Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0751818
Nº Convencional: JTRP00040330
Relator: PINTO FERREIRA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
Nº do Documento: RP200705160751818
Data do Acordão: 05/16/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 299 - FLS 182.
Área Temática: .
Sumário: I - A expropriação deve-se limitar ao estritamente necessário para a realização do seu fim, limitando deste modo o encargo/dever do expropriado.
II - O proprietário, além de poder requerer a expropriação total quando a parte restante não assegurar proporcionalmente os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio, pode ainda requerê-lo quando os cómodos assegurados pela parte restante não tiverem interesse económico para o expropriado, este determinado objectivamente.
III - É imprescindível à decisão do pedido de expropriação total o apuramento da natureza ou aptidão do prédio não só antes, mas sobretudo após o desmembramento pela expropriação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

B………., C………., D………., E………., F………., no recurso da decisão arbitral por si interposto, vieram requerer a expropriação total do prédio, invocando que, após expropriação da parcela com a área de 437 m2, resta uma parte sobrante com a área de 1.398 m2, a qual, por ficar abrangida com uma servidão non aedificandi numa área aproximada de 990 m2, perde toda a capacidade construtiva e todo o interesse económico que tinha antes da expropriação.
Notificada a expropriante, deduz oposição, invocando para tal que o pedido de expropriação total deve ser deduzido em separado e mediante requerimento autónomo e ainda que a decisão arbitral apenas se refere à desvalorização da parte sobrante e não à expropriação total do prédio, que a parte sobrante não sofre qualquer depreciação, ou depreciação que dê origem à expropriação total, uma vez que a parte sobrante tem área de cerca de 1.313 m2 que corresponde a mais de dois terços de todo o prédio em causa e que o terreno era utilizado para fins de ocupação florestal, mantendo os mesmos acessos e proporcionando os mesmos cómodos.
O tribunal profere decisão optando pelo pedido dos expropriados e concedeu, por isso, a expropriação total.
Perante esta decisão e inconformada com ela, recorre a expropriante.
Recebido o recurso, apresenta alegações.
Colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento do recurso.
*

II - Fundamentos do recurso

As conclusões que se apresentam com as alegações definem o âmbito do recurso - artigos 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do CPC -
Daí a justificação para a sua transcrição que, no caso, foram:

1. O processo de expropriação originou a existência de uma área sobrante localizada a Norte com cerca de 1.398 m2;
2. Tal área sobrante corresponde a 75% do prédio a expropriar, sendo de forma triangular e com uma profundidade de 23 metros.
3. A área sobrante mantém o acesso e a mesma largura de confrontação com a Estrada Municipal (CM1140);
4. O aludido terreno mantém todas as condições e características que se verificavam antes da DUP, não perdendo a sua capacidade e destino económico;
5. À data da DUP o prédio encontrava-se com aproveitamento económico florestal;
6. Atendendo à sua dimensão, a área sobrante permite e garante os mesmos cómodos e benefícios;
7. Por outro lado, não resulta da matéria de facto provada a existência de qualquer alvará, licença ou projecto de construção, que determine a existência de um prejuízo efectivo da parte sobrante para os expropriados em virtude da expropriação;
8. A parte sobrante mantém a potencialidade e aproveitamento económico que lhe vinha sendo dada, não sofrendo qualquer depreciação;
9. Não se encontram verificados os pressupostos de facto que determinem a atribuição de uma indemnização a título de desvalorização da parte sobrante, por inserção em zona "non aedificandi".
10. O mérito do pedido de expropriação total é feito com base no teor da decisão arbitral;
11. Tal decisão arbitral refere de forma expressa fortes reservas e condicionantes à ocupação edificativa da parcela sobrante, atentas as suas características, nomeadamente configuração e eventuais acordos com proprietários confinantes;
12. A não interpretar da forma acima assinalada, o tribunal a quo violou n.º 2 do artigo 3º, artigo 8º, artigo 29º e artigo 55º do Código das Expropriações.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, substituindo-se o decisão recorrida por uma outro que determine a improcedência do pedido de expropriação total formulado.
*

III - Factos Provados

Com interesse para a decisão a proferir, apurou o tribunal “a quo” os seguintes factos:
A) A expropriação da parcela n.º 78.3, foi declarada de utilidade pública e com carácter de urgência por despacho de 12 de Novembro de 2003 proferido pelo Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas, publicado no Diário da República, II Série, n.º 280, de 4 de Dezembro de 2003;
B) A parcela em causa tem a área de 437 m2, a destacar do prédio rústico denominado G………., situado no………., descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o n.º 2466, freguesia de ………., com a área de 1835 m2 que confronta a nascente e norte com H………., a poente com E………. e a sul com caminho público e inscrito na matriz predial sob o art. 1225 (fls. 75,96,225).
C) A parcela em causa confronta do norte com os próprios, a sul com estrada e restante área do prédio, a nascente com H………. e a poente com estrada (fls. 58);
D) A área sobrante é de 1.398 m2 e tem forma triangular alonga da com a profundidade máxima de cerca de 23 metros (acórdão de arbitragem de fls. 165-176);
E) A parcela exproprianda situa-se em "área de expansão de aglomerado/média densidade" (acórdão de arbitragem de fls. 165-176);
F) A parcela sobrante fica parcialmente abrangida pela servidão non aedificandi até 40 m do limite definitivo previsto da plataforma da auto-estrada; ramos dos nós, ramais de acesso, praças de portagem e zonas de serviço com o mínimo de 20 m da zona da estrada numa área de cerca de 990 m2 (acórdão de arbitragem de fls. 165-176);
G) O prédio de que é destacada a parcela confronta com acesso rodoviário local, sendo o caminho pavimentado em betuminoso e dotado de rede de pública de abastecimento de água, de rede de energia eléctrica de baixa tensão e de rede telefónica (acórdão de arbitragem de fls. 165- 176);
H) Após a expropriação, mantêm-se os acessos à parcela sobrante (resposta dos Srs. árbitros ao quesito 22° a fIs.180)
*

IV - O Direito

Em face do teor das conclusões, concluímos que a única questão a averiguar e decidir será saber se, no caso concreto e perante os elementos constantes dos autos, se justifica ou não a expropriação total requerida pelos expropriados.
Vejamos
O art. 55° do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99 de 18 de Setembro, aqui aplicável, dispõe que:

“Dentro do prazo de recurso da decisão arbitral podem os interessados requerer a expropriação total, nos termos do n.º 2 do art. 3°.”

Por sua vez, dispõe o n.º 1 do referido art. 30 do Código das Expropriações, que a expropriação deve limitar-se ao necessário para a realização do seu fim.
Mas, quando seja necessário expropriar apenas parte de um prédio, o proprietário deste pode requerer a expropriação total se ocorrerem as circunstâncias previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 art. 3° do Código das Expropriações, quais sejam:

a) Se a parte restante não assegurar, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio;
b) Se os cómodos assegurados pela parte restante não tiverem interesse económico para o expropriado, determinado objectivamente.

Entende-se que tanto com o n.º 1 como com o n.º 2 deste normativo pretende a lei incutir o princípio de que a expropriação se deve limitar ao estritamente necessário para a realização do seu fim, limitando deste modo o encargo/dever do expropriado, como aflora ainda o interesse do proprietário conjugado com o princípio constitucional da justa indemnização e da proporcionalidade.
Ou seja, perante este normativo, o proprietário além de poder requerer a expropriação total quando a parte restante não assegurar proporcionalmente os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio, pode ainda requerê-la quando os cómodos assegurados pela parte restante não tiverem interesse económico para o expropriado, este determinado, porém, objectivamente.
Esta determinação objectiva tem de seguir critérios que não se podem confundir com interesses de carácter pessoal ou subjectivos ou circunstâncias particulares a si atinentes, mas antes que sem tal expropriação total e ficando-se apenas na parcelar, ocorra perda grave das utilidades do prédio, importando apreciar a afectação relevante do interesse económico do expropriado - Osvaldo Gomes, Expropriação por Utilidade Pública -.
Citando adequadamente Pedro Paes Cansado, Ana Isabel Pacheco e Luís Alvarez Barbosa, em C. das E. Anotado, Coimbra, 2000, pág. 216 e Pedro Elias da Costa, em Guia das Expropriações por Utilidade Pública, 2ª ed., pág. 184 e Perestrelo de Oliveira, Código das E., 2ª ed., anotação ao art. 3, o tribunal “a quo” resume outros princípios também aqui aplicáveis, que convirá repetir, para que tudo fique mais claro, como sejam:

- Estabelecer-se, como que uma indivisibilidade económica do prédio que se traduz em a parte deste não expropriada seguir o destino da parte expropriada, a pedido do expropriado;

- Daí que seja imprescindível à decisão do pedido de expropriação total o apuramento da natureza ou aptidão do prédio antes e depois do seu desmembramento pela expropriação.

O Ac. R. Porto, de 17-05-2004, subscrito pelo ora adjunto Dr. Marques Pereira, sintetiza também os princípios que devem funcionar em tais ocasiões:

I - O direito do expropriado por utilidade pública de requerer a expropriação total do prédio, protege o interesse do proprietário, estabelecendo como que uma indivisibilidade económica do imóvel.
II - Tal direito encontra justificação no facto de, em certos casos, se tornar mais gravosa (para o proprietário) a expropriação apenas da parte necessária ao fim de utilidade pública, do que a da totalidade do prédio.
III - Não basta, para tanto, que haja uma qualquer diminuição de cómodos assegurados ao expropriado pela parte sobrante (não expropriada), o que justificaria, apenas, a contabilização da depreciação daí resultante e sua adição à indemnização referente à parcela expropriada, de acordo com o artigo 29 do Código das Expropriações de 1999.
É necessária uma afectação relevante do interesse económico do expropriado.

Ora, perante todos estes princípios e ensinamentos, analisemos agora se, no caso concreto, se justifica ou não a expropriação total, analisada esta objectivamente.

Responderemos desde já que consideramos que se justifica aqui a expropriação total, tanto mais que, como acentua correctamente a sentença apelada, a parcela expropriada ter a área de 437 m2, que será destacada de um prédio rústico com a área total de 1835 m2, que se situa numa área de expansão de aglomerado/média densidade.
Este factor condicionante ou não da possibilidade de construção na parte do prédio não expropriado, será muito importante e a ter em conta, pois apesar de restar uma área de 1. 389 m2, o certo é que uma parte de 990 m2 fica abrangida por uma área non aedificandi e a restante área de 408 m2, dada a sua configuração triangular alongada com a profundidade máxima de 23m, com as limitações impostas pelo PDM de Paredes relativo à cedência de espaços públicos e equipamentos, fica sem qualquer aptidão construtiva.
Não é pelo facto de se tratar, antes da expropriação, de um terreno florestal, que permanece com tal figurino depois da expropriação, sendo relevante antes anotar que o terreno se situa, todo ele, tanto a expropriada como a expropriar pelo pedido de total, em área de expansão de aglomerado/média densidade.
Ou seja, o que importa averiguar, para efeitos de uma análise objectiva, não será o de se saber que o terreno, antes da DUP, se encontra com aproveitamento económico florestal e provavelmente pode continuar a servir para este fim, sendo antes importante saber que tal terreno se encontra em área de expansão de aglomerado/média densidade.
Este destino é que fixa o seu valor, como aliás se pode ver do laudo de expropriação que o englobou em terreno apto para construção.
E pela expropriação parcial que se realizou, tal construção da parte restante ficou gravemente afectada, como referem, aliás, os Srs. Peritos no seu relatório, considerando «que não proporciona os mesmos cómodos que tinha antes da expropriação, isto é perde todas as capacidades construtivas».
E daí que considerem que se justifica aqui a expropriação total.

Assim, duas ideias basilares restam do que acima se deixou dito e atendendo ao dispositivo legal e aos princípios enunciados:

- quando se avalia sobre um pedido de expropriação total de um terreno, deve-se atender não ao destino que lhe era dado pelo proprietário à parcela antes da expropriação, mas antes à aptidão, condições, possibilidades e potencialidades do terreno fornecido pelo PDM local, atendendo então tanto à sua área, como natureza, estrutura, possibilidade de construção, etc.;
- só nesta perspectiva positivista se pode apreciar correctamente o problema do interesse económico do expropriado, apreciando-o de forma objectiva.

Por isso que não podemos acompanhar a entidade expropriante quando exige que haja alvará, licença ou projecto de construção, como quando afirma que a parte sobrante mantém a potencialidade e aproveitamento económico florestal que lhe vinha sendo dada, não sofrendo qualquer depreciação.
Seguiu bem o entendimento dos Srs. Peritos o Sr. Juiz da 1ª instância e será também este o entendimento da Relação.
*

V - Decisão

Nos termos e pelas razões expostas, acorda-se em se negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Sem custas por delas estar isento a apelante.
*

Porto, 16 de Maio de 2007
Rui de Sousa Pinto Ferreira
Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira
Manuel José Caimoto Jácome