Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0730237
Nº Convencional: JTRP00040067
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
LIQUIDAÇÃO
PEDIDO
REFORMA
ACÇÃO EXECUTIVA
REGIME TRANSITÓRIO
OPOSIÇÃO
EXECUÇÃO
Nº do Documento: RP200702080730237
Data do Acordão: 02/08/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 705 - FLS 197.
Área Temática: .
Sumário: I - A partir de 15.9.2003, data da entrada em vigor do DL 38/2003, de 8 de Março – Reforma da Acção Executiva – a liquidação da dívida exequenda quando resultante de condenação ilíquida (art. 661º, n°2, do Código de Processo Civil) e cuja liquidação não dependa de simples cálculo aritmético, deixou de ter lugar como preliminar da acção executiva e passou a efectivar-se no próprio processo de declarativo.
II - Já quanto às liquidações de condenações genéricas/ilíquidas, proferidas antes daquela 15.9.2003, continua a aplicar-se o regime do processo executivo vigente antes da entrada em vigor daquele diploma, sendo desse modo possível deduzir na execução o incidente de liquidação, mesmo quando a mesma não dependa de simples cálculo aritmético (art. 802° do Código de Processo Civil na redacção pré-vigente).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Por apenso à acção executiva com nº …-A/2002 do .º Juízo do Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, em que é exequente B………. e C………. e executados D………. e E………., estes últimos deduziram oposição à execução protestando a inexistência de título executivo porquanto a sentença invocada no título executivo, proferida em primeira instância, não foi mantida em sede de recurso pelo S.T.J.; e a falta de liquidação, pois que admitindo que se mantenha a condenação da primeira instância, nunca a mesma poderia ser executada sem prévia liquidação, nunca tendo os exequentes deduzido incidente de liquidação. Mais reclamam ainda a condenação dos exequentes como litigantes de má-fé e protestam que, por não existir título executivo, a penhora de imóvel realizada na execução é nula.
Na contestação os exequentes sustentaram a existência de título executivo e, quanto à falta de liquidação, referem que essa operação foi realizada nos termos do art. 805 do CPCivil, não tendo havido aí contestação dos executados.
Em despacho saneador o tribunal a quo decidiu julgar totalmente improcedente a oposição.
Os oponentes interpuseram recurso da sentença concluindo que:
No presente recurso os recorrentes deduziram oposição à execução alegando a inexistência de título executivo e a falta de liquidação da decisão condenatória.
O tribunal recorrido julgou totalmente improcedente a oposição à execução considerando que a decisão de primeira instância transitou quanto ao pedido reconvencional (que foi dado à execução) e que tal pedido foi liquidado nos termos do art. 805 nº1 do CPCivil.
Quanto à liquidação da decisão condenatória estabelece o art. 47 nº5 do CPC que tendo havido condenação genérica, nos termos do nº2 do art. 661 e não dependendo a liquidação obrigatoriamente de simples cálculo aritmético a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo.
Deste preceito resulta que a liquidação emergente de um título judicial é efectuada nos próprios autos de acção declarativa através do incidente próprio previsto no art. 378 e ss do CPC.
Ao decidir que os exequentes liquidaram bem a obrigação através do mecanismo do art. 805 do CPC, o tribunal interpretou e aplicou incorrectamente tal regime pois que o mesmo aplica-se apenas ás situações de simples cálculo aritmético mas já não para condenações genéricas.
Os exequentes não efectuaram a liquidação da decisão condenatória.
Quanto à inexistência do título diga-se que a sentença a que os exequentes deram execução foi a proferida em primeira instância nos autos principais, quanto ao pedido reconvencional.
O acórdão do STJ não manteve a aludida condenação pelo que o título não existe.
Aliás a configuração jurídica feita pelo STJ da causa de pedir da acção principal (incumprimento do contrato promessa de cessão de quota) é diferente da que havia sido feita pela primeira instância (contrato de cessão de quotas nulo por violação de forma legal).
Pelo exposto deve ser revogada a sentença e ser proferida outra que decrete a inexistência do título executivo e, ainda que assim não se entenda, deverá ser decretado que não foi liquidada a decisão condenatória do referido título.
Os recorridos contra alegaram sustentando o acerto da sentença.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
… …
Fundamentação
O Tribunal a quo considerou para a decisão os seguintes factos:
1) - Nos autos de acção declarativa de que os presentes são apenso foi proferida sentença em primeira instância em 16/7/2003, com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto e em conclusão, declarando nulo o contrato descrito na alínea A) do factualismo provado:
1. Julgo totalmente improcedentes as excepções alegadas pelos réus.
2. Julgo totalmente improcedente a acção, absolvendo os réus de todos os
pedidos contra si formulados.
3. Julgo parcialmente procedente a reconvenção e, em consequência, condeno os autores a pagarem aos réus a quantia que se apurar em execução de sentença, referente ao tempo de encerramento do estabelecimento comercial em causa e mencionado nos quesitos 19º e 22º do acervo fáctico.
3. Absolvo os réus do pedido de condenação por litigância de má-fé.
4. Custas por autores e réus, nas respectivas proporções de vencimento.”
2) Da sentença referida em 1) veio a ser interposto recurso de apelação pelos AA., vindo nessa sequência a Relação do Porto a proferir em 18/5/2004 acórdão cujo dispositivo é o seguinte:
“Pelo exposto, acordam em julgar a apelação parcialmente procedente e,
em consequência:
1- Revoga-se parcialmente a sentença recorrida, julgando-se a acção parcialmente procedente e condenando-se os Réus a pagar aos Autores a quantia de € 24.939,89, acrescida de juros de mora à taxa legal fixada no âmbito do artigo 559° do Código Civil, desde a citação até integral pagamento;
2- Mantém-se na restante parte a sentença recorrida.”
3) Deste acórdão, na parte em que lhes foi desfavorável, foi desta feita interposto pelos RR. Recurso para o S.T.J., tendo ainda os AA. interposto recurso subordinada quanto à parte desse mesmo acórdão que não atendeu o pedido formulado no recurso da decisão da primeira instância.
4) Nessa sequência veio a ser proferido, em 14 de Dezembro de 2004, acórdão do S.T.J. com o seguinte dispositivo:
“Termos em que se decide
a) negar a revista subordinada;
b) conceder a revista independente;
c) julgar a acção improcedente e
d) absolver os RR. dos pedidos.”
… …
O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil).
As questões suscitadas no recurso reportam-se a existência ou inexistência do título executivo e, sendo este existente, à questão de se saber se foi ou não realizada a liquidação do pedido.
Da inexistência do título executivo.
A este propósito os recorrentes referem apenas que a sentença da primeira instância e que os condenou em pedido reconvencional não transitou em julgado por o acórdão do S.T.Justiça não ter mantido a aludida condenação e, porque, a configuração jurídica feita pelo STJ da causa de pedir da acção principal é diversa da realizada pela primeira instância, naquele o incumprimento de contrato promessa de cessão de quota e neste contrato de cessão de quotas nulo por violação de forma legal.
Liminarmente poderemos dizer que nenhuma razão assiste aos recorrentes nesta argumentação, desde logo, porque disposição legal expressa estabelece que “os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão recurso nem pela anulação do processo” (art. 684 nº4 do CPCivil) o que significa, no caso presente, que por nunca a condenação no pedido reconvencional ter sido objecto de recurso, ela se manteve intocada pelos recursos interpostos e que lhe eram alheios, tendo transitado em julgado.
Assim no que se refere ao pedido reconvencional decidido em primeira instância, a circunstância de o Tribunal da Relação do Porto se ter referido a ele para o considerar inalterado (por não ter sido objecto de recurso), ou o facto de o Supremo Tribunal de justiça não ter feito nenhuma referência a tal decisão (relativa ao pedido reconvencional) é de todo irrelevante e indiferente porque, nos termos da disposição legal citada, tal decisão da primeira instância nunca foi objecto de recurso.
Quanto ao segundo argumento sustentado pelos recorrentes, a sua falta de razão subsiste pois o acórdão do STJ ao ter entendido que existiu incumprimento do contrato promessa de cessão de quotas imputável aos AA ora recorrentes, absolvendo os réus dos pedidos contra si formulados não se refere ao decidido quanto ao pedido reconvencional e, por outro lado, a decisão proferida pelo STJ quanto aos pedidos dos Autores não prejudica nem afecta os pressupostos em que se fundou a condenação parcial no pedido reconvencional, sendo certo que se tal acontecesse, isto é, se o decidido quanto ao pedido dos autores contra os réus impusesse uma alteração do decidido quanto ao pedido reconvencional, era necessário que o acórdão da Relação ou do Supremo Tribunal o referisse.
Aliás a afirmação dos recorrentes no sentido de que não existe título executivo porque “o Venerando Supremo Tribunal de Justiça, não manteve a aludida condenação”, referindo-se esta condenação, obviamente, ao decidido quanto ao pedido reconvencional, redunda na evidência de um absurdo que se traduz em admitir que, sempre que uma decisão proferida numa sentença não fosse objecto de recurso, havendo nessa sentença outras decisões das quais foi interposto recurso, a primeira (a não recorrida) ficaria sempre e para sempre paralisada e sem possibilidade de execução.
De facto, no seu significado útil, a alegação dos recorrentes quanto à inexistência de título executivo firma-se no paradoxo de sustentarem que a decisão sobre o pedido reconvencional, da qual nunca foi interposto recurso e á qual nunca se referiram as conclusões dos recursos que foram sendo interpostos da sentença da primeira instância, “se não manteve” por, a ela se não ter referido o acórdão do STJ.
Isto é, quando o acórdão do Tribunal da Relação se pronuncia quanto ao pedido reconvencional, sem necessidade de o fazer mas num exercício de rigor e completude, dizendo que “não tendo sido objecto do presente recurso, nem sendo afectada pela procedência parcial da Apelação, mantém-se o decidido na sentença recorrida quanto à reconvenção”, os recorrentes defendem que essa expressão e essa referência não tem qualquer valor. Porém, quando o acórdão do STJ não faz idêntica referência ao decidido quanto ao pedido reconvencional (por ser de todo desnecessária) os recorrentes já sustentam que isso significa que essa parte da decisão não foi mantida e, maximé, por não ter havido referência a ela essa decisão, da qual nunca foi interposto recurso e relativamente à qual os recursos interpostos nunca afectaram, “desapareceu”, numa perversão completa e sem sentido do estabelecido no art. 684 nº4 do CPCivil.
Pelo exposto improcedem nesta parte as conclusões dos recorrentes existindo, por isso, título executivo transitado em julgado.
Quanto à liquidação do pedido.
A questão a decidir nesta sede reside apenas em saber se o caso sub iudice é subsumível ao incidente de liquidação da obrigação genérica, instituído pelo DL 38/2003, 8.03 que empreendeu a reforma da acção executiva.
Estamos, in casu, perante sentença que condenou os Autores ora recorrentes “a pagarem aos réus a quantia que se apurar em execução de sentença, referente ao tempo de encerramento do estabelecimento comercial em causa e mencionado nos quesitos 19 e 22 do acervo fáctico” proferida em 16 de Julho de 2003.
Sucede, porém, que em 15.Set.2003, entrou em vigor o novo regime da reforma da acção executiva levada a efeito pelo DL. 38/2003, 8-03, que aboliu a liquidação em execução de sentença e deslocou obrigatoriamente para o âmbito do processo declaratório a liquidação da condenação genérica (não dependente de simples cálculo aritmético), criando uma espécie de incidente posterior ou subsequente a tal decisão judicial, enxertado no processo declaratório que nela culminou e determinando a renovação da instância extinta (arts 47.º/5, 378.º/2, 380.º/3 e 4, 380.º-A, 471.º/2, 661.º/2 do CPC). [Vide Lopes do Rego, in Comentários ao C.P.Civil, 2ª edição p, 337].
Será, portanto, que – como parecem alegar os recorrentes -, o novo regime de liquidação da condenação genérica, instituído pelo DL 38/2003, 8/3, é aplicável ao caso vertente?
Para responder a esta questão é mister trazer à colação o referido diploma – DL 38/03, que procede à reforma do regime da acção executiva –, maxime a norma transitória constante do art. 21ºnº3, – aditado pelo art. 3º do DL 199/2003, de 10-09, àquela norma transitória – que determina que: “As normas dos artigos 47º/5, 378º/2, 380º/2,3 e 4, 380º-A e 661º/2 do C.P.Civil aplicam-se nos ou relativamente aos processos declarativos pendentes no dia 15 de Setembro de 2003, em que até essa data não tenha sido proferida sentença em 1ª instância”.
Porém, respondida à primeira questão uma outra se coloca e quando, como no caso em recurso verificamos que a acção executiva foi proposta depois de 15 de Setembro de 2003 e nesse momento já não está em vigor o procedimento da acção executiva que até aí vigorava.
Segundo Lopes do Rego [Cfr. Requisitos da Obrigação Exequenda”, Seminário de Março de 2003, realizado na FDUNL in Themis, Ano IV-nº7-2003, p. 67/77], instaurada a execução de sentença a partir de 15 de Setembro (2003), parece que vigora já o novo regime instituído pelo artigo 805.º, inibidor de que o exequente possa requerer a liquidação da condenação genérica no âmbito da fase liminar do processo executivo. Com efeito, face à amplitude da norma de direito transitório, atrás referida, poderia porventura questionar-se a aplicabilidade do novo regime que consta do art. 378.º, n.º2, conjugado com o n.º5 do art. 47.º, no âmbito de uma acção declaratória que obviamente se iniciou – e terminou – antes de 15 de Setembro de 2003.
Só que, se dúvidas então existiam, tais dúvidas em nosso entender foram de algum modo dissipadas com o nº 3 aditado pelo DL 199/03, de 10/09 à aludida norma transitória do art. 21º do DL 38/03, ao esclarecer, que aquelas normas que prevêem e regulam o incidente de liquidação da condenação genérica se aplicam nos ou relativamente aos processos declarativos pendentes em 15.Setembro.2003 em que até essa data não tenha sido proferida decisão em 1ª instância.
Assim, “à contrario”, nas situações de condenação genérica proferida antes de 15-09-2003, mas em que a acção executiva deu entrada em data posterior àquela – como não pode obviamente admitir-se que o credor fique privado da possibilidade processual de liquidar a condenação genérica, proferida em seu favor, parece-nos que, de acordo com o princípio da adequação processual, repristinando as normas anteriores deverá ultrapassar-se a situação através do anterior regime da liquidação prévia na acção executiva, nos termos dos artigos 806º/ss do CPC, redacção pretérita.
Idêntico entendimento e solução encontramos implicitamente referida no ac. do STJ de 21/9/2006 no proc. 06B2601, relatado pelo Sr. Conselheiro Salvador da Costa, in dgsi.pt e onde se refere expressamente que à liquidação da sentença proferida depois de 15 de Setembro de 2003, embora em processo pendente nessa data, o regime aplicável é o decorrente da alteração da lei processual pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março (artigo 21º, nº 3), já não o podendo ser em execução de sentença, como era até aí, mas apenas no incidente a implementar no próprio processo da acção declarativa (artigos 378º, nº 2 e 661º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Em síntese, a partir da entrada em vigor do Dec. Lei 38/2003 a liquidação da dívida exequenda quando resultante de condenação ilíquida (art. 661 nº2 do CPC) e cuja liquidação não dependa de simples cálculo aritmético deixou de ter lugar como preliminar da acção executiva e passou a efectivar-se no próprio processo de declarativo. Por seu turno, às liquidações de condenações genéricas/ilíquidas, proferidas antes de 15-9-2003, continua a aplicar-se o regime do processo executivo vigente antes da entrada em vigor do DL 38/03, de 8/3, sendo desse modo possível deduzir na execução o incidente de liquidação, mesmo quando a mesma não dependa de simples cálculo aritmético (art. 802º do CPC na redacção anterior à do regime introduzido pelo Dec. Lei 38/03).
Deste modo, improcedem as conclusões de recurso também nesta matéria referente à liquidação uma vez que por referência à data em que foi proferida a sentença em primeira instância não é aplicável o incidente de liquidação previsto no art. 378 do CPCivil.
… …
Decisão
Pelo exposto acorda-se em negar provimento ao Agravo e, em consequência, manter na íntegra a decisão recorrida.
Custas pelos Agravantes.
Porto, 8 de Fevereiro de 2007
Manuel José Pires Capelo
Ana Paula Fonseca Lobo
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão