. em ocupar o espaço, aceitou-o no estado em que o mesmo se encontrava.
26. Para a celebração do contrato de arrendamento a R. teve de levar a efeito as obras, ao que o senhorio anuiu, fazendo isso constar do contrato celebrado na clausula 7ª cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
27. A R. enviou à A. a carta junta a fls. 37 e 38 cujo teor se dá aqui por reproduzido.
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B) Diz a recorrente, no corpo da alegação, que há contradição na matéria de facto nos pontos 16 e 21, pois apesar de o primeiro ditar que antes do dia 8 de Julho de 2010 a recorrente não informou da intenção de abandonar o locado, o segundo dita que a recorrente comunicou à recorrida em 1 de Julho de 2010 (cfr teor de fls. 34) a intenção de denunciar o contrato e consequentemente de abandonar o locado. Assim, segundo a recorrente, resultando provado documentalmente o ponto 21, conduz a que se deverá ter como efectivamente não provado o ponto 16.
Nas conclusões, a recorrente nada refere sobre a alegada contradição entre estes dois pontos da matéria de facto.
Porém, conforme se extrai do art. 712º nº 4 do CPC, a Relação deve verificar se a decisão proferida na 1ª instância é deficiente, obscura ou contraditória sobre determinados pontos da matéria de facto, podendo anulá-la oficiosamente se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a), permitam a reapreciação da prova.
Além disso, a Relação deve tomar em consideração os factos admitidos por acordo e provados por documento (art. 713º nº 2 e 659º do CPC).
No art. 16º da petição inicial a Autora alegou que «Antes do indicado dia 08/07/2010, a ré não informou nem comunicou à autora, nem verbalmente nem por escrito, indicando-lhe, como era seu dever, que ia abandonar ou sair do locado, não cumprindo assim qualquer pré-aviso, pelo que estão por pagar as rendas (…) relativas ao período de pré-aviso em falta, no valor de (…) correspondente a 120 dias, (4 rendas), (…)».
No art. 4º da contestação a Ré alegou que «(…) comunicou à A. a sua intenção de denunciar o contrato por carta remetida em 1 de Julho de 2010, conforme registo que ora se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais (Doc. 1).
Nesse registo junto como doc. 1 a fls. 36 verifica-se que a entrega da carta ao destinatário ocorreu em 05/07/2010.
No art. 2º da resposta à contestação a Autora alegou que «recebeu a carta a comunicar a intenção de denunciar o contrato de arrendamento em 05/07/2010, com efeitos imediatos, sendo que a entrega da chave ocorreu no dia 08/07/2010.».
Portanto, está admitido por acordo e por documento que a carta mencionada no ponto 21 da matéria de facto foi recebida pela Autora em 05/07/2010 e que a Ré não fez comunicação verbal ou escrita com 120 dias de antecedência em relação à data de 08/07/2010.
No entanto, a redacção dada pela 1ª instância aos pontos 16 e 21 da matéria de facto padece de obscuridade ao não ser dado como provado que a carta foi recebida em 05/07/2010 e que os 120 dias de antecedência se referem à data de 08/07/2010.
Assim, alteram-se os pontos 16 e 21, passando a ter a seguinte redacção:
«16. A ré não informou nem comunicou à autora, nem verbalmente, nem por escrito, com antecedência de 120 dias em relação ao dia 08/07/2010, que ia abandonar ou sair do arrendado».
«21. A R. comunicou à A. a sua intenção de denunciar o contrato por carta remetida em 1 de Julho de 2010, cfr teor de fls 34 que aqui se dá por integralmente reproduzido e que foi recebida pela A. em 05/07/2010.».
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C) O Direito
O contrato de arrendamento a que se reportam os presentes autos foi celebrado em 07/03/2001.
O arrendamento foi pelo prazo de 5 anos, contados a partir dessa data e renovável por igual período conforme consta na cláusula 3ª.
O locado destinou-se ao exercício da actividade comercial da arrendatária (cfr cláusula 7ª).
Na cláusula 3ª consta que o arrendamento «será celebrado nos termos e de acordo com o regime previsto nos artigos 117º e seguintes do regime do arrendamento urbano, sendo de duração limitada, nos termos do art. 99º nº 2 do RAU.
O art. 117º do RAU aprovado pelo DL 321-B/90 de 15/10 estabelece:
«1 - As partes podem convencionar um prazo para a duração efectiva dos arrendamentos urbanos para comércio ou indústria, desde que a respectiva cláusula seja inequivocamente prevista no texto do contrato, assinado pelas partes.
2 – Aos contratos para comércio ou indústria de duração limitada, celebrados nos termos do número anterior, aplica-se com as necessárias adaptações, o regime dos artigos 98º a 101º, salvo o disposto no artigo seguinte».
De harmonia com o nº 1 do art. 118º do RAU, os contratos de arrendamento referidos no art. 117º renovam-se automaticamente no fim do prazo, por igual período, se outro não estiver expressamente estipulado, quando não sejam denunciados por qualquer das partes.
Portanto, estando provado que o contrato se renovou em 07/03/2006, o seu termo final ocorreria em 06/03/2011.
Mas a apelante comunicou à apelada, por carta datada de 01/07/2010 e recebida por esta em 05/07/2010 (factos 16 e 21):
«Relativamente ao contrato de arrendamento celebrado em 07 de Março de 2001, e que teve por objecto o prédio urbano sito na Rua … (…), freguesia de …, Póvoa de Varzim, vem por este meio a C…, Sa, proceder à denúncia do mesmo, com efeitos imediatos.
Aproveitamos a presente para agendar para a próxima terça-feira, dia 6 de Julho, às 15.00horas (foi-nos dito que V. Exa estaria de férias e só regressaria na segunda-feira) diligência para entrega das chaves da fracção».
De acordo com o nº 4 do art. 100º do RAU «O arrendatário pode denunciar nos termos referidos no nº 1, bem como revogar o contrato, a todo o tempo, mediante comunicação escrita a enviar ao senhorio, com a antecedência mínima de 90 dias sobre a data em que se operam os seus efeitos».
Portanto, esta norma prevê que o arrendatário pode não só denunciar o contrato para o fim do prazo, como revogá-lo a todo o tempo, o que significa pôr-lhe fim, fazer cessá-lo, através de declaração unilateral, por meio de simples escrito a enviar ao senhorio, com a antecedência mínima de 90 dias sobre a data em que se operam os seus efeitos (cfr J.A. Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 6ª ed, pág. 597).
Sustenta a apelante que se aplica esta norma e que, por isso, o prazo de pré-aviso a cumprir é de 90 dias.
Porém, na data em que a apelante enviou a carta comunicando a denúncia do contrato, estava já em vigor o NRAU - Novo Regime do Arrendamento Urbano - aprovado pela Lei 6/2006 de 27/2.
Aplicam-se, pois à denúncia do contrato de arrendamento dos autos, as normas previstas no NRAU (cfr art. 26º e 59º nº 1 e 3 do NRAU) e não as normas previstas no RAU (neste sentido, cfr Ac do STJ de 12/02/2009 – Proc. 09A0033 – in www.dgsi.pt).
O art. 1110º do NRAU estabelece:
«1 – As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação.
2 – Na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de 10 anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano».
Como no caso vertente foi estipulado o prazo de 5 anos para a duração do contrato mas nada se estipulou quanto à sua denúncia, aplica-se à denúncia o disposto nos art. 1098º referente ao arrendamento para habitação e que determina:
«1 - (…)
2 – Após seis meses de duração efectiva do contrato, o arrendatário pode denunciá-lo a todo o tempo, mediante comunicação ao senhorio com uma antecedência não inferior a 120 dias do termo pretendido do contrato, produzindo essa denúncia efeitos nos final de um mês do calendário gregoriano.
3 – A inobservância da antecedência prevista nos números anteriores não obsta à cessação do contrato, mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta.».
Na contestação, vem alegado o seguinte:
«4. Na verdade, a R. comunicou à A. a sua intenção de denunciar o contrato por carta remetida em 1 de Julho de 2010 (…).
5. Tendo liquidado a renda de Julho na sua íntegra, sendo, por essa via, a data de término do contrato, o dia 31 de Julho de 2010».
Na apelação, alegou:
«31. (…) não é ao caso aplicável o art. 62º do RAU, antes sim o art. 100º nº 4 do mesmo normativo legal, ex vi do art. 117º nº 2 do RAU que remete, quanto aos contratos de duração limitada no arrendamento para comércio ou indústria, como é o do caso, para os artigos 98º a 101º do RAU»
«39. A Recorrente efectivamente revogou o contrato através de comunicação escrita enviada ao senhorio, ora recorrida, em 1 de Julho de 2010 (…)»
«41. Ora, contabilizados 90 (noventa) dias a contar de 1 de Julho de 2010, que correspondem ao pré-aviso legalmente devido nos termos da disposição supra referenciada, obtemos como data de produção de efeitos o dia 29 de Setembro de 2010 (sendo certo que se poderá reportar ao fim do mês do calendário gregoriano), data em que o contrato se deverá considerar definitivamente extinto.»
«43. Assim a carta da recorrente, junta a fls._ datada de 01/07/2010, dando por revogado o contrato, a partir de 30 de Setembro do mesmo ano, nada tem que ver com a denúncia legalmente prevista; e, porque regularmente declarada, operaria validamente a extinção do vínculo contratual pelo arrendatário.»
«44. Pelo que, e tendo resultado provado que a renda relativa ao mês de Julho se encontrava paga (…), deveria a Recorrente apenas ser condenada no pagamento das rendas vencidas no período de pré-aviso correspondentes aos meses de Agosto e Setembro de 2010 de 2010 (…)».
Porém, a denúncia do contrato de arrendamento é uma declaração receptícia, pelo que apenas se tornou eficaz em 05/07/2010, data em que a carta foi recebida pela apelada (cfr art. 224º nº 1 do Código Civil). Portanto, contrariamente ao que sustenta a apelante, a denúncia foi comunicada à apelada em 05/07/2010 e não em 01/07/2010.
Além disso, de harmonia com o disposto nos nº 2 e 3 do NRAU o contrato cessou em 05/07/2010, mas a apelante está obrigada a pagar as rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta, tendo ainda em consideração que a denúncia produz efeitos no final de um mês do calendário gregoriano. Assim, como o dia 5 de Julho – data da comunicação da denúncia – corresponde ao 120º dia anterior ao dia 2 de Novembro e a denúncia só produz efeitos no final deste mês, significa que a senhoria tem direito à renda referente ao mês de Julho – que foi paga em Junho -, e bem assim às rendas referentes aos meses de Agosto, Setembro, Outubro e também à totalidade da renda referente a Novembro. Ou seja, para que não fosse devida a renda referente ao mês de Novembro, deveria a denúncia ter sido comunicada à senhoria até 4 ao dia de Julho por ser este o 120º dia anterior ao dia 1 de Novembro.
Concluindo, deve manter-se a condenação da apelante a pagar a quantia de 3.812,60 € correspondente às rendas referentes aos meses de Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2010 (=953,15 € x 4 meses).
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Apreciemos agora se é devida indemnização para reconstrução do muro e para repavimentação do logradouro.
Invocando a cláusula 7ª do contrato de arrendamento e o art. 120º do RAU, sustenta a recorrente que estava legal e contratualmente habilitada a efectuar no locado todas as obras e adaptações que se mostrassem necessárias para a prossecução da sua actividade comercial, incluindo a demolição do muro existente no local, pelo que não podia o tribunal condená-la no pagamento da quantia indispensável à reconstrução do muro se a sua demolição se mostrou necessária à prossecução da sua actividade comercial no locado.
Vejamos.
Nas cláusulas 7ª e 9ª do contrato lê-se, respectivamente:
«A segunda outorgante fica desde já autorizada a realizar no local arrendado todas as obras e adaptações que se mostrem necessárias ao normal desenvolvimento da sua actividade comercial, não podendo no entanto exigir qualquer indemnização pelo valor das mesmas, nem evocar qualquer direito de retenção findo que seja o prazo do contrato». (7ª)
«Findo o prazo do contrato, o local arrendado deverá ser entregue o primeiro outorgante em bom estado de conservação, com todos os equipamentos que presentemente se encontra e sem outras deteriorações que não sejam as que resultem de uma normal e prudente utilização, obrigando-se o segundo outorgante a uma indemnização pelos prejuízos causados». (9ª)
Portanto, a cláusula 7ª refere-se a obras necessárias ao normal desenvolvimento da actividade da arrendatária e a cláusula 9ª refere-se a deteriorações.
A destruição do muro bem como os buracos e furos no pavimento do logradouro não são obras e adaptações mas sim deteriorações, pelo que não se aplica no caso, a cláusula 7ª nem o art. 120º do RAU.
Assim, porque tais deteriorações não são inerentes a uma normal e prudente utilização do locado – repare-se que não ficou sequer provado que a demolição do muro e os furos e buracos no pavimento foram necessários para o desenvolvimento da actividade comercial da apelante no locado -, é devida indemnização à apelada de harmonia com a cláusula 9ª do contrato e art. 1043º e 1044º do Código Civil.
Em consequência, deve manter-se a condenação da apelante no pagamento da quantia de 2.250 € referente ao custo da construção de um muro igual e da colocação do pavimento exterior sem furos nem buracos.
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IV – Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar a apelação improcedente e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Porto, 04 de Junho de 2012
Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate
José Eusébio dos Santos Soeiro de Almeida
Maria Adelaide de Jesus Domingos