Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0437022
Nº Convencional: JTRP00037602
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: CAUÇÃO
PRESTAÇÃO
EXTINÇÃO
Nº do Documento: RP200501200437022
Data do Acordão: 01/20/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: I- Permanecendo a função da caução (judicialmente ordenada) enquanto o direito que ela visa acautelar não estiver efectivamente protegido por outra forma ou enquanto a obrigação se não mostre cumprida, não pode tal função ser extinta ipso jure com o trânsito em julgado da decisão que venha a ser proferida, no Tribunal Superior.
II- Assim, em processo de prestação de caução intentada pelo recorrido, tendo a sentença que subiu em recurso com efeito suspensivo transitado em julgado após ser proferida a decisão que condenou os requeridos-recorrentes a caucionar o valor indicado, não pode o tribunal julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide com fundamento no trânsito em julgado daquela sentença proferida no recurso de apelação que manteve a existência do crédito causa do pedido de prestação de caução.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do tribunal da Relação do Porto

RELATÓRIO:

No processo comum ordinário que correu termos pela .....ª Vara Cível do Porto sob o nº .....-C/200, foi, em 15.07.2003, proferida sentença que condenou os aqui agravados B...................... e outros a pagar ao aqui agravante C....................... a quantia de € 2.500 acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação, até efectivo pagamento.

Interpuseram as partes recurso da sentença.
Escorado no artº 693º, nº1, do CPC, veio o aí autor/ora agravante instaurar contra os réus/ora agravados uns autos incidentais, pedindo a condenação destes a prestar caução em garantia do pagamento da condenação, sendo que tal incidente correu por apenso aos demais processos e foi-lhe atribuído o número ....-D/2000.

Ordenada a prestação de caução, os ora agravados não a prestaram, tendo o ora agravante requerido entretanto a apreensão e entrega em penhor dos bens dos relapsos que fossem encontrados nas suas residências.

Foram, entretanto, decididos no Tribunal da Relação do Porto os recursos ordinários de apelação interpostos pelos ora agravante e agravados, tendo o respectivo acórdão - que manteve a decisão condenatória da 1ª instância-- transitado em julgado.
Face a este trânsito em julgado, foi proferido no tribunal a quo o seguinte
despacho (fls. 119):
“Os presentes autos de caução foram deduzidos por apenso ao processo ordinário nº .....-C/2000, nos termos do artº 673º do C.P.C..
O processo .....-C/2000 foi já decidido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, tendo a respectiva decisão transitado em julgado.
O requerente insiste pela continuação da tramitação da caução.
Simplesmente, existem já condições para executar a decisão do processo, deforma definitiva.
Entende-se, assim, como inútil a continuação da tramitação dos presentes autos.
Pelo exposto, julgo extintos os presentes autos por inutilidade superveniente da lide, remetendo-se os mesmos à conta”.

Inconformado com esta decisão, veio o requerente da caução interpor recurso, que foi recebido como agravo, tendo apresentado as respectivas alegações que remata com as seguintes

CONCLUSÕES
“1. o incidente de prestação de caução apenas se torna inútil com a extinção do crédito que a caução se destina a garantir.
2. Mas não se torna inútil enquanto o crédito perdurar.
3. O incidente de prestação de caução apenas resultaria inútil se o tribunal de recurso, no recurso ordinário de apelação, tivesse decidido revogar a condenação dos ora agravados, requerido no incidente, e absolver os mesmos de todo o pedido, o que não aconteceu, já que julgou improcedente ambos os recursos e manteve a decisão da primeira instância e crédito ajuizado.
4.Em processo de prestação de caução intentada pelo recorrido, dado que a sentença subiu em recurso com efeito suspensivo e depois de transitada a decisão que condenou os requeridos-recorrentes a caucionar o valor indicado, não pode o tribunal julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide com fundamento no trânsito em julgado dessa decisão proferida no recurso de apelação que manteve a existência do crédito causa do pedido de prestação de caução.
5.O despacho de 7 de Julho de 2004 viola o disposto no nº 3 do artigo 693º e na alínea e) do artigo 287º, 987º, 988º e 990º, todos do Código de Processo Civil, e o disposto nos artigos 623º a 626º do Código Civil,
6. pelo que deve ser revogada e substituída por outra que ordene a apreensão e entrega em penhor dos bens dos agravados que se encontrem nas suas instalações e que ordene o legal prosseguimento dos autos de incidente de prestação de caução,

COMO É DE JUSTIÇA”.

Não foram apresentadas contra-alegações.
Conclusos os autos, foi pelo Mmº Juiz a quo sustentado o despacho recorrido (fls. 162/163).

Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.
II.1. AS QUESTÕES:

Tendo presente que:
--O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil);
-- Nos recursos se apreciam questões e não razões;
-- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

a questão a resolver consiste em saber se, ordenada, por decisão transitada, a prestação de caução ao abrigo e para os efeitos do disposto no nº 2 do artº 693º do C.P.C., o posterior trânsito em julgado da sentença condenatória (objecto da apelação - e que confirmou a sentença da 1ª instância), ocorrido, embora, antes da prestação da caução, produz a extinção da instância no apenso de prestação de caução por inutilidade superveniente da lide.

II.2. OS FACTOS:

Os supra relatados.

III. O DIREITO:

Vejamos, então, como resolver a questão suscitada nas conclusões das alegações do agravo.
Segundo o disposto no artº 693º, nº2, do CPC - na redacção do Dec.-lei nº 38/83, de 08 de Março, “não querendo, ou não podendo,” - devido ao efeito fixado ao recurso (ut artº 692-2-b) ou 3 CPC) - “obter execução provisória da sentença, pode o apelado, que não esteja garantido por hipoteca judicial, requerer, no prazo de 10 dias contados da notificação do despacho que admita a apelação ou que, no caso do nº 3 do artigo anterior, lhe recuse o efeito suspensivo, que o apelante preste caução”.
Foi o que fez o ora agravado: face ao efeito do recurso da apelação, por não poder executar a sentença, requereu que os apelantes/ ora agravados prestassem caução.
É que, como é sabido, uma sentença ainda que pendente de recurso com efeito suspensivo - cfr. o despacho de fls. 107 que reparou o agravo do despacho de fls. 40, completado pelo despacho de fls. 47, não tendo os agravados requerido a subida do processo de agravo (artº 744º, nº3, CPC)-- vale como declaração de direito, embora, é certo, com carácter provisório.

Por decisão de fls. 108, foi decidido julgar procedente o incidente de prestação de caução requerido e condenados os requeridos/ora agravados “a prestar caução pelo valor de 3.009,50” (euros, naturalmente).
Acontece, após a aludida decisão de fls. 108, a sentença condenatória lavrada na 1ª instância transita em julgado - com a prolação de acórdão desta Relação a manter o decidido no tribunal recorrido.
Pergunta-se: qual o destino a dar ao incidente de prestação de caução - repete-se, com decisão a ordená-la e igualmente transitada?

No que tange às normas para a fixação da caução, o Dec.-Lei nº 329-A/95 eliminou a regulamentação legal vigente, especial, passando a caução a ser fixada de harmonia com o disposto no processo especial de prestação de caução, regulado nos arts. 981º a 988º, processando-se, em regra, como incidente por apenso ao processo onde foi proferida a sentença condenatória e sendo, por isso, o apelante notificado para responder ao pedido, em vez de ser citado (artº 900º). Todavia, o apenso só é formado se houver demora superior a 10 dias na prestação da caução (artº 697º). No caso do artº 692º-3, aplicam-se os artigos 988º e 990º e no do artº 693º os arts. 981º a 987º e 990º.

Isto dito, vejamos, então, como solucionar a questão sub judice.
Para tal, impõe-se, antes de mais, definir o conceito e finalidade da caução.
Ora, caução é uma garantia especial das obrigações que pode ser imposta ou permitida por lei, decisão judicial ou convenção, relativamente a uma obrigação futura ou de objecto não determinado.
Sendo a prestação de caução imposta por lei, pode, em princípio, e salvo se se determinar a espécie que deve revestir, «ser prestada por meio de depósito de dinheiro, títulos de crédito, pedras ou metais preciosos, ou por penhor, hipoteca ou fiança bancária», cabendo ao tribunal apreciar a idoneidade da caução se não houver acordo entre os interessados. Se a imposição ou autorização da caução provier de negócio jurídico ou de decisão judicial, pode ela ser prestada por qualquer garantia real ou pessoal. «Se a pessoa obrigada à caução a não prestar, o credor tem o direito de requerer o registo de hipoteca sobre os bens do devedor, ou outra caução idónea», salvo se outra for a solução especialmente prevista na lei (cfr. arts. 623º a 626º, CC).
Temos, portanto, que a caução é o meio pelo qual se assegura ou garante o cumprimento duma obrigação (ver Prof. Alberto dos Reis, CPC Anotado, 2º, 141) - obrigação essa eventual ou de amplitude indeterminada (Prof. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3ª ed., pág. 622).

In casu, visava o apelado - ora agravante--, por não poder executar a sentença objecto de recurso de apelação, atento o efeito dado ao recurso da mesma interposto, garantir ou assegurar o pagamento do montante objecto da condenação na acção declarativa.
Ora, como vimos, quando transitou a sentença condenatória proferida na acção declarativa de condenação, já havia, por sua vez, sido proferida decisão no apenso de prestação de caução, a julgar procedente o incidente e a condenar os requeridos a prestar a caução pelo valor de “3.009,50” (ut artº 983º, nº1, CPC).
Assim sendo, não cremos que o facto de, entretanto (ou supervenientemente)¸ ter sido proferido acórdão pela Relação (confirmando a sentença condenatória da 1ª instância) e ter transitado em julgado a sentença, implique que se “deite para o caixote do lixo” o incidente da prestação de caução-- repete-se, com decisão condenatória já proferida!
Efectivamente, a partir do momento em que foi proferida esta decisão condenatória, só ao interessado/requerente da caução incumbe decidir do seu destino: desistir da caução requerida e ordenada (ficando apenas com a possibilidade de executar a sentença proferida na acção principal) ou prosseguir com o incidente.
Efectivamente, a partir do momento em que foi proferida decisão condenatória no apenso da prestação de caução, ficou o requerente - ora agravante - com o direito a fazer valer essa ordem judicial, que lhe atribuiu um - ou mais um, se se quiser - meio de “assegurar ou garantir o cumprimento” da obrigação de pagamento que incide sobre os requeridos/agravados.
E não é pelo facto de agora a obrigação dos agravados já não ser “eventual ou de amplitude indeterminada” - antes o é já certa e de valor de terminado - que a caução perde a sua razão de ser, ou se torna inútil. Pelo contrário, agora até já se não garante algo incerto ou indeterminado, mas algo “visível”, concreto, determinado, o que dá até maior sentido e utilidade à caução ordenada.
É certo que não há pagamentos directos no processo de caução. Mas por ele garantem-se esses pagamentos - o cumprimento das obrigações caucionadas.

Não olvidamos o que escreveu o Prof. Alberto dos Reis [Código de Processo Civil Anotado, vol. V (reimpressão), a pág. 407]: “A execução provisória da sentença sujeita o apelado a um risco que lhe não convirá, porventura, correr - o risco de a sentença ser revogada, de a execução ficar sem efeito (artº 47º, § único) e de ele ter de pagar as custas respectivas. Quando o apelado, feito o balanço das vantagens e riscos da execução provisória, chegar à conclusão de que não lhe convém promovê-la, tem o direito de, em substituição, requerer a prestação de caução”.
No entanto, não cremos ser legítimo extrair daqui - como pretende a decisão recorrida - a conclusão de que, por entretanto ter transitado em julgado a sentença recorrida que motivou o recurso da apelação, deixou de ser possível a continuação do incidente de caução por ter, entretanto, deixado de haver risco para o apelado de promover a execução.
Não se trata agora de se correr (ou não) o risco de a sentença poder ser revogada, ficando sem efeito a execução provisória que se tenha promovido. Do que se trata é de saber se é legítimo que seja retirado ao apelado o direito de fazer uso de uma decisão condenatória que lhe é favorável proferida no apenso de caução, obrigando os requeridos a prestar uma caução de valor certo e determinado.
Se-- como diz o saudoso prof. Alberto dos Reis, ob. e loc. cits.--, o apelado chegou à conclusão de que não lhe convinha promover a execução provisória da sentença e optou por fazer uso do “direito de, em substituição, requerer a prestação de caução” (sublinhado nosso), então, tendo o Tribunal Superior mantido a sentença condenatória da 1ª instãncia, porque razão se lhe iria retirar esse direito de fazer uso de uma “garantia especial das obrigações”, dum “meio pelo qual se assegura ou garante o cumprimento” da obrigação? - meio expedito e eficaz, pelo menos muito do mais que o complexo e moroso processo executivo, (ver, v.g., o artº 625º, nº1, CC)?
Dir-se-á que se risco há que se não aconselha o requerente/agravante a correr é, agora, o de deitar borda fora um meio, já concedido por decisão judicial (cfr. fls. 108), que lhe garante o pagamento do que lhe devem os requeridos/agravados.
Portanto, pouco importa se a caução foi prestada antes ou depois do trânsito em julgado da sentença condenatória. A decisão a condenar os requeridos a prestar a caução foi seguramente proferida antes daquele trânsito em julgado, pelo que não vemos razões (legais ou de outra natureza) para “deitar ao lixo” aquela decisão - que, não se esqueça, implicou naturalmente diligências e custos para o requerente/apelado/ora agravante.
Portanto, tendo a obrigação de prestar caução sido decidida antes do trânsito em julgado da sentença na acção principal, não pode por esta ser afectada. É que o que está em causa, aqui tem relevo, é o momento do nascimento, a legitimidade do nascimento e não dos posteriores momentos da vida e da morte da caução.
Ou seja, decretada a prestação de caução por sentença judicial, a função da caução não pode ser extinta ipso jure, com o trânsito em julgado da decisão que venha a ser proferida, no Tribunal Superior.
E a razão é simples: é que a função da caução (judicialmente ordenada) permanece enquanto o direito que ela visa acautelar não estiver efectivamente protegido por outra forma. E não o está, seguramente, pelo simples facto de o requerente da caução agora já poder fazer uso do processo de execução.
A prestação da caução é, como se referiu supra, uma garantia que se destina a assegurar o cumprimento de certa obrigação imposta a alguém e a sua função só deixa de existir quando o cumprimento da obrigação está assegurada efectivamente por outra garantia ou quando a obrigação se mostre cumprida - o que não ocorre apenas pelo facto de se poder a passar recorrer ao processo de execução (da sentença). O simples facto daquele que a requereu atempadamente poder executar a decisão não faz desaparecer o interesse que tem na sua prestação. O apelado, ao requerer oportunamente a prestação da caução, pretendeu assegurar o cumprimento de uma obrigação que fora declarada com carácter provisório, assegurando-se o seu direito, com as normais demoras do recurso).
Caso o processo de prestação de caução - já requerido em Outubro de 2003 (cfr. fls. 3)-- tivesse sido célere (como era desejável), certamente que a prestação da caução teria ocorrido ainda antes do aludido trânsito em julgado. Assim sendo, também por este motivo, não se vê porque razão deva ficar prejudicado o pedido de prestação de caução, quando antes daquele trânsito até já tinha sido proferida decisão a condenar os requeridos a prestar a caução. Obviamente que se mantém a eficácia e o interesse na prestação da caução ordenada. Além do mais, porque o processo executivo não permite obter a celeridade que se esperava com a exigência da prestação de caução. É que- infelizmente!--, como todos sabem, o processo executivo é fértil em manobras dilatórias, bastando pensar, no facto de poderem os executados (até à penhora) desfazer-se dos bens necessários à satisfação do crédito do ora agravante.
Outra decisão que não fosse a manutenção da caução ordenada, seria, a nosso ver, não só anti-jurídica, como, também, anti-económica (para o agravante, naturalmente).
Temos mesmo por correcto o entendimento de que mesmo que à data do trânsito em julgado ainda não tivesse havido decisão a condenar os requeridos/agravados a prestar a caução, ainda assim nada impedia que a caução fosse decretada, bastando que a caução tivesse sido requerida em tempo.

E não se traga à colação o “princípio da economia processual”, pois o mesmo não pode, de forma alguma, servir de justificação para passar por cima dos interesses das partes litigantes, tutelados por lei.

Tal como se não argumente com os custos que a manutenção da caução possam ter para os agravados. É que se é certo que enquanto a caução implica encargos para quem a presta (veja-se, v.g., a prestação por depósito de dinheiro-- com o prejuízo inerente à perda do respectivo rendimento--, ou por fiança bancária), certo é, também, que está nas mãos de quem a presta o encurtamento do tempo em que ela tenha de manter-se. Se se quer retardar o pagamento, ter-se-ão de suportar as inerentes consequências (ubi commodum, ibi incommodum - onde está a vantagem, deve estar o ónus).
Ou seja, basta que os agravados sejam solícitos e interessados na rapidez do cumprimento da sua obrigação para evitarem a continuação do prejuízo que estejam a suportar e que lhes advenha dos encargos da caução.

Daqui se conclui, portanto, que enquanto o direito do agravado não se mostrar satisfeito, não há razão para julgar extintos - por inutilidade superveniente-- os autos de prestação de caução.

Sobre esta matéria e, em boa parte, em sustento desta posição, vejam-se, ainda, as Doutas decisões dos Tribunais Superiores referidas pelo agravante [Ac. STJ de 14.01.92, in www.dgsi.pt, nº convencional JSTJ00016644; Rel. Do Porto, Ac. de 30.05.1993, in www.dgsi.pt, nº convencional JTRP00007451; Ac. da Relação do porto, de 07.03.1994, in Bol. M. J. nº 435, a pág. 903, onde se escreveu que “o trânsito em julgado da sentença condenatória decorrente de desistência do recurso de apelação não determina a inutilidade superveniente da prestação da caução requerida nos termos do artigo 693º, nº2, do Código de Processo Civil, nem a caducidade do arresto que foi decretado por falta da prestação daquela”].

Situação diferente seria no caso de a sentença apelada ter sido revogada, absolvendo-se os réus/apelantes em 2ª instância -- ora agravados - do pedido. Então, sim, não havia razão para que o incidente de prestação de caução continuasse, devendo, por isso, julgar-se extinta a respectiva instância por inutilidade superveniente da lide [Neste sentido ver, v.g., Ac. STJ de 10.11.1993, in Col. Jur., STJ, Ano I, Tomo III, a pág. 115 - sendo certo que no douto voto de vencido ali vertido se sustenta que, tendo havido recurso para o STJ do Acórdão da Relação e atribuído ao mesmo efeito devolutivo, a caução deveria manter-se até à decisão definitiva do pleito, não se devendo considerar extinta (citando-se P.Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., a págs. 640 segs.--; Ac. Rel. De Lisboa de 28.01.1993, proferido no Proc. nº 9210904, in www.dgsi.pt e Ac. TRC de 20.09.2001, in Col. Jur., 2001, Tomo IV, a pág. 67 e Ac. desta Relação do Porto, 3ª Secção, de 22.4.04, de que fomos adjuntos, no processo nº 1366/2004 (agravo); Ac. da Relação de Coimbra de 16.02.1994, sumariado no Bol. M.J., nº 434º, a pág. 704 e Ac. da Rel. de Évora, de 16.01.1986, sumariado no BMJ nº 355º, a pág. 447.
Pode ainda ver-se o Ac. TRP no site da DGSI, n JTRP 00006291 (Relator: Martins da Costa), onde se escreveu que “II - No processo de caução regulado nos artigos 428 e seguintes do Código de Processo Civil, uma vez condenado o requerido, consoante o artigo 430, nº 1, a caucionar o valor indicado na petição, não pode essa obrigação ser objecto de nova apreciação, não podendo, por isso, ser afectada por qualquer ocorrência posterior.”].

CONCLUNDO:
- Permanecendo a função da caução (judicialmente ordenada) enquanto o direito que ela visa acautelar não estiver efectivamente protegido por outra forma-- ou enquanto a obrigação se não mostre cumprida--, não pode tal função ser extinta ipso jure com o trânsito em julgado da decisão que venha a ser proferida, no Tribunal Superior.
- Assim, em processo de prestação de caução intentada pelo recorrido, tendo a sentença que subiu em recurso com efeito suspensivo transitado em julgado após ser proferida a decisão que condenou os requeridos-recorrentes a caucionar o valor indicado, não pode o tribunal julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide com fundamento no trânsito em julgado daquela sentença proferida no recurso de apelação que manteve a existência do crédito causa do pedido de prestação de caução.

IV. DECISÃO:

Termos em que acordam os Juizes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao agravo, revogando o despacho recorrido (de 07.06.2004- fls. 119), o qual deverá ser substituído por outro que ordene o normal prosseguimento dos incidente de prestação de caução.

Custas pelos agravados.
Porto, 20 de Janeiro de 2005
Fernando Baptista Oliveira
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Raínho Ataíde das Neves