Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0427273
Nº Convencional: JTRP00037920
Relator: MARQUES DE CASTILHO
Descritores: TELECOMUNICAÇÕES MÓVEIS
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP200504120427273
Data do Acordão: 04/12/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A DECISÃO.
Área Temática: .
Sumário: I - É de seis meses o prazo da prescrição de cobrança dos créditos de telecomunicações (telemóveis), sendo este prazo contado até à apresentação das respectivas facturas.
II - Sendo então a factura passada neste prazo, então a prescrição passa a ser de cinco anos, nos termos da alínea g) do artigo 310 do Código Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

Relatório

B....., S.A.,
instaurou acção declarativa de condenação com processo sumário contra
C.....
na qual requer a condenação do R. a pagar a quantia de 3.614, 03 Euros, acrescida de 944,76 Euros de juros vencidos e vincendos até integral pagamento.
Alega para o efeito que forneceu ao R. os serviços discriminados nas facturas que juntou, que não se encontram pagos.
Após citação foi apresentada contestação na qual em síntese se alega que:
A acção foi intentada em 22.10.2003,a prestação de serviços ocorreu de Junho de 2001 a Agosto de 2001, as facturas venceram-se em 9.10.2001, pelo que já decorreram seis meses após o serviço e sendo a causa dos créditos reclamados o fornecimento de bens ou serviços de contrato de telemóvel, é aplicável às relações entre a requerente e o requerido o art. 10º da Lei nº 23/96, de 26/7, prescrevendo no prazo de 6 meses após a sua prestação o direito de exigir o pagamento do preço do serviço e termina concluindo pela improcedência da acção.
Foi apresentada resposta após o que o Mmº Juiz do Tribunal a quo proferiu saneador sentença no qual conhecendo da invocada excepção de prescrição do direito de exigir o pagamento do preço julgou a mesma procedente e em consequência totalmente improcedente a acção e, em consequência, absolvido o R. C..... do pedido formulado pela A.

Inconformada veio esta tempestivamente interpor o presente recurso tendo para o efeito nas alegações oportunamente apresentadas aduzido a seguinte matéria conclusiva que passamos a reproduzir, bem como cópia de parecer do Exmº Professor Dr. Meneses Cordeiro “Da prescrição do pagamento dos denominados serviços públicos essenciais” de fls. 65 a 137:
1. A prescrição prevista na Lei nº 23/96 de 26 de Julho e no DL n°381-A/97 de 30.12 é, pela natureza específica das dívidas aí em causa, uma prescrição presuntiva;
2. Seis meses é um prazo muito breve e penalizar, por suposto desinteresse, uma pessoa por não efectivar um direito num prazo tão curto, não é credível.
3. Com esse prazo de seis meses o legislador pretende que o prestador não demore infinitamente o envio das facturas.
4. Enviada a factura no prazo de seis meses, o direito de exigir o pagamento foi tempestivamente exercido.
5. Foi alegado pela A. o envio e não foi impugnado pela R. o seu recebimento.
6. Não estamos, pois, perante uma prescrição extintiva;
7. Não obstante o prazo de seis meses existe para exigir o pagamento pelo envio das facturas, não se podendo confundir com exigência de pagamento judicial.
8. Para tal, o prazo é o disposto no artigo 310º alínea g) do Código Civil.
9. Veja-se a nova Lei 5/2004 de 10.02, já em vigor.
10. O prazo de prescrição ( extintivo ) para exigir o pagamento das facturas em dívida é quinquenal.
11. Pelo que não se encontrava prescrito o crédito da A.
12. Logo deve ser revogada a decisão "a quo" no sentido exposto, prosseguindo os autos seus termos para julgamento e condenação do R. ao pagamento da quantia peticionada.
13. Foram violados os artigos 10º da Lei 23/96 de 26/7, 9º e 16º do Dec-Lei 381-A/97, de 30.12, entretanto revogados pela Lei 5/2004 de 10.02,
14. Foi violado o artigo 310º al. g) do Código Civil,
15. Foi violada a Lei 5/2004 de 10.02.
Termina pedindo que seja revogada a decisão, no sentido pugnado nas conclusões.
Não foram apresentadas contra alegações.
Mostram-se colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Adjuntos pelo que importa decidir.

THEMA DECIDENDUM
A delimitação objectiva do recurso é feita pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal decidir sobre matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso, art. 684 nº3 e 690 nº1 e 3.
As questão a que importa responder como objecto do presente recurso traduz-se em saber se:
A) Qual o prazo de prescrição a que se encontram sujeitas as cobranças pela prestação de serviços telefónicos

DOS FACTOS E DO DIREITO
Passamos a reproduzir a factualidade considerada assente provada sobre a qual se estruturou e fundamentou a decisão para melhor facilidade expositiva e de compreensão do objecto do presente recurso que foi do seguinte teor:
“1- A A. e o R. celebraram um contrato de prestação de serviço móvel terrestre em 28 .5.2001 com aquisição de equipamento, conforme doc. de fls. 7 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
2 - A A. forneceu serviços discriminados nas facturas juntas, que totalizam 3.614.03 euros.
3 - Tais facturas com datas de 15.6.2001, 10.7.2001, 31.7.2001, 29.8.2001, 18.9.2001, enviadas ao R, não foram pagas, na data do seu vencimento.”
Importa ainda fixar que a acção deu entrada em Tribunal no dia 22 de Outubro de 2003 conforme registo 1508564.
A questão que nos está colocada já tem sido alvo de apreciação em diversos arestos quer deste Tribunal designadamente nesta Secção no qual aliás tivemos intervenção como Adjunto designadamente Proc. 2694/04 da 2ªSecção sendo Relator o Desembargador Dr. Mário Cruz e ainda outros que se desconhece se estão publicados vg. Proc. 1349/01 desta Secção da Desembargadora Drª Teresa Montenegro e Proc. 1258/00 da 5ª Secção de 25/10/2000 no qual foi Relator o Dr. Pires Condesso e cuja linha estruturante de desenvolvimento e fundamentação se irá seguir, bem como o primeiro, dado que corresponde ao entendimento por nós sufragado sobre tal matéria e conforme já posição anteriormente assumida no supra, aludido processo pese embora o conhecimento da tese desenvolvida pelo Prof. Calvão da Silva em sentido contrário publicada in RLJ 132-133 e segs. onde sustenta que o prazo de 6 meses se aplica a todas as formas de exigência do preço, designadamente judicial, não tendo aplicação o disposto no artigo 310º alínea g) do Código Civil e que se mostra ter sido a assumida na decisão sobre recurso.
Nos termos do art. 10° nº1 da Lei 23/96 de 26/7 consagra-se expressamente que:
“o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prescreve no prazo de 6 meses após a sua prestação” .
Tal normativo elaborado sob a rubrica de “Prescrição e Caducidade” destinava-se a particularizar de acordo com o referido diploma as regras a que deve obedecer a prestação de serviços públicos essenciais em ordem à protecção do utente e nele surgindo directamente contemplado o serviço de telefone (nº 2-d) daquele normativo).
No regime do Dec-Lei 381-A/97 de 30 /12 vem sendo discutido se tal prescrição tem natureza extintiva ou presuntiva.
Com a Lei 91/97 de 1/8 define-se as bases gerais a que obedece o estabelecimento, gestão e exploração de redes de telecomunicações e a prestação de serviços de telecomunicações de harmonia com o seu artigo 1º e logo após o referido Dec-Lei 381-A/97 de 30/12 que no o seu preâmbulo refere visar desenvolver aqueles princípios de referida Lei de Bases (91/97) “.....reorganizando-se a actual disciplina jurídica....” vem, segundo o seu art. 10º, regular o regime de acesso à actividade de operador de redes públicas de telecomunicações de uso público.
Este último diploma estabelece nos arts 9° n°4 e 16° n°2 que:
“O direito de exigir o pagamento do preço prestado prescreve no prazo de 6 meses após a sua prestação” com que repete o já consignado no anterior art. 10°da citada Lei 23/96.
O legislador todavia introduziu o nº5 no art. 9° onde consignou de forma bem expressa que “para efeitos do número anterior tem-se por exigido o pagamento com a apresentação de cada factura” e no n°3 do art. 16º onde também incluiu que “para efeitos do número anterior considera-se exigido o pagamento com a apresentação de cada factura”
Tendo em conta a anterior Lei 23/96, que tinha claramente um carácter mais geral, e os novos Lei 91/97 e o seu desenvolvimento no DL 381-A/97 afigura-se-nos que com estes se visou uma regulamentação mais específica para as telecomunicações.
O legislador ter-se-à apercebido de algumas insuficiências, de algumas imprecisões e/ou inadequações daquele 1° regime genérico face à actual problemática das telecomunicações e decidiu reorganizar a disciplina jurídica introduzindo algumas inovações e precisões/esclarecimentos sendo essa a ratio, nomeadamente da introdução dos novos acrescentos dos nºs 5 e 3 acima referidos.
Alertado, possivelmente, para as dúvidas que estariam a surgir quanto à aplicação do citado art. 10° da Lei 23/96, confrontando-se com alguma jurisprudência que vinha atribuindo a tal prescrição a natureza de extintiva e que tal acarretaria um prazo demasiado curto para o accionamento judicial, ele entendeu transformar aquele prazo de prescrição num prazo de apresentação das facturas, embora mantivesse o nome de “prescrição” pois quanto ao essencial o decurso de tal, prazo sem a apresentação da factura não deixaria de acarretar o termo do exercício do direito.
E perante a redacção destas disposições legais é o próprio Prof. Calvão da Silva a reconhecer a pág. 156 que “duma interpretação puramente literal e silogística extrair-se-ia o seguinte resultado: o direito de exigir o pagamento do serviço prestado prescreve no prazo de 6 meses após a sua prestação; para esse efeito, tem-se por exigido o pagamento com a apresentação de cada factura; LOGO, o direito de apresentação de cada factura prescreve no prazo de 6 meses após a prestação do serviço”
Mas depois refere que uma tal interpretação conduziria a um non sense e seria mesmo contra lege justificando o seu ponto de vista referindo decidir-se como se fez na decisão então em apreciação isso implicaria que o prazo de 6 meses fosse um prazo novo sem correlação com o de 5 anos do artigo 310º alínea g) do Código Civil.
Entendemos que não e vamos passar a reproduzir o desenvolvimento doutamente exposto no mencionado Acórdão desta Relação que é do seguinte teor:
“…não aderimos a tal opinião pois logramos descortinar uma certa (para não dizer clara) correlação entre os dois prazos:
- o 1°, de 6 meses diz apenas respeito, como se esclarece no já citado art. 9° nº5 e 16° nº3 DL 381-A/97, ao exigir o pagamento com a apresentação da factura;
- o 2°, de 5 anos nos termos do art. 310°CC, respeita à prescrição propriamente dita, como extinção do direito por efeito do seu não exercício, como a entende o Prof C. Fernandes na sua T. Geral do Drt° Civil a pág 543 e segs, como o “....instituto por via do qual os direitos subjectivos se extinguem quando não exercidos durante certo tempo fixado na lei...”, no dizer expressivo do Prof. M. Andrade na sua T Geral 2/445.
O non sense verificar-se-ia, a nosso ver, se ambos os prazos dissessem respeito a aspectos idênticos o que parece não acontecer .
O legislador não podia deixar de conhecer os princípios da prescrição nem os prazos do art. 310º CC nem se admite que ignorasse os ensinamentos de Prof. tão ilustres como P. Lima e A. Varela que no seu CC Anotado ao citado art. 310º e a propósito da sua al G) ensinavam que tal prazo tinha aplicação precisamente às dívidas de telefones.
E foi certamente perante esse conhecimento e natureza e conceito da prescrição que o legislador se sentiu na obrigação de esclarecer que a disciplina jurídica introduzida no art. 10º da L. 23/96 (prazo de prescrição de 6 meses para exigir o pagamento do preço após a sua prestação) não se dirigia a todo e qualquer prazo pois se assim fosse poderia ser interpretado como estando realmente a criar um outro prazo de prescrição em contrário do existente art. 310°-G) CC.
O legislador, perante tais conhecimentos, esclareceu que aquela prescrição não contendia com a do art. 310º CC, pois para ele a exigência de pagamento de que nos fala o apontado art 10º é a que esclareceu nas disposições legais atrás citadas “tem-se por exigido o pagamento com a apresentação da factura”.
Assim tudo ficou mais claro: O legislador pretendeu que fora e diferentemente do prazo de 5 anos, como de prescrição stricto sensu, existisse um outro para que os serviços de telefone apresentassem as facturas correspondentes aos serviços prestados.”
A razão de ser é clara tal como se esclarece igualmente no referido Acórdão é a protecção dos consumidores perante a tecnologia daqueles operadores de serviços impondo tal regime para a apresentação das facturas no prazo estipulado
E prossegue:
“Mas então o que fica para o prazo do art. 310° g) CC?
A nosso ver, todas as outras formas de exigir, de exercer o direito de crédito, designadamente a via judicial, que não estejam abrangidas pelo apontado prazo de 6 meses, lembrando que este só se aplica à apresentação da facturas.
Temos, então, a seguinte harmonização legal e de prazos:
- prestado um serviço deve ser enviada uma factura (normalmente mensal) e tem de o ser, sob pena de prescrição, no prazo de 6 meses contados da prestação do serviço ( art° 10° n°1 L 23/6 e 9° n°5 e 16° nº2 DL 381-A/97;
- enviada a factura dentro de tal prazo o consumidor deve paga-la no período de tempo que ela lhe conceder--que não deve ser inferior a 12 dias nos termos do art. 37° DL 240/97 de 18/9)
- caso não ocorra o pagamento tem o credor de o exigir (judicialmente ou interromper o prazo, por exemplo....) no prazo de 5 anos do art. 310° g) Código Civil .
Pensamos, face ao exposto, ter apresentado o modo como se compaginam as duas disciplinas legais, sem haver contradição nem qualquer non sense.
Como se sabe, a interpretação da lei (art. 9° CC) não pode consagrar um pensamento legislativo que não tenha na lei um mínimo de correspondência verbal.
Ora o que o Prof. C. da Silva não nos esclareceu (OU, com toda a franqueza, não o percebemos) e nós não descortinamos é o que fazer do art. 9° n°5 e 16 n°2 D L 381- A/97 e do seu texto se optarmos pela sua opinião.
Essa disposição veio, de modo claro, dizer que exigência de pagamento é, para os efeitos da prescrição apontada no n° anterior, a apresentação da factura.
Perante este texto afigura-se-nos, pelo menos, arriscado pretender que ele abarca a exigência judicial.
Já o dissemos e repetimos: perante a prescrição de 6 meses da exigência de crédito e podendo esta revestir várias formas (desde logo a judicial e extra-judicial) o legislador foi suficientemente claro a apontar que tal exigência (no que diz respeito à prescrição dos 6 meses) tem-se por verificada com a apresentação da factura.
Daqui não se pode partir com suficiente segurança interpretativa, e em observância dos critérios apontados no art. 9° CC, para a conclusão de que aquele direito de exigir o pagamento se estende, para além da apresentação da factura, a toda e qualquer outra forma de o exigir, designadamente a judicial.
E entre reconhecer que a palavra escolhida “prescrição” não será a perfeitamente correcta para o termo do prazo da apresentação das facturas (e a consequência da sua não observação com a impossibilidade de exigir o crédito) e esconder ou negar qualquer conteúdo útil ás redacções introduzidas pelos apontados n° 5 e 3, optamos pela interpretação por nós apresentada por se nos afigurar a mais consentânea com o art. 9° Código Civil pelo menos respeita bem melhor a escrita legal escolhida.”
Salvo o devido respeito não se nos afigura deste modo efectuada a melhor interpretação dos textos em causa na decisão proferida que acolheu esta tese uma vez que considerou tal como ali se defende que “tendo a acção dado entrada em Tribunal em 22/10/2003 se tem de concluir que decorreram mais de seis meses, sem que tivesse ocorrido qualquer facto com virtualidade de interromper o prazo prescricional em curso, que assim se completou”.
Que não pode ser considerado assim cremos tê-lo demonstrado pelas considerações e fundamentação supra exposta no douto Acórdão que citamos e que se sufraga e da conjugação das transcritas disposições da Lei 23/96 e Dec-Lei 387-A/97 concluímos pois que o prazo de seis meses ali cominado se refere apenas à apresentação das facturas; não sendo estas apresentadas em tal prazo, não mais pode a entidade prestadora dos serviços telefónicos exigir o seu crédito;
Sendo-o, como efectivamente foi e o contrario não resulta dos autos, dispõe a mesma entidade do prazo prescricional de 5 anos, nos termos do art. 310º alínea g) do Código Civil pelo que assim sendo o direito da Autora não prescreveu nem se pode considerar como tal.
Uma ultima nota no sentido do que vem sendo propugnado e entendido como melhor interpretação dos textos normativos em causa com a Lei 5/2004 de 10 de Fevereiro e de harmonia com o artigo 127º nº 2 o serviço de telefone é excluído do âmbito de aplicação da Lei 23/96, de 26 de Julho e do Decreto-Lei nº 195/99 de 8 de Junho e derroga igualmente o Decreto-Lei 381-A/97 que obriga as entidades prestadoras a facturarem nos seis meses subsequentes à prestação do serviço [Veja-se neste sentido Ac. desta Relação Processo nº 3260/04 da 5ª Secção de 30/6/04].

DELIBERAÇÃO
Nestes termos em face do que vem de ser exposto acorda-se em revogar a decisão proferida na parte em que se julgou verificada a excepção de prescrição, determinando-se a sua substituição por outro que dê seguimento aos ulteriores termos do processo.
Custas nesta instância pelo vencido a final.
*
Porto, 12 de Abril de 2005
Augusto José Baptista Marques de Castilho
Maria Teresa Montenegro V C Teixeira Lopes
Emídio José da Costa